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Insuficiência adrenal primária na infância

Primary adrenal insufficiency in children

Resumos

A insuficiência adrenal primária manifesta-se raramente na infância, podendo apresentar-se de forma insidiosa ou aguda, especialmente na vigência de um estresse desencadeante. Os sinais clínicos são inespecíficos e incluem fraqueza, inapetência, náuseas e vômitos, dor abdominal e diarréia, hipotensão, hipoglicemia e desidratação. As causas podem ser adquiridas (hiperplasia adrenal congênita, doença de Addison, hipoplasia adrenal, adrenoleucodistrofia, doenças de depósito etc). A presença de história familial, consangüinidade, doenças de base e fatores desencadeantes deve ser valorizada para a elucidação diagnóstica. A investigação laboratorial inclui a determinação do cortisol, ACTH, bem como de precursores da esteroidogênese. O teste de estímulo com ACTH é reservado para os quadros intermediários. A quantificação dos auto-anticorpos anti-adrenal e os estudos moleculares estão indicados na confirmação diagnóstica de quadros específicos. O tratamento substitutivo com glicocorticóide, e se necessário a associação com mineralocorticóide, deve ser instituído de forma precoce e utilizando-se a menor dose que controle os sintomas e restabeleça um crescimento estatural e desenvolvimento puberal adequados.

Insuficiência adrenal; Infância


Primary adrenal insufficiency is a rare pediatric condition, which can be presented as chronic or acute forms, especially during stress. The clinical features are unspecific and include weakness, nausea and vomiting, abdominal pain and diarrhea, arterial hypotension, hypoglycemia and dehydration. The etiology can be acquired such as infectious, hemorrhagic and drug-induced disorders, or be dependent on a genetic origin, such as congenital adrenal hyperplasia, Addison’s disease, congenital adrenal hypoplasia, adrenoleucodystrophy, or deposit disorders of the adrenal gland. The familial history, presence of consanguinity, adjacent diseases and associate factors, should be considered to confirm the diagnosis. Laboratory investigation includes cortisol, ACTH and the determination of the steroidogenic precursors. The ACTH stimulation test is performed in intermediate conditions. Adrenal auto-antibodies quantitation and molecular studies can be helpful to confirm specific diseases. A substitutive glucocorticoid and mineralocorticoid therapy should be started as soon as the diagnosis is confirmed. The treatment aimed to control the symptoms with the smaller dose that can allow an adequate growth and pubertal development.

Adrenal insufficiency; Childhood


REVISÃO

Insuficiência adrenal primária na infância

Primary adrenal insufficiency in children

Carlos Alberto Longui

Unidade de Endocrinologia Pediátrica da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Carlos Alberto Longui Rua Pimenta 65, apto. 102 03060-000 São Paulo, SP

RESUMO

A insuficiência adrenal primária manifesta-se raramente na infância, podendo apresentar-se de forma insidiosa ou aguda, especialmente na vigência de um estresse desencadeante. Os sinais clínicos são inespecíficos e incluem fraqueza, inapetência, náuseas e vômitos, dor abdominal e diarréia, hipotensão, hipoglicemia e desidratação. As causas podem ser adquiridas (hiperplasia adrenal congênita, doença de Addison, hipoplasia adrenal, adrenoleucodistrofia, doenças de depósito etc). A presença de história familial, consangüinidade, doenças de base e fatores desencadeantes deve ser valorizada para a elucidação diagnóstica. A investigação laboratorial inclui a determinação do cortisol, ACTH, bem como de precursores da esteroidogênese. O teste de estímulo com ACTH é reservado para os quadros intermediários. A quantificação dos auto-anticorpos anti-adrenal e os estudos moleculares estão indicados na confirmação diagnóstica de quadros específicos. O tratamento substitutivo com glicocorticóide, e se necessário a associação com mineralocorticóide, deve ser instituído de forma precoce e utilizando-se a menor dose que controle os sintomas e restabeleça um crescimento estatural e desenvolvimento puberal adequados.

