Acessibilidade / Reportar erro

O líquido cefalorraqueano no post-mortem

The cerebrospinal fluid in the post-mortem

Resumos

Foi estudado o LCR de 45 cadáveres, sendo os resultados considerados em função do tempo decorrido entre o momento da morte e a colheita do LCR (TOC). Obedecendo a esse critério os casos foram assim grupados: 1) aqueles com TOC até 4 horas; 2) aqueles com TOC de 4 a 8 horas; 3) aqueles com TOC de 8 horas ou mais. Com o aumento do TOC a presença de hemácias no LCR de cadáveres se torna mais freqüente e mais intensa. A mistura de sangue ao LCR prejudica a avaliação das modificações cadavéricas de outros componentes do LCR, conforme foi demonstrado para as concentrações de cloretos glicose e proteínas totais, para o perfil protêico e para a atividade de transaminases. Assim sendo, para avaliar as modificações da composição do LCR próprias ao post-mortem devem ser considerados apenas os casos com menos de 1000 hemácias/mm³. O número normal de leucócitos foi proporcionalmente mais comum nas amostras provenientes de cadáveres cujo TOC era igual ou superior a 8 horas. A pleocitose foi observada com mais freqüência que o número normal de leucócitos, sendo mais comumente ligeira ou discreta. Quantidades superiores a 50 leucócitos/mm³ foram observadas geralmente em casos relativos a pacientes que faleceram na vigência de processos infecciosos agudos. As concentrações de cloretos e de glicose no LCR tendem a cair no postmortem e as diminuições mostraram-se, em média, tanto mais intensas quanto maior o TOC. A hipoglicorraquia foi, em média mais acentuada nos casos com pleoeitose mais intensa. A concentração de uréia tende a elevar-se de modo precoce, não tendo sido encontradas médias significativamente diversas em função do TOC. A atividade de TGO tende a elevar-se no post-mortem sendo esta elevação, em média, mais nítida a partir do grupo de casos com TOC de 4 até 8 horas. Ocorre também tendência a aumento da atividade de TGP; esta se mostrou menos intensa que a de TGO e, em média, foi mais nítida a partir do grupo de casos com TOC de 8 horas ou mais. A hiperproteinorraquia foi comum e mostrou, em média, tendência a acentuar-se com o aumento do TOC. O perfil protêico foi, geralmente, de tipo "misto", com aumento das globulinas alfa e/ou gama, compensado por queda do teor albumínico. O aumento dessas globulinas foi mais freqüente nos casos em que o óbito ocorreu na vigência de processos infecciosos. Nos casos com menos de 1000 hemácias/mm³ as modificações do perfil protêico, embora do mesmo tipo, eram menos acentuadas; em conjunto, houve predomínio das globulinas, especialmente das dos grupos alfa e gama. Em função do TOC foram verificadas discretas modificações do perfil protêico: com o aumento do TOC tendia a ser maior a participação da globulina gama e menor a da globulina beta. Os aspectos da composição do LCR aqui analisados permitem concluir que, 4 horas após a morte, já se delineiam modificações que caracterizam o LCR no post-mortem, sendo mais nítidas as relacionadas com o número de leucócitos e às concentrações de uréia, cloretos e glicose.


Cerebrospinal fluid examination was carried out in 45 corpes, the results being related to the time elapsed from death till the sample's collection (TOC). The cases were distributed in three groups: 1 — cases with TOC till four hours; 2 — cases with TOC from four till eight hours; 3 — cases with TOC of eight hours or more. The CSF samples were submitted to investigations concerning to the cytology, the concentrations of chlorides, glycosis, urea and total proteins, the protein profile and the activities of glutamic-oxalacetic (GOT) and glutamic-pyruvic (GPT) transaminases. It was found that the presence of red blood cells became more frequent and that the number of hematiae tended to be higher with the increase of the TOC. The number of red blood cells in the sample indicates the degree of CSF and blood mixture, the evaluation of data proper to CSF composition being impaired by mixture. So, the evaluation of the changes that may be considered proper to the CSF in the post-mortem was carried out only in the samples presenting no more then 1,000 hematiae per mml. Normal white cells number was proportionally more common in the third group of cases. Pleocytosis was more frequently found than normal cell count. It was slight or discrete in most of the cases. More than 50 white cells per mml were found in the samples collected from cases in which the patients had died in the course of acute infections. Low concentrations of chloride and glycosis were found in most of the cases and they tended to be lower with the increase of TOC. Hipoglycorrhachia was found to be more intense in the cases with pleocytosis. The concentration of urea was high in most of the cases; the increase of urea contents was at the same range in the three groups of cases considered. High GOT and GPT activities were found in several cases and the TOC appeared to influence the increase of these activities. This influence was more conspicuous in the last group only for GPT. Total protein concentrations above normal were frequent. They tended to be more conspicuously elevated with the increasing of TOC. The protein profiles were marked by the inversion of albumin/globulins ratio. They tended to be of the mixed type, with increase in the alpha and/or gamma globulins participation. The gamma globulin increase was more frequently observed. The increase of these globulin fractions was more conspicuous in the cases refering to patients who died during infectious diseases. An increase of the beta globulin fraction was observed in four cases: in two the death occurred in the course of hepatic cyrrhosis and, in two, of neoplasies. The influence of TOC on the protein profile changes was discrete: with the increase of the TOC the participation of gamma globulin increased and that of beta globulin decreased. The aspects of CSF composition here considered allow the conclusion that many of the changes are delineated during the first 4 hours after death, being more conspicuous those related to cell contents and chloride, glycosis and urea concentrations.


