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Hemangiopericitoma de órbita

Orbital hemangiopericytoma

Resumos

Objetivo: Descrever um raro caso de hemangiopericitoma orbital. Métodos: Relato de caso de associação entre hemangipericitoma orbital e blefaroptose. Resultados: A exérese da neoplasia normalizou o posicionamento palpebral. Conclusões: Lesões orbitais anteriores são causas de blefaroptose por compressão do músculo elevador palpebral.

Hemangiopericitoma; Neoplasias orbitárias; Blefaroptose


Purpose: To describe a rare case of orbital hemangiope- ricytoma. Methods: Case report of an association of blepha-roptosis with orbital hemangiopericytoma. Results: When the lesion was surgically removed the position of the upper eyelid returned to normal. Conclusions: Anterior orbital lesions can lead to blepharoptosis by compression of the levator palpebrae muscle.

Hemangiopericytoma; Orbital neoplasms; Blepharoptosis


RELATOS DE CASOS

Hemangiopericitoma de órbita

Orbital hemangiopericytoma

Ana Paula Ximenes Alves1 1 Doutora em Oftalmologia pelo Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia. 2 Médico contratado do Departamento de Patologia. 3 Professor Associado, responsável pelo setor de Órbita e Oculoplástica do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia.

Paulo Roberto Félix2 1 Doutora em Oftalmologia pelo Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia. 2 Médico contratado do Departamento de Patologia. 3 Professor Associado, responsável pelo setor de Órbita e Oculoplástica do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia.

Antonio Augusto Velasco e Cruz3 1 Doutora em Oftalmologia pelo Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia. 2 Médico contratado do Departamento de Patologia. 3 Professor Associado, responsável pelo setor de Órbita e Oculoplástica do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia.

RESUMO

Objetivo: Descrever um raro caso de hemangiopericitoma orbital. Métodos: Relato de caso de associação entre hemangipericitoma orbital e blefaroptose. Resultados: A exérese da neoplasia normalizou o posicionamento palpebral. Conclusões: Lesões orbitais anteriores são causas de blefaroptose por compressão do músculo elevador palpebral.

Descritores: Hemangiopericitoma; Neoplasias orbitárias/etiologia; Blefaroptose/complicações

INTRODUÇÃO

Os hemangiopericitomas foram descritos pela primeira vez, em 1942, por Stout e Murray(1). São tumores de ocorrência rara, que se originam a partir da proliferação de pericitos, ou seja, células que envolvem os capilares, dando-lhes suporte e regulando o seu lúmen.

Os hemangiopericitomas comumente aparecem nas extremidades inferiores, principalmente coxa. Além dessa localização, eles são comuns na fossa pélvica e no retroperitôneo(2). A órbita é um local de rara ocorrência. Alguns autores o identificaram em 1% das biópsias orbitárias, enquanto outros afirmam que estas lesões constituem cerca de 2% dos tumores orbitários(2).

Apesar de poderem acometer qualquer faixa etária, o aparecimento dos sintomas geralmente se dá entre a terceira e sexta décadas da vida, sob a forma de proptose lentamente progressiva e unilateral. Entre os sintomas associados, descreve-se, mais comumente, a ocorrência de dor leve e redução da acuidade visual(2).

Os exames de imagem não são patognomônicos. O padrão mais encontrado é o de uma lesão bem delimitada, que pode realçar com o uso de contrastes. Pode ser encontrada em qualquer lugar da órbita, mas tem predileção pela órbita superior, deslocando o olho para baixo. A histologia é fundamental para o diagnóstico(3). Em relação à evolução, os hemangiopericitomas podem apresentar comportamento benigno ou maligno. No último caso, podem gerar metástases para órgãos distantes, como pulmão, osso e fígado, e levar a óbito(4).

O objetivo do presente trabalho é descrever um caso de hemangiopericitoma orbitário e realçar as características clínicas e histopatológicas dessa neoplasia.

RELATO DE CASO

A paciente GTF, de 69 anos, procurou o serviço de órbita do Hospital das Clínicas da Faculade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), em março de 1998, referindo inchaço progressivo na pálpebra superior esquerda (PSE), associado a dor no olho ipsilateral, há cerca de três anos. Negava doenças oculares anteriores. Estava em seguimento ambulatorial por ser portadora de doença diverticular do cólon, além de prolapso retal e uterino.

