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Penicilinoterapia em seis neuroluéticos já malarizados

SIMPÓSIO - PENICILINOTERAPIA NA NEUROSSÍFILIS

Penicilinoterapia em seis neuroluéticos já malarizados

Paulino W. LongoI; Mario RobortellaII e João Baptista dos ReisII

ICatedrático de Neurologia na Escola Paulista de Medicina

IIAssistentes de Neurologia na Escola Paulista de Medicina

Os primeiros trabalhos sobre a atividade da penicilina na lues são devidos a Mahoney, Arnold e Harris1 1 . Mahoney, Arnold e Harris, citados por Herrell, W. E. - Penicillin and other antibiotic agents. W. B. Saunders Co., 1945. , que estudaram sua eficácia em quatro pacientes portadores de sífilis recentemente adquirida. A penicilina foi administrada, por via intramuscular, na dose de 25.000 U.Ox. cada 4 horas, durante oito dias, até o total de 1.200.000 U.Ox. Os espiroquetas desapareceram da lesão local dentro de 16 horas. As provas sorológicas demonstraram que as reaginas desapareceram completamente do sangue, dentro de lapso de tempo curto, porém variável. Depois, O'Leary e Herrell2 2 . O'Leary e Herrell, citados por Stokes, J. H., Beerman, H. e Ingraham, N. R. - Modern Clinical Syphilology. W. B. Saunders Co., ed. 3, 1944. ensaiaram, por via venosa, gota a gota, a penicilinoterapia em um caso de sífilis tardia do nariz em neuroluético; após a dose total de 300.000 U.Ox., desapareceram as lesões nasais e melhorou o quadro liquórico.

Dos 182 casos de sífilis tardia estudados por Stokes e colaboradores3 3 . Stokes, J. H. e col. - The action of penicillin in late syphilis. J. A. M. A., 126: 73 (setembro, 9) 1944. , 122 eram de neurolues. O tempo de observação variou de 8 a 214 dias após a administração da penicilina. Em 74% dos casos houve ligeiras melhoras do liquor, porém em 33% elas foram evidentes. A modificação mais comum (67% dos casos) foi a diminuição do número de células e da taxa de proteínas. Em um caso, houve normalização do liquor. Na neurolues assintomática, o liquor melhorou em 25% dos casos; na taboparalisia e tabes, houve melhoras em 10% dos casos. Sintomaticamente, as melhoras foram as seguintes: na paralisia geral demencial simples foi verificada a normalização em 1 caso; em 13 houve melhoras acentuadas; em 10 houve melhoras discretas; 6 permaneceram inalterados e 1 piorou. De 10 casos de paralisia geral com decadência mental, em 3 houve melhoras acentuadas, tendo permanecido inalterado o quadro sintomatológico nos restantes. Na tabes, houve melhoras acentuadas em 1/5 dos 14 casos observados, sendo que quase a metade destes casos se beneficiou quanto à sedação das dores fulgurantes. Nos casos de atrofia óptica primária avançada nenhum piorou, havendo melhoras em um dos 7 casos. Em 40% dos casos de neurossífilis meningovascular houve acentuadas melhoras.

A penicilina não tem sido demonstrada em teor útil no líquido cefalorraqueano após a administração intramuscular ou venosa, mesmo quando introduzida em grandes doses. Por isso, a penicilina deve ser introduzida por via subaracnóidea nos casos de neurolues parenquimatosa, cada 24 ou 48 horas, afim de ser mantida certa concentração. Entretanto, esta orientação às vezes deve ser alterada, pois a penicilina pode determinar reações meníngeas intensas que exigem maior intervalo entre as injeções. Segundo Stokes3 3 . Stokes, J. H. e col. - The action of penicillin in late syphilis. J. A. M. A., 126: 73 (setembro, 9) 1944. , a importância da concentração da penicilina no liquor ainda não está perfeitamente estabelecida, pois bons resultados terapêuticos são observados em casos em que a administração é exclusivamente muscular ou venosa. A este propósito, Stokes lembra que ainda não está provado que, mesmo na arsenoterapia, o teor do medicamento no liquor tenha importância terapêutica.

