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Leucotomia pré-frontal em menores

Prefrontal leucotomy in girls

Mário Yahn; Stanislau Krynski; A. Mattos Pimenta; Afonso Sette Júnior

RESUMO E CONCLUSÕES

Os autores selecionaram um grupo de nove menores com perturbações psíquicas graves, exteriorizadas por importantes desvios de conduta (agressividade, irritabilidade, crises nervosas intensas, tendências perversas e anti-sociais) submetendo-as à leucotomia de Freeman-Watts. A distribuição diagnóstica do material estudado foi a seguinte: pacientes epilépticas oligofrênicas (4 casos) ; oligofrênicas endógenas (2 casos) ; oligofrênicas pós-meningoencefalite (2 casos) ; personalidade psicopática com componente oligofrênico (1 caso). As pacientes foram observadas diariamente, durante aproximadamente um ano.

Os resultados foram: remissão social em um caso (o de personalidade psicopática) e 4 casos melhorados; não foram influenciados 2 casos ; 2 pacientes faleceram em conseqüência da intervenção. Os sintomas mais influenciados pela operação foram: exibicionismo, tendências destruidoras e perversas, impulsividade, logorréia, solilóquios, ataques epilépticos, crises ansiosas, revolta colérica, tentativas de fuga e alheamento. A maioria dos resultados persiste há mais de 6 meses.

As dificuldades da técnica operatória residiram principalmente nas alterações ventriculares, comuns em casos dessa natureza. Hemorragia cerebral maciça foi o motivo dos dois óbitos registrados.

De modo geral, a leucotomia pela técnica de Freeman-Watts influi de maneira decisiva sôbre os desvios de conduta ativos dos menores com distúrbios do tipo daqueles descritos no presente trabalho. Pareceu aos autores que o grau de influência foi além daquele que se costuma observar na esquizofrenia crônica. A explicação sugerida é a de que, nos indivíduos jovens, a arquitetonia cerebral, ainda não de todo completada, permite maiores possibilidades de suplência e de impressão de sentido diverso na organização neuropsíquica, em conseqüência das interrupções anátomo-funcionais produzidas pela operação. Julgam os autores que os resultados obtidos são encorajadores para ulteriores verificações neste sentido.

SUMMARY AND CONCLUSIONS

Nine pacients aged between 9 and 16 with behavior disturbances were subjected to the Freeman and Watts's prefrontal leucotomy. The series comprises the following diagnostics : feeblemindness with epilepsy (4 cases), endogenous feeblemindness (2 cases), feeblemindness following meningoencephalitis (2 cases), psychopathic personality (1 case). The patients were followed up to one year. The results follow: social recovery (1 case), improvement (4 cases), failures (2 cases), deaths (2 cases).

The operation was particularly effective on symptoms such as exhibitionism, destructive and perverse trends, impulsiveness, logorrhea, verbal automatism, epileptic seizures, anxiety crisis, wrath outbursts, escaping trends, environmental apathy.

The ventricular changes, as revealed by pneumoencephalography, rendered a little difficult the proper placement of the incisions. Postoperative cerebral hemorrhage caused 2 deaths.

The authors conclude that the Freeman and Watts's leucotomy can influence in a decisive way conduct disorders in young persons. The degree of relief seems larger than that achieved upon chronic adult schizophrenics, which probably is to be related to a larger capacity of replacement possessed by immature brains, leading to a new neuropsychical orientation as a result of the anatomical and functional interruptions produced by the operation. Though only a few cases were available, the authors feel warranted to stress that further clinical research must be undertaken on the subject of this paper.

Depois de têrmos conseguido que grande número de pacientes fôsse submetido à leucotomia por várias técnicas, e de aceitarmos, como mais provável explicação das remissões, a interferência dos fenômenos de suplência ou compensação no funcionamento cerebral, pensamos que, na infância, as possibilidades de resultados favoráveis seriam maiores do que no adulto. Admitimos que a secção das vias nervosas intracerebrais interromperia a passagem dos influxos, forçando-os à busca de novas vias. Essa transposição de funções favoreceria um reajustamento dos mecanismos cerebrais, que se fariam no sentido predominante de se restabelecerem condições normais, com prejuízo para os anormais, pré-existentes. Em igualdade de condições, era de supor que, em indivíduos jovens, as probabilidades de sucesso seriam muito maiores que no adulto, em virtude da evolução natural, não só do sistema nervoso, como também das aptidões psíquicas, variáveis com a idade. Percorremos a bibliografia a respeito e pudemos verificar a inexistência de trabalhos especializados sobre a leucotomia em menores. Apenas Freeman e Watts fizeram uma comunicação ao "Institute of Living" sobre a leucotomia na esquizofrenia iniciada na infância.

Por outro lado, a terapêutica para as perturbações psíquicas e neuropsíquicas em menores, fora do setor da neurose, é muito precária. Principalmente o material clínico hospitalizado nos grandes serviços psiquiátricos, tal como é o Hospital de Juqueri, é pouco influenciável pelas terapêuticas já tornadas clássicas. Em serviços dessas natureza, aos poucos se acumulam os casos de encefalopatia infantil, de epilepsia, de oligofrenia e de personalidades psicopáticas, nos quais não faltam, como particularidades dominantes, os desvios de conduta, as atitudes antisociais e as perversões instintivas. Não raro, embora se aperfeiçoem as condições do serviço, metodizando ao máximo a rotina da vida diária, não dispomos de recursos para demover situações mais renitentes e mais graves. O grande número de tais casos, a gravidade do prognóstico, os problemas decorrentes dos desvios de conduta, criam constantemente situações complexas no meio da família, da sociedade e do próprio hospital.

