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Comportamento glicêmico nos casos chamados insulino-resistentes no tratamento de Sakel

Comportamento glicêmico nos casos chamados insulino-resistentes no tratamento de Sakel

Francisco Tancredi; João Baptista dos Reis

SUMMARY

Concerning the behavior of the glycemia in the cases of so-called insulin-resistence in the Sakel's treatment, the authors concluded :

1. There are some cases called insulin-resistant, in which there is only resistance to hypoglycemia, what is shown by the glycemic record during the treatment;

2. This resistance to hypoglycemia must be due to a greater and a better use of the tissue carbohydrates ;

3. Braunmühl's zigzag method, designed to overcome the insulin-resistance, does not give good results in all cases; when it fails, it must be drawn one glycemic record with the highest dose injected at once and a second record with a much lower dose; if there is parallelism between these curves, the low dose must be maintained some days, because the comatose state may appear (case 2 of the third group) ;

4. A low dose (0.20 to 0.30 gr.) of luminal taken orally, just before the injection of insulin, enables the manifestation of coma with a lower dose of insulin than the highest one reached in the case; probably the barbiturate, decreasing the cerebral excitability, also reduces the cellular resistance to the cerebral hypoxia caused by hypoglycemia;

5. The maintenance of the patients on a longer period under the action of lower doses of insulin, in the cases in which high doses did not cause coma, will lead to this latter; we may clinically suppose that the exhaustion of the tissue sugar is slower in these patients;

6. There is no parallelism between the glycemic ratio and the state of consciousness;

7. We must be careful with the cases called insulin-resistant, observing the behavior of glycemia in order to avoid prolonged and perhaps irrevertible comas.

A grande variação na resposta individual à insulina, pela reação comatosa, é bastante conhecida, no decurso do tratamento de Sakel. Vários pesquisadores se preocuparam em demonstrá-la. Até o momento, se designa insulino-resistência ao fato de grandes doses in-sulínicas não determinarem sintomas clínicos hipoglicêmicos e especialmente o coma. Teríamos, segundo Braunmühl, dois tipos: uma insulino-resistência relativa, aquela que se manifesta no decurso do tratamento, em face de uma dessenbilização, mesmo depois de obtidos vários comas; outra, a insulino-resistência absoluta, sendo considerado assim todo caso que, atingindo 300 unidades de vez, não apresenta o coma. Quanto à primeira, a literatura está cheia de exemplos. Müller já dizia, em 1937, que 2/3 dos pacientes apresentavam modificações da sensibilidade no decurso do tratamento, exigindo freqüentes reajustamentos das doses comatógenas. Há casos que, iniciados com baixas doses, exigem no fim do tratamento doses 5 a 8 vezes maiores para os mesmos efeitos (Jessner e Ryan, Müller, Sakel1 1 . Sakel, M. - The methodical use of hypoglycemia in the treatment of psychoses. Am. J. Psychiat., 94:111, 1937. . Tillin2 2 . Tillin, S. J. - Observations of Insulin Sensitivity. Am. J. Psychiat., 96:361 (setembro). 1939. publica interessantes observações, dentre as quais um caso em que obteve coma com 50 unidades, caiu a dose comatógena depois a 35 sendo os últimos comas obtidos com 150 unidades.

Temos observações interessantes nesse sentido. Uma paciente de 29 anos teve o primeiro coma com 10 unidades (entre a segunda e terceira hora), o sexto coma com 5 unidades (ainda entre a segunda e terceira hora) e depois variou tanto a sua sensibilidade, no sentido de uma resistência, que foram precisas 50 unidades para provocação do coma. Outro paciente, de 34 anos, apresentou o primeiro coma com 380 unidades, cainda depois sua dose comatógena para 80 unidades.

Quanto à chamada insulino-resistência absoluta, também se encontram na literatura casos bem interessantes. Jessner e Ryan3 3 . Jessner, L. e Ryan G. - Shock treatment in Psychiatry, New York, 1941. citam um paciente que atingiu 600 unidades de vez e Meduna, Gerty e Urse 4 4 . Meduna, Gerty e Urse. - Distúrbios bioquímicos nas desordens mentais. Arq. Serviço Nacional Doenças Mentais (Rio de Janeiro), 1943. citam um de Bantung, Franks e Grains, que atingiu 1.000 unidades, ambos sem qualquer manifestação clínica de hipoglicemia.

