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Leucotomia parietal: Resultados em 22 pacientes

IPsiquiatra

IINeurocirurgião

IIIAuxiliar de neurocirurgia

RESUMO

Tentamos a leucotomia parietal para o tratamento de psicoses, baseados nas seguintes considerações: 1 — A teoria de Freeman e Watts sobre o mecanismo de ação da leucotomia, que dependia do antagonismo entre as funções pré-frontais e a talâmica pareceu-nos insuficiente, porque a região pré-frontal tem relações com outras regiões cerebrais. 2 — Pensamos em seccionar as fibras provindas dos lobos pré-frontais em local onde fosse possível evitar a secção concomitante dos feixes fronto-talâmicos. 3 — Assim, imaginamos seccionar o feixe longitudinal superior logo acima do confluente ventricular.

A técnica foi a seguinte: usamos a técnica de Peet para a ventriculografia, fazendo apenas a incisão um pouco mais alto. A incisão cai sobre o ponto em que a convexidade parietal é máxima, na direção da linha que passa pelo bordo posterior da orelha. O trocáter ventricular penetra perpendicularmente em busca do ventrículo e a incisão é feita numa extensão de 2 a 3 cms x 2 cms.

Operamos 22 pacientes portadores de: esquizofrenia crônica (19), distúrbios graves de conduta pós-encefalite tífica (1), oligofrenia com delírios (1), e personalidade psicopática (1). Apenas 2 casos com esquizofrenia crônica melhoraram. O material clínico não é favorável para apreciar o valor do método, porque todos os casos foram tratados por vários processos e 17 já haviam feito antes leucotomia pré-frontal sem resultado.

Os resultados da leucotomia parietal são inferiores aos da leucotomia pré-frontal. Não são, porém, de todo ineficientes no tratamento das psicoses.

SUMMARY

The treatment of psychoses by parietal leucotomy was done based in the following considerations: 1 — The sole antagonism between the prefrontal and thalamic functions considered as the mechanism of action of the leucotomy on Freeman and Watts' theory seems to us insufficient in view of the relations of the prefrontal region with other regions of the brain. 2 — It was intended to section the prefrontal fibers in a place where the section of the frontothalamic fibers could be avoided. This was done by sectioning the superior longitudinal fasciculus just above the ventricular confluent.

Peet's technique for ventriculography was used. The incision was a little higher and along a line passing through the posterior border of the external ear in order to correspond to the maximum of parietal convexity. The ventricular needle is introduced perpendiculary toward the ventricle and an incision of 2 or 3 cms. x 2 cms. is done.

Twenty-two patients were operated upon: nineteen chronic schizophrenics, one post-typhus encephalitis with deep behaviour disturbances, one oligophrenic with delirium and one psychopathic personality. Only two cases with chronic schizophrenia improved. The validity of the method could not be fully appreciated because in all cases other methods of treatment were tried; in 17, a previous prefrontal leucotomy gave no results.

Even though the results of prefrontal leucotomy are superior to the ones of parietal leucotomy, the latter seems to have some value in the treatment of psychosis.

RESUMÉ

Nous avons fait la leucotomie pariétale, en cherchant le traitement des psychoses fondés sur les considerations suivantes: 1 — La théorie de Freeman et Watts sur le méchanisme d'action de la leucotomie dépendant de l'antagonisme entre les functions pré-frontaux et la thalamique nous a parue insuffisante parce que la région pré-frontale a des relations avec d'autres regions cérébrales. 2 — Nous avons pensé de sectionner les fibres provenientes des lobes pré-frontaux sur une place ou nous eu été possible d'eviter la section simultanée des faisceaux fronto-thalamiques. 3 — Ainsi, nous avons imagine de sectionner le faisceau longitudinal supérieur immédiatement au dessus du carrefour ventriculaire.

La technique fut la suivante: nous employâmes la technique de Peet pour la ventriculographie, faisant seulement l'incision un peu plus au dessus. L'incision tombe sur le point ou la convexité pariétale est la plus grande, dans la direction de la ligne qui passe par le bord postérieur de l'oreille. Le throcater ventriculaire penetre perpendiculairement à la recherche du ventricule et l'incision est faite sur une extension de 2 à 3 cms. par 2 cms.

