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Idéias gerais sôbre a eletrencefalografia

NOTAS PRÁTICAS

Idéias gerais sôbre a eletrencefalografia

J. A. Caetano Da Silva Junior

Assistente da clínica neurológica da Faculdade de medicina da universidade de São Paulo (Prof. Adherbal Tolosa)

As primeiras referências na literatura médica sôbre a possibilidade de serem captadas e registradas manifestações elétricas do sistema nervoso central dos animais foram as de Caton que, em 1875, verificou a existência de correntes elétricas no córtex de coelhos e macacos. Dessa primeira demonstração, feita no congresso de fisiologistas inglêses, reunido em Edimburgo, há poucos detalhes. Em 1883, Fleichl von Marxow confirmou os resultados de Caton, tendo verificado em cães, a existência de ondas elétricas cerebrais que desapareciam sob a ação da narcose clorofórmica. Em 1889, Gotch e Horsley confirmaram êsses resultados, com experiências realizadas em macacos, coelhos e gatos. Em 1890, Beck descobriu, no cão, a "corrente de repouso" cerebral, corrente que desaparecia com a excitação luminosa e modificava-se com a excitação mecânica dos membros (Cybulski). Da-nilewski em 1891, descreveu "correntes de ação" irregulares, no cérebro de cães. Hans Berger em 1902, confirmou os resultados de Beck e Cybulski, utilizando, como captadores, eletrodos impolarizáveis e, como registrador, o eletrômetro capilar de Lippman. Como não existiam ainda os amplificadores, era necessário utilizar galvanómetros de extraordinária sensibilidade. Prawdicz-Neminski, de 1913 a 1925, com o galvanómetro de corda de Einthoven, que permite registrar oscilações de potencial da ordem de 100 microvolts, obtiveram, em cães, ondas elétricas com uma freqüência de 10 a 15 ciclos por segundo, classificáveis em seis tipos. Foi demonstrada, nessa ocasião a independência entre o eletrocerebrograma, o pulso e a pressão arterial.

O primeiro eletrencefalograma (EEG) humano foi obtido por Hans Berger em 1924, com o galvanómetro de dupla bobina de Siemens e Halske. Sua primeira publicação, datada de 1929, é, até hoje, objeto de admiração pela pureza dos traçados obtidos, cuidadoso controle das causas de êrro e feliz interpretação dos resultados. Depois destacaram-se no estudo da eletrencefalografia, Kornmül-ler e Tonnies (1932), Fischer, Foerster e Altenburger, Adrian, Matthews e Ya-magiva. Em 1935, começaram os trabalhos americanos, tendo à frente os de Fre-derick e Erna Gibbs, Hallowell e. Pauline Davis, William Lennox e Herbert Jas-per, Na América do Sul, Balado e Romero dedicaram-se desde 1935, a essa questão, adotando a técnica de Kornmüller.

O registro gráfico das variações de potencial que se verificam no encéfalo pode ser obtido seja diretamente do encéfalo - eletrocorticograma - ou através dos planos superficiais (pele, osso e meninges) - eletrencefalograma. A diferença entre um e outro consiste principalmente na amplitude do traçado, pois os planos que se interpõem entre os eletrodos e o encéfalo funcionam como amortecedores. Dessa maneira, o eletrocorticograma é 5 a 10 vezes mais amplo que o EEG. É evidente, porém, que êste é o mais empregado na prática.

Os potenciais elétricos encefálicos são captados mediante a aplicação, no crânio, de eletrodos ¡mpolarizáveis. Se se produzir uma fôrça de polarização, do-contacto entre o eletrodo e a pele, serão enormemente alterados os traçados, pois essa fôrça pode ser até 200 ou 400 vezes maior do que a diferença de potencial a registrar. Os eletrodos utilizáveis são de vários tipos: agulhas-eletrodos, que são introduzidas no couro cabeludo depois de conveniente anestesia; eletrodos metálicos aplicáveis sôbre o couro cabeludo, protegidos com colódio; eletrodos líquidos, mediante um dispositivo especial que permite seja o couro cabeludo banhado diretamente pela solução fisiológica na qual mergulha um fio de prata clorada.

