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Cranioplastia com tântalo

Resumos

Os AA. se referem a dois casos de cranioplastia com tântalo em que empregaram técnica simplificada sem rebaixamento prévio do rebordo ósseo. Quanto aos resultados, consignam um sucesso e um fracasso, sendo o insucesso decorrente de má orientação no fechamento do couro cabeludo, nada tendo a ver, pois, com a natureza do material empregado.


The authors present two cases of repair of skull defects with Tantalum, using a simplified technique without previous lowering of the osseous edge. The procedure proved successfull only in one case; in the second patient, the failure is related to an imperfection in the closing of the scalp and not to the nature of the Tantalum plate.


INeurocirurgião do Hospital das Clínicas da Fac. Med. Univ. S. Paulo

IIAssistente de Neurologia na Fac. Med. Univ. S. Paulo (Prof. A. Tolosa)

SUMÁRIO

Os AA. se referem a dois casos de cranioplastia com tântalo em que empregaram técnica simplificada sem rebaixamento prévio do rebordo ósseo. Quanto aos resultados, consignam um sucesso e um fracasso, sendo o insucesso decorrente de má orientação no fechamento do couro cabeludo, nada tendo a ver, pois, com a natureza do material empregado.

SUMMARY

The authors present two cases of repair of skull defects with Tantalum, using a simplified technique without previous lowering of the osseous edge. The procedure proved successfull only in one case; in the second patient, the failure is related to an imperfection in the closing of the scalp and not to the nature of the Tantalum plate.

A reparação das falhas ósseas do crânio, seja decorrentes de ferimentos de guerra ou de traumatismos acidentais, seja conseqüentes a moléstias osteolíticas ou resultantes de intervenções cirúrgicas, tem sido objeto de estudo de neurocirurgiões e ortopedistas. Tentativas no sentido de corrigir essas falhas à custa de enxertos ósseos, homólogos ou heterólogos, não lograram êxito porque o osso era quase sempre eliminado sob forma de seqüestro; o emprego de palcas metálicas ou de materiais plásticos (plexiglass, lucite e outros) também não resolveu o problema, entre outras razões pelo fato de provocarem intensa reação inflamatória, obrigando o cirurgião a removê-las, quando não são eliminadas espontaneamente, como assinala Robertson1 1 . Robertson, R. C. L. - Repair of cranial defects with Tantalum. J. Neurosurg., 1: 227 (julho) 1944. . Pudenz2 2: 2. Cit. por Hemberger, A. J., Whitcomb, B. B. e Woodhall, B. - The technique of Tantalum plating of skull defects. T. Neurosurg., 21 (janeiro) 1945. pôde demonstrar, experimentalmente, que o tântalo apresenta qualidades excepcionais; é metal bastante dúctil e maleável, havendo no comércio fios de diversos diâmetros e placas de diferentes espessuras que são moldáveis a frio; não se oxida em contacto com os tecidos, é esterilizável por fervura, resiste perfeitamente à ação dos corrosivos, mesmo à água-régia, e, o que é mais importante, não produz reação alguma dos tecidos com os quais é posto em contacto.

Por apresentar essas propriedades, incomuns aos materiais anteriormente ensaiados, Pudenz recomendou o tântalo como material de escolha para cranioplastias. Spurling2 2: 2. Cit. por Hemberger, A. J., Whitcomb, B. B. e Woodhall, B. - The technique of Tantalum plating of skull defects. T. Neurosurg., 21 (janeiro) 1945. foi o primeiro a empregá-lo em cirurgia craniana no homem, em setembro de 1942. O mesmo autor publicou mais tarde uma série de 42 casos, nos quais empregou tântalo com pleno sucesso. Entretanto, apesar de excelente material, o emprego do tântalo ainda é pouco difundido, o que se explica pelo fato de ser metal pouco abundante na natureza; além disso, durante a guerra, todo o tântalo produzido era consumido pelas forças armadas, o que concorreu ainda mais para atrasar sua divulgação.