Rammelkamp e Keefer4 4 . Rammelkamp, C. H. e Keefer, C. S. - The absorption, excretion and toxicity of penicillin administered by intrathecal injection. Am. J. Med. Sc., 205:342 (março) 1943. Resumo em "Penicillin", Winthrop Chemical Co., 1943. fizeram estudos sobre a toxidez da penicilina (sal sódico) quando administrada por via intratecal, na diluição de 1.000 U.Ox. por cm3, em solução fisiológica. Em um dos pacientes foram extraídos 10 cc. de liquor e injetadas 10.000 U.Ox. de penicilina, tendo sido observada forte cefaléia após 45 minutos, vômitos após 4 horas, desaparecendo estes sintomas após 24 horas. Não houve reação febril nem rigidez de nuca. O exame do liquor feito 6, 18 e 96 horas após a injeção de penicilina revelou, respectivamente, 570, 4.170 e 250 células por mm3; a pressão subiu de 13 para 21 cms. de água. Em outro paciente, após a injeção de 5.000 U.Ox. por via intratecal, apareceu cefaléia 30 minutos depois. O número de células sofreu um aumento máximo para 240 por mm3 após 26 horas, tendo caído para 50 após 98 horas. A pressão do líquor manteve-se inalterada. Estas alterações são idênticas às provocadas pelo lipiodol, soro, ar e anestésicos quando injetados na raque.

Neymann e Heilbrunn5 5 . Neymann, C., comentário ao trabalho de Johnson e col. - Effects of Penicillin on the Central Nervous System. Arch. Neurol, a. Psychiat., 160: 54 (agosto) 1945. experimentaram a tolerância à penicilina em 5 paralíticos gerais, administrando-a por via cisternal em injeções diárias, em número de 10. O primeiro paciente recebeu grande dose em uma só vez (100.000 U.Ox.); surgiu dor de cabeça, agitação e afinal convulsões, tendo estado em perigo de vida. Pensam estes autores que a causa dessa intolerância esteja ligada ao grau de pureza da penicilina: no início das experiências, todas as vezes que ultrapassavam a dose de 30.000 U. em aplicação cisternal, surgiam convulsões; mais tarde, utilizando penicilina mais purificada, injetavam até 40.000 U.Ox. sem complicações sérias. Por isso pensam que, quando for fornecida penicilina cristalizada, não haverá mais intolerância, pois essa forma do medicamento é mais purificada que a atualmente usada. Em relação às alterações do liquor, observaram aumento brusco das células, havendo aparecimento de hemácias, granulócitos neutrófilos e linfócitos. Adotando a via lombar, não observaram convulsões ou outras complicações sérias.

Na interpretação das melhoras, tem importância o exame detalhado do líquido cefalorraqueano, pois seus elementos permitem apreciações sobre o aproveitamento terapêutico. Stokes classifica em 5 categorias as melhoras do líquor: 1 - redução do número de células ou da taxa de proteínas; 2 - redução do número de células e da taxa de proteínas; 3 - redução do número de células, da taxa de proteínas e das reações coloidais; 4 - redução do número de células, da taxa de proteínas, das reações coloidais e da reação de Wassermann; 5 - normalização. Para Stokes, mesmo pacientes com sangue e líquor normais, podem-se beneficiar quanto aos sintomas clínicos com a penicilinoterapia.

Segundo Herrell, o plano de tratamento pode ser o seguinte: 20 a 25.000 U. administradas intramuscularmente cada três horas até uma dose total que oscila entre 2 a 4 milhões U.Ox. A penicilina também pode ser administrada pela via venosa, gota a gota, na dose de 100.000 U.Ox. por dia, até perfazer a dose desejada. Para prevenir a possibilidade de um choque terapêutico, é conveniente reduzir a dose de penicilina a ser administrada nas primeiras 24 e 48 horas. Para a administração intratecal, aconselha Herrell, após a drenagem, injetar, por vez, 20.000 U.Ox., sendo tais injeções repetidas, no mínimo, uma vez cada 48 horas, durante o período de tratamento, a menos que surjam reações que determinem a interrupção. Não há contra-indicação na administração simultânea da penicilina com outros agentes antiluéticos ou com a hipertermia biológica ou física.

