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Considerações a propósito de dois casos de gagueira

Considerações a propósito de dois casos de gagueira

Antonio B. Lefèvre

Assistente de Clínica Neurológica na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Prof. Adherbal Tolosa)

A gagueira ou, mais corretamente, a espasmofemia é um distúrbio da linguagem do grupo das disfemias, caraterizado pela ocorrência de espasmos tônicos ou clônicos que se interpõem ao livre desenvolvimento do ritmo normal da expressão verbal.

Poucos assuntos, no tão controvertido campo dos distúrbios da linguagem, têm despertado tantas discussões como a gagueira. Os que a estudaram dividem-se em dois grupos à primeira vista inconciliáveis: de um lado, os neurologistas que vêem, na base do distúrbio, um processo orgânico de natureza eminentemente neurológica, admitindo quando muito que o variado colorido psiconeurótico, identificável na quase totalidade dos gagos, constitui elemento superajuntado - efeito e não causa do distúrbio - enquanto que, de outro lado, os psiquiatras e, mais particularmente, os psicanalistas procuram explicar a gagueira como manifestação de uma neurose.

Lee Travis, em seu livro1 1 . Travis, L. E. - Speech Pathology. D. Appleton-Century Co., New York-London, 1931. expõe argumentos dos defensores da primeira hipótese. Em linhas gerais, afirma que o gago, como muitos dos portadores de distúrbios da linguagem, não chega a atingir um perfeito nível de maturação do sistema nervoso central; em virtude disto, não desenvolve plenamente a capacidade de integrar as atividades dos níveis neurofisiológicos mais elevados interessados na linguagem, estando predisposto à desintegração dos mesmos por numerosos estímulos, endógenos e exógenos. Explicando mais claramente: há uma meta a ser atingida no processo de maturação; essa meta consiste no estabelecimento de um grau de domínio para as excitações provenientes de um hemisfério cerebral, a fim de que o organismo possa funcionar como um todo harmônico. Se, por um traumatismo, por moléstia ou qualquer alteração no processo normal do desenvolvimento, esta dominância se torna insuficiente ou não chega a estabelecer-se, originam-se muitos distúrbios neuromusculares, entre os quais se destaca a gagueira como um dos mais importantes. No gago, em lugar da energia nervosa ser mobilizada por um centro de grande potencialidade, ela é mobilizada por dois centros de potencial igual, ou aproximadamente igual, resultando dêssefato uma competição, uma falta de sincronização nos movimentos musculares dos órgãos periféricos da linguagem. Os sintomas e sinais da gagueira seriam resultantes da competição entre os dois hemisférios cerebrais. A dominância de um hemisfério sôbre outro seria medida por um limiar de dominância que carateriza a diferença de potencialidade entre os hemisférios. Nos casos em que não houver diferença alguma na atividade cerebral, isto é, quando não existir dominância, o indivíduo gagueja em tôda e qualquer circunstância; quando essa dominância chega a se estabelecer, mas a margem é muito pequena, um pequeno estímulo emocional ou uma leve fadiga mental podem anular êsse leve predomínio e provocar a gagueira. O mesmo não se dá quando a margem é bem larga, de tal maneira que nunca chega a ser anulada a diferença de potencialidade entre os dois hemisférios.

Na gagueira, o que se dá, em poucas palavras, é uma falta de sinergia nos órgãos periféricos da linguagem, resultando daí, principalmente, um conflito entre os movimentos respiratórios torácicos e abdominais. O aparelho respiratório, que deveria funcionar como um todo se estivesse submetido à ação de um hemisfério dominante, encontra-se, na realidade, atuando sob o contrôle de níveis superiores trabalhando de-sarmônica e mesmo antagónicamente. Os registros gráficos obtidos durante a ocorrência das interrupções do livre curso da expressão oral demonstram bem o que pode resultar da ação desarmônica das musculaturas abdominal e torácica. Essa desarmonia pode atingir proporções de um verdadeiro conflito que torna impossível a emissão normal da linguagem, pois não se forma a corrente de ar expiratória necessária para a fonação e articulação. Além disto, outros setores da atividade muscular de órgãos periféricos da linguagem vão sofrer os efeitos dessa desarmonia. Aliás, seria suficiente recordarmos um fato de observação corrente que vem a ser a grande desarmonia que se nota nos gestos dos gagos - gestos fisionômicos ou manuais - que muito freqüentemente são mesmo considerados movimentos parasitas. Os espasmos que se verificam na musculatura da laringe demonstram também de maneira bem objetiva o que acaba de ser afirmado.