A placa de tântalo, cuja borda deve ultrapassar o contorno da falha óssea pelo menos 5 mm., deve ser previamente moldada, estando na ocasião da intervenção cirúrgica pronta para ser adaptada. Mayfield e Levitch

3 3 . Mayfield, F. H. e Levitch, L. A. - Repair of cranial defects with Tantalum. Am. J. Surg., 67: (fevereiro) 1945. , asim como outros cirurgiões norte-americanos que têm empregado esse material, utilizam-se de uma reprodução em gesso da região afetada, para sobre ela moldar a placa, e fazem a cranioplastia propriamente dita encaixando a lâmina metálica, assim preparada, em um rebaixamento feito a 5 mm. ou pouco mais do contorno da lacuna óssea, fixando-a, em seguida, por alguns pontos do mesmo metal ao osso circunjacente. Tivemos que nos afastar dessa técnica original porque, com o instrumental de que dispunhamos, o rebaixamento ósseo seria muito trabalhoso e, delgada como é a lâmina de tântalo, julgamos não haver qualquer inconveniente em aplicá-la sem rebaixamento algum. Apenas, para garantir perfeita adaptação, a borda da placa foi levemente recurvada para o lado da face côncava. A fixação se fez por três pontos, dispostos de maneira a garantir o máximo de imobilidade, para o que utilizamos fio de clip por não dispormos de fio de tântalo. Dispensamos também o molde de gesso, porque em ambos os casos se tratava de regiões pouco convexas, quase planas, permitindo fosse a placa moldada a olho. Reconhecemos, entretanto, que a técnica original é a preferível, a não ser que as condições locais permitam simplificá-la sem prejuízo do ponto de vista da estética.

OBSERVAÇÕES

Caso 1 - M. M. D., 7 anos, internada na Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas (Prof. A. Tolosa) em 1 agosto 1945. A paciente sofrerá um ferimento perfurante no crânio; passado algum tempo, começou a apresentar convulsões e paresia do hemicorpo direito. Foi operada (Dr. Virgílio C. Pinto), tendo o cirurgião encontrado grande abscesso subdural comprimindo o lobo parietal esquerdo e, mergulhado na substância purulenta, um fragmento de madeira que penetrara por ocasião do traumatismo. Removido o corpo estranho e drenado o abscesso, a sintomatologia regrediu, ficando uma solução de continuidade óssea na região frontoparietal esquerda (fig. 1-a). Depois de internada, o exame mostrou ausência de qualquer déficit motor e, durante o tempo que a paciente permaneceu na enfermaria, nunca apresentou convulsões. A falha óssea, de forma aproximadamente oval, irregular, media 4 cm. X 6 cm. A compressão jugular determinava abaulamento do conteúdo craniano através da solução de continuidade. Os exames complementares resultaram todos normais.

Na intervenção cirúrgica, praticada em 15 outubro 1945, verificamos que a dura-máter, muito adelgaçada, aderia forte e intimamente ao couro cabeludo que cobria a falha óssea, não sendo possível dissecá-la para sutura posterior. Por não ter sido possível suturar a meninge, a placa de tântalo ficou em contacto direto com o córtex. A hérnia cerebral que se produzia pela compressão das jugulares e pelo esforço foi definitivamente reduzida. A placa de tântalo substituindo a falha óssea ficou perfeitamente adaptada, como mostram as radiografias pós-operatórias (fig. 1-c e d). Em virtude da excisão do tecido cicatricial fibrosado que recobria primitivamente a falha óssea, foi preciso exercer forte tração sobre o couro cabeludo a fim de aproximar os lábios da ferida, fator que motivou deiscência parcial da sutura. Três tentativas ulteriores no sentido de fechar as falhas do couro cabeludo por simples tração foram infrutíferas, tendo servido apenas para agravar a situação, por se romper a cicatriz em outros pontos (fig. 1-b). Para prevenir infecção nos pontos deiscentes, foi instituído, desde o início, um regime de curativos locais com penicilina, mantendo assépticas as feridas. O estado geral da paciente se acha também agravado, o que em grande parte deve ser atribuído a três surtos disenteriformes que ela apresentou durante quase um ano de evolução.


Caso 2 - N. A. B., 17 anos, internado na Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas (Prof. A. Tolosa) em 5 dezembro 1945. Este doente apresentava grande falha óssea na região frontoparietal direita, conseqüente a craniotomia a que se submetera, em 16 janeiro 1945 para drenagem de abscesso frontal intracerebral, intervenção que fora praticada por um de nós (R. A. T.). Algum tempo depois desta intervenção, o paciente começou a apresentar acessos convulsivos atingindo o hemicorpo esquerdo. Estes sintomas o levaram a procurar o Hospital das Clínicas. O exame do paciente nada revelou além da falha óssea na região frontoparietal direita, de forma aproximadamente elíptica, de contorno regular, medindo 6 cm X 10 cm (fig. 2-c). Pela compressão jugular, o cérebro se herniava através da lacuna óssea. O exame neurológico nada de anormal revelou.