Daí as esperanças que depositávamos na aplicação da leucotomia aos distúrbios neuropsiquiátricos em menores, com o objetivo de remover os desvios mais grosseiros, sumariamente mencionados há pouco. Pensamos ter a presente contribuição, senão o mérito de um método terapêutico seguro - segurança esta difícil de avaliar em virtude do pequeno número de intervenções realizadas, que não permite ainda afirmações dessa natureza - ao menos o de constituir uma tentativa, baseada na experiência anterior com a leucotomia, em adultos, no sentido de indicar uma possível terapêutica em determinados casos nos quais os outros métodos decepcionaram totalmente.

Nosso escopo não foi totalmente obtido nesta primeira tentativa, mas pensamos ter realizado o passo inicial. Se êle fôr capaz de levantar o problema e conduzir, como pensamos, a algo mais concreto para a verdadeira aquilatação do valor da leucotomia cerebral em menores, possibilitando talvez uma vida um pouco menos penosa a tais pacientes, sentir-nos-emos mais que satisfeitos pelos esforços empreendidos.

MATERIAL DE ESTUDO

Tanto a precariedade dos resultados de terapêuticas anteriormente tentadas como as perspectivas teóricas das nossas concepções, nos levaram a selecionar um grupo de 9 pacientes no 2.° pavilhão (menores) da Secção Feminina do Hospital de Juqueri. Em relação às idades, são elas distribuídas da seguinte maneira: 9 anos (caso 1) ; 10 anos (caso 3) ; 12 anos (casos 6 e 8) ; 13 anos (casos 4, 7 e 9) ; 15 anos (caso 2); 16 anos (caso 5).

Em se tratando de trabalho inicial, procuramos basear sua realização na seleção cuidadosa das pacientes, as quais sòmente submetíamos à intervenção cirúrgica mediante prévia autorização da família. Além disso, procuramos iniciar os estudos com os casos que nos pareceram piores sob o ponto de vista prognóstico. É essa uma das causas do número relativamente pequeno das intervenções realizadas, posto que não tentamos a operação nas pacientes mais adaptadas à rotina do Pavilhão, bem como naquelas em que a família se opôs à mesma.

Procuramos também limitar, ao máximo, os possíveis riscos operatórios, mas, ainda assim, encontramos certa resistência por parte de algumas famílias, o que não nos permitiu levantar casuística maior. As doentes que fazem parte do presente trabalho foram observadas diariamente, em serviço hospitalar, pelo espaço mínimo de um ano.

A observação diária das pacientes, com o fim mencionado, exigiu uma metodização, visando certa uniformização dos sintomas apresentados, o que, se bem que não delimitasse quadros especiais, possibilitou o agrupamento necessário para uma visão estatística do conjunto. Para tanto, baseados nos modelos utilizados por Freeman, por Salomon e por Meyer, idealizamos uma "fôlha de conduta", na qual estão assinaladas, na coluna vertical à esquerda, as manifestações de maior importância para a avaliação do caráter normal ou anormal de cada paciente. As manifestações compreendidas entre as linhas horizontais 24 e 33, estão dentro da faixa de normalidade. Os sintomas considerados patológicos estão enumerados acima e abaixo desta faixa, sendo sua gravidade proporcional ao afastamento desta. Para efeito didático chamaremos aos sintomas situados acima, de produtivos e os abaixo, de deficitários. Nas colunas verticais que se seguem, à direita da dos sintomas, estão assinalados, em preto, os sintomas presentes em cada caso, antes e depois da operação. Esta última é indicada por uma coluna vertical encabeçada por uma seta dirigida para baixo. As colunas, à esquerda e à direita, correspondem cada uma a um período de observação de 15 dias, anterior ou ulterior à operação. Desta maneira, a simples inspecção permite avaliar o grau de afastamento da normalidade existente em cada caso e o efeito da leucotomia. Para facilitar o manejo das "fôlhas de conduta", pelo pessoal de enfermagem, foram empregados os têrmos comuns de linguagem.

O material de estudo se compõe, do ponto de vista diagnóstico, dos seguintes casos: epilepsia com componente oligofrênico acentuado (4 casos) ; oligofrenia endógena acentuada (2 casos) oligofrenia pós-meningoencefalite (2 casos) ; personalidade psicopática com componente oligofrênico (1 caso).

TÉCNICA OPERATÓRIA

Além dos exames pré-operatórios de rotina, fazíamos a radiografia simples do crânio e a pneumencefalograíia, o que permitiu verificar as alterações na forma, tamanho e posição dos ventrículos, que tem sido descrita nas encefalografias infantis, além de fornecer dados anatômicos para a localização dos planos de secção da substância branca pré-frontal. Verificamos, não só pelo pneumencefalograma, mas pela própria sondagem ventricular durante a operação que, em geral, o limite rostral do côrno frontal ventricular mostrava-se bastante anterior ao plano de sutura coronária, o que nos levou, tendo em mira evitar a intervenção em plano demasiadamente anterior, a praticar a secção dos QQ.II. obliquamente para baixo e para trás, em direção ao bordo posterior da pequena asa do esfenóide. Os QQ.SS. foram seccionados obliquamente, de maneira que, no final da incisão, o leucótomo se encontrasse no plano da sutura coronária.