Já havia sido notada, pelos que estudam os distúrbios da linguagem, a relação existente entre a gagueira e a utilização predominante dos membros. E' preciso que compreendamos bem claramente o que vem a ser essa utilização predominante de um dos membros. O uso de preferência da mão direita, por exemplo, na grande maioria dos atos da vida diária não é argumento suficiente para se afirmar que esta mão seja dominante. O manodextrismo pode ser uma manifestação periférica que mascara a tendência para um predomínio do hemicorpo esquerdo em certos casos. A imitação ou mesmo o aprendizado - são muito conhecidos os preconceitos que atribuem, sem qualquer razão lógica, certas deficiências aos indivíduos conhotos - contribuem para que se estabeleça êstemanodextrismo artificial em indivíduos naturalmente canhotos.

Há grande número de provas utilizáveis em neurologia para a verificação desta predominância natural. Testes para o exame da fôrça de preensão, da firmeza das mãos, da velocidade dos movimentos, da coordenação na realização de movimentos delicados, da visão unilateral, da escrita em espelho, da escrita simultânea com as duas mãos e outros ainda de mais difícil realização na prática clínica, tais como registro cinematográfico dos movimentos oculares, a medida da cronaxia nas duas metades do corpo e, mais recentemente, a eletrencefalografia, vieram demonstrar como muitas vezes somos iludidos nesse terreno pelos exames superficiais. Por êsses testes podemos muitas vezes verificar seguramente que indivíduos, geralmente considerados como dextros, têm na realidade uma nítida tendência para o predomínio do hemicorpo esquerdo. Não iremos entrar, aqui, na discussão de um assunto que seria importante para compreendermos plenamente o problema, isto é,a razão porque, na grande maioria dos casos, o hemisfério esquerdo predomina sôbre o direito. Têm sido apontadas inúmeras causas para explicar êsse fato; uma delas e talvez a mais importante refere-se ao fato de ser mais ampla, no feto, a irrigação sangüínea do hemisfério esquerdo.

Travis e Bryngelson2 2 . Cit. Jaspers 8. , realizando o teste da visão unilateral em 301 indivíduos gagos que se diziam dextros, verificaram que, em 60% deles, predominava a visão do olhoesquerdo ou então não havia predomínio nítido de qualquer do lados. Travis1 1 . Travis, L. E. - Speech Pathology. D. Appleton-Century Co., New York-London, 1931. , com a prova da escrita em espelho, e H. Jaspers3 3 . Jaspers, H. - A laboratory study of diagnose indices of bilateral neuromuscular organisation in stutterers and normal speakers. Psychological Monographs. Psychological Review Publications 43:194, 1932. , com a escrita simultânea, verificaram que boa percentagem dos indivíduos gagos considerados dextros eram, na realidade, naturalmente canhotos. Essas verificações são de grande importância prática, pois, ao mesmo tempo que explicam a patogenia do distúrbio, ditam uma norma racional de terapêutica. Eu mesmo já pude verificar um caso que atesta, de maneira indiscutível, o valor desta hipótese proposta por Travis e os que o seguem. Tratava-se de uma criança de 3 anos, canhota naturalmente, em que os pais estavam procurando desenvolver, artificialmente, o manodextrismo. Coincidindo com essa intervenção paterna, começou a se instalar um nítido quadro de gagueira. Já têm sido descritos numerosos casos de gagueira em que se descobriu êsse desenvolvimento artificial do predomínio da mão direita.