Nous avons operé 22 malades: avec schizophrénic chronique (19), troubles graves de la conduite post-encéphalitiques (1), oligophrenic avec délires (1), personnalité psychopathique (1). Seulemente 2 cas avec schizophrénic chronique ont eu une amélioration. Le matériel clinique étudié n'est pas favorable à aprecier la valeur de la méthode, parce que tous les cas avaient été traités antérieurement par d'autres procedes et 17 avaient déjà fait la leucotomie pré-frontale sans résultats.

Les résultats de la leucotomie pariétale sont inférieurs à ceux de la leucotomie pré-frontale. Pourtant, nous ne la trouvons pas tout à fait inéfficiente dans le traitement des psychoses.

Em 1945, imaginamos tentar a leucotomia, não exclusivamente na região frontal, mas em outros lobos cerebrais, pelos motivos que vamos expor. Freeman e Watts explicavam os resultados obtidos com a operação nos lobos frontais, baseados na hipótese de que eles dependiam das relações, até certo ponto antagônicas, entre o córtex pré-frontal e o tálamo. Nos estados psíquicos mórbidos, especialmente quando havia ansiedade ou dor moral, a secção das fibras tálamo-frontais determina, quase que instantaneamente, a supressão desse estado mental tão bem conhecido dos psiquiatras e de aspecto tão dramático. Se é verdade que não podemos negar a importância das relações entre esses dois órgãos cerebrais, também nos pareceu que seria simplificar excessivamente o problema restringir a interpretação dos resultados às circunstâncias acima descritas, pois o lobo frontal se relaciona e se liga com todos os outros lobos cerebrais. Assim, pensamos em separá-lo das suas ligações com outro lobo, sem envolver no processo o tálamo.

Anatomicamente e para efeitos técnicos, o feixe longitudinal superior que liga o frontal ao occipital é um feixe espesso, relaciona dois lobos colocados em posições quase extremas do cérebro e, ao atravessar o lobo parietal, percorre longitudinalmente apreciável extensão logo abaixo do córtex. Nesse ponto é tecnicamente acessível, podendo ser seccionado de maneira simples e segura. Sua secção promoveria, pelo menos em parte, a separação das relações entre o frontal e o occipital. De maneira mais explícita, esta secção poderia dar ensejo a uma liberação de funções com possibilidade de nova integração mais coerente com as exigências indispensáveis à anormalidade.

A idéia consiste em seccionar o feixe longitudinal superior para cortar as ligações entre o frontal e os outros lobos. O local considerado viável foi na altura do confluente ventricular. Anatomicamente, o feixe longitudinal superior é mais condensado logo acima do corpo ventricular. Foi escolhida, porém, a zona do confluente ventricular, por dois motivos: 1 — A incisão feita anteriormente poderia lesar as fibras da circunvolução frontal ascendente ou da parietal ascendente; 2 — A incisão feita para trás do confluente ventricular iria cair em local onde as fibras do feixe longitudinal superior estão demasiadamente espraiadas, exigindo maior extensão e profundidade, com o inconveniente máximo de lesar a bandeleta óptica.

TÉCNICA

a) Pontos de reparo - Fizemos algumas modificações dos pontos de reparo para a ventriculografia por punção do confluente ventricular, usados por Max Peet. Segundo esse autor, a incisão é traçada para o alto a partir do ponto de cruzamento de duas linhas que passam, respectivamente, pelo bordo superior e bordo posterior do pavilhão da orelha. Assim, situamos nossa incisão a mais ou menos 2 cms acima da incisão de Peet. Na maioria dos pacientes, esta incisão coincide com a convexidade máxima da saliência parietal, b) Trepanação, abertura da dura e pia-máter pela técnica clássica, c) Leucotomia - O trocáter de ventrículo penetra perpendicularmente ao plano ósseo, em busca do confluente ventricular. Encontrado o ventrículo, é retirado a 1 cm e então é movimentado em plano perpendicular à direção das fibras, numa amplitude de 2 a 3 cms. Após essa secção, o trocáter é retirado, aos poucos, imprimindo-se a êle, concomitantemente, a mesma amplitude de movimentos transversais, de modo a delimitar-se uma superfície de secção de 2 ou 3 cms x 2 cms. d) Fechamento das partes moles em um plano.

CASUÍSTICA

O material clínico no qual se baseia nossa experiência com esse processo consta de 22 casos operados no período de dezembro 1945 a dezembro de 1947, compreendendo 19 pacientes esquizofrênicos crônicos e 3 pacientes não esquizofrênicos. Vejamos, em primeiro lugar, o grupo dos não esquizofrênicos.