Descritores: Insuficiência adrenal; Infância

ABSTRACT

Primary adrenal insufficiency is a rare pediatric condition, which can be presented as chronic or acute forms, especially during stress. The clinical features are unspecific and include weakness, nausea and vomiting, abdominal pain and diarrhea, arterial hypotension, hypoglycemia and dehydration. The etiology can be acquired such as infectious, hemorrhagic and drug-induced disorders, or be dependent on a genetic origin, such as congenital adrenal hyperplasia, Addison’s disease, congenital adrenal hypoplasia, adrenoleucodystrophy, or deposit disorders of the adrenal gland. The familial history, presence of consanguinity, adjacent diseases and associate factors, should be considered to confirm the diagnosis. Laboratory investigation includes cortisol, ACTH and the determination of the steroidogenic precursors. The ACTH stimulation test is performed in intermediate conditions. Adrenal auto-antibodies quantitation and molecular studies can be helpful to confirm specific diseases. A substitutive glucocorticoid and mineralocorticoid therapy should be started as soon as the diagnosis is confirmed. The treatment aimed to control the symptoms with the smaller dose that can allow an adequate growth and pubertal development.

Keywords: Adrenal insufficiency; Childhood

A PRODUÇÃO INSUFICIENTE DE CORTISOL, por vezes acompanhada de deficiência concomitante de aldosterona, é uma situação relativamente rara na infância. O quadro clínico é caracterizado por sintomas e sinais inespecíficos, exigindo que o pediatra esteja atento aos sinais clínicos que, em conjunto, devem fazer suspeitar da insuficiência adrenal. Os sintomas podem ser manifestos de forma aguda ou insidiosa, por vezes apenas aparentes na vigência de um estresse desencadeante.

O quadro clínico inclui falha do crescimento, fraqueza, anorexia, mal estar, tonturas, náuseas, vômitos, diarréia e dor abdominal, sinais sugestivos de hipoglicemia, hipotensão, coma, sinais de desidratação, até choque hipovolêmico (1).

A prevalência em adultos é estimada em cerca de 120 casos/milhão, não havendo estimativa segura na infância (2).

A insuficiência adrenal primária (origem adrenal) cursa com redução da síntese do cortisol e conseqüente diminuição do feedback negativo sobre o ACTH, resultando em hiperpigmentação cutânea, a qual pode ser generalizada ou predominar nas superfícies extensoras, pregas palmares e bordas gengivais.

A deficiência de cortisol determina ainda leucopenia com eosinofilia, hipercalcemia leve a moderada e hipoglicemia. A deficiência de aldosterona induz a hiponatremia, hiperpotassemia e aumento da atividade plasmática de renina.

MECANISMOS ETIOPATOGÊNICOS DA INSUFICIÊNCIA ADRENAL PRIMÁRIA

Independente da forma de apresentação clínica aguda ou insidiosa, a insuficiência adrenal primária pode ser classificada, quanto à sua causa, em adquirida ou genética (tabela 1). As causas adquiridas incluem doenças infecciosas como a tuberculose, histoplasmose e infecção pelo vírus HIV, doenças bacterianas agudas como a meningococcemia, além de doenças que determinam quadros hemorrágicos incluindo as adrenais, como as observadas nas diáteses hemorrágicas. Podem ser, ainda, precipitados pela combinação de anóxia e sepsis em recém-nascidos grandes ou pequenos para a idade gestacional com quadros infecciosos associados a rabdomiólise e insuficiência renal (1-4).

Dentre as causas genéticas (tabela 2), destaca-se a hiperplasia adrenal congênita (HAC), determinada por expressão deficiente das enzimas e proteínas envolvidas na síntese adrenal do cortisol: 21 hidroxilase, 11-b hidroxilase, 3-b hidroxiesteróide desidrogenase, 17 hidroxilase e da proteína StAR (steroidogenic acute regulatory protein). Dependendo da forma da HAC, a síntese do cortisol pode estar comprometida em grau variável, associada ou não à produção deficiente de aldosterona, manifestando-se desde o período neonatal, ou aparecer posteriormente durante a infância, ou até mesmo no adulto jovem. As demais causas genéticas de insuficiência adrenal são descritas a seguir, sendo classificadas de acordo com o tipo de comprometimento adrenal.

Doenças Determinantes de Destruição Adrenal (5-8)

Doença de Addison Autoimune

Na infância, a doença de Addison se manifesta num complexo autoimune (Síndrome Autoimune Poliglandular tipo 1, também conhecida como APECED – autoimmune polyendocrinopathy-candidiasis-ectodermal dystrophy syndrome) que associa a insuficiência adrenal primária, candidíase mucocutânea, o hipoparatireoidismo, hipogonadismo, ceratopatia, vitiligo, alopécia, anemia perniciosa, distrofia de unhas e esmalte dentário e hepatite crônica ativa (tabela 3). Estas anormalidades têm herança autossômica recessiva e se devem a mutações do gene AIRES-1 (OMIM 240300), um gene supressor autoimune que codifica um fator de transcrição.