As oscilações elétricas que se produzem normalmente são de baixa voltagem, raramente ultrapssando 100 microvolts, com um mínimo de 5 microvolts em média, de maneira que para acionarem convenientemente um' galvanômetro, necessitam ser amplificadas. Convém notar que o microvolt, corresponde a 0,001 milivolt, ou seja a 0,000001 volt. Os amplificadores mais comumente usados são os termo-iônicos, que fornecem a tensão desejada por meio de baterias ou condensadores.

Convenientemente amplificada, a corrente é dirigida a um galvanômetro ins-critor que, por simples inscrição a tinta, fornece o EEG. A utilização do oscilógrafo de raios catódicos permite um registro mais nítido. Mais empregados são Os oscilógrafos eletromagnéticos com espêlho para inscrição óptica ou com pena inscritora. O registro fotográfico é o mais fiel porém excessivamente dispen dioso; a inscrição a tinta, embora mais sujeita a erros e menos clara, é de mais fácil utilização. A velocidade do registro é habitualmente de 1 a 3 cms. por segundo, porém nos casos em que é necessário um estudo detalhado do EEG, exigem-se velocidades até de 10 cms. por segundo. Na pesquisa de rotina, o aparelho registrador deve girar com uma velocidade de 3 cms. por segundo e ter sensibilidade tal que uma diferença de potencial de 100 microvolts produza dm desvio de 1 cm..

Segundo W. Grey Walter, são necessárias as seguintes condições para o registro do EEG: 1) aparelhagem de sensibilidade tal que uma variação de potencial da ordem de 5 microvolts produza no registro uma deflexão mensurável; 2) resposta uniforme entre freqüências de 1 a 50 ciclos por segundo, não devendo ser deficiente fôra dêsses limites; 3) utilização simultânea de vários e independentes sistemas de registro; 4) facilidade para observação e registro contínuos.

Além da aparelhagem, deve ser cuidadosamente encarada a necessidade de afastar outras causas de êrro, iniciando-se com o ambiente - local rigorosamente neutro - em sala isolada, sendo que os aparelhos devem, de preferência, estar em sala contígua àquela em que se encontre o paciente.

Para ser tomado o eletrencefalograma, o crânio do paciente deve ser desengordurado ou mesmo raspado, embora os cabelos não constituam impecilho ou causa de êrro. O paciente deverá estar deitado comodamente, em repouso físico e mental absoluto, em completo relaxamento muscular, pois contrações musculares, voluntárias ou não, poderão produzir ondulações no traçado. O simples pestanejar modifica os traçados. O doente deve permanecer, durante todo o tempo que durar a prova, com as pálpebras cerradas para evitar excitações luminosas.

Além das já citadas anteriormente, há outras causas de êrro que podem alterar o traçado, tais como: interferências de pontos próximos; potenciais fotoelé-trícos (eletrodos metálicos expostos) ; potenciais do crânio (reflexo psicogal-vânico) ; descarga rítmica na região fronto-temporal, de origem incerta, rítmica com os batimentos cardíacos e com as pulsações arteriais (eletrocardiograma ?) ; potenciais bioelétricos musculares na região frontal.

Há dois tipos de derivação utilizáveis: monopolar, em que há um eletrodo ativo sôbre o crânio e outro aplicado no lóbulo da orelha; bipolar quando os dois eletrodos são ativos e aplicados sôbre o crânio. Para Adrian e Matthews, a tomada bipolar é a única que possui capacidade localizadora. Kornmüller e Schae-der discordam dêsse ponto de vista, atribuindo à tomada unipolar idêntico valor, dado o fato bem estabelecido de que o eletrodo registra o que se passa diretamente sob êle, não sendo registrado o que se passa entre um e outro eletrodo. A tomada unipolar parece ser a melhor sob o ponto de vista localizador, talvez por permitir a comparação entre pontos elètricamente ativos.

É de uso corrente o registro múltiplo, que consiste na tomada simultânea de dois, três ou mais territórios de ambos os lados. Os pontos de eleição para a tomada de rotina são as regiões frontal, precentral e occipital, com tomada monopolar de um lado e doutro. Os norte-americanos utilizam um aparelho analisador que permite obter, pela aplicação de vários eletrodos em determinada zona, um espectro do EEG nessa região.