A pneumencefalografia preliminar e a própria operação foram dificultadas pela agitação das pacientes. Este foi o motivo de empregarmos o nembutal ou luminal (5 a 10 cg. ou mais) na noite de véspera e na manhã da operação. Com esta medicação as pacientes mais agitadas se tornavam accessíveis à anestesia intravenosa. Para êsse fim empregamos o tionembutal em grande diluição em solução fisiológica (1 g. para 250 em sol. fisiológica). A diluição eqüivale a 0,4%, e é administrada por um sistema infusor provido de contagotas, o que permite regular, de acôrdo com a necessidade, a velocidade da injeção. Desta maneira aumentamos pràticamente a zona manejável do anestésico, e não tivemos nenhum acidente desagradável, embora seja êste anestésico contra-indicado em indivíduos de menor idade. Nunca levamos a profundidade da anestesia além da narcose leve, na qual o doente reage ainda aos estímulos dolorosos da pele. Por isso fizemos sempre a anestesia local infiltrativa pela novocaína em solução a 2 %.

A operação foi realizada em um tempo, de acôrdo com a técnica original de Freeman e Watts, com exceção dos casos 2 e 7, que foram operados em dois tempos, primeiro à esquerda e, depois, à direita. O motivo disso foi a ocorrência, durante a operação, de hemorragia cerebromeníngea mais intensa do que aquela observada habitualmente e por tratar-se de doentes constantemente agitadas, e nas quais o esfôrço muscular fazia temer a possibilidade de uma repetição da hemorragia.

RESUMO DAS OBSERVAÇÕES

Caso 1 - D.L., 9 anos, branca, brasileira, internada em 22 de janeiro de 1943 (R.G. 25.461). Antecedentes familiares sem particularidades. Antecedentes pessoais - Nascida a termo, de parto normal. Deambulação aos 18 meses. Crises convulsivas de feitio comicial desde 4 meses de idade. Aos 2 anos, pneumonia lobar. Geralmente calma, apresentava, por vezes, crises de irascibilidade e agitação, tornando-se então agressiva. Não cursou escola. Nunca falou, emitindo apenas sons surdos. Exame físico - Menina branca, em regular estado de nutrição. Razoavelmente constituída. Pele recoberta por sinais e cicatrizes em conseqüência de quedas e automutilação. Mucosas visíveis pouco coradas. Peso 19 kg; altura 1,26 m. Cacodentia. Queilose. Nada de especial ao exame dos diferentes aparelhos. Nada verificamos também ao exame neurológico. Exame psíquico - Paciente calma, porém instável. Fácies atoleimada. Parece ser muda, pois nada fala- porém entende o que dizemos, esboçando gestos. Permanece com os olhos semi-cerrados, o que reforça a expressão atoleimada. Olhar vago pouco vivo. Por vezes sorri, sem motivo aparente. Alimenta-se e dorme regularmente. Sua conduta no Serviço (gráfico 1) registra freqüentes rixas com as companheiras, irritabilidade, fácil agitação e agressividade. Tem apresentado raras crises convulsivas, tipicamente, epilépticas (média de 2 a 3 mensais). Diagnóstico — Epilepsia essencial. Oligofrenia, em grau de idiotia.


Tratamento - Anticonvulsivantes (Luminal e Epelin). Indicada a leucotomia pré-frontal. Operação em 10 de novembro de 1947 - Leucotomia total bilateral, a Freeman e Watts, sob anestesia local. Secção até 4 cm. de profundidade média, sendo em ambos os lados tocada a pequena asa do esfenóide. Um pouco de sangue intradural à direita. Evolução — Após um período pós-operatório sem acidentes, a paciente apresentou (fevereiro de 1948) um quadro semelhante ao anterior. Não cedeu nenhum dos sintomas antes existentes, conservando-se as mesmas características anteriores. A freqüência das crises convulsivas diminuiu sensivelmente.

Conclusão - Paciente não influenciada com respeito ao fim visado. Melhorada em relação à freqüência das crises convulsivas (reduzida de 50% a freqüência dor. ataques).

Caso 2 - I.M., 15 anos. branca, brasileira, internada em 7 de março de 1947 (R.G., 36A77V Antecedentes familiares sem particularidades. Antecedentes pessoais - Nascida a têrmo, de parto normal. Deambulação com 1 ano. Começou a falar com 2 anos. Aos 4 começou a apresentar crises nervosas. Em 1942 (aos 13 anos) começou a apresentar crises convulsivas de feitio comicial. Tem estado nervosa, fàcilmente irritável, irrequieta e instável. Cursou escola primária com bom aproveitamento, abandonando-a em virtude das crises comiciais. Menarca aos 14 anos. Exame físico - Paciente nnrmolínea, bem constituída, em regular estado de nutrição. Pêso 39 kg; altura 1,45 m. Mucosas descoradas. Diversas cicatrizes nos membros em conseqüência de quedas por ocasião das crises convulsivas. Dentes em mau estado. Nada de esoecial ao exame dos diferentes aparelhos. Reflexos normais. Exame psíquico - Paciente calma, apática, desinteressada pelo ambiente. Orientada em relação a sua pessoa e tempo; desorientada quanto ao local. Não apresenta, distúrbios da ideação e da sensoperceoção. Nível cultural abaixo. Há certo rebaixamento global da personalidade. Hipoemotividade. Conduta má: impulsiva, irritável, perversa, agitada, agressiva, crises nervosas agudas (gráfico 2). Crises convulsivas de média freqüência, precedidas por aura visual e cefaléias. Exames complement ar es - Liqüido cefalorraqueano sem particularidades. Diagnóstico - Epilepsia essencial. Oligofrenia, debilidade mental.