Na síndrome autoimune poliglandular tipo 2 (SAP-2), ocorre a associação da doença de Addison com tireoidite autoimune e/ou diabetes mellitus tipo 1, manifestando-se habitualmente em crianças maiores, adolescentes ou no adulto. A ausência de candidíase mucocutânea e de hipoparatireoidismo são critérios essenciais para a caracterização da SAP-2. Na década de 20, Schmidt descreveu a associação entre a doença de Addison e a tireoidite crônica. Mais tarde, na década de 60, estas doenças foram correlacionadas por Carpenter e colaboradores ao diabetes mellitus. Segundo classificação proposta por Neufeld na década de 80, a disfunção tireoideana autoimune, associada a qualquer outra doença glandular autoimune (exceto adrenalite), caracterizaria uma terceira síndrome denominada SAP-3, representando a combinação mais freqüente de distúrbios autoimunes endócrinos. A maior parte dos autores não diferencia os subtipos 2 e 3, considerando que não há diferenças significantes para o diagnóstico e prognóstico evolutivo entre os quadros, além de freqüente overlap entre as manifestações. A síndrome autoimune poliglandular ligada ao X é bem mais rara, tem apresentação geralmente neonatal com extensa e severa autoimunidade, diabetes mellitus neonatal e síndrome de mal-absorção, e parece estar relacionada à mutação do gene FOXP3.

Outras doenças mais raras podem cursar com doença adrenal autoimune, como a síndrome POEMS (polineuropatia, organomegalia, endocrinopatia, M-proteína, anormalidade da pele, associada à plasmocitose); a síndrome de Hirata (hipoglicemia induzida por anticorpos anti-insulina, desencadeada pelo uso de metimazol); a resistência à insulina tipo B (anticorpos anti-receptor insulina, associado Lupus eritematoso sistêmico); a síndrome de Wolfran (DIDMOAD: diabetes insípidus, diabetes mellitus, atrofia óptica, surdez); a síndrome de Kearns-Sayre (oftalmoplegia, retinite pigmentosa, diabetes mellitus, tireoidite e hipoparatireoidismo autoimune).

O grande espectro sintomático das síndromes autoimunes poliglandulares se deve à produção de anticorpos contra um grande número de auto-antígenos (tabela 4).

Adrenoleucodistrofia (OMIM 300100) (2)

Doença ligada ao cromossomo X (Xq28) com incidência de 1:20000, caracterizada pelo acúmulo de ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCFAs) no plasma e adrenais, representando a causa mais freqüente de insuficiência adrenal em homens. O cone b-oxidação anormal de ácidos graxos com 24 ou mais carbonos, causando desmielinização progressiva no SNC. O aumento das VLCFAs já pode ser observado no plasma desde o nascimento, mas o quadro neurológico habitualmente se manifesta após os 3 anos de idade.

O gene mutado codifica uma proteína de membrana do peroxissoma (ALDP) pertencente a uma família de transportadores dependentes ATP, responsável pela entrada de VLCFA ativados pela acil-coenzima A/ nos peroxissomos, onde serão posteriormente encurtados por beta-oxidação. Formas (VLCFA-CoA) mais brandas da doença podem ser observadas, como a adrenomieloneuropatia ou a insuficiência adrenal isolada (15% casos). Portanto, a quantificação plasmática dos VLCFAs deve ser realizada em todo menino com insuficiência adrenal, e anticorpos anti-adrenais negativos. Mulheres heterozigotos raramente manifestam sintomas. A avaliação pré-natal pode incluir a quantificação dos VLCFAs em vilo corial e líquido amniótico ou avaliação molecular nas células fetais. Efeito terapêutico discutível é apontado para o óleo de Lorenzo (gliceril-troleato: gliceril-trierucato, em proporção 4:1). Efeito também controverso é apontado para a lovastatina. Em fases precoces da doença, o transplante de medula óssea parece determinar benefícios clínicos. Terapia gênica dirigida à expressão do gene ALD em células-tronco tem sido testada recentemente. Existe um potencial terapêutico ainda não estudado adequadamente, com o uso de análogos do ácido butírico (4-fenilbutirato) capazes de aumentar a expressão da ALDRP e conseqüente oxidação dos VLCFAs.