Tivemos vários casos desta natureza e entre êles se destacam "três, sendo que um atingiu 380, outro 400 e outro 280, sem apresentar coma ou sintomatologia clínica apreciável de hipoglicemia. Em nosso modo de ver, desde que as doses médias para a provocação do coma oscilam entre 80 e 150 unidades, deve-se considerar como resistência o caso que exige mais de 200 unidades.

A hipersensibilidade, por outro lado, também é objeto de análise. A literatura cita os casos de Gillmann e Parfitt (coma com 17 unidades), o de Schatner e O'Neill (coma com 15unidades) e o de Langfeldt (coma com 7 unidades, por via intravenosa, mas havia tomado pouco antes certa quantidade de ópio).

Kastein,5 5 . Kastein, G. W. - Insulin vergiftung . Zeit. f.d. Ges. Neur. u. Psy-chiat. 163:324, 1938. estudando a questão da maior ou menor sensibilidade dos pacientes à insulina, empregou a prova de tolerância à glicose e verificou que, interrompendo alguns dias o tratamento, havia uma sensibilização do organismo, isto é, obtinha-se coma com menor dose de insulina que as anteriormente empregadas. Ao contrário, no tratamento regular, sem pausas, processa-se uma dessensibilização. Estudou êste fenômeno, procedendo a prova de carga de açúcar antes do início do tratamento, durante o tratamento, em um dia livre de insulina e 1 semana depois de terminado o tratamento. Verificou que, após a prova inicial normal, há, de acôrdo com a dessensibilização, uma tendência hiperglicêmica da prova durante o tratamento (resposta tipo diabético) ; os valores em jejum vão-se tornando progressivamente mais altos e as taxas após a carga são cada vez maiores, alargando-se a curva cada vez mais durante o tratamento. Depois de um descanso de uma semana mais ou menos após terminado o tratamento, de modo menos constante porém, aparece uma tendência hipoglicêmica da prova (resposta tipo hiperinsulínico), correspondendo à sensibilização que por vezes surge.

Kastein atribui esta modificação verificada no metabolismo do açúcar, ao aumento de produção do hormônio diabetógeno anti-insulínico, descoberto por Houssay e que foi experimentalmente demonstrado no líquor por Lucke. Em nosso estudo, procuramos repetir estas pesquisas, utilizando-nos da prova de tolerância à glicose pela técnica de Exton-Rose (uma hora, duas cargas).

A prova de Exton-Rose baseia-se no seguinte princípio; o individuo normal reage a uma repetição de carga de glicose com modificações muito leves ou nenhuma da glicemia, enquanto que o paciente diabético oferece respostas cada vez mais elevadas. A primeira carga de açúcar sensibiliza o organismo que já recebe a segunda carga sem apresentar grande alteração da glicemia (fenômeno de Staub-Traugott). Para a interpretação da prova deve-se levar em consideração os seguintes reparos: 1) a glicemia em jejum deve estar dentro dos limites de normalidade; 2) a elevação da glicemia após a primeira carga não deve ultrapassar a 75cgrs.; 3) a taxa glicêmica correspondente à segunda carga pode ser menor, igual, porém nunca poderá exceder 10 cgrs. 0/00, relativamente à glicemia verificada aos 30 minutos.

Os nossos casos recordes de hipersensibilidade foram o de uma paciente que apresentou coma com 5 unidades, e o de um homem cujo coma se manifestou com 10 unidades. Damos a seguir os dados principais destas observações:

Caso 17 - D. F., brasileira, com 29 anos de idade, branca, internada no Sanatório Charcot a 14 de novembro de 1943; caso de esquizofrenia evoluindo há 6 anos. Iniciou o tratamento de Sakel a 22 de janeiro de 1944. O primeiro coma se manifestou 2 horas após a injeção muscular de 10 unidades; o sexto coma se manifestou entre a segunda e terceira hora após a injeção muscular de 5 unidades. Depois se modificou a sensiblidade, atingindo até 50 unidades, que se manteve até o 15.° coma. Antes do tratamento insulínico a taxa glicêmica era normal.