Observações

Caso 1 - P. S., com 58 anos, examinado em 15 março 1945, no Serviço do Prof. Paulino Longo. Neurolues há 2 anos, caraterizada por quadro mental neurasteniforme: cefaléia, nervosismo, irritabilidade e tonturas. Submeteu-se à malarioterapia tendo tido número útil de acessos. Posteriormente, fez tratamento quimioterápico (6 grs. de neoarsfenamina, 20 grs. de Stovarsol e 36 ampolas de bismuto) e nova malarioterapia seguida de idêntico tratamento quimioterápico. Entretanto, houve agravamento do quadro psíquico com o aparecimento de dismnésia, decadência intelectual e delírio de grandeza. Quando iniciou a penicilinoterapia, havia terminado o tratamento específico há três meses. Nessa época, achava-se em condições físicas precárias, nada evidenciando sob o ponto de vista neurológico. Diagnóstico - Paralisia geral.

Tratamento - Injeções diárias, intracisternais, de 10.000 U., dissolvidas em 10 cc. de solução fisiológica, em número de 6, simultâneas à administração venosa de 15.000 U. cada três horas, perfazendo um total de 1.500.000 U.Ox.

Tolerância - Durante as primeiras 5 injeções intracisternais, além de ligeira reação febril, nada se observou que justificasse modificação do critério terapêutico. Após a 5.a injeção, apareceu subitamente um quadro meningítico (cefaléia, vômitos, rigidez de nuca, sinais de Kernig e Brudzinski) que determinou a parada das injeções intracisternais. Após 48 horas regrediu toda esta sintomatologia.

Líquido cefalorraqueano - O paciente apresentava, antes do tratamento, o quadro clássico de neurolues; havendo, entretanto, um número de células quase normal; após a administração intracisternal de penicilina, houve hipercitose, com aparição de granulócitos neutrófilos, diminuindo esta alteração após as injeções ulteriores. A 5.a injeção desencadeou forte irritação meníngea, com 2.125 células (94% de granulócitos neutrófilos), concordando com a sintomatologia clínica (vide quadro).


Resultado terapêutico - Este paciente, observado durante 8 meses, não apresentou qualquer melhora clínica. O liquor apresentou apenas diminuição de intensidade da reação do benjoim coloidal.

Caso 2 - M. Z., com 33 anos, examinado em 15 abril 1945, no Serviço do Prof. Paulino Longo. Neurolues há mais ou menos 1 ano, tendo-se iniciado por violenta crise convulsiva. Submeteu-se à malarioterapia (10 acessos úteis), completando o tratamento com quimioterapia específica (10 grs. de Stovarsol e 24 ampolas de bismuto). Não tendo havido melhora liquórica apreciável, submeteu-se à penicilinoterapia três meses após terminado o tratamento específico. Nessa época, achava-se em condições físicas boas, apresentando, ao exame neurológico, abolição do reflexo fotomotor e dos reflexos aquilianos, diminuição dos reflexos patelares e intensa mialgia nos membros inferiores. Diagnóstico - Taboparalisia.

Tratamento - Injeções intracisternais espaçadas de três dias, em número de 3, perfazendo um total de 30.000 U. Simultaneamente, administração venosa de 15.000 U. cada 3 horas, nos dois primeiros dias e 20.000 U. nos dias subsequentes até perfazer um total de 1.500.000 U.Ox.

Tolerância - Salvo ligeira cefaléia, que se manifestou 10 horas após a primeira injeção intracisternal, nada mais se observou.

Líquido cefalorraqueano - Inicialmente, apresentava um quadro típico de neurolues com número de células normal; após as injeções intracisternais, observamos elevação para 17 células (72 horas após) e 18 células (7 dias após), positivando-se a reação de Steinfeld (vide quadro).

Resultado terapêutico - Este paciente foi observado três meses após a penicilinoterapia. A mialgia, que havia desaparecido no segundo dia após o início do tratamento, reapareceu. O liquor apresentou discreta melhora na positividade da reação do benjoim e da reação de Wassermann (vide quadro).

Caso 3 - H. C., com 39 anos, examinado em 18 abril 1945, no Serviço do Prof. Paulino Longo. Neurolues evidenciada há dois anos, logo após traumatismo físico, caraterizando-se por irritabilidade, nervosismo, cefaléia, insônia e acentuada amnésia de fixação. Submetido a número útil de acessos maláricos e tratamento específico (arsenoterapia e bismutoterapia intensivas) teve alta com remissão parcial. Logo após, surto de agitação psicomotora que determinou nova internação e outra inoculação de malária. Em março 1945, pouco antes de submeter-se à penicilinoterapia, apresentava quadro mental com acentuado déficit de memória. O exame neurológico nada evidenciava. Diagnóstico - Paralisia geral.