A primeira destas pacientes, Francisca, internada em 4-11-1942, apresentava, como característico, grave desvio de conduta com agitação e agressividade. Havia sido tratada sucessivamente pelo eletrochoque, cardiazol, insulina, sem resultado algum. Em 6-8-1943, foi submetida à leucotomia pela técnica de Egas Moniz, com apreciáveis melhoras, sendo possível sua saída com alta em 12-9-1944. Em menos de 12 meses recidivou. Foi reinternada e submetida novamente ao tratamento pelo eletrochoque, sendo praticada também a leucotomia frontal bilateral pela técnica de Freemann e Watts em um só tempo (30-8-1945), sem modificação no estado mental. A seguir, de 18-10-1945 a 10-1-1946 fez, pela segunda vez, tratamento insulínico (25 comas), tendo apresentado algumas melhoras. No entanto, logo surgiu nova tendência à agitação e turbulência, o que nos levou a propor a leucotomia parietal bilateral. Foi operada em 2-7-1946, sem que houvesse modificação essencial nas suas condições psíquicas. Continuavam os períodos de agitação com agressividade, conservando a mesma vivacidade e animação de sempre. Foi essa série de insucessos que nos levou a propor ainda a leucotomia em 3 tempos, quando houve um acidente com formação de abscesso cerebral e falecimento. Esta observação será incluída em trabalho que temos em preparação: "Leixotomia em 3 tempos. Observações sobre 70 casos".

A segunda paciente, Maria A., internada em 26-5-1945, com 33 anos de idade, era viva, expansiva, logorreica e alegre, mas turbulenta. Tratada pelo método de Hill e pelo eletrochoque sem resultado, foi submetida à leucotomia em 3 tempos, pela técnica de Freeman e Watts. Em 4-12-1945, fez o primeiro tempo, secção do quadrante inferior esquerdo, tendo havido regressão parcial dos desvios instintivos que repercutiam sobre sua conduta. Submetida ao segundo tempo, secção do quadrante inferior direito em 3-6-1946, e ao terceiro, seoção dos quadrantes superiores em 25-4-1947, voltou ao estado anterior. Foi, pois, considerada como não influenciada. Assinalamos apenas que, após o segundo tempo, teve, em 12-3-1946, dois ataques epilépticos, ataques que até a data atual não se repetiram. A leucotomia parietal bilateral foi realizada em 1-8-1947, sem resultado. A paciente continuava turbulenta, criando, como sempre, dificuldades no ambiente.

A terceira paciente, Eunice M., de 34 anos, internada em 22-8-1945, apresentava personalidade psicopátiea desarmônica, colecionista, ladra, etc. Os tratamentos pelo método de Hill, eletrochoque, leucotomia em 3 tempos pela técnica de Freeman e Watts e insulinoterapia, praticados sucessivamente, não determinaram resultado algum. A leucotomia parietal foi praticada em 13-9-1947, não tendo havido, da mesma forma, resultado algum, mesmo em relação aos desvios de conduta mais grosseiros.

GRUPO DAS PACIENTES ESQUIZOFRÊNICAS

Neste grupo, constante de 19 pacientes, duas melhoraram com a leucotomia parietal. A primeira delas, Lídia R. de S., foi internada em 28-11-1945, com a idade de 30 anos. Sua moléstia datava de janeiro de 1945 e o seu comportamento denotava agressividade, tendência para discussões, colecionismo, turbulência. A insulinoterapia foi o primeiro tratamento que fizemos, de 5-12-1945 a 25-3-1947, nem total de 16 comas, sem resultado algum. Proposta a leucotomia parietal, foi operada em 23-9-1947. Logo apresentou melhoras de conduta, não proferindo mais insultos; sem promover desordem, passava o dia calma e ainda auxiliava nos serviços do Pavilhão. No entanto, a desagregação esquizofrênica persistia, motivo pelo qual a consideramos apenas melhorada. Foi proposta licença de prova.