Em condições ótimas, estando o paciente em vigília, em completo repouso sensorial, físico e mental, na penumbra e com os olhos semicerrados, obtém-se uma sucessão de ondas elétricas, mais ou menos regulares e com freqüência de 8 a 11 ciclos (em média 10 a 10,5 por segundo), amplitude variável entre 1 e 200 mi-crovolts, em regra 25 a 125 microvolts e em média 50 a 60 microvolts. Êsse é o ritmo alfa, ritmo normal ou ritmo de Berger, onda de repouso fisiológico ou passivo. Habitualmente, êle modula-se em fusos que duram de 0,5 a 3 segundos. Êsse ritmo só é obtido além dos 8 ou 10 anos de idade, diminuindo com a velhice. É inibido pela atividade visual, esfôrço intelectual ou estímulo sensorial. É obtido em tôda a superfície do crânio. Raramente é síncrono em dois territórios do mesmo hemisfério ou simétricos. Para um mesmo indivíduo, a freqüência é constante em qualquer ponto, não se dando o mesmo quanto à amplitude e abundância. De fato, o ritmo alfa apresenta algumas variações conforme a zona cerebral examinada; as ondulações são mais amplas, mais regulares e mais numerosas na região occipital; segundo alguns autores, êsse ritmo é caraterístico da camada granulosa do córtex.

Além do ritmo alfa, pode ser observado o ritmo beta, ritmo de atividade, com ondulações de maior freqüência (em geral 20 a 25 por segundo), menor amplitude e mais irregulares. Um dos seus caractéres fundamentais é a instabilidade de freqüência. Ondulações dêsse tipo são encontradas em tôda a superfície do crânio; Jasper e Andrews julgam que sejam predominantes na região parietal.

Outro ritmo descrito é o delta, com ondulações com freqüência de 1 a 6 por segundo; é um ritmo lento, indicando, geralmente, diminuição da atividade celular.

Ainda não estão esclarecidas a origem e significação do ritmo alfa. Para Berger, êle seria a expressão da atividade das três camadas internas do córtex, ao passo que o ritmo beta seria o resultado da atividade das 3 camadas externas. Segundo Adrian, cada unidade celular, pelo seu estado de excitação, modifica a freqüência de suas descargas; assim, alta seria um ritmo de repouso e beta, mais rápido, seria expressão da atividade celular. A amplitude seria variável com o número de células integrantes, num dado momento, da atividade elétrica registrada. O estudo dos EEG múltiplos permitiu estudar melhor a questão e Kornmüller descreveu, para cada campo arquitetônico, um ritmo próprio, função de sua estrutura histológica. Adrian e Matthews afirmam a origem occipital do ritmo alfa.

VARIAÇÕES DO EEG NO INDIVÍDUO NORMAL E SOB INFLUÊNCIA DE MEDICAMENTOS

O aparecimento do ritmo alfa ou de outras ondulações só se dá, geralmente, entre 1 mês e 16 anos. Lindsley, que observou 100 crianças, concluiu que abaixo dos 3 meses não há ritmo durável; há ondulações de freqüência variável e sem acidentes. Entre 3 e 6 meses surge um ritmo de 4 a 5 por segundo, em fusos curtos, como no sono. Aos 8 ou 10 anos, adquire o traçado o aspecto definitivo. Há variações individuais do EEG; sob as mesmas condições, porém, é estável no mesmo indivíduo. Segundo Pauline e Hallowell Davis, os indivíduos, quanto à abundância de ritmo alfa, em relação à duração do traçado, podem ser classificados em quatro grupos: 1) tipo dominante (24%) nos quais há mais de 75% de ritmo alfa sôbre o total do traçado; 2) tipo subdominante (32%) com 50 a 75% de ritmo alfa; 3) tipo misto (26%) com 25 a 50% de ritmo alfa; 4) tipo de ondas raras (18%) com 0 a 25% de ritmo alfa. Há poucos indivíduos desprovidos do ritmo alfa e nos casos em que isto se der será preciso verificar as condições técnicas. Os mesmos autores, em 8 pares de gêmeos de 18 a 58 anos, encontraram o mesmo tipo de EEG e a mesma resposta aos estímulos, tendo concluído que o aspecto eletrencefalográfico traduz uma organização bem definida do córtex, de natureza hereditária.