No decurso do tratamento (2 meses após o início) a prova da tolerância à glicose, segundo a técnica de Exton-Rose, mostrou diminuição da tolerância, com resposta hipoinsulínica (em jejum 0,56 grs ‰;meia hora após a ingestão da primeira carga de glicose - 50 grs - atingiu 1,22 grs ‰e meia hora após a segunda carga, passou a 2,12 grs ‰ - gráfico 1).


Caso 2 - C. Q., com 59 anos de idade, espanhol, branco, internado no Sanatório Charcot a 7 de agôsto de 1943. Caso de psicose de involução (síndromo paranóide-alucinatório). Iniciou o tratamento de Sakel a 12 de outubro de 1943. Primeiro coma com 40 unidades, baixando depois a 10 unidades (do 31.° ao 36.° comas). Curva glicêmica feita no 34.° coma com dosagem do açúcar sangüíneo cada meia hora: antes 0,81 grs ‰. Ao atingir o coma, na terceira hora apresentava 0,12 grs ‰- gráfico 2. A prova de Exton-Rose mostrou diminuição da tolerância à carga de açúcar durante o tratamento (0,81 grs ‰, 0,90 grs ‰ e 1,26 grs ‰- gráfico 3) e normalização 10 dias após a interrupção do tratamento (0,86 grs ‰ - 1,23 grs ‰e 1.12 grs ‰ - gráfico 4).




A sensibilidade, como vimos, pode variar extraordinariamente no curso do tratamento, e se nos afigura muito importante a sua verificação, a fim de se evitarem os comas prolongados e irreversíveis. O melhor índice prático de variação da sensibilidade está no tempo que decorre entre a injeção de insulina e o aparecimento dos sinais clínicos de hipoglicemia. Já se conhece, através de vários estudos, que o aparecimento do coma nem sempre está relacionado com a baixa da taxa glicêmica. Sidney Tillin, num caso insulino-resistente, verificou uma taxa glicêmica de 0,56 grs °|°° entre a terceira e quarta hora após a injeção de 400 unidades de insulina, sem manifestações clínicas de hipoglicemia. Depois, o mesmo doente apresentou coma com 150 unidades, na terceira hora após a injeção, quando a taxa do açúcar era de 0,53 grs °|°°. Mário Yahn6 6 . Yahn, M. - Reflexões sobre a glicemia em face do tratamento pelo coma insulínico. Neurobiologia (Recife) 1 (setembro) 1938. entre nós, também fêz estudos nesse sentido, demonstrando a não correlação entre os fenômenos hipoglicêmicos mais graves e a taxa de açúcar sangüíneo.

Estudos mais recentes mostram que o coma estaria sob dependência do esgotamento do açúcar tissular nervoso. Soskin7 7 . Soskin, S. - Physiologic Action of Insulin in Shock Therapy. Arch. Neurol, a. Psychiat, 42:563 (setembro) 1939. Os pacientes das observações 3 e 4 (ambos resistentes) são irmãos. , que procedeu a um estudo sobre a ação fisiológica da insulina no tratamento de Sakel, é de parecer que a insulina pode ser vista como um catalisador, afetando alguma fase do metabolismo, procedendo à entrada do açúcar nas células dos tecidos para armazenamento e oxidação, e que uma sobrecarga de insulina perturbaria a utilização dos carbohidratos pelos tecidos, maneira pela qual se explicaria essa falta de correlação entre os fenômenos clínicos hipoglicêmicos, especialmente o coma, e a taxa glicêmica.

Diante dos casos de insulino-resistência absoluta, o psiquiatra fica geralmente em situação difícil, pois teme aumentar demais a quantidade de insulina. Braunmühl propôs o método em ziguezague com as três variantes (alternante direto, alternante baixo e alternante retardado).