Tratamento - Anticonvulsivantes (Luminal e Epelin). Indicada a leucotomia pré-frontal de Fropman e Watts em um tempo. Operação em 17 de novembro do 1947 - Anestesia local. Como a paciente apresentasse, à esquerda, no local da pele correspondente à incisão de Freeman e Watts, uma cicatriz de infecção pregressa, usamos, por exceção, a via de acesso de Egas Moniz. Devido à veemência de hemorragia cerebral e meníngea, superior à habitual e só controlada por eletrocoagulação, julgamos mais prudente, tendo em vista tratar-se de doente em geral agitada - embora seu comportamento durante o ato cirúrgico fosse calmo e co-operante — limitar nossa intervenção ao lado esquerdo. A secção foi feita no plano pré-frontal. a uma profundidade de 5 cm. Em 4 de dezembro de 1947. leucotomia total direita, a Freeman e Watts, fob anestesia local. Evolução - Após o ato cirúrgico, o estado físico da paciente melhorou sensivelmente. No tocante aos desvios de conduta, apresentou melhora após o primeiro tempo cirúrgico, quando desapareceram quase todos os sinais de agitação e agressividade. diminuíam as tendências perversas e associais, pemanecendo apenas leve grau de confusão e enurese noturna. Após o segundo, para nossa surpresa, reapareceu a irritabilidade e agressividade (se bem que em menor intensidade que antes do primeiro tempo operatório), bem como começou a apresentar espurície sinal antes inexistente.

Conclusão - Parcialmente influenciada quanto ao fim visado.

Caso 3 - N.A., 10 anos, branca, brasileira, internada em 16 de janeiro de 1946 (R.G. 32.665). Antecedentes familiares - Pais vivos. A mãe é um pouco nervosa. Tem 3 irmãos sadios. Antecedentes pessoais - Nascida a têrmo, de parto normal. Desenvolvimento regular. Teve apenas as moléstias próprias à infância. Aos 11 meses teve a primeira crise convulsiva, que se vem repetindo desde então e com freqüência. Exame clínico - Estado físico satisfatório. Altura 1,27 m.; peso 27,5 kg. Bem constituída. Fala apenas algumas palavras, porém entende, executando as ordens mais simples. Calma, porém instável. Déficit global da personalidade. Tipo infantil, sujeito a mecanismos primitivos. Raciocínio e ideação paupérrimos. Apragmatismo. Falta de contacto com as companheiras. Espurície. Freqüentes crises epilépticas (em média 2 a 3 por semana) típicas. Graves desvios de conduta. Exames complemcntares - Liqüido cefalorraqueano sem particularidades. Craniograma normal. Pneumencefalograma: discreta dilatação simétrica dos ventrículos laterais. Diagnóstico - Epilepsia essencial (?). Oligofrenia (imbecilidade).

Tratamento - Leucotomia cerebral a Freeman e Watts (secção completa em um tempo). Evolução - Após um período pós-operatório regular, a paciente passou a apresentar diminuição dos sinais produtivos. Assim, cessaram as tendências destrutivas, não mais se desnuda, não tem estado agitada. Permanecem o desinterêsse, indiferença e confusão relativa. O estado geral é bom. As crises convulsivas permanecem com o mesmo ritmo.

Conclusão - Parcialmente influenciada quanto ao fim visado. Não houve melhora das crises convulsivas.

Caso 4 - E.R., 12 anos, brasileira, branca, internada em 22 de novembro de 1945 (R.G. 35.254). Antecedentes familiares - Pais vivos, gozando saúde; 2 irmãos sadios. É a última filha. Um tio materno é débil mental. Antecedentes pessoais - Nascida a têrmo, de parto normal. Andou aos 2 anos. Falou "com atraso". Aos 2 anos mais ou menos teve pielite. Moléstias próprias à infância. Com 13 anos principiou a dormir mal e chorar continuadamente. Na ocasião foi diagnosticado derrame cerebral (sic). Desvios de conduta determinando sua internação. Exame clínico - Constituição robusta, estado geral satisfatório. Atitudes passivas, indiferente ao exame. Fácies tola, com sorrisos atoleimados e imotivados. Fala apenas algumas palavras e entende alguma cousa, não executando qualquer atividade útil. Personalidade insuficientemente desenvolvida, alcance intelectual nulo. Analfabeta. Não diferencia pessoas, porém reconhece objetos. Infantil, com reações primitivas a serviço dos instintos primários. Modulação afetiva instável. Conduta má, ora apresentando períodos de depressão e apatia, durante os quais permanece a um canto, chorando, ora períodos de agitação e destruição, quebrando o que encontra ao seu alcance, rasgando roupas, gritando. Dorme mal nestas ocasiões, perturbando as companheiras. Apragmatismo. Exames complementares - Liqüido cefalorraqueano sem particularidades. Craniograma normal. Pneumencefalograma: hidrocefalia externa, mais acentuada à direita. Diagnóstico - Oligofrenia, idiotia. Possível encefalite pregressa.