A reação de parada de Berger consiste no aparecimento de ondulações beta pela abertura das pálpebras, determinando estímulo visual. Há um tempo de latência de décimos de segundo, tempo êste que se alonga em proporção inversa à intensidade do estímulo luminoso. A tentativa de ver, uma lembrança visual, um cálculo intelectual, também inibem o ritmo alfa, não sendo indispensável, pois, o estímulo retiniano. Ao contrário, modificações no campo visual não alteram o ritmo se o paciente fôr distraído pelo estímulo de outro órgão (ouvido). Às pequenas variações do ritmo no início (diminuição) e no fim (aumento), próximas à reação de parada, os anglo-saxões dão o nome de " on-effect" e " off-effect", respectivamente.

Segundo Loomis e colaboradores, o EEG varia durante o sono, conforme sua intensidade: na fase inicial, rareiam os fusos de onda alfa, que se tornam de menor amplitude; depois o traçado assume a forma de linha reta ou apresenta apenas pequenos acidentes; mais tarde, surgem fusos de maior freqüência qae aifa (14 por segundo) e de baixa voltagem; mais tarde ainda, aparecem oscilações lentas, de baixa freqüência (0,5 a 3 por minuto) e alta voltagem, podendo atingir até 300 microvolts; na fase do sono profundo, há potenciais lentos ao acaso, variando com a região cortical examinada. Os sonhos se traduzem, no EEG, pelo aparecimento do ritmo beta.

Na agonia e morte, Berger descreve ondas lentas até a parada. A hipertermia aumenta a freqüência do ritmo alfa. A hiperventilação, quando produz crise convulsiva, determina o aparecimento de ondas lentas, de 1 a 6 por segundo. Quando não há crise, quase não se altera o ritmo.

A administração de escopolamina e morfina diminui a amplitude do ritmo alta; com o aumento da dose, surgem ondas alfa de curta duração e grande amplitude. Os barbitúricos e brometos, por via intravenosa, determinam modificações iguais às do sono normal. O evipan produz, primeiramente, exagêro das ondas alfa e, depois, diminuição do ritmo; na fase de anestesia profunda, há ondas lentas que duram até 1 segundo, sôbre as quais se superpõem outras mais rápidas. O éter tem a mesma ação que os barbitúricos. O nível cirúrgico nas anestesias é atingido quando o ritmo alfa se reduz a 1 por segundo (Gibbs, Gibbs e Lennox). Sob a ação do álcool, primeiramente as freqüências beta aumentam e diminuem as ondas alfa; posteriormente, com a perda da consciência, surgem ondas de ritmo lento (5 por segundo). Com a cafeína desaparecem as ondas alfa e surge um ritmo beta permanente que persiste mesmo com a oclusão ocular. A estricnina, aplicada diretamente sôbre o córtex, determina ondulações amplas e rápidas. A insulina diminui o ritmo alfa; a hipoglicemia reduz a freqüência e aumenta a amplitude das ondas.

O EEG NOS ESTADOS PATOLÓGICOS

Para estudar o EEG nos estados patológicos será necessário ter um critério padrão sôbre o EEG normal, pois, dentro da normalidade, há grande margem de variação para o EEG. O mais importante fator a considerar reside no ritmo; a diminuição do ritmo é quase sempre patológica. Além do ritmo, há a considerar a freqüência e, em menor grau, a amplitude e a forma. Assim, uma freqüência inferior a 8 e uma amplitude maior que 125 microvolts são anormais. As diferenças de amplitude em regiões simétricas são anormais. As modificações de forma não oferecem critério seguro para avaliar anormalidades. Só no pequeno mal epiléptico surgem ondulações de forma caraterística.