Experimentamos êsse método em vários casos, mas com algumas variações. Para muitos casos, associamos à insulina uma pequena dose de barbitúrico (0,20 e 0,30 grs de luminal por via oral, pouco antes da injeção de insulina), com o que em alguns dêles foi favorecido o aparecimento do coma. Vimos referência a essa associação no trabalho de Sidney Tillin, que diz que num caso em que se manifestaram convulsões, aplicou luminal, com o que baixou a resistência do paciente, pois, tomando antes 105 unidades, caiu depois a 35 unidades a dose comatógena. A idéia de associarmos barbitu-ratos na insulino-resistência surgiu, aliás, da mesma maneira, isto é, verificamos que nos inúmeros casos em que anteriormente prescrevíamos luminal para evitar convulsões, as doses de insulina eram sempre muito baixas, raramente atingindo a 200 unidades de vez.

Vejamos alguns de nossos casos insulino-resistentes, resolvidos com o método zigue zague e com a associação barbitúrica.

Caso 1 - C. C, branca, com 43 anos de idade, brasileira. Caso de esçuizo-frenia crônica forma paranóide. Doente há 8 anos. Tratamento de Sakel iniciado a 2 de feveriero de 1943. Atingiu 200 unidades a 23 de março de 1943, sem apresentar coma (de 9 até 15 horas). A 25 de março de 1943 fizemos 200 unidades às 9 horas, com 0,30 grs de luminal por via oral. A paciente entrou em coma às 14,40 horas. A 27 de julho de 1943 repetimos 200 unidades e 0,30 grs de luminal, tendo a doente entrado em coma 3 horas após.

Caso 2 - M. L., com 42 anos de idade, branco, polonês. Caso de parafrenia (tratamento tentado a pedido da família). Doente ha 3 anos. Iniciou o tratamento de Sakel a 17 de dezembro de 1942. Atingiu 240 unidades a 9 de fevereiro de 1943 sem coma ou manifestação hipoglicêmica pronunciada. Tentamos o método de ziguezague, quando atingira 200 unidades (80-120-160 - 80-120-160-200) sem resultado; depois 224 e 24 unidades sem resultado a pesar de permanecer 5 horas sob a ação insulínica. A 11 de fevereiro de 1943, fizemos 240 unidades mais 0,20 grs de luminal às 10 horas; às 13 horas o paciente entrou em coma. Repetimos regularmente, da mesma forma, até o 27.° coma; depois deixou o luminal e continuou apresentando comas até 35.

Caso 3 - E. B. X., com 26 anos de idade, branco, brasileiro. Caso de esquizofrenia, evoluindo por surtos. Iniciou o tratamento de Sakel a 10 de outubro de 1942. Teve o primeiro coma com 184 unidades, o segundo com 192, o terceiro com 200 unidades. Depois as doses de 200 e 208 unidades não provocaram comas. Em seguida fizemos 80 unidades sem luminal e o paciente não entrou em coma, embora passadas 4 horas. A 15 de dezembro de 1942, repetimos a associação ínsulina-luminal, tendo o paciente o sexto coma. Repetimos essa prática várias vezes, com o que apresentou vários comas. No 17.° retiramos o luminal, fazendo sempre a mesma dose de insulina, com o que continuou a apresentar comas (até S0) ; apenas no 43.° haviamos elevado a dose para 88, porque o paciente então demorava para entrar em coma (nessa ocasião, estávamos associando a convul-soterapia pelo método alternado).

Caso 4 - F. I. X., com 19 anos de idade, branco, brasileiro. Caso de esquizofrenia crônica. Veio ao Sanatório Charcot depois de ter estado em outros hospitais, onde se submeteu à convulsoterapia sem resultado; o método de Sakel havia sido abandonado por insulino-resistência (Hospital de Juqueri). Internado a23 de agôsto de 1941, iniciamos o Sakel a 18 de novembro de 1941, tendo atingido 280 unidades sem coma. Fizemos o método ziguezague (112-160-280) ; com aúltima dose teve coma depois da terceira hora. Repetimos o ziguezague (112-144-200-240) ; teve com essa dose 4 comas, retornando depois à resistência. Novo ziguezague (104-120-160-184) ; com a última dose passou a ter vários comas (depois 192), interrompidos no 20.° por ter apresentado intercorrência febril (mononucleose infecciosa).