A segunda paciente, Ana E. M., com 33 anos de idade, estava doente com esquizofrenia paranóide, desde os 24 anos, isto é, desde 1938. Em 1942, fez tratamento com eletrochoque, sem resultado. Em 1943, com o tratamento insulínico, pelo método de Giorgi, teve remissão social e deixou o Hospital com alta, em 2-3-1944. Recidiva e reinternação em 28-2-1947. Proposta a leucotomia parietal, foi ela realizada em 6-5-1947. Houve modificação essencial no seu comportamento. Vivia, antes da operação, deitada no páteo, agitada, tentando fuga. Não comia e suas condições gerais eram más. Os resultados apareceram aproximadamente 30 dias após a operação. Passou a trabalhar na secção de costura, tornou-se obediente, abandonou as tentativas de fuga, alimentava-se bem, aceitava palestra, conversando com ordem e coerência, manifestando interesse em obter alta. Ainda tinha, mais raramente, alucinações que não a perturbavam. Estado geral ótimo. De modo geral, continuou passando bem até fins de 1947. Nessa ocasião, embora com todos os sintomas clássicos de um defeito esquizofrênico, continuava com comportamento favorável.

Nas 17 pacientes cujo estado não foi influenciado pela leucotomia parietal, tratava-se de pacientes em estado de cronicidade, com defeito esquizofrênico típico. São todos casos de mau prognóstico, longamente tratados antes de ser praticada a leucotomia parietal. Quase todas foram submetidas ao eletrochoque, cardiazol, insulina e leucotomia frontal, sem resultado. Em raras ocasiões houvera, no começo da moléstia, tentativa terapêutica com qualquer desses métodos de choque, seguida de remissão. Logo depois, houve recidiva e cronificação Em duas pacientes, houve remissão com a insulinoterapia feita por ocasião do primeiro surto da esquizofrenia. Em geral, quando havia recidiva, repetíamos o tratamento que determinara a remissão e podíamos obter ou não novas remissões. No primeiro caso, a paciente voltava mais tarde com nova recidiva para ser operada e, no segundo, a leucotomia era logo indicada.

Desse grupo de 17 pacientes, 14 (casos 9 a 22) foram submetidos à leucotomia parietal como recurso extremo. Duas delas foram submetidas, além de outros tratamentos, à leucotomia de Egas Moniz e à leucotomia de Freeman e Watts em 1 ou 3 tempos, sem resultado, o que mostrava quão graves eram os casos em apreço e quão freqüentes foram as tentativas terapêuticas nessas pacientes.

Em 2 pacientes deste grupo de 17 foi feita, como primeira tentativa operatória, a leucotomia parietal bilateral, para, depois, em face do insucesso, serem submetidas à leucotomia de Freeman e Watts: são elas Celisa G. (caso 6) e Maria R. de O. (caso 7). Também por essa técnica não foram influenciadas, o que significa apenas que, provavelmente, os métodos operatórios não têm possibilidade de resultados em casos dessa natureza. Outra paciente, Isabel S. (caso 8), fez vários tratamentos num período de 6 anos; somente no começo de sua moléstia, em 1941, obteve remissão social com a insulinoterapia; recidivou em 1946 e os tratamentos pelo cardiazol, eletrochoque e insulina, pela segunda vez, não produziram resultado algum. Esse foi o motivo pelo qual propusemos a leucotomia parietal, realizada em 25-9-1947, igualmente sem resultado.

De modo geral, em 19 esquizofrênicos em estado de cronicidade, apenas 2 obtiveram melhoras com a leucotomia parietal, o que dá uma percentagem de aproximadamente 10% de influenciados, inferior àquela obtida com qualquer leucotomia praticada no lobo frontal.

Conclusões definitivas não podem ser tiradas, porque o material clínico em apreço é, sob o ponto de vista prognóstico, o pior possível. No entanto, parece-nos admissível que também as intervenções no lobo parietal podem exercer influência sobre o estado mental das pacientes. É, pelo menos, o que nos fazem supor os resultados do material utilizado neste trabalho.

Maior número de observações é necessário para se fixar um critério. Além disso, se acrescentarmos que, na esquizofrenia aguda, outros métodos de choque devem ser tentados em primeiro lugar, podemos avaliar quão difícil será a reunião de um número suficiente de casos agudos ou subagudos, operados pelas diversas técnicas e em vários setores do cérebro, que permita conclusões mais seguras do que as que agora possuímos.

Trabalho do Hospital de Juqueri. Entregue para publicação em 20 abril 1948.

Av. Lins de Vasconcelos, 1609 - S. Paulo.

  • Leucotomia parietal. Resultados em 22 pacientes

    Mario YahnI; A. Mattos PimentaII; Afonso Sette Jr.III
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1948
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