Tratamento - Leucotomia cerebral a Freeman e Watts (secção completa em um tempo). Operação em 10 de outubro de 1947 - Anestesiada pelo tionembutal. Paciente rebelde, difícil de conter. À abertura da dura-máter, cérebro sem pulsações visíveis, sob tensão. À esquerda, saída de liquor sob forte pressão à punção do côrno frontal do ventrículo, cuja situação era bastante anterior.

Evolução - A paciente melhorou no tocante à agressividade e às tendências destruidoras. Mais calma, não mais agride as companheiras, recebendo bem as visitas. Não mais defeca nas roupas. Parcialmente influenciada. Atualmente, voltou às condições anteriores, sendo apenas um pouco mais calma (junho de 1948).

Caso 5 - A.C., 16 anos, branca, brasileira, internada em 5 de outubro de 1944 (R.G., 28.859). Antecedentes familiares- Pais vivos e sadios. Cinco irmãos sadios. Não há psicopatia na família. Antecedentes pessoais - Nascida a termo, de parto normal. Teve as moléstias próprias à infância e coréia. Andou com 15 meses e falou aos 2 anos. Desde 8 anos é desobediente, teimosa, facilmente irritável e desatenciosa. Quando repreendida pela nrogenitora, reagia violentamente ao ponto de agredí-la. Quando nervosa, rasgava roupa, destruía objetos ao alcance das mãos. Maltratava pequenos animais. Freqüentamente fugia de casa. Freqüentou escola sem qualquer proveito. Analfabeta. Exame clínico - Estado físico bastante; satisfatório. Inibida. Atenção instável, dispersiva, apresentando momentos de alheamento. Processos perceptivos regulares. Crítica e lógica más. Tendências impulsivas intensas. Tipo infantil, sujeita a mecanismos primitivos. Instabilidade psicomotora. Hiperestésica, com acessos de cólera, bruscos e imotivados. Exames complementares - Liqüido cefalorraqueano sem particularidades. Craniograma normal. Pneumencefalograma normal. Diagnóstico - Personalidade psicepática perversa, associai, com componente oligofrênico.

Indicação terapêutica - Leucotomia cerebral a Freeman e Watts (secção completa em um tempo). Operação em 10 de setembro de 1947 - Anestesia local. Após abertura da dura-máter, saída de liquor em abundância, com aparecimento das pulsações cerebrais, antes não perceptíveis. Secção entre 4,5 a 5 cm., plano pré-frontal.

Evolução e conclusões - Apresentou, logo após a intervenção, notável melhora, tomando-se cooperativa, sociável, obediente; passou a freqüentar escola, tendo relativo aproveitamento. Tal estado perdurou até 6 meses após, quando assinamos sua licença de prova, visando possível readaptação social e familiar. Continuava de licença em junho de 1948.

Caso 6 - M.A.M., 12 anos, brasileira, branca, internada cm março dc 1947 (R.G. 35.881). Antecedentes familiares sem importância. Antecedentes pessoais — Nascida a têrmo, de parto normal. Andou aos 4 anos e nunca falou. Aos 6 meses teve afecção com hipertermia, apresentando, desde então, acessos convulsivos. Exame físico - Paciente longilínea, regularmente constituída, em mau estado de nutrição. Pêso 29 kg; altura 1,50 m. Pele recoberta de cicatrizes irregulares, conseqüência de quedas e automutilação. Nada de especial ao exame dos diferentes aparelhas. Exame neurológico impossível. Reflexos oculares presentes e normais. Exame psíquico — Veio trazida pela enfermeira, com as mãos atadas em virtude das tentativas de automutilação. Atitude de revolta, agitada, emitindo sons guturais incompreensíveis. Freqüentes reações de furor à menor tentativa de exame, precisando ser contida. Fácies ansiosa, hipercinética, com freqüentes expressões de medo. Bôca aberta, escorrendo saliva. Olhar vivo e brilhante. Cabelos em desalinho. Não fala nem parece compreender o que dizemos. Reações meramente instintivas, com grande déficit global. Sua conduta no Serviço coincide com a acima descrita. Alimenta-se mal, mesmo com auxílio. Dorme regularmente. Diagnóstico - Oligofrenia (idiotia); possível seqüela de encefalite.

Indicação terapêutica — Leucotomia cerebral a Freeman e Watts (secção completa em um tempo). Operarão em 8 de setembro de 1947 - Anestesia pelo tionembutal. Paciente extremamente agitada, rebelde, difícil de conter. Após abertura da dura-máter, cérebro sob tensão e não pulsátil à esquerda. Espaço subdural amplo, com saída de liquor em jacto, à direita. Secção dos 4 quadrantes entre 4 a 5 cm. de profundidade. Durante a operação, laringospasmo controlado pela atrepina.