Nas afecções mentais, no geral dos casos, o EEG não apresenta caraterísti-cas especiais. Na imbecilidade e idiotia, o ritmo corresponde à idade mental do paciente. Na esquizofrenia e psicoses cíclicas, o EEG é pouco típico e cada autor tem um critério particular a respeito. Na histeria, às vezes surgem ondas de amplitude de muitos milivolts. Presta-se o seu estudo para demonstrar a sinceridade ou não do paciente; assim, a estimulação de uma zona anestésica não determina a reação de parada.

Nos casos de hipertensão intracraniana, principalmente quando ligada a edema encefálico, surgem ondas lentas (3 por segundo) com mais de 300 microvolts de amplitude.

Nos processos meníngeos difusos há descarga de ondas lentas. Nas aracnoi-dites localizadas, o EEG assemelha-se àquêles encontrados nos tumores, dando-se o mesmo nos abscessos encefálicos. Nas encefalítes há alterações mal definidas. Nos espasmos de torção, coréias, atetoses e outras afecções do sistema extrapira-midal, não há alterações do EEG. Nas grandes intoxicações há um retardamento no ritmo das ondulações.

Jasper e colaboradores estudaram detidamente o EEG em 64 casos de traumatismos cranianos, concluindo: 1) apresentam-se ondas lentas, regulares ou irregulares, de 1 a 5 por segundo, com desorganização do ritmo e descargas de tipo epiléptico; 2) as indicações quanto à gravidade, tipo e local, correspondem aos dados clínicos, radiológicos, sorológicos e cirúrgicos, sendo que, nos casos de traumatismo ligeiro, o EEG é o mais sensível indicador; 3) o EEG é, embora nem sempre constante, sensível indicador de melhora; 4) nos casos graves, as perturbações do EEG persistem durante muitos anos.

Nos tumores cerebrais, a eletrencefalografia fornece valiosos elementos para a localização, desde que êles tenham proporções tais que sejam capazes de alterar o traçado. Foerster e Altenburger, os primeiros que se dedicaram a essa questão, concluíram que as neoplasias são, sob o ponto de vista elétrico, menos ativas do que o tecido cerebral normal. Os tumores cerebrais só alteram o EEG, quando afetam o córtex. Aparecem, então, ondas lentas, cuja origem é discutida, porém a hipótese mais provável e aceitável é a de que essas alterações provêm dos tecidos adjacentes ao tumor, submetidos à compressão. Dessa compressão resultariam perturbações funcionais ou edema, os quais seriam responsáveis pelas alterações do EEG, dando ao traçado uma forma que se assemelha ao tipo encontrado na hipertensão intracraniana e na anestesia. Os melhores estudos sôbre o EEG nas neoplasias intracranianas devem-se a W. Grey Walter. Case e Buey, descreveram, além do sinal de Walter - ondas lentas de 1 a 3 por segundo - oscilações muito lentas da linha de base, ondas em ponte, observáveis também na epilepsia. Geralmente, nos casos em que foram encontradas estas últimas alterações, havia convulsões entre os sintomas. O que parece bem estabelecido é que: 1) a grande maioria dos tumores dá origem a descargas lentas; 2) os tumores são tétricamente inativos; 3) só os tumores superficiais determinam alterações no EEG; 4) nos casos em que há suspeita de associação de edema encefálico, devemos re-duzí-lo por meio de soluções hipertónicas antes de obter os traçados; 5) a falta de qualquer alteração no EEG não exclui a existência de neoplasia.