Doença de Wolman (OMIM 27800)

Secundária à deficiência de lipase ácida lisossomal (LIPA), caracterizada por deficiente ação da hidrolase sobre o colesterol, que cursa com depósito de lipídeos manifestando-se por hepato-esplenomegalia, síndrome de malabsorção e calcificação adrenais. O gene que codifica a LIPA foi mapeado no cromossomo 10 (10q24-25). O quadro clínico pode estar presente na primeira infância ou mais tardiamente numa forma parcial do defeito. Os xantomas podem se desenvolver no fígado, adrenais, baço, gânglios, medula óssea, intestino delgado, pulmões, timo, e em menor gravidade na pele, retina e SNC. A calcificação das adrenais tem aspecto puntiforme difuso.

Doenças Determinantes de Disgenesia Adrenal (2,4)

Hipoplasia Adrenal Congênita Primária

Desenvolvimento insuficiente ou atrofia adrenal, camada por expressão anormal de genes envolvidos na diferenciação adrenal, que habitualmente codificam fatores de transcrição como o SF1 (Steroidogenic factor 1), ou receptores nucleares órfãos como o DAX1 (dosage-sensitive sex reversal; adrenal hypoplasia gene 1 in the X-chromosome).

Mutação da Proteína SF1: Codificada pelo gene NR5A1 localizado no cromossomo 9p33 (OMIM 184757). Apresenta formas com herança autossômico-dominante ou autossômico-recessiva e cursa com insuficiência adrenal em pacientes com cariótipo XY, sexo reverso e presença de útero. Formas mais brandas, com cariótipo XX e insuficiência adrenal de caráter autossômico-dominante, também foram descritas. Uma forma recessiva também foi descrita em indivíduos com rearranjo cromossômico (5p duplic; 11g-) portadores da Síndrome denominada IMAGE (retardo intra-uterino, displasia metafisária, hipoplasia adrenal, malformação genito-urinárias).

Mutação da Proteína DAX1: Codificada pelo gene NR0B1 (AHC; OMIM 300200) localizado no cromossomo Xp21. Expresso nas adrenais, gônadas, hipotálamo e gonadotrofos hipofisários, cursa com insuficiência adrenal e perda de sal desde as primeiras semanas de vida, ou mais tardias durante a infância. Quadro combinado de insuficiência gonadal e hipogonadismo hipogonadotrófico é observado com o passar da idade. As mutações da proteína DAX1 podem ocorrer em associação à mutação do gene da gliceroquinase (hipoglicemia associada à elevação glicerol e pseudo-trigliceridemia) e da distrofia muscular de Duchene.

Hipoplasia Adrenal Congênita Secundária à Resistência Adrenal ao ACTH

Mutação no Receptor ACTH (MC2R): Codificado pelo gene MC2R localizado no cromossomo 18p11-2 (OMIM:607397). O receptor do ACTH é uma proteína de superfície celular pertencente à superfamília dos receptores ligados à proteína G. Determina uma deficiência familial de glicocorticóides (FGD1), de caráter autossômico-recessivo, e que cursa com deficiência isolada de cortisol, hipoglicemia e alta estatura.

Síndrome do Triplo A (Síndrome de Allgrove; OMIM: 605378): Manifesta-se por acalásia do cárdia esofágico, alacrimia e insuficiência adrenal primária. O gene responsável pelo quadro é o AAAS localizado no cromossomo 12q13 e que codifica a proteína ALADIN, uma molécula sinalizadora na carioteca, que possui seqüências de consenso tipo repetições WD.

Doenças Determinantes de Defeitos da Esteroidogênese

Como descrito previamente, a expressão insuficiente de enzimas e proteínas de transporte envolvidas na esteroidogênese adrenal pode determinar a secreção insuficiente do cortisol, elevação do ACTH e conseqüente hiperplasia adrenal. Outros defeitos relacionados à esteroidogênese podem cursar com insuficiência adrenal.

Mitocondriopatias

Como na Síndrome de Kearns-Sayre. Cursam com acidose lática crônica, miopatia, catarata, surdez neurossensorial e disfunções endócrinas caracterizadas por baixa estatura, hipogonadismo, diabetes mellitus, hipoparatireoidismo, hipotireoidismo e insuficiência adrenal. O quadro se deve a grandes deleções do DNA presente nas mitocôndrias.

Metabolismo inadequado do Colesterol

O colesterol é transportado até as adrenais pelas lipoproteínas LDL e HDL. Na abetalipoproteinemia e na deficiência congênita de receptores da LDL (hipercolesterolemia familial homozigótica) existe uma redução moderada da resposta ao ACTH, mas que não costuma manifestar-se clinicamente de forma significante.