O líquido cefalorraqueano no post-mortem

The cerebrospinal fluid in the post-mortem

A. Spina-FrançaI; Tito CavalloII; Aluizio de B. B. MachadoIII; A. Gama da RochaIV; Naide GalhardoIV

IDepartamentos de Neurologia (Prof. A. Tolosa) e Anatomia Patológica (Prof. C. Mignone) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: Professor assistente

IIDepartamentos de Neurologia (Prof. A. Tolosa) e Anatomia Patológica (Prof. C. Mignone) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: Instrutor

IIIDepartamentos de Neurologia (Prof. A. Tolosa) e Anatomia Patológica (Prof. C. Mignone) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: Médico estagiário

IVDepartamentos de Neurologia (Prof. A. Tolosa) e Anatomia Patológica (Prof. C. Mignone) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: Médico-assistente

IVDepartamentos de Neurologia (Prof. A. Tolosa) e Anatomia Patológica (Prof. C. Mignone) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: Farmacêutica estagiária

RESUMO

Foi estudado o LCR de 45 cadáveres, sendo os resultados considerados em função do tempo decorrido entre o momento da morte e a colheita do LCR (TOC). Obedecendo a esse critério os casos foram assim grupados: 1) aqueles com TOC até 4 horas; 2) aqueles com TOC de 4 a 8 horas; 3) aqueles com TOC de 8 horas ou mais.

Com o aumento do TOC a presença de hemácias no LCR de cadáveres se torna mais freqüente e mais intensa. A mistura de sangue ao LCR prejudica a avaliação das modificações cadavéricas de outros componentes do LCR, conforme foi demonstrado para as concentrações de cloretos glicose e proteínas totais, para o perfil protêico e para a atividade de transaminases. Assim sendo, para avaliar as modificações da composição do LCR próprias ao post-mortem devem ser considerados apenas os casos com menos de 1000 hemácias/mm3.

O número normal de leucócitos foi proporcionalmente mais comum nas amostras provenientes de cadáveres cujo TOC era igual ou superior a 8 horas. A pleocitose foi observada com mais freqüência que o número normal de leucócitos, sendo mais comumente ligeira ou discreta. Quantidades superiores a 50 leucócitos/mm3 foram observadas geralmente em casos relativos a pacientes que faleceram na vigência de processos infecciosos agudos. As concentrações de cloretos e de glicose no LCR tendem a cair no postmortem e as diminuições mostraram-se, em média, tanto mais intensas quanto maior o TOC. A hipoglicorraquia foi, em média mais acentuada nos casos com pleoeitose mais intensa. A concentração de uréia tende a elevar-se de modo precoce, não tendo sido encontradas médias significativamente diversas em função do TOC. A atividade de TGO tende a elevar-se no post-mortem sendo esta elevação, em média, mais nítida a partir do grupo de casos com TOC de 4 até 8 horas. Ocorre também tendência a aumento da atividade de TGP; esta se mostrou menos intensa que a de TGO e, em média, foi mais nítida a partir do grupo de casos com TOC de 8 horas ou mais. A hiperproteinorraquia foi comum e mostrou, em média, tendência a acentuar-se com o aumento do TOC.

O perfil protêico foi, geralmente, de tipo "misto", com aumento das globulinas alfa e/ou gama, compensado por queda do teor albumínico. O aumento dessas globulinas foi mais freqüente nos casos em que o óbito ocorreu na vigência de processos infecciosos. Nos casos com menos de 1000 hemácias/mm3 as modificações do perfil protêico, embora do mesmo tipo, eram menos acentuadas; em conjunto, houve predomínio das globulinas, especialmente das dos grupos alfa e gama. Em função do TOC foram verificadas discretas modificações do perfil protêico: com o aumento do TOC tendia a ser maior a participação da globulina gama e menor a da globulina beta.