Caso 5 - H. E. N., com 19 anos de idade, branco, brasileiro. Esquizofrenia crônica, forma simples. Atingiu 184 unidades sem coma. Aplicado o ziguezague com 80 unidades, nada; com 120 unidades, coma após 4 horas; com 136 unidades, nada; com 152 unidades, o coma se repetiu várias vezes.

Caso 6 - P. C, com 32 anos de idade, brasileira, solteira. Síndromo de automatismo mental ideatório. Atingiu 168 unidades sem coma. Nas vezes seguintes: 30 unidades, depois 120 e 136, sem coma; voltou a 80 e teve coma após 3 horas, repetindo-se depois o coma regularmente até 26.

Procurando analisar o porquê dessa resistência, estudamos 2 casos com mais cuidado:

Caso 1 - O. M., com 34 anos de idade, brasileira. Esquizofrenia crônica (5 anos de doença). Atingiu 240 unidades sem coma. Iniciamos o método em ziguezague que falhou (40-90-120-40-120-240). Depois, associamos 0,30 grs de lu-minal por via oral; o primeiro coma se manifestou com 286 unidades, sendo necessário elevar até 350, para os subseqüentes (25 ao todo).

Curva glicêmica de meia em meia hora após a injeção de insulina, durante 3 horas e meia, com 240 unidades (gráfico 5). Antes da injeção: 0,71 grs ‰; 3 horas após: 0,17 grs ‰, embora não apresentasse sinais clínicos de hipoglicemia.


Curva glicêmica com 120 unidades e nas mesmas condições da anterior (gráfico 6) : antes da injeção, 0,57 grs ‰; 3 horas e 3 horas e meia após - 0,07 grs ‰, quando apenas apresentou torpor intelectual.


Curva glicêmica, com 240 unidades de insulina mais 0,30 grs de luminal por via oral (gráfico 7) ; antes da injeção 0,62 grs ‰; 4 horas após 0,11 grs ‰, apresentando o doente apenas torpor.


Dias após, 4 horas depois da injeção de 120 unidades, a taxa glicêmica caiu a 0,23 grs ‰, sendo de 0,32 grs ‰ a glicose no líquido céfalo-raquidia-no; não houve coma.

A 11 de dezembro de 1943, com 240 unidades mais 0,30 grs de luminal, a taxa glicêmica caiu de 0,59 grs ‰ para 0,10 grs ‰ (na quarta hora) sem torpor. Na quinta hora, apresentou torpor e a taxa glicêmica era de 0,15 grs ‰. A injeção de sôro glicosa-do fêz desaparecer o torpor após 2 minutos.

A 18 de dezembro de 1943, aplicamos 264 unidades; 4 horas depois, o paciente apresentou coma (gráfico 8). Antes da injeção, a taxa glicêmica era de 0,62 grs ‰. Na quarta hora (coma), taxa glicêmica de 0,14 grs ‰, mas na terceira hora tivera 0,12 grs ‰. Durante o coma, a taxa de açúcar no liqüido céfalo-raquidiano caiu a 0,19 grs ‰. Acordou rapidamente (2 minutos) com soro glicosado.


A prova da tolerância à glicose (gráfico 9) durante o tratamento em 28 de novembro de 1943, mostrou diminuição da tolerância (0,91 grs - 1,15 grs e 1,28 grs ‰) portanto curva hipoinsulínica. Depois do tratamento, continuou apresentando curvas hipoinsulínicas (gráficos 10 e 11).



Caso 2 - B. S. C, com 24 anos de idade, branco, brasileiro. Esquizofrenia forma paranóide. Iniciou tratamento de Sakel a 12 de maio de 1944. Primeiro coma com 224 unidades, depois aumento da resistência, atingindo 400 unidades sem coma. Método de ziguezague (80-160) por 4 vezes. Veio a apresentar pré-coma com a última dose de 80 unidades depois da quarta hora de injeção. Resolvemos então manter essa dose (80) por vários dias. No quinto dia, apresentou coma entre a quarta e quinta hora após a injeção; depois houve estreitamento do tempo de reação comatosa até que se manifestaram comas entre a segunda e terceira horas, com a mesma dose de 80 unidades. Quando atingira 400 unidades sem coma, fizemos uma curva glicêmica (gráfico 12) : antes da insulina, taxa glicêmica de 0,61 grs ‰; na terceira hora, 0,14 grs ‰ (apenas pré-coma).