A prova terapêutica é, nestes casos, absolutamente decisiva. Fagan4 4 . Fagan, L. B. - A clinico-experimental approach to the reeducation of the speech of stutterers. Psychological Monographs. Psychological Review Publications 43:225, 1932. tratou 33 gagos segundo a técnica proposta por Travis, isto é, procurando, por intermédio de exercícios, desenvolver o predomínio da metade naturalmente dominante e que havia sido contrariada. Todos os atos da vida cotidiana passam a ser desempenhados com a mão correspondente ao hemicorpo naturalmente dominante: comer, pentear-se, apanhar e arremessar objetos, etc. Além disto, são indicados exercícios em que o paciente deve falar, ao mesmo tempo que escreve com a mão naturalmente dominante, iniciando os movimentos da escrita um pouco antes que os da palavra falada. Êsse exercíco é muito importante, pois baseia-se na presunção de que o escrever determina um predomínio motor geral e, também, no fato de que, havendo íntimas e profundas relações entre a palavra falada e a palavra escrita, o desenvolvimento do predomínio cerebral no que diz respeito a uma, repercutirá beneficamente sôbrea outra. Seria desnecessário lembrarmos as íntimas relações existentes entre a palavra falada e a escrita; recordemos as afasias em que, a não ser em casos excepcionais, que são por alguns rotulados como casos de afasia histérica, os distúrbios da escrita são superponíveis aos da palavra falada. Fagan pôde verificar progressos quase que diários, em 33 gagos submetidos a êstesexercícios, com notável redução dos espasmos tônicos e clônicos. Dessesdoentes, 23 foram treinados para o desenvolvimento do predomínio da mão esquerda, naturalmente predominante, e os 10 restantes foram treinados para fortalecer o predomínio da mão direita, insuficientemente predominante. Desses doentes, 26, ou seja, 79% ou curaram ou melhoraram grandemente. Os 7 restantes abandonaram o tratamento, que durou, em média, 14 meses.

Os que divergem do ponto de vista defendido por Travis não dão a menor importância a esta hipótese etiopatogênica, ou a consideram de importância secundária. Afirmam elesser a gagueira uma das manifestações de um quadro neurótico geral. Ainda recentemente, Bernard Meyer5 5 . Meyer, B. G. - Psychosomatic aspects of stuttering. J. Nerv. a. Ment. Dis. 101:127 (fevereiro) 1945. publicou um longo estudo em que procura, dentro dêsteponto de vista, combater as idéias de Travis. Para êle, o gago é um indivíduo que está freqüentemente interrompendo sua palavra, não porque exista um conflito entre os hemisférios cerebrais, mas sim porque há um conflito entre suas tendências inconscientes e conscientes. A gagueira é interpretada como um fenômeno de inibição destinado a impedir a realização de um ato. A linguagem livre e fluente implica na expressão de certos impulsos interditos; a gagueira seria uma barreira interposta ao seu livre fluxo.

Observação 1 - I. S., com 17 anos de idade, foi examinado em fevereiro de 1945 (clínica particular). Em seus antecedentes mórbidos nada há de grande importância. Foi sempre indivíduo de hábitos metódicos, estudioso, tendo cursado o ginásio com facilidade, colocando-se sempre entre os primeiros alunos da turma. Foi sempre reconhecido como indivíduo calmo e se reconhece como tal. Em seus antecedentes familiais há, de interessante, o fato de sua progenitora ser canhota. O paciente também é canhoto, tendo sempre usado exclusivamente a mão esquerda, até entrar para o colégio, quando começou a ser treinado para o uso da mão direita. Apesar de ter sido intensamente treinado neste sentido, ainda conserva sua tendência natural para o uso da mão esquerda em certo número de atividades. É assim que, por exemplo, muitas vezes percebe que está comendo com a mão esquerda. Interrogado durante o exame confessou, não sem certa surpresa, que, sistematicamente, dá corda no relógio com a mão esquerda. A gagueira do paciente iniciou-se há cêrca de 4 ou 5 anos, tendo-se instalado de maneira lenta e progressiva. Não se recorda de qualquer trauma emocional nesta ocasião. Sua linguagem apresenta espasmos tônicos e clônicos no início ou no meio das palavras. Não há qualquer palavra ou fonema cuja pronúncia desperte especialmente o exagêro dêstes espasmos. Gagueja "com qualquer palavra", principalmente quando está emocionado. Canta e assobia bem. De maneira geral, pode-se afirmar que seu distúrbio não é muito grave, não chegando a prejudicar grandemente suas atividades. O exame neurológico de rotina nada revelou de anormal. Sua gesticulação manual é correta, porém a gesticulação facial é exagerada e desarmônica, podendo-se dizer que, freqüentemente, ela é excessiva, sem adaptação perfeita ao que a linguagem está exprimindo. Ao exame especializado, pudemos notar, sem qualquer dúvida, a veracidade da informação prestada pelo paciente, no sentido que seus membros esquerdos são naturalmente predominantes. A prova da escrita em espelho, todas as provas cronométricas da bateria de Grace-Arthur, mostraram claramente êste domínio. O psicodiagnóstico de Rorschach veio demonstrar objetivamente a inexistência de qualquer componente neurótico na base do processo. Voltaremos mais adiante aos resultados dêste exame, fazendo uma análise comparativa dos resultados dos protocolos dos dois pacientes que observamos. Estabelecida, assim, a etiologia do distúrbio, instituímos um método de tratamento semelhante. ao proposto por Travis, acrescido de ginástica respiratória, rítmica e exercícios articulatórios. O paciente, muito colaborador, prestou-se de boa vontade aos exercícios e, ao fim de 4 meses, teve alta curado. Por esta ocasião, o paciente gaguejava apenas quando emocionado, porém muito raramente, e, mesmo assim, conseguia controlar perfeitamente o distúrbio articular depois de restabelecer o ritmo respiratório normal, alterado nestas eventualidades. De tal forma mostrava-se o paciente entusiasmado com os resultados obtidos que, numa das últimas vezes que o vi, manifestou sua intenção de fazer concurso para " speaker" da estação de rádio de sua terra natal. Para consolidar a cura, aconselhamos uma mudança de ambiente, o que foi cumprido pelo paciente, que se mudou para São Paulo, onde continuará a ser observado.