Os aspectos da composição do LCR aqui analisados permitem concluir que, 4 horas após a morte, já se delineiam modificações que caracterizam o LCR no post-mortem, sendo mais nítidas as relacionadas com o número de leucócitos e às concentrações de uréia, cloretos e glicose.

SUMMARY

Cerebrospinal fluid examination was carried out in 45 corpes, the results being related to the time elapsed from death till the sample's collection (TOC). The cases were distributed in three groups: 1 — cases with TOC till four hours; 2 — cases with TOC from four till eight hours; 3 — cases with TOC of eight hours or more. The CSF samples were submitted to investigations concerning to the cytology, the concentrations of chlorides, glycosis, urea and total proteins, the protein profile and the activities of glutamic-oxalacetic (GOT) and glutamic-pyruvic (GPT) transaminases.

It was found that the presence of red blood cells became more frequent and that the number of hematiae tended to be higher with the increase of the TOC. The number of red blood cells in the sample indicates the degree of CSF and blood mixture, the evaluation of data proper to CSF composition being impaired by mixture. So, the evaluation of the changes that may be considered proper to the CSF in the post-mortem was carried out only in the samples presenting no more then 1,000 hematiae per mml.

Normal white cells number was proportionally more common in the third group of cases. Pleocytosis was more frequently found than normal cell count. It was slight or discrete in most of the cases. More than 50 white cells per mml were found in the samples collected from cases in which the patients had died in the course of acute infections.

Low concentrations of chloride and glycosis were found in most of the cases and they tended to be lower with the increase of TOC. Hipoglycorrhachia was found to be more intense in the cases with pleocytosis. The concentration of urea was high in most of the cases; the increase of urea contents was at the same range in the three groups of cases considered.

High GOT and GPT activities were found in several cases and the TOC appeared to influence the increase of these activities. This influence was more conspicuous in the last group only for GPT.

Total protein concentrations above normal were frequent. They tended to be more conspicuously elevated with the increasing of TOC. The protein profiles were marked by the inversion of albumin/globulins ratio. They tended to be of the mixed type, with increase in the alpha and/or gamma globulins participation. The gamma globulin increase was more frequently observed. The increase of these globulin fractions was more conspicuous in the cases refering to patients who died during infectious diseases. An increase of the beta globulin fraction was observed in four cases: in two the death occurred in the course of hepatic cyrrhosis and, in two, of neoplasies. The influence of TOC on the protein profile changes was discrete: with the increase of the TOC the participation of gamma globulin increased and that of beta globulin decreased.

The aspects of CSF composition here considered allow the conclusion that many of the changes are delineated during the first 4 hours after death, being more conspicuous those related to cell contents and chloride, glycosis and urea concentrations.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

Departamento de Neurologia — Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo — Caixa Postal 3461— São Paulo, SP — Brasil.

  • 1. CARDOSO, A.; CERQUEIRA, F. M. C. & GERMEK, O. A. Nota sôbre o método de Reitman e Frankel para a determinaçăo das transaminases. Rev. do Hosp. das Clínicas (Săo Paulo) 16:350, 1961.
  • 2. DITO, W. R. Transaminase activity in postmortem cerebrospinal fluid. Amer. J. clin. Pathol. 42:360, 1964.
  • 3. FUCCI, P. Modificazioni post-mortali del liquido cefalo-rachidiano in relazione al tempo ed alla causa della morte. Lav. Neuro-psichiat. 17:368, 1955.
  • 4. HABECK, D.; KEHRER, H. E. & SCHMIDT, H. Das post-mortale Eiweissbild de Liquor Cerebrospinalis. Arch. Psychiatr. Nervenkr. 200:439, 1960. Resumo inExcerpta Medica 13:5370, 1960.
  • 5. PFEIFER, K. & SCHNEIDER, W. Uber das Verhalten des Liquorzuckers nach dem Tode und seine diagnostische Bedeutung. Virchows Arch. path. Anat. 339: 331, 1965.
  • 6. PUPO, P. P. & REIS, J. B. Valor médico-legal do exame do líquido céfalorraqueano do cadáver. Arq. Serviço Assist. Psicópatas do Estado de Săo Paulo 4:197, 1939.
  • 7. REIS, J. B. & PUPO, P. P. O valor do exame do líquido céfalorraqueano no cadáver. Arq. Serviço Assist. Psicópatas do Estado de Săo Paulo 2:373, 1937.
  • 8. SPINA-FRANÇA, A. Eletroforese em papel das proteínas do líquido céfalorraqueano. Rev. paulista de Med. 59:420, 1961.
  • 9. SPINA-FRANCA, A. Interpretaçăo clínica do exame do líquido céfalorraqueano. Rev. paulista de Med. 68:161, 1966.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 1969
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org