Síndrome de Smith-Lemli Opitz

Secundária à mutação do gene DHCR7 presente no cromossomo 11q12-13 e que codifica a enzima esterol-17-redutase, que catalisa a passagem final da biossíntese do colesterol. Manifesta-se com retardo metal, microcefalias, fácies característico, anormalidades cardíacas congênitas, sindactilia 2º e 3º dedos, hipospádia e fotossensibilidade.

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA ADRENAL PRIMÁRIA (6,9)

A capacidade de realizar o diagnóstico da insuficiência adrenal de forma rápida e precisa depende da adequada valorização de sinais e sintomas isoladamente inespecíficos. Tais aspectos clínicos, diante de um profissional experiente e atento às peculiares características de apresentação da insuficiência adrenal, devem ser suficientes para incluir a insuficiência adrenal na lista de diagnósticos diferenciais.

A apresentação de sinais e sintomas, bem como as principais alterações laboratoriais, relacionados à deficiência de cortisol e/ou aldosterona (tabela 5) podem ter manifestação aguda, crônica ou como uma crise aguda em pacientes com anormalidades crônicas não reconhecidas previamente.

Em quadros de manifestação clínica aguda, após a observação de exames laboratoriais gerais sugestivos e obtenção de uma amostra de soro e de plasma ("amostra crítica") para a realização de exames hormonais basais (cortisol, ACTH, aldosterona, atividade plasmática de renina), o paciente deve ser tratado com substituição de glicocorticóides em doses compatíveis com o grau de estresse vigente. Colhida a "amostra crítica", o tratamento não deve esperar os resultados dos exames hormonais para seu início. O paciente deve receber esteróide com atividade glico e mineralocorticóide (hidrocortisona), por via endovenosa. As doses de estresse moderado e severo correspondem a valores entre 50 e 100mg/m2, oferecidas em bolo endovenoso, seguidas da mesma quantidade fracionada em 4 a 6 tomadas endovenosas nas 24 horas. Esta oferta endovenosa deve ser mantida até que o paciente esteja hidratado, normotenso e a via oral possa ser utilizada.

Com o quadro clínico estável e os resultados hormonais basais, pode ser estabelecida a decisão sobre a continuidade de uso crônico de glico e mineralocorticóides, bem como a escolha dos exames úteis no diagnóstico etiológico do quadro. Nos casos em que os exames basais não permitem a confirmação da insuficiência adrenal, os esteróides devem ser gradualmente reduzidos até sua retirada programada, para permitir a investigação e confirmação do estado funcional do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal. Um teste clássico como o ITT (teste de tolerância à insulina endovenosa – realizado com 0,1 ou 0,05 unidades de insulina regular/quilo de peso corporal) pode ser útil no diagnóstico da insuficiência adrenal, deve ser realizado com extrema cautela pelo risco de hipoglicemia severa, mas não é útil para diferenciar formas centrais de insuficiência adrenal (deficiência de CRH ou ACTH) das formas primárias adrenais, visto que em ambas as situações a resposta do cortisol é reduzida. Nas formas parciais de insuficiência adrenal primária, o estímulo com ACTH (Synacthen) permite observar a resposta adrenal aguda. Doses habituais de 250 microgramas de ACTH são excessivas e podem determinar respostas falsamente normais de cortisol. O emprego de doses baixas como 1 micrograma/m2 de superfície corporal tem se mostrado útil no diagnostico dessas formais parciais.

O diagnóstico etiológico inclui uma rigorosa história clínica descrevendo o uso de fármacos envolvidos na síntese, metabolização ou ação do cortisol, ou ainda a presença de um padrão familial de apresentação do quadro. Deve-se proceder à investigação de agentes infecciosos e exames que determinem o estado funcional da coagulação. Exames de imagem do abdome, como a radiografia, ultra-sonografia, tomografia e ressonância magnética, permitem avaliar a presença de calcificações ou hemorragia adrenal, suspeitar de doenças de depósito ou infiltrativas. Exames mais específicos como a quantificação de anticorpos anti-adrenais ou demais glândulas-alvo, quantificação dos VLCFAs, ou métodos moleculares para detecção de mutações específicas, devem ser dirigidos de acordo com a suspeita clínica.

Recebido em 14/06/04

Aceito em 18/06/04

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  • Endereço para correspondência

    Carlos Alberto Longui
    Rua Pimenta 65, apto. 102
    03060-000 São Paulo, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Aceito
      18 Jun 2004
    • Recebido
      14 Jun 2004
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