Com 80 unidades, sem coma, em 30 de agôsto de 1944 (gráfico 13) : antes da insulina, 0,81 grs ‰; na terceira hora, 0,13 grs ‰.


Com 160 unidades sem coma: antes da injeção, 0,78 grs ‰; na terceira hora, 0,19 grs ‰.

Com 80 unidades, a 15 de setembro de 1944 (gráfico 14) : antes da injeção, após, 0,13 grs ‰ (pré-coma).


Com 80 unidades, em 27 de setembro de 1944: a taxa glicêmica atingiu apenas 0,19 grs ‰, 3 horas e meia após a injeção de insulina, quando se manifestou franco estado de coma. Teve 16 comas sempre com a mesma dose de 80 unidades.

Antes de nossas observações, estávamos mais ou menos de acordo com as idéias defendidas por Meduna, Gerty e Urse, que em recentes estudos concluíram que a insulino-resistência era devida à existência de um fator anti-insulínico neutralizante, encontrado em certos esquisofrê-nicos. Mayer Harris 8 8 . Mayer, Harris - Year-book Psych. 1943 (resumo). Av. D. Pedro I, 398 - S. Paulo diz que êsse fator também foi assinalado com indivíduos não esquizofrênicos. Aliás, suas experiências e as de Bantung, Franks e Gairns, são muito interessantes, pois conseguiram a neutralização do efeito da insulina em cobaios, pela prévia injeção de soro sangüíneo de indivíduos insulino- resistentes.

Poderia ser invocado aqui, para explicar êsse fator, o aumento da produção do hormônio anti-insulínico do lobo anterior da hipófise, descrito por Houssay (também assinalado no líquor por Lucke). A presença dêsse fator pode ser admitida em alguns casos, mas não é regra geral, pois que, mediante artifícios técnicos, podemos modificar essa resistência. Prova disso são os resultados dos métodos de Braünmühl e ziguezague. Se, em nossos dois últimos casos, melhor estudados, houvesse esse fator anti-insulínico, não teríamos obtido tão baixas taxas glicêmicas. E 'o mais interessante é que, tanto com doses elevadas, como doses muito inferiores, chegamos às mesmas quantidades de açúcar sangüíneo. No primeiro caso, a paciente com 240 unidales atingiu 0,17 grs °|°° e com 120 unidades, foi a 0,07 grs não entrando em coma em ambas as vezes. Depois, com 264 unidades, se manifestou o coma quando a taxa gli-cêmica era de 0,15 grs, tendo passado antes por 0,10 grs °|°°. No segundo caso, quando foram feitas 400 unidades, sem obtenção do coma, a taxa glicêmica caiu a 0,14 grs °|°° na terceira hora. Ao fazer 80 unidades, dias após, a taxa glicêmica atingiu 0,11 grs após 3 horas e meia. Uma outra aplicação de 80 unidades provocou coma após 3 horas e meia, quando a taxa glicêmica atingiu 0,19 grs °|°°.

Embora os estudos eletrencefalográficos da Hoagland, Rubin e Cameron tenham mostrado o paralelismo entre o declínio do açúcar sangüíneo no tratamento de Sakel e as trocas na atividade elétrica do cérebro (decréscimo das ondas alfa) ; conquanto Himwich, Fros-tig, Fazekas e Hadidian 9, nos demonstrem que o volume de oxigênio utilizado pelo cérebro no insulinizado diminui consideravelmente (hipoxia determinada pela hipoglicemia) e que os fenômenos de inconsciência sobrevêm quando se atinge um mínimo (2,57 °|°°), pela hipoglicemia, parece-nos que isso nem sempre explica a resistência à ação insulínica. Estamos, pois, de acôrdo com Soskin em que o coma está sob dependência do esgotamento da reserva de açúcar tissular nervoso. Seria, pois, aceitável para certos casos (e os nossos aí se enquadram) admitir que não existe uma resistênqcia à insulina, mas sim uma resistência à hipoglicemia, talvez mediante melhor utilização dos carbohidratos em reserva tissular, mercê de que o paciente não perde a consciência. Portanto, a manutenção da consciência durante o tratamento de Sakel nem sempre indica que a hipoglicemia é ainda leve. Aliás, como já referimos atrás, vários foram os autores que demonstraram a falta de relação entre hipoglicemia e os fenômenos de alteração da consciência.

