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L'hypertonie de décérébration chez l'homme. contribution physiopatho-logique et anatomique, à propos d'un cas permanent pendant dixsept ans: P. Mollaret E I. Bertrand. Um volume com 155 páginas e 23 figuras. Masson & Cie., Edit., Paris, 1945

ANÁLISES DE LIVROS

L'hypertonie de décérébration chez l'homme. contribution physiopatho-logique et anatomique, à propos d'un cas permanent pendant dixsept ans . P. Mollaret E I. Bertrand. Um volume com 155 páginas e 23 figuras. Masson & Cie., Edit., Paris, 1945 .

A tendência moderna da neurologia dinâmica, à luz da fisiologia experimental do sistema nervoso, encontra, por vezes, dificuldades ao tentar explicar fenômenos patológicos apresentados pelo homem doente, por fatos observados nos animais de experiência. Compreende-se, pois, a confusão que surge, mesmo entre autôres de renome, quando querem aplicar ao homem o complexo sintomático verificado em primeiro lugar por Sherrington nas clássicas experiências da decerebração. O conceito clínico de "rigidez de decerebração" tornou-se muito amplo e vago, prestando-se à interpretação subjetiva dos diferentes autôres. O mérito principal da presente monografia reside na restrição do conceito clínico de hipertonia de decerebração aos casos em que o complexo sintomático apresentado pelos doentes coincide com o verificado nos animais de experiência. Os AA. iniciam seu trabalho por um estudo fisiopatológico completo da hipertonia de decerebração. Através de cuidadosa pesquisa bibliográfica, os AA. estudam a condição experimental sob o ponto de vista exclusivamente fisiológico. Após a secção do mesencéfalo do animal, entre os tubérculos quadrigêmeos anteriores e posteriores, excluindo os núcleos rubros, surge hipertonia que obedece a uma série de caracteres morfológicos e fisiopatológicos. Sob o ponto de vista estritamente morfológico, a hipertonia assume caraterísticos diversos, de acôrdo com a posição em que fôr colocado o animal. Assim, na estação sôbre as quatro patas, a decerebração acarreta hipertensão intensa dos quatro membros, da nuca, com fechamento enérgico dos maxilares; o dorso se curva em opistótono; a cauda assume a posição horizontal e, por vezes, mesmo, tende à vertical. Êsses caraterísticos gerais estão sujeitos a pequenas variações de acôrdo com a espécie de animal em experiência. Se o animal fôr sustentado em decúbito dorsal, ainda mais se reforça a rigidez. A hipertonia apresenta condições fisiopatológicas que merecem registro: predominância nos músculos antigravitários: maior intensidade nos segmentos proximais; hipertonia relativa e não máxima. Vários fatôres influem na rigidez de decerebração: em primeiro lugar, ela é mantida por excitações proprioceptivas musculares, responsáveis pelo stretch-reflex. Em segundo lugar, a hipertonia é também mantida pelos proprioceptores dos músculos cervicais (Magnus e de Kleijn) e pelos reflexos labirínticos. Acessòriamente, as excitações exteroceptivas podem influir, em geral inibindo a hipertonia (reflexos nociceptivos de Sherrington). Os reflexos dos nervos cranianos, do 5.° e do 12.° pares, se conservam.

Após as preliminares exclusivamente fisiológicas, os AA. estudam a hipertonia de decerebração sob o ponto de vista clínico, principiando por uma revisão crítica das homologias propostas. Surge, então, a grande amplitude do conceito clínico. Wilson, por exemplo, considera vários tipos de rigidez de decerebração, confome haja ou não perda de consciência. Walshe integra no grupo da rigidez de decerebração a hipertonia piramidal do hemiplégico; Schaltenbrand estende ao máximo esse conceito, aplicando-o também à rigidez parkinsoniana. Pessoalmente, os AA. adotam o justo critério de não considerarem como suficiente o aspecto estritamente morfológico. Na prática, uma observação legítima de rigidez de decerebração deve satisfazer, senão na totalidade absoluta, pelo menos ao máximo, as seguintes condições: caráter plástico da hipertonia; influência inibidora de um reflexo espinal fásico; influência da posição da cabeça, exteriorizando-se, seja pelos reflexos tônicos labirínticos, seja pelos reflexos tônicos cervicais. Moldando a questão nesses limites, os AA. fazem uma revisão de todos os casos da literatura diagnosticados como rigidez de decerebração e concluem pela exclusão da maioria. Assim, principiam por afastar tôdas as crises tônicas pseudo-tetânicas de Jackson, as devidas ao tétano, à estricnina, as quais não constituem formas paroxísticas de rigidez de decerebração, mas unicamente descargas locais, autóctones, de centros medulares. No estudo dos casos da literatura, os AA. separam as observações segundo o critério etiológico: os devidos a tumores cerebrais, a lesões vasculares, a encefalopatias infantis, à idiotia amaurótica de Warren-Tay- Sachs, à leueoencefalite de Schilder-Foix, à hidrocefalia, à meningite tuberculosa e, finalmente, em um grupo à parte onde incluem seu próprio caso, à encefalite epidêmica.