Ao exame, apresentava acuidade visual corrigida de 0,5 à direita e 0,8 à esquerda. Notava-se ptose palpebral à esquerda, associada à tumefação abaixo da porção central do rebordo orbitário esquerdo.

A distância entre o centro pupilar e a margem palpebral direita era de 3,0 mm à direita e de 1,0 mm à esquerda. O olho esquerdo estava nitidamente deslocado para baixo. Embora as versões estivessem normais e não houvesse diplopia, a paciente queixava-se de dor à movimentação do olho esquerdo. À biomicroscopia, observava-se opacificação subcapsular posterior à direita e à fundoscopia, notavam-se drusas maculares e atrofia do epitélio pigmentar peripapilar bilateralmente.

A tomografia de órbita revelou estrutura ovalada, de contornos regulares, medindo 2,0 cm x 1,2 cm, na órbita anterior e superior provocando afinamento do teto orbitário. Após a administração de contraste, notou-se reforço homogêneo da lesão (Figura 1).


Foi realizada exérese total da lesão, através de incisão no sulco palpebral superior e dissecção extra-periostal. A lesão mostrava-se bem delimitada e de coloração vinhosa. Não houve sangramento importante durante o procedimento.

O exame anátomo-patológico da massa evidenciou proliferação de células fusiformes agrupadas em feixes e intercaladas por múltiplos e pequenos canais vasculares, revestidos por células endoteliais aplanadas. A lesão apresentava leve grau de pleomorfismo e de atipia celular. Não foram observadas invasão de vasos sangüíneos, necrose ou hemorragia intra-tumoral. Havia cerca de 5 mitoses/10 campos de 400X. Para a análise imunohistoquímica, foram utilizados os marcadores vimentina, antígeno comum leucocitário (LCA), citoceratinas (AE1 e AE3), proteína filamentar S100, fator VIII, actina muscular (HHF35) e reticulina. O material mostrou-se positivo apenas para a vimentina e reticulina, sendo que a reticulina revelou uma trama espessa individualizando as células e espaços vasculares, o que praticamente selou o diagnóstico de hemangiopericitoma (Figura 2).


A paciente vem sendo seguida ambulatorialmente a cada 6 meses, e dois anos após a cirurgia, a tomografia não exibe sinais de recidiva. As pálpebras estão simétricas, os olhos bem posicionados e as versões sem anormalidades. A exoftalmetria é de 7,0 mm em ambos os olhos.

DISCUSSÃO

Embora sejam de ocorrência rara, os hemangiopericitomas devem ser lembrados no diagnóstico diferencial das massas orbitárias bem delimitadas, que apresentam, nos estudos tomográficos, reforço à administração de contraste. Estas características também são vistas em outras lesões, como nos hemangiomas cavernosos, schwannomas, neurofibromas e histiocitomas fibrosos. De forma menos comum, os hemangiopericitomas também podem apresentar, à tomografia, calcificações intra-lesionais, erosão óssea e evidência de grandes vasos arteriais nutridores(5).

As angiografias de hemangiopericitomas localizados fora da órbita demonstram que esses tumores são ricamente vascularizados(6-7). Nas ultrasonografias, geralmente eles são vistos como lesões sólidas, bem delimitadas, de baixa a média refletividade, que podem apresentar estrutura interna irregular, às custas de componentes císticos. Quando utiliza-se ressonância magnética, as lesões são melhor visíveis em T1, como massas hipointensas em relação à gordura orbitária, que podem realçar com o uso do Gadolínio(5).

O quadro clínico dos hemangiopericitomas orbitários é invariante. Em praticamente todos os casos encontra-se proptose de evolução lenta e de longa duração(8). É o mesmo comportamento dos hemangiopericitomas que ocorrem fora da órbita, que costumam apresentar-se como massa indolor(7). Estando na órbita, os hemangiopericitomas causam, pelo efeito compressivo, dor, diplopia e redução da acuidade visual. Outras manifestações típicas de massa intraorbitária podem ainda ser vistas, como dobras de coróide, edema de papila, congestão de vasos retinianos e neuropatia óptica, além de edema e equimose de pálpebras(5).