Tratamento - Injeções intracisternais espaçadas de seis dias, em número de 2, perfazendo um total de 20.000 U. Simultaneamente, administração muscular de 15.000 U. cada três horas, nos dois primeiros dias e 20.000 U. nos dias subsequentes até perfazer 1.500.000 U.Ox.

Tolerância - Discreta síndrome de irritação meníngea, caraterizada por vômitos, cefaléia e ligeira elevação térmica, não havendo rigidez de nuca. Essas manifestações foram observadas 12 horas após a primeira injeção intracisternal, tendo duração de mais ou menos 30 horas. A segunda injeção não foi acompanhada destes fenômenos.

Líquido cefalorraqueano - Apresentava inicialmente quadro típico de neurolues. Durante o período de tratamento, a reação de Steinfeld se positivou, negativando-se três meses após o tratamento. A reação de Wassermann, que era positiva com 0,5 cc., diminuiu de intensidade, passando a ser positiva apenas na dose de 1 cc. Observamos também normalização da citologia do liquor, três meses após o tratamento (vide quadro).

Resultado terapêutico - Este paciente foi observado durante seis meses após o tratamento. Apenas notamos melhora na esfera afetiva (diminuição acentuada da irritabilidade); entretanto a dismnésia de fixação, sintoma predominante no quadro mental, manteve-se irredutível. O liquor apresentou discreta melhora caraterizada pela diminuição da positividade da reação de Wassermann e normalização da citologia (vide quadro).

Caso 4 - A. B., com 31 anos, examinado em 30 abril 1945, no Serviço do Prof. Paulino Longo. Neurolues há 2 anos, caraterizada por quadro mental em que predominava a apatia e grande comprometimento da iniciativa prática. Submeteu-se à malarioterapia (10 acessos úteis), completando o tratamento com 6 acessos piretoterápicos e com quimioterapia específica (6,80 grs. de arsenical trivalente e 20 grs. de Stovarsol). Não tendo havido melhoras clínicas apreciáveis, três meses depois de findo o tratamento específico, foi instituída a penicilinoterapia. Nessa época, achava-se em condições físicas regulares, mantendo, entretanto, o mesmo quadro mental. Sob o ponto de vista neurológico, nada havia digno de nota. Diagnóstico - Paralisia geral.

Tratamento - Injeções intracisternais, espaçadas de nove dias, em número de perfazendo um total de 20.000 U. Simultaneamente, administração muscular de 15.000 U. cada 3 horas, nos dois primeiros dias e 20.000 U. nos dias subsequentes, até perfazer 1.500.000 U.Ox.

Tolerância - Após a última injeção intracisternal, apresentou um quadro de agitação psicomotora com alucinações visuais (zoopsias) tendo sido necessária medicação sedativa.

Líquido cefalorraqueano - Apresentava, antes do tratamento, um quadro caraterístico de neurolues. Não foi feita a verificação do líquor após o tratamento porque o paciente não continuou sob nossa observação (vide quadro).

Resultado terapêutico - Informes recebidos por intermédio de colega que vem assistindo o paciente assinalam grandes melhoras, tendo o doente voltado a se interessar pelos próprios problemas, reiniciando suas atividades.

Caso 5 - J. R., com 62 anos de idade, examinada em 15 julho 1945, no Serviço do Prof. Paulino Longo. Neurolues há 10 anos, caraterizada primeiramente por manifestações de tipo neurasteniforme. Foi nesse lapso de tempo malarizada 3 vezes, tendo tido 10 acessos úteis em cada uma das inoculações. Fez posteriormente três séries piretoterápicas com 10 acessos febris cada vez e tratamento específico constituído por um total de 100 grs. de Stovarsol, 80 ampolas de bismuto e três séries completas de arsenicais trivalentes. De um ano para cá vinha apresentando acentuada decadência mental, o que determinou nova tentativa terapêutica pela penicilina. O tratamento específico havia sido suspenso há três meses. Nessa época, apresentava um quadro que fazia lembrar o estado demencial final. Sob o ponto de vista neurológico, havia abolição dos reflexos patelares e aquilianos, sinal de Argyl-Robertson, disartria e ataxia que tornava a sua locomoção estremamente difícil. Diagnóstico - Taboparalisia.

