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A humanização da medicina

EDITORIAL

A humanização da medicina

Cristina Muccioli; Mauro S. Q. Campos; Paulo E.C. Dantas; Mauro Goldchmit; Samir J. Bechara; Vital Paulino Costa; Suzana Matayoshi

Chegamos ao final de mais um ano, época que nos predispõe às reflexões; e, aproveitando as discussões éticas atuais e suas diversas interpretações, gostaríamos de estimular a reflexão sobre a humanização ou re-humanização da medicina.

Por definição, medicina é uma atividade humana exercida por seres humanos em seres humanos. Então, por quê humanizar? Não seria óbvio manter o respeito e a dignidade do ser humano, obedecendo aos fundamentos da ética médica? Seria, mas não é mais. A medicina seguiu um rumo mais técnico, deixando de lado a arte intrínseca. Cada vez mais o jovem médico é exposto à alta tecnologia e menos ao lado humanístico e filosófico da medicina.

E a relação médico-paciente, aonde foi parar? Como justificar horas de espera por uma consulta fria e rápida de 10 minutos? As palavras de Bernard Lown são perturbadoras e eloqüentes. Diz ele: "a medicina jamais teve a capacidade de fazer tanto pelo homem como hoje. No entanto, as pessoas nunca estiveram tão desencantadas com seus médicos. A questão é que a maioria dos médicos perdeu a arte de curar, que vai além da capacidade do diagnóstico e da mobilização dos recursos tecnológicos" . Entendemos que temos que ter a coragem de rever e mudar, para resgatar, o valor maior da medicina que é ver o paciente como um ser humano único e respeitá-lo como tal, para poder entender e tratar sua doença.

Vivemos numa época na qual a tecnologia supera o diálogo e em um mundo no qual ter é mais do que ser. As clínicas e hospitais preocupam-se muito com a arquitetura moderna, bonita e ostensiva, como se isso fosse a garantia de boa medicina ou bom atendimento. Será que é isso que o paciente quer e precisa? Ou será que uma equipe de profissionais bem formados, atenciosos e disponíveis seriam causa maior de percepção de qualidade?

O que fazia do médico de outrora (o médico da família) um indivíduo respeitado, amado e tido como um "sacerdote" , cujas orientações eram rigorosamente seguidas pelos seus pacientes? Era o tempo que dedicavam aos seus pacientes? Ou seria o fato de conhecer o paciente e seu contexto pessoal e familiar (exercendo o papel do psicólogo) ? Ou será que era o "tapinha nas costas" e a frase: - "vou cuidar de você" - falada ao final do atendimento que faziam a diferença entre o médico respeitado do passado (não tecnológico) e o médico altamente tecnológico e, geralmente, não respeitado?

Ensinamos nossos alunos a tratar pacientes; mas, geralmente deixamos de lado a fé. Será que a fé contribui para uma melhor qualidade de vida e de saúde? Apesar da ausência de evidências sólidas dos benefícios da associação de tratamento médico integrado com a religiosidade dos pacientes, acredita-se que os benefícios existam. Evidente que devemos levar em consideração os limites da medicina e o poder da religião. Mesmo assim, somos surpreendidos com artigos no "MedLine" que testam a eficácia das diferentes rezas (usadas como suporte ao tratamento) na recuperação de pacientes cardíacos, com câncer, terminais, etc. Será a fé uma medida passível de ser testada pela comunidade científica? Deve, dessa forma, ser analisada e utilizada de acordo com a medicina baseada em evidências? Felizmente, cada vez mais, observamos um movimento pró-religião e espiritualidade atingindo os profissionais da saúde. E atender e respeitar as necessidades espirituais e religiosas dos pacientes parece adicionar um benefício não só ao paciente, mas também as suas famílias, que se sentem mais protegidas e amparadas.

Encerrando nossas reflexões, deixamos outra: o que devemos humanizar? Recuperar a relação médico-paciente, a ética, a medicina de família, dar uma visão mais holística à nossa profissão? Re-investir na formação dos médicos, por meio da humanização das escolas médicas? Re-humanizar o próprio médico?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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