No caso apresentado, a queixa da paciente era toda dirigida para a presença da massa na pálpebra superior. A ausência de proptose provavelmente deveu-se à localização anterior da lesão na órbita, o que explica também a ocorrência da blefaroptose por compressão do músculo elevador da pálpebra, uma vez que a simples retirada do tumor normalizou o posicionamento palpebral.

De interesse para o oftalmologista, é útil saber que, além da órbita, os hemangiopericitomas também já foram encontrados no saco lacrimal(6), justaposto ao globo ocular(9), na glândula lacrimal(10), nas meninges do nervo óptico(11), e como massa subconjuntival ou subcutânea, no canto interno da fenda palpebral.

Como não apresenta características clínicas patognomônicas, o diagnóstico acaba sendo inteiramente baseado na histopatologia, que pode apresentar algumas dificuldades de caracterização. Com efeito, a lesão pode confundir-se com histiocitoma fibroso, hemangioendotelioma maligno, meningioma angioblástico e condrossarcoma (4, 12-13). Isto se deve ao fato de que os pericitos não exibem características marcantes à microscopia óptica. Assim, o diagnóstico é feito pela observação do padrão arquitetural assumido pelas células à microscopia óptica, pelos detalhes celulares à microscopia eletrônica(2), ou pelo uso da imunohistoquímica, havendo quem defenda que o uso da coloração para reticulina seja indispensável(13).

Análises imunohistoquímicas referem que estes tumores também reagem com a vimentina, o antígeno CD34 e a proteína S-100 (5, 12, 14). À microscopia eletrônica, as células do hemangiopericitoma possuem núcleo grande e citoplasma pobre em organelas. Identificam-se numerosos processos citoplasmáticos alongados. De forma característica, observa-se que cada célula, individualmente, é separada das células adjacentes por uma membrana basal(7).

Embora descrevam-se critérios de malignidade para estes tumores, observa-se que tumores histologicamente benignos acabam apresentando um comportamento maligno e vice-versa(3). A presença de células tumorais gigantes, pleomorfismo celular, focos de hemorragia e necrose, grande número de mitoses por campo (mais do que 35 mitoses/campo em aumento de 400X(3, 8), alto grau de celularidade e invasão vascular têm sido associados a tumores clinicamente agressivos(4, 12). De acordo com esses critérios, o caso relatado apresentava quadro histológico benigno.

Alguns estudos relatam a associação entre hemangiopericitomas e hipoglicemia, sendo que esta desaparece após ressecções parciais ou totais de tumor(7). Investigações em Biologia Molecular(15-16) sugerem que este fenômeno possa ser decorrente da produção de fatores de crescimento semelhantes à insulina, que além de causar hipoglicemia, estimulam o crescimento tumoral de uma forma autócrina.

Quanto ao tratamento, é unânime a recomendação de exérese total da lesão, com margens amplas(2, 7- 8). Há relatos do uso de radioterapia e de quimioterapia para lesões recidivantes, com resultados variáveis(17-19). Infelizmente observa-se que, mesmo as lesões bem delimitadas, que sofreram completa ressecção, podem evoluir com recidiva local, muitas vezes tardia(3). Na maior série de casos de hemangiopericitomas orbitais, que contou com 30 pacientes(8), a taxa de recorrência foi de 30.0%. O tempo entre o diagnóstico e a recidiva variou de 1 mês(7) a 18 anos(13). Portanto, é mandatório o seguimento prolongado de todos os pacientes, independente do quadro histológico.

ABSTRACT

Purpose: To describe a rare case of orbital hemangiope- ricytoma. Methods: Case report of an association of blepha-roptosis with orbital hemangiopericytoma. Results: When the lesion was surgically removed the position of the upper eyelid returned to normal. Conclusions: Anterior orbital lesions can lead to blepharoptosis by compression of the levator palpebrae muscle.

Keywords: Hemangiopericytoma; Orbital neoplasms/etiology; Blepharoptosis/complications

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Endereço para correspondência: Antonio Augusto V. Cruz - Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia, Hospital das Clínicas-Campus, 12º andar - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - Av. Bandeirantes 3900 - Ribeirão Preto (SP) - CEP 14049-900

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  • 1
    Doutora em Oftalmologia pelo Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia.
    2
    Médico contratado do Departamento de Patologia.
    3
    Professor Associado, responsável pelo setor de Órbita e Oculoplástica do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2001
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