Tratamento - Neste caso, só utilizamos a via muscular, administrando 10.000 U. cada 3 horas, durante os dois primeiros dias; posteriormente 15.000 e mais tarde 20.000 U. cada 3 horas, até perfazer 2.000.000 U.Ox.

Tolerância - Após a aplicação das primeiras 40.000 unidades, instalou-se um estado confusional, com agravação das manifestações neurológicas, disfagia, reação febril, tendo sido suspenso o tratamento durante dois dias.

Líquido cefalorraqueano - Inicialmente, essa paciente apresentava quadro liquórico de neurolues com 3,4 células por mm3, havendo 3% de granul ócitos neutrófilos. Um mês após o tratamento, repetimos o exame de liquor, que praticamente se superpunha ao primeiro, sendo de notar apenas discreta diminuição da taxa de proteínas e desaparecimento dos granulócitos neutrófilos. O último exame, praticado 3 meses após o início do tratamento, demonstrava ligeira intensificação da reação de Wassermann (vide quadro).

Resultado terapêutico - Após a aplicação de 500.000 U.Ox., observaram-se melhoras que se vieram acentuando, sendo que, três meses após o tratamento, locomovia-se perfeitamente, observando-se grande melhora do estado mental, bem como das manifestações neurológicas.

Caso 6 - M. S., com 43 anos de idade, examinado em 12 agosto 1945, no Serviço do Prof. Paulino Longo. Neurolues há três anos, evidenciada por violenta crise convulsiva. Foi malarizado duas vezes, tendo tido 10 acessos úteis em cada inoculação. Posteriormente, foi submetido a 10 acessos piretoterápicos e tratamento específico (50 grs. de Stovarsol, 62 ampolas de bismuto e duas séries de arsenicais trivalentes). Terminou o tratamento específico dois meses antes de submeter-se à penicilinoterapia; persistiam as crises convulsivas e a positividade do liquor. Por essa época, apresentava-se em regular estado geral e mental. Diagnóstico - Neurolues. Crises convulsivas.

Tratamento - Foi feita uma única injeção de 10.000 U. de penicilina, por via intracisternal. Pela via intramuscular, injetamos 10.000 U. cada três horas durante 2 dias; posteriormente 15.000 e, mais tarde, 20.000 U. até perfazer 2.000.000 U.Ox.

Tolerância - Duas horas após a única injeção intracisternal praticada, instalou-se violenta cefaléia acompanhada de vômitos e, seis horas depois, forte crise convulsiva. Ao exame objetivo, verificava-se rigidez de nuca, sinais de Kernig e Brudzinski. Tal sintomatologia desapareceu completamente depois de 48 horas.

Líquido cemalorraqueano - Apenas fizemos um exame de liquor, antes do início do tratamento, tendo sido verificado quadro atenuado de neurolues: citologia, 0 células por mm3; proteínas 0,33 grs. por litro; cloretos 7,43 grs. por litro; glicose 0,63 grs. por litro; r. globulinas positivas; r. benjoim coloidal 01220.22222. 00000.0; r. Wassermann positiva com 1 cc.; r. Eagle positiva; r. Steinfeld positiva.

Resultado terapêutico - Este caso requer maior prazo de observação.

Comentários

Nossas observações a propósito dos resultados da penicilinoterapia na neurolues foram iniciadas em março de 1945. Ao contrário dos autores americanos, que ensaiaram o uso da penicilina principalmente em casos recentes de neurolues, os nossos doentes eram neuroluéticos antigos com, no mínimo, um ano de moléstia, havendo até um caso (5) com 10 anos de evolução. Todos os nossos pacientes já tinham sido submetidos à malarioterapia e quimioterapia antiluética, segundo o esquema clássico.

A via de administração que empregamos variou muito, de acordo com os escassos informes da literatura e com a experiência que íamos adquirindo. Em quase todos os casos usamos simultaneamente a via muscular ou venosa e a via subaracnóidea, por punção suboccipital. A freqüência das injeções raqueanas foi determinada pelas reações apresentadas pelos pacientes, a maioria dos quais se apresentava com estado geral pouco satisfatório devido ao longo tempo de duração da moléstia. No caso 1, no qual fizemos injeções intracisternais diárias, observamos forte reação meníngea, a qual modificou a nossa conduta nos casos subsequentes. Em um dos casos (5), só utilizamos a via muscular, pois a paciente evidenciava sinais de sofrimento da circulação encefálica, como sejam paralisias faciais transitórias e dificuldade na deglutição; temíamos determinar, portanto, pela injeção intracisternal, reações que pusessem em perigo a vida da paciente; apesar disso, este foi um dos casos que melhor respondeu ao tratamento.