CONCLUSÕES

1) Nem todos os casos chamados insulino-resistentes podem assim ser catalogados, pois há alguns em que apenas existe uma resistência à hipoglicemia, verificável pela curva glicêmica durante o tratamento;

2) Essa resistência à hipoglicemia pode ser admitida como fruto de maior reserva e melhor utilização dos carbohidratos tis-sulares;

3) o método em zigue zague de Braunmühl para vencer a chamada insulino-resistência, resolve alguns casos e outros não; quando isto se dá, deve-se fazer a curva glicêmica com a mais alta dose injetada de vez e uma segunda curva com dose muito inferior; havendo paralelismo nas curvas, deve-se manter essa dose baixa durante vários dias, pois o estado comatoso poderá se manifestar (observação 2 do terceiro grupo) ;

4) a administração de pequena dose (0,20 a 0,30 grs) de luminal por via oral, pouco antes da injeção de insulina, constitui bom recurso para favorecer a manifestação do coma com dose de insulina bem inferior à mais alta atingida no caso; possivelmente o barbitúrico, diminuindo a excitabilidade cerebral, diminui também a resistência celular à hipoxia cerebral determinada pela hipoglicemia.

5) a manutenção dos pacientes durante maior tempo sob a ação de menores doses de insulina, naquelas em que grandes doses não provocaram coma, conduzirá ao aparecimento do coma, o que clinicamente leva a admitir que o esgotamento da reserva de açúcar tissular se processa nesses pacientes mais lentamente;

6) não existe paralelismo entre a taxa glicêmica e os fenômenos de consciência, havendo casos em que o coma se manifesta quando a taxa do açúcar sangüíneo é mais alta que aquela anteriormente atingida;

7) deve-se prestar o maior cuidado possível aos casos chamados insulino-resistentes, mediante a verificação do comportamento glicêmico, a fim de evitar comas prolongados e talvez irreversíveis.

Trabalho realizado no Sanatório Charcot e apresentado à Secção de Neuropsiquiatria da Associação Paulista de Medicina em 5 janeiro 1945. Entregue para publicação em 17 abril 1945.

  • 1
    . Sakel, M. - The methodical use of hypoglycemia in the treatment of psychoses. Am. J. Psychiat.,
    94:111, 1937.
  • 2
    . Tillin, S. J. - Observations of Insulin Sensitivity. Am. J. Psychiat.,
    96:361 (setembro). 1939.
  • 3
    . Jessner, L. e Ryan G. - Shock treatment in Psychiatry, New York, 1941.
  • 4
    . Meduna, Gerty e Urse. - Distúrbios bioquímicos nas desordens mentais. Arq. Serviço Nacional Doenças Mentais (Rio de Janeiro), 1943.
  • 5
    . Kastein, G. W. - Insulin vergiftung
    . Zeit. f.d. Ges. Neur. u. Psy-chiat. 163:324, 1938.
  • 6
    . Yahn, M. - Reflexões sobre a glicemia em face do tratamento pelo coma insulínico. Neurobiologia (Recife) 1 (setembro) 1938.
  • 7
    . Soskin, S. - Physiologic Action of Insulin in Shock Therapy. Arch. Neurol, a. Psychiat,
    42:563 (setembro) 1939.
    Os pacientes das observações 3 e 4 (ambos resistentes) são irmãos.
  • 8
    . Mayer, Harris - Year-book Psych. 1943 (resumo).
    Av. D. Pedro I, 398 - S. Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1945
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