Observação 2 - S. P. O., com 17 anos de idade, examinado no Ambulatório de Neurologia do Hospital das Clínicas (Serviço do Prof. A. Tolosa). Trata-se de um rapaz de procedência mais modesta e nível cultural mais baixo que o paciente da observação 1, trabalhando atualmente em escritório comercial. Sua gagueira é bem mais grave do que a do paciente da observação anterior. Os espasmos, tônicos principalmente, são de tal ordem que muitas vezes o paciente permanece mais de 30 segundos esforçando-se para pronunciar uma palavra. Durante êstes espasmos, a mímica facial se altera, os lábios projetam-se para frente, emitindo perdigotos abundantemente, o que vem concorrer para agravar seu estado emocional. Esta situação rompe-se geralmente quando o paciente realiza uma inspiração profunda para compensar a expiração forçada ocorrida durante a vigência do espasmo tônico. Neste paciente, não pudemos notar qualquer sinal que pudesse levar a supor uma etiologia semelhante àquela apontada na primeira observação. Êle foi sempre dextro. Seu exame neurológico de rotina não revela qualquer alteração além da que nos ocupa no momento. Relata sua progenitora que a gagueira do paciente é conseqüência de um grande susto sofrido pelo mesmo com a idade de 8 anos, aproximadamente. Estava êle em companhia de outros garotos roubando frutas em uma chácara quando surgiu um indivíduo armado de uma espingarda, gritando que ia matá-los. O paciente ficou de tal forma emocionado que não conseguiu dar sequer um passo para fugir, tendo ficado " sem fala" por bastante tempo. Quando voltou a falar, estava gago como é hoje. Êle sofre extraordinariamente com seu defeito, e limita-se a falar apenas o indispensável, isso mesmo em uma voz de intensidade muito mais baixa do que a do comum das pessoas. Permanece a maior parte do tempo calado, principalmente porque, no escritório onde trabalha, existem algumas moças que, segundo informa, caçoam abertamente de seu defeito.

O psicodiagnóstico de Rorschach, realizado nos dois pacientes, revelou diferenças nítidas entre as duas personalidades, sendo de notar que, por feliz coincidência, elestêm a mesma idade, o que vem tornar mais simples a comparação entre os dois protocolos.