Não observamos o fato relatado por Rosenberg e Anling6 6 . Rosenberg, D. H. e Arling, P. A. - Penicillin in the treatment of meningitis. J. A. M. A., 125: 1011 (agosto, 12) 1944. , isto é, melhor tolerância à penicilina clara do que à parda, quando introduzida pela via intratecal. Como reações imediatas à penicilinoterapia, observamos: 1 - em dois pacientes, síndrome de irritação meníngea, que determinou a suspensão temporária das injeções subaracnóideas de penicilina; 2 - em dois outros, síndrome confusional, suspendendo-se a medicação até a regressão desse sintoma (é de notar que, no caso 5, somente injetamos a penicilina por via muscular); 3 - em um caso (6), violenta crise convulsiva, sendo de notar que este paciente já era frequentemente acometido de crises comiciais.

Dos seis casos estudados, dois (4 e 5) apresentaram grandes melhoras clínicas após a penicilinoterapia, melhoras estas que ainda estão em progressão. Em outro (3), as melhoras foram parciais, havendo diminuição acentuada da irritabilidade. Num terceiro caso, os resultados foram nulos, mantendo-se até hoje o mesmo quadro mental. Quanto aos dois pacientes restantes, sob o ponto de vista clínico, não podemos fazer apreciação definitiva, pois um deles clinicamente nada mais apresentava após as manifestações iniciais e, no outro, o tempo de observação é ainda curto para apreciar o efeito terapêutico. É interessante salientar que, nos dois casos em que obtivemos melhores resultados, o tempo de moléstia era de 10 (caso 5) e 2 anos (caso 4), evidenciando o quadro clínico acentuado déficit psíquico.

Estudamos as modificações do liquor em quatro pacientes que pudemos repuncionar 2 a 3 vezes depois de terminado o tratamento. Verificamos, em um caso (1), discreta melhora do liquor, com diminuição da taxa de proteínas e diminuição da floculação na primeira zona do benjoim coloidal, permanecendo, entretanto, a reação de Wassermann com a mesma intensidade. Em dois outros casos (4 e 6), não tivemos oportunidade de repetir o liquor depois de terminado o tratamento. O critério numérico de Stokes para a avaliação da melhoria do líquor após o tratamento não foi por nós adotado por depender do fator individual de interpretação e, portanto, poder falsear a realidade das modificações.

No primeiro caso, tivemos oportunidade de observar a tolerância das meninges às injeções intracisternais diárias de penicilina na dose de 10.000 U., fazendo o exame do liquor cada 24 horas. Verificamos, inicialmente, uma hipercitose moderada (de 4 para 108 células e de 0 para 32% de granulócitos neutrófilos); no 3.° liquor, persistiu a mesma alteração, a qual se atenuou no 4.° exame, vindo quase a normalizar-se a citologia por ocasião da 5.a punção, quando havia 15 células e nenhum granulócito neutrófilo. Apesar do exame do líquor seriado darnos a impressão de boa tolerância e acomodação progressiva das meninges à introdução do agente estranho, surgiu, no dia seguinte, um quadro liquórico de forte irritação meníngea: liquor turvo, com 2.125 células por mm3, 94% de granulócitos neutrófilos, sendo negativas as provas bacteriológicas. Este fato determinou a suspensão da medicação intracisternal, e o liquor, após 48 horas, voltou a ser límpido, com apenas 76 células por mm3 e 5% de granulócitos neutrófilos. Este tipo de reação meníngea carateriza bem a meningite alérgica. Possivelmente, passa-se com a penicilina aquilo que foi bem observado em relação à soroterapia intratecal e estudado por Ratner7 7 . Ratner, B. - Allergy, anaphylaxis and immunotherapy. The Williams and Wilkins Co., 1943. ; inicialmente, haveria uma reação meníngea asséptica que sensibilizaria as meninges para, posteriormente, desencadear, abruptamente, com manifestações clínicas e humorais alarmantes, o quadro de meningite alérgica.

Os exames de liquor feitos durante o tratamento nos casos 1 e 2 revelam tendência para intensificação de algumas reações. É digno de menção o fato observado em relação à reação de Steinfeld (reação de fixação de complemento com extrato cerebral) nos casos 2 e 3, nos quais verificamos positivação da reação durante o tratamento e negativação três meses depois de terminada a medicação.