Em suma, fora submetido a uma craniotomia e, como se tratasse de abscesso cerebral, o retalho ósseo não fora recolocado, resultando daí a falha. Após a intervenção, o doente começou a apresentar acessos convulsivos de tipo bravais-jacksoniano, o que levou a pensar em aderência da dura-máter ao córtex. Os exames de sangue e líqüido cefaíorraquidiano resultaram normais. Na intervenção cirúrgica praticada em 12 janeiro 1946, verificamos haver firme aderência do córtex à dura-máter, e entre esta e o couro cabeludo. Foram desfeitas as aderências e, no mesmo tempo cirúrgico, adaptamos a placa metálica, terminando a operação com a sutura do couro cabeludo. A hérnia que se produzia pela manobra de Queckenstedt ficou definitivamente reduzida, e o pós-operatório decorreu bem, com perfeita tolerância da placa metálica. Radiografias posteriores (fig. 2-d) mostraram que a placa ficou bem ajustada. A freqüência dos acessos convulsivos diminuiu consideravelmente; no terreno da estética, houve restabelecimento perfeito da forma do crânio (fig. 2-b).

COMENTÁRIOS

Das duas cranioplastias com tântalo aqui relatadas - as primeiras em nosso meio - uma foi coroada de pleno êxito, seja no que diz respeito à sintomatologia neurológica (convulsões), seja do ponto de vista da estética, ao passo que a outra fracassou por completo. Todavia, o insucesso verificado neste caso nada tem a ver com a natureza do material empregado na cranioplastia; a causa deste insucesso deve ser atribuída à excessiva tração exigida para a sutura do couro cabeludo. O insucesso seguramente teria sido evitado se tivéssemos obedecido aos princípios da cirurgia plástica, não fazendo uma aproximação forçada.

Do ponto de vista da técnica, fazemos referência a uma simplificação a que fomos levados por deficiência de instrumental: as placas de tântalo foram aplicadas sem rebaixamento. Sabemos hoje ser justamente essa técnica simplificada a seguida pelos cirurgiões norte-americanos quando se trata de corrigir falhas ósseas da abóbada craniana mas, na ocasião em que nossos doentes foram operados, tínhamos notícia apenas do método da placa pré-moldada, aplicada sobre rebaixamento do contorno da falha.

Rua São Vicente de Paula, 110 - São Paulo

* O tântalo empregado nos casos aqui relatados foi fornecido, gentil e graciosamente, pelo Dr. Paulo Machado, colaborador do laboratório de pesquisas químico-biológicas da Cia. Johnson a. Johnson do Brasil.

Trabalho apresentado à Secção de Neuro-Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina em 5 abril 1946; entregue para publicação em 20 outubro 1946.

  • 1. Robertson, R. C. L. - Repair of cranial defects with Tantalum. J. Neurosurg., 1: 227 (julho) 1944.
  • 2. Cit. por Hemberger, A. J., Whitcomb, B. B. e Woodhall, B. - The technique of Tantalum plating of skull defects. T. Neurosurg., 2: 21 (janeiro) 1945.
  • 3. Mayfield, F. H. e Levitch, L. A. - Repair of cranial defects with Tantalum. Am. J. Surg., 67: (fevereiro) 1945.
  • Cranioplastia com tântalo

    Rolando A. TenutoI; José ZaclisII
  • 1
    . Robertson, R. C. L. - Repair of cranial defects with Tantalum. J. Neurosurg.,
    1: 227 (julho) 1944.
  • 2:
    2. Cit. por Hemberger, A. J., Whitcomb, B. B. e Woodhall, B. - The technique of Tantalum plating of skull defects. T. Neurosurg., 21 (janeiro) 1945.
  • 3
    . Mayfield, F. H. e Levitch, L. A. - Repair of cranial defects with Tantalum. Am. J. Surg.,
    67: (fevereiro) 1945.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1947
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