Evolução - Tornou-se um pouco mais calma. Seu estado geral piorou sensivelmente, tendo sido removida para Clínica Médica, onde melhorou após alguns meses de tratamento geral. Voltou ultimamente daquele serviço, com sensível melhora física. Está um pouco mais calma, não necessitando contensão. Alimenta-se razoavelmente. Pouco influenciada em relação ao fim visado. Atualmente está emagrecida, mas com estado psíquico melhorado. Foi removida recentemente para a Colônia (junho de 1948).

Caso 7 - L. de Tal, 13 anos, parda, brasileira, internada em 13 de julho de 1945 (R.G. 30.919). Não há informes sobre os antecedentes familiares e pessoais. Exame físico - Bom estado geral. Nada a assinalar ao exame dos diferentes aparelhos. Reflexos normais. Exame psíquico - Calma, apática. Fácies tódi. pueril, indiferente. Atenção, compreensão e memória falhas. Raciocínio e ideação paupérrimos. Capacidade de julgamento nula. Desorientada, em função da deficiência global. Analfabeta. Conduta má (gráfico 7), fàcilmente irritável; fala e gesticula em demasia; conceitos pueris, tolos, pouco estruturados; agressiva, tem nítidas tendências perversas e associais. Exames complementares - Líqüido cefaloraqueano sem particularidades. Craniograma normal. Pneumencefalografia normal. Diagnóstico - Oligofrenia (imbecilidade), com desvios graves de conduta.

Tratamento — Indicada a leucotomia cerebral e Freeman e Watts (secção completa em um tempo). Operação em 18 de novembro de 1947 - Leucotomia total esquerda, segundo Freeman e Watts, sob anestesia local, secção entre 4,5 a 5 cm. de profundidade. Devido à veemência de hemorragia cerebromeníngea controlada com certa dificuldade, e à inesperada agitação surgida após a trepanação e prolongada até o final da secção do Q.I.E., limitou-se a operação ao lado esquerdo. Em 4 de dezembro de 1947, secção do lado direito. Saída de liquor sob tensão após a incisão durai. Ausência de pulsações cerebrais visíveis. Continuação da operação pela técnica habitual.

Conclusão — Pouco influenciada quanto ao fim visado.

Caso 8 — S.E., 13 anos. branca, brasileira, internada no Hospital de Juqueri (R.G. 24.386). Antecedentes familiares sem interesse. Antecedentes pessoais - Nascida de parto laborioso. Andou aos 18 meses e falou aos 4 anos. Sempre irritável, nervosa, por qualquer motivo rasgava os vestidos e procurava mutilar-se. Nunca cursou escola. Analfabeta. Internada por desvios de conduta. Exame físico - Bem constituída, em bom estado de nutrição. Pêso 33,5 kg.; altura 1.37 m. Nada a registrar no exame dos diferentes aparelhos. Estrabismo divergente à direita. Déficit facial à esquerda. Reflexos ostectendinosos normais. Exame psíquico - Paciente calma, em atitude correta. Puerii, comporta-se como menina de 5 a 6 anos, revelando rebaixamento global. Mal orientada. Atenção e memória vivas. Marcha do pensamento aparentemente normal, porém com características infantis. Conduta má: destruidora, agressiva, facilmente irritável, amoral e perversa. Instável. Tentativas de automutilação. Exames complementares — Craniograma: crânio de paredes delgadas, principalmente na região frontal; impressões digitais. Diagnóstico — Oligofrenia (débil mental), com desvios de conduta. Paralisia facial esquerda.

Indicação terapêutica - Indicada a leucotomia cerebral a Freeman e Watts (secção completa em um tempo). Operação em 13 de setembro de 1947 - Anestesia mista (tionembutal venoso e novocaína local). Leucotomia pré-frontal total bilateral tipo Freeman e Watts. Foice a 5,5 cm. Secção a 4,5 cm. Do lado esquerdo, várias tentativas para se atingir a asa do esfenóide, a qual foi tocada na primeira tentativa. Evolução - No 2.° dia do pós-operatório apresentou hipertermia e edema palpebral bilateral. Fez-se medicação clássica (penicilma, sulfas, etc.) sem qualquer melhora do quadro, vindo a paciente a falecer no dia seguinte.

Autópsia (encéfalo) - Leptomeninge lisa, fina e transparente, permitindo ver as circunvoluções achatadas e anêmicas e os sulcos apagados. As veias da superfície dos hemisférios estão dilatadas e congestas. Os vasos da base, bem como suas principais ramificações, nada mostram de particular. O corte horizontal do cérebro apresenta, no lobo frontal esquerdo, um bloco hemorrágico do tamanho de um ovo de galinha, situado em plena substância branca e distando meio centímetro do corpo caloso. Na parte média do lobo frontal direito há uma cavidade alongada, de disposição transversal, de parede anfractuosa e suja de sangue, que interrompe a substância branca nesse nível, distando meio centímetro do corpo caloso. Nos outros lobos nada há digno de menção, a não ser edema e anemia (fig. 1).