Em relação à citologia específica do liquor, tivemos a oportunidade de observar o aparecimento, em 2 casos (2 e 4), de granulócitos eosinófilos.

Conclusões

Dos seis casos referidos neste trabalho, todos referentes a neuroluéticos antigos nos quais fôra aplicada a malarioterapia e a terapêutica arsenobismútica sem resultados, obtivemos, com a penicilinoterapia, grandes melhoras clínicas em dois; num paciente, melhora parcial; em dois outros, ainda não podemos fazer juízo crítico definitivo; o último doente não apresentou qualquer melhora clínica.

As melhorias do liquor, julgadas pelos exames feitos três meses após terminado o tratamento, são discretas. No nosso material não há paralelismo entre as melhoras clínicas e do líquor.

A técnica que julgamos aconselhável é a de injeções por via sistêmica, na dose de 20.000 a 25.000 U.Ox. cada 3 horas e aplicações subaracnóideas espaçadas do 48 horas, a menos que surjam reações que determinem uma mudança de orientação. Em um caso, o uso exclusivo da via musoular deu resultados favoráveis.

Entre as reações imediatas produzidas pelas injeções de penicilina, tivemos dois casos de confusão mental, dois de irritação meníngea e uma crise convulsiva.

À Secção de Neuro-Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina, na sessão realizada em 6 novembro 1945, foram apresentados vários trabalhos relatando resultados obtidos com a penicilinoterapia na lues nervosa. Dado o interesse do assunto e sua atualidade, a direção de arquivos de neuro-psiquiatria resolveu publicá-los todos, na íntegra, sob a forma de simpósio.

  • 1. Mahoney, Arnold e Harris, citados por Herrell, W. E. - Penicillin and other antibiotic agents. W. B. Saunders Co., 1945.
  • 2. O'Leary e Herrell, citados por Stokes, J. H., Beerman, H. e Ingraham, N. R. - Modern Clinical Syphilology. W. B. Saunders Co., ed. 3, 1944.
  • 3. Stokes, J. H. e col. - The action of penicillin in late syphilis. J. A. M. A., 126: 73 (setembro, 9) 1944.
  • 4. Rammelkamp, C. H. e Keefer, C. S. - The absorption, excretion and toxicity of penicillin administered by intrathecal injection. Am. J. Med. Sc., 205:342 (março) 1943.
  • 5. Neymann, C., comentário ao trabalho de Johnson e col. - Effects of Penicillin on the Central Nervous System. Arch. Neurol, a. Psychiat., 160: 54 (agosto) 1945.
  • 6. Rosenberg, D. H. e Arling, P. A. - Penicillin in the treatment of meningitis. J. A. M. A., 125: 1011 (agosto, 12) 1944.
  • 7. Ratner, B. - Allergy, anaphylaxis and immunotherapy. The Williams and Wilkins Co., 1943.
  • 1
    . Mahoney, Arnold e Harris, citados por Herrell, W. E. - Penicillin and other antibiotic agents. W. B. Saunders Co., 1945.
  • 2
    . O'Leary e Herrell, citados por Stokes, J. H., Beerman, H. e Ingraham, N. R. - Modern Clinical Syphilology. W. B. Saunders Co., ed. 3, 1944.
  • 3
    . Stokes, J. H. e col. - The action of penicillin in late syphilis. J. A. M. A.,
    126: 73 (setembro, 9) 1944.
  • 4
    . Rammelkamp, C. H. e Keefer, C. S. - The absorption, excretion and toxicity of penicillin administered by intrathecal injection. Am. J. Med. Sc., 205:342 (março) 1943. Resumo em "Penicillin", Winthrop Chemical Co., 1943.
  • 5
    . Neymann, C., comentário ao trabalho de Johnson e col. - Effects of Penicillin on the Central Nervous System. Arch. Neurol, a. Psychiat.,
    160: 54 (agosto) 1945.
  • 6
    . Rosenberg, D. H. e Arling, P. A. - Penicillin in the treatment of meningitis. J. A. M. A.,
    125: 1011 (agosto, 12) 1944.
  • 7
    . Ratner, B. - Allergy, anaphylaxis and immunotherapy. The Williams and Wilkins Co., 1943.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1946
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