O primeiro paciente, I. S., apresenta um protocolo muito mais brilhante sob o ponto de vista da inteligência. De um total de 30 respostas, 15 são globais e 6 de movimento. Além disto, algumas respostas originais bem vistas, o tipo de percepção G D((Dd)), a sucessão ordenada, tudo isto depondo em favor de um bom nível mental, confirmando os dados colhidos no exame direto. Em evidente contraste, observamos, no protocolo do segundo paciente, um nível mental tão baixo que seríamos obrigados a fazer um diagnóstico de debilidade mental grave - em desacordo com o que se podia prever do exame direto - não foraa ressalva de Ewald Bohm, que lembra a necessidade de se pensar nas pseudo-debilidades histéricas ou nas neuroses traumáticas, quando, em certos casos, há, nas respostas, uma perseveração de elementos anatômicos, o que aliás é berrante no protocolo em consideração (10 respostas anatômicas num total de 25). Notamos ainda diferenças bem evidentes em outros elementos dos dois protocolos. E' assim que, no primeiro, observamos 6 respostas M, enquanto que, no segundo, não há uma sequer, quando muito uma Fm. Estes dados são importantes porque as respostas M são indicativas de uma vida interior rica, revelando uma capacidade de mobilizar com certa liberdade e segurança as camadas mais profundas da personalidade. No segundo protocolo vamos verificar uma verdadeira barragem destas camadas para a. imaginação associativa. Rorschach dava grande importância à presença das respostas Fm na ausência de M, o que para êle era um evidente sinal de neurose. Além desta indicação, há outras que falam em favor dê uma neurose na segunda observação: 1) O choque sombrio nos primeiros cartões, revelado por grande número de F- e pela êstereotipia quase que absoluta; 2) o choque côr nos últimos cartões coloridos, bem revelado pelas observações "aqui está difícil de descrever" e "nesta aqui estou perdido!" nos cartões 9 e 10 respectivamente, observações que foram os únicos comentários feitos pelo paciente no decorrer do exame. Êstechoque côr manifestou-se também pelas respostas fugidias e afastadas da realidade e, mais do que isto, por uma resposta C no mesmo cartão 10 sôbreo qual dissera "nesta aqui estou perdido!", que veio revelar a existência de uma reação não inibida, que conseguiu escapar àcensura, que não pôde ser controlada. Podemos dizer que o protocolo do segundo paciente aproxima-se muito daquele que é considerado caraterístico da histeria para Rosanoff: a estereotipia de órgãos (10 respostas anatômicas relacionadas com o aparelho respiratório), uma gritante extratensividade (OM:5½C), um baixo F+% (21%), o choque côr, o predomínio de CF e C, com a inexistência de FC, que traduziria, se presente, uma tentativa de adaptação, uma afetividade controlada, enfim, uma personalidade emocionalmente madura. No primeiro protocolo, bem ao contrário, nada encontramos que pudesse fazer supor a existência de neurose. O predomínio das FC sôbreas CF revela tendência àestabilidade, àadaptação. Há uma resposta Cies reveladora da ansiedade e de uma tendência a se dominar em público, justificável se levarmos em conta o grande número de M, indicando estarem as camadas mais profundas da personalidade suscetíveis de agressão por parte do meio ambiente. Não encontramos fatores neuróticos; bem ao contrário, o fator neurótico mais importantes para Klopfer e Kelley não é aqui encontrado. Absolutamente, não há choque côr. Encontramos, certamente, alguns elementos discordantes no protocolo; discordantes mas não indicativos de neurose. Há, evidentemente, um conflito entre o número elevado de M (6) e o relativamente baixo de F+% (33), aliado ao relativamente elevado de An.%. (43%). Isto talvez possa ser explicado por se tratar de um adolescente. Aliás, o psicodiagnóstico miocinético, feito neste doente e interpretado pelo próprio prof. Mira y Lopez, evidenciou apenas êsteconflito entre os diversos elementos da personalidade, conflito êsteque é o caraterístico maior da adolescência.

Como pretendi demonstrar por estas duas muito resumidas observações, parece-me que não são inconciliáveis os dois pontos de vista enunciados inicialmente. Verificamos, na primeira observação, que éimpossível fugir-se à evidência de que, na base do distúrbio articulatorio, há uir conflito de predomínio entre os hemisférios cerebrais; os dados colhidos na história e na observação clínica, bem como a prova terapêutica não deixam margem a dúvidas. No segundo caso, em que nada disto foi verificado, obtivemos seguras indicações de que se trata de um neurótico. Seria necessário apenas completarmos esta observação com o resultado da terapêutica orientada neste sentido, para podermos afirmar, sem qualquer dúvida, êste ponto de vista; êste paciente continua ainda em observação, e posteriormente talvez se possa acrescentar algum novo elemento no estudo de seu distúrbio articulatorio.

Rua Marechal Bittencourt, 491 - São Paulo

  • 1
    . Travis, L. E. - Speech Pathology. D. Appleton-Century Co., New York-London, 1931.
  • 2
    . Cit. Jaspers
    8.
  • 3
    . Jaspers, H. - A laboratory study of diagnose indices of bilateral neuromuscular organisation in stutterers and normal speakers. Psychological Monographs. Psychological Review Publications 43:194, 1932.
  • 4
    . Fagan, L. B. - A clinico-experimental approach to the reeducation of the speech of stutterers. Psychological Monographs. Psychological Review Publications 43:225, 1932.
  • 5
    . Meyer, B. G. - Psychosomatic aspects of stuttering. J. Nerv. a. Ment. Dis. 101:127 (fevereiro) 1945.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1945
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