Caso 9 — Z.M., 13 anos, branca, brasileira, solteira, internada em 26 de abril dc 1944, sob n. 27.873. Antecedentes familiares e pessoais desconhecidos. Refere apenas que desde pequena sofre de ataques. Exame físico - Menina bem conformada, franzina, em regular estado de nutrição. Fácies pouco expressiva. Dentes mal implantados, mal conservados, de bordos serrilhados. Altura 1,38 m.; peso 37,5 kg. Nada de especial ao exame dos diferentes aparelhos. Exame neurológico normal. Exame psíquico - Paciente calma, bem orientada, consciente. Quieta e tímida a princípio. Dá respostas adequadas, revelando pobreza de elaboração; crítica e capacidade de julgamento deficientes. Ausência de distúrbios de senso-percepção. Sentimentos afetivos conservados. Crises convulsivas tipicamente epilépticas, precedidas de aura, de média freqüência (6 a 8 mensais), especialmente diurnas. Graves desvios de conduta, os quais a tornam sério problema de assistência. Exames complementares - Craniograma: nódulo calcificado com as dimensões de um grão de arroz, situado na região frontal direita (calcificação patológica, cisticerco calcificado?) ; ausência de sinais radiológicos gerais de hipertensão intracraniana. Diagnóstico — Debilidade mental. Desvios de conduta. Epilepsia.

Indicação terapêutica - Leucotomia cerebral a Freeman e Watts (secção completa em um tempo). Operação em 27 de setembro de 1947 - Anestesia local pea novocaína a 2%. Hemorragia profusa, desde a gálea até a dura-máter, exigindo hemostasia minuciosa pela eletrocoagulação e cera de Horsley. Secção do Q. I. E. a uma profundidade de 4 a 4,5 cm. Pupilas isecóricas e reagindo à luz, após a operação. Reflexos patelares vivos. Não há Babinski. Sensório inalterado. Vomitou na tarde da operação, expelindo dois Ascaris lumbricoides. Passou bem até 14 horas do dia seguinte, tendo-se alimentado normalmente. Apresentou então uma crise convulsiva generalizada, após a qual entrou em coma. Apresentava, na ocasião, anisocoria com midríase à esquerda (lado operado). Reflexo fotomotor abolido à esquerda. Reflexo corneopalpebral presente em AO. Babinski espontâneo em ambos os lados. Hiperreflexia moderada dos pate'ares. Hipertonia moderada das extremidades. Temperatura 37,8°C; pulso 60. Teve mais duas crises generalizadas, entre 17,30 e 18 horas, vindo a falecer poucos minutos após a última.

Autópsia - Retirado o couro cabeludo, verifica-se um orifício de trepanação no frontal esquerdo, ao nível do qual o couro cabeludo apresenta um hematoma. Abaixo da dura-mater, nessa altura, há também coleção sangüínea. Pela superfície dos hemisférios vêm-se sufusões hemorrágicas puntiformes disseminadas. O encéfalo pesa 1.250 g. e mestra o hemisfério esquerdo túrgido, com as circunvoluções achatadas e os sulcos apagados. No rombencéfalo vêm-se espaços araenóidees cheios de sangue coagulado em torno da protuberância e bulbo. Aos cortes frontais, verifica-se um foco hemorrágico do tamanho e forma de um ovo, situado em plena substância branca do lobo frontal esquerdo, aberto no ventrículo latsral. Ao nível da parte média da circunvolução frontal inferior há um cisticerco no limite entre o córtex e a substância branca. O corno de Ammon direito está muito reduzido de tamanho. No rombencéfalo nota-se o IV ventrículo cheio de sangue coagulado e o hemisfério cerebelar esquerdo menor do que o direito (fig. 2).

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Para melhor verificação dos resultados, dividimos os sintomas e sinais de anormalidade e desvios psíquicos em dois grupos: 1 - os ativos ou produtivos, que interpretamos como exteriorização do elemento ''desvio de conduta", ligados a liberações instintivas; 2 - os passivos, de carência ou de depressão, expressão de déficit psíquico global (oligofrenia) mais ou menos acentuado. É evidente que tal divisão não tem qualquer caráter específico, prestando-se apenas para a avaliação dos resultados da leucotomia. Assim, consideramos como indicação principal desta a presença dos sintomas do primeiro grupo, sôbre os quais desejávamos influir, não pensando exercer ação direta - o que, no entanto, aconteceu em alguns dos nossos pacientes - sobre os elementos de série depressiva.

O efeito da operação sôbre os sintomas existentes em 7 casos da nossa série, que foram passíveis de um período razoável de observação após a operação, é mostrado no quadro seguinte:

Esta distribuição de sintomas foi organizada com o intuito de verificar quais os mais influenciáveis pelo tratamento. Para tanto, computamos quantas vêzes apareciam os sintomas no grupo das 7 pacientes em estudo, tendo excluído os dados referentes às duas pacientes falecidas. Dessa forma, o resultado foi analisado primeiramente no grupo e, depois, em cada paciente individualmente.