Na epilepsia, enfermidade em que a eletrencefalografia tem maior utilidade diagnóstica e prognóstica, as primeiras observações são de Berger, que verificou a ausência de ritmo no estado comatoso pós-convulsivo; Berger demonstrou também que, durante as crises e precedendo os abalos clónicos, há descargas fortes, de grande amplitude, em grupos e com intervalos de silêncio. Os mais completos estudos sôbre o EEG na epilepsia são os da escola de Boston, feitos por F. Gibbs, E. Gibbs e W. Lennox. Foi feito estudo cuidadoso de 400 pacientes, durante 2 anos, sendo obtidos 96 quilómetros de traçados, com média de 240 metros para cada doente. De modo geral, são as seguintes as conclusões dêstes pesquisadores: 1) os ataques epilépticos relacionados com o córtex produzem flutuações caraterís-ticas nos potenciais elétricos; 2) há quatro tipos principais de ritmo na epilepsia, correspondendo respectivamente ao grande mal, pequeno mal, variante do pequeno mal e ataque psicomotor; 3) geralmente, nos indivíduos que possuam antecedentes epilépticos, mesmo que não tenham acessos convulsivos, há defeito nos traçados; 4) as crises convulsivas subclínicas produzem alterações mesmo sem haver elementos clínicos subjetivos ou objetivos; 5) a análise prolongada e cuidadosa do EEG pode permitir a previsão do grande mal, pelo aparecimento de um ritmo de 30 por segundo e com uma amplitude de 10 a 20 vezes superior à alfa; 6) geralmente as alterações se iniciam em um ponto e logo se difundem, porém há casos em que surgem em conjunto (epilepsia subcortical).

No grande mal epiléptico, o EEG caráteriza-se por um ritmo rápido (15 a 60 por segundo) ou por ondas de alta voltagem, com variações freqüentes durante a crise. O pequeno mal apresenta aspecto caraterístico, originando a formação do complexo onda-espigão (wave and spike formation), que é o ritmo de ondas lentas, de 3 por segundo, entre as quais se interpõe uma onda muito rápida em forma de pico (spike). As ondas são sempre de alta voltagem. Na variante do pequeno mal, as ondas são mais lentas (2 por segundo) e também com espigões; contudo, são raros os casos em que se apresentam e não têm grande significação. No ataque psicomotor, há ondas lentas de 2 a 4 por segundo, de alta voltagem, formando em seu conjunto um traçado em ponte, retangular ou trapezoide, sôbre a qual se superpõem pequenos espigões e ondulações.

Quanto às indicações terapêuticas, os Gibbs e Lennox concluíram que nos casos em que predominam ondas rápidas (grande mal) são mais indicados os barbitúricos e quando predominam as ondas lentas (pequeno mal e variantes), os derivados do ácido hidantoínico são os que produzem melhores resultados. Na picnolepsia, há anormalidades elétricas encefálicas que desaparecem pela ação do sulfato de benzedrina, fato que está de acôrdo com a verificação clínica das melhoras obtidas com êsse medicamento.

Das verificações dêstes autores americanos resultou também que as alterações eletrencefalográficas do grande mal predominam no giro frontal superior, ao passo que as do pequeno mal são melhor verificadas na região pré-central; na picnolepsia as alterações elétricas são mais perceptíveis na região occipital. Para Lennox, sob o ponto de vista fisiopatológico, a epilepsia pode ser definida como uma disritmia cerebral paroxística.

Para Herbert H. Jasper que, juntamente com John Kershmann, fêz a classificação eletrencefalográfica da epilepsia, as carateristicas do EEG obtido de pacientes epilépticos são ondas paroxísticas e hipersincrônicas. Haveria nesses pacientes uma hipersincronia paroxística. Êles classificaram a atividade elétrica cortical dos epilépticos em três tipos principais: 1) anormalidades localizadas (cor-ticais unilaterais); 2) sincronismo bilateral (surgindo em áreas homólogas dos dois hemisférios) ; 3) atividade anormal difusa.

Não cabe nesta pequena nota prática sôbre a eletrencefalografía, entrar em maiores detalhes sôbre a técnica da sua obtenção, bem como sôbre os inúmeros e valiosos estudos feitos na epilepsia, os quais trouxeram novas luzes para o conhecimento dessa enfermidade. Para os que desejarem conhecimentos mais amplos, recomendamos as seguintes fontes de informação: Atlas of Electroencephalography - F. A. Gibbs e E. L. Gibbs- Lew A. Cummings Co., Cambridge, Mass., 1940. Epilepsy and Cerebral Localisation - W. Penfield e T. C. Erickson, Charles C. Thomas, III, 1941. Entre as publicações latino-americanas, El Electroencefalograma Humano - M. Balado, L. F. Romero e P. J. Noiseux, Ed. El Ate-neo, Buenos Aires. La Electroencefalografía - Victor Santamaria, Cardena y Compania, Havana, 1943.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 1945
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