O caso apresentado pelos AA., estudado pacientemente através da permanência excepcionalmente longa de 17 anos, representa talvez o mais belo caso humano de hipertonia de decerebração. Após um episódio agudo de encefalite, o paciente veio a apresentar hipertonia plástica dos quatro membros e do tronco, de tal intensidade que impossibilitava a movimentação passiva; a motricidade voluntária achava-se também profundamente comprometida: o paciente apenas conservava a oclusão das pálpebras e o movimento vertical do olhar. Achavam-se presentes os reflexos tônicos cervicais, enquanto que condições individuais do paciente impossibilitavam a correta pesquisa dos reflexos labirínticos. Após 17 anos do início da enfermidade, o paciente faleceu por trombose da veia cava inferior acompanhada de enfarte mesentérico.

Antes de empreender o minucioso estudo anatômico de seu caso, os AA. fazem uma revisão crítica do problema das localizações sob o ponto de vista dos fisiologistas. Os limites superiores e inferior das secções transversas susceptíveis de gerar a rigidez de decerebração já se acham bem precisados: estão todos situados no interior do tronco cerebral. Realmente, nem o animal espinal, nem o talâmico, apresentam essa condição. Na produção da rigidez de decerebração entram em jôgo dois sistemas. O primeiro, representado pelo núcleo rubro e suas vias aferentes e eferentes, age de um modo negativo, isto é, pelo déficit funcional criado pela transecção. De fato, no estado normal, os estímulos do pedúnculo cerebelar superior mantêm o papel inibidor do núcleo rubro sôbre o tono, papel que ste último exerce através da via rubrospinal. Experimental ou patològicamente, a exclusão dêste sistema deve gerar, por déficit, a hipertonia de decerebração. O segundo sistema age de modo ativo, positivo, isto é, mantendo a hipertonia pela exageração do standing-reflex. Apesar de algumas opiniões discordantes, admite-se que esse sistema seja representado pelos núcleos vestibulares (e, talvez, pela substância reticulada), sendo que a via aferente do arco reflexo é constituída pelo feixe de Gowers, e a via eferente pelo feixe deiterospinal (e, possivelmente, pelo reticulospinal). Cuidado especial mereceu o estudo da rigidez de decorticação, condição que se pode prestar a confusões com a hipertonia de decerebração. Realmente ambas apresentam uma série de condições em comum, devidas à liberação de estruturas subjacentes: grande papel do stretch reflex, dos outros reflexos medulares, em particular dos intersegmentares e, finalmente, dos reflexos tônicos cervicais e labirínticos. Por outro lado, há uma série de condições que permite a diferenciação entre ambos os tipos de hipertonia. No tipo de decerebração, a hipertonia comporta morfologia em hiperextensão generalizada, com o antebraço em extensão e impede todo o movimento, de modo que só pode existir em repouso. Tal sua intensidade, que dificulta a exteriorização dos diferentes reflexos liberados. Por outro lado, a rigidez de decorticação comporta também hipertonia generalizada, salvo para o antebraço, que se apresenta em flexão ou semiflexão. Como a rigidez de decorticação pode permitir a mobilização, dificulta menos a exteriorização das diferentes reações reflexas liberadas.

Após revisão dos achados anatômicos dos casos da literatura diagnosticados como rigidez de decerebração, Mollaret e Bertrand expõem detalhadamente suas verificações anátomo-patológicas macro e microscópicas. A exposição é ricamente documentada com pranchas amplificadas e microfotografias muito elucidativas. Afora fenômenos vasculares de trombose generalizada, inclusive nos vasos que irrigam o sistema nervoso, os AA. verificaram certa rarefação celular no córtex cerebral, com pequenos focos disseminados de esclerose mielínica nos lobos frontais. Alterações notáveis existiam nos diversos núcleos vegetativos da região infundíbulo-tuberiana. No mesencéfalo, observaram despigmentação completa do locus niger, acompanhada de intensa reação da neuróglia e periangite. Lesões intensas semelhantes havia também ao nível da comissura de Forel. O núcleo rubro mostrava alterações muito discretas, enquanto que o núcleo denteado do cerebelo apresentava intensas lesões degenerativas celulares, principalmente na porção macrogírica. O resto do neuraxe nada mais apresentava de apreciável ao exame histopatológico.

Mollaret e Bertrand concluem que seu caso se enquadra, sob o ponto de vista anatômico, nas condições de localização dos fisiologistas. Assim, se o núcleo rubro se achava relativamente poupado, sua via eferente, ao nível da comissura de Forel, e a origem de sua via aferente, o núcleo denteado do cerebelo, apresentavam lesões conspícuas. As alterações encontradas no locus niger e no córtex cerebral são atribuídas à encefalite e não devem desempenhar qualquer papel patogênico na hipertonia de decerebração. Cuidadosa e completa bibliografia, com amplas referências sobre a fisiologia e patologia da síndrome, encerram essa bela monografia, cuja leitura consideramos obrigatória para os neurologistas e fisiologistas.

R. MELARAGNO FILHO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1947
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