Assim, de modo geral, independentemente da catalogação nosográfica, verificamos o seguinte: 1) Sintomas sensivelmente melhorados - exibicionismo, tendências destrutivas, impulsividade, tendências perversas, logorréia, solilóquios (automatismo verbal), ataques epilépticos, crises ansiosas, revolta colérica, tentativas de fuga, alheamento, recusa de medicamentos, chôro exagerado; 2) Sintomas pouco melhorados - vulgaridade, autoritarismo, atividade exagerada, irritabilidade, crises nervosas agudas, insônia, masturbação, mau recebimento das visitas; 3) Sintomas muito pouco influenciados - espurcícíe, mutilação, agressividade, gesticulação, enurese; 4) Sintomas não influenciados - confusão ideativa, risos imotivados, indiferença afetiva e automutilação; 5) Sintoma aumentado após a intervenção - incontinência esfinetérica, que, existindo preliminarmente em 2 doentes, passou a ser verificada em 3.

Quanto aos grupos nosográficos, os resultados podem ser assim distribuídos: 1) Epilepsia com componente oligofrênico: 4 casos, sendo um parcialmente influenciado, dois não influenciados, tendo uma paciente falecido; 2) Oligofrenia endógena,, 2 casos, tendo sido um influenciado e o outro falecido; 3) Oligof renia pós-meningoencefalite, 2 casos, tendo ambos sido influenciados; 4) Personalidade psicopática com componente oligofrênico, um caso, bastante influenciado.

Devemos assinalar que o resultado mais interessante foi o da paciente da observação 5 (personalidade psicopática tipo perverso com componente oligofrênico), cujos sintomas principais eram vulgaridade, espírito autoritário, excitabilidade psicomotora, tendência à fuga de casa, perversidade instintiva e insubordinação. Operada, a paciente começou a apresentar melhoras globais sensíveis, conseguindo sair com licença, em franca remissão, 6 meses depois do ato cirúrgico.

As parcialmente influenciadas, isto é, as que de modo global melhoraram, mas sem conseguir condições para obter alta ou licença do Hospital foram 4, das quais 2 portadoras de oligofrenias pós-meningoencefalite, uma epiléptica oligofrênica e uma oligofrênica de origem endógena. Não foram influenciadas apenas duas pacientes epilépticas, no que se refere à conduta. No entanto, uma delas melhorou quanto à freqüência de ataques, que se reduziu de mais de 50%.

Do que pudemos verificar, conclui-se que a leucotomia cerebral influi, de maneira apreciável, para a melhora das perturbações psíquicas nas menores. São beneficiados especialmente certos desvios de conduta, com caráter produtivo, dependendo em geral da falta de inibição dos centros neuropsíquicos superiores sôbre os inferiores; queremos nos referir à turbulência, insubordinação, agressividade, perversidade, excitabilidade, que são básicos para que se origine a incapacidade para a vida social. Êste fato é importante, pois são conhecidas as dificuldades existentes para a assistência aos menores anormais. Além disso, é freqüente nos vermos reduzidos à impotência para remover os sintomas acima registrados, com os recursos terapêuticos atuais. A leucotomia constitui, assim um recurso verdadeiramente inesperado para atenuar as dificuldades relativas a êsse grave problema.

Afora estas conclusões, de ordem prática, outras se apresentam, doutrinárias, já apontadas no princípio dêste trabalho, e que serviram de base para as idéias que nos levaram a tentar a leucotomia em indivíduos jovens. Admitimos a maior facilidade de redução de sintomas anormais não deficitários, em pacientes jovens do que em adultos, por dois motivos principais: 1) a maior possibilidade de ulteriores suplên-cias das funções neuropsíquicas; 2) o período evolutivo, em franco estado de estruturação neuropsíquica, favorece ajustamentos mais adstritos às condições de normalidade.

Naturalmente, o presente trabalho resulta de uma primeira série de observações. Mais detidas investigações devem ser realizadas. A concepção dos mecanismos segundo os quais os sintomas regridem é incerta e, talvez, desconhecida. Na base dos nossos conhecimentos atuais podemos, no entanto, fazer as seguintes reflexões. No indivíduo adulto e normal as funções são integradas de tal forma que os centros subcorticais são submetidos à hegemonia dos corticais. Nos indivíduos jovens ainda não estão totalmente integrados os mecanismos neuropsíquicos; o acidente morbígeno interfere, impedindo ou desviando essa evolução integradora, condicionando quadros clínicos os mais variados mas sempre deficitários ou produtivos por falta de inibição, que constitui a pedra angular da normalidade. É precisamente isto o que não sucede nos indivíduos anormais da categoria que estudamos. Dessa forma, a ausência da inibição libertaria a sintomatologia mais primitiva e instintiva, que passaria então a dominar o quadro, ponto à sua disposição os mecanismos intelectuais, de formação posterior, que o indivíduo ainda poderia adquirir.

A leucotomia, produzindo melhoras evidentes, como as assinaladas, parece mostrar que atua reduzindo ou suprimindo os mecanismos de liberação dos centros encefálicos inferiores. Também a arquitetonia cerebral, ainda não de todo completa nos jovens, permitiria talvez maiores possibilidades de ulterior suplência no sentido de uma integração mais ordenada.

Hospital de Juqueri - Franco da Rocha (E.F.S.J.) - São Paulo - Brasil

Trabalho do Hospital de Juqueri. Apresentado ao 1.° Congresso Internacional de Psico-cirurgia, realizado em Lisboa (Portugal), de 4 a 7 de agosto de 1948 e ao V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, realizado em São Paulo-Rio de Janeiio em outubro-novembro, 1948.

  • Leucotomia pré-frontal em menores

    Prefrontal leucotomy in girls
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1949
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