Acessibilidade / Reportar erro

Estatura final de pacientes com diabetes mellitus do tipo 1

Resumos

Com o objetivo de conhecer a estatura final de indivíduos com diabetes mellitus do tipo 1 (DM1) e possíveis fatores intervenientes sobre o crescimento foram avaliados 72 pacientes, diagnosticados na infância ou início da adolescência. O grupo foi acompanhado no Serviço de Endocrinologia do HC/UFMG. A idade média (±DP) era 21,2±3,2 anos e o tempo de doença 11,9±5,7 anos. A estatura final foi 159,5±8,1cm (escore z= -1,23±1,05), sendo 156,7±6,0cm para o sexo feminino (n= 53) e 167,5±8,2cm para o sexo masculino (n= 19). O escore z foi -1,16±0,99 para o sexo feminino e -1,42±1,25 para o masculino. A estatura final dos pacientes comparada à curva de referência do NCHS mostrou que 88,9% deles se apresentavam, anormalmente, com estatura abaixo da média. Houve, também, redução de 0,5 escore z na estatura final (-1,08±1,23) em relação à estatura do ano de diagnóstico (-0,53±0,77), num subgrupo de 23 pacientes (p= 0,01). Em outro subgrupo (n= 22), 15 apresentavam mau controle metabólico com hemoglobina glicosilada de 13,1±1,0% e sete, controle satisfatório, com hemoglobina glicosilada de 10±0,8%. Houve comprometimento da estatura final desse primeiro grupo (mau controle) em relação ao segundo (escore z= -1,83±0,78 vs. -0,83±1,07; p= 0,02). Concluímos que nossos resultados são compatíveis com prejuízo na estatura final dos pacientes diabéticos avaliados em relação à população geral e parecem estar, também, relacionados ao controle metabólico ruim.

Diabetes mellitus; Estatura; Glicemia; Hemoglobina glicada


The final height of 72 patients with DM1 followed in the Endocrine Service at Hospital das Clínicas of Universidade Federal de Minas Gerais was evaluated. DM1 began before puberty was completed. Mean age was 21.2±3.2 years and they had 11.9±5.7 years of disease. Mean final height of the group was 159.5±8.1cm (z score= -1.23±1.05), 156.7± 6.0cm for female (n= 53) and 167.5±8.2cm for male (n= 19). The z scores were -1.16±0.99 for female and -1.42±1.25 for male. The comparison of patients final height curve with that from the NCHS shows that the stature of 88.9% of diabetics was abnormally below the mean reference. A reduction of 0.5 SD was observed in final height (-1.08±1.23) in relation to height at the year of diagnosis (-0.53±0.77) in a subset of 23 patients (p= 0.01). A group with poor metabolic control (n= 15; glycosylated hemoglobin of 13.1±1.0%) showed impaired final height results (z score= -1.83±0.78 vs. -0.83±1.07; p= 0.02) when compared to the better-controlled group (n= 7; glycosylated hemoglobin = 10±0.83%). We conclude that our results support the notion that DM1 has a detrimental effect on the final stature of these patients, which is also related to the status of metabolic control.

Diabetes mellitus; Stature; Blood glucose; Glycosylated hemoglobin


artigo original

Estatura Final de Pacientes com Diabetes Mellitus do Tipo 1

Tânia Maria Barreto Rodrigues

Ivani N. Silva

Departamento de Pediatria,

Faculdade de Medicina da

Universidade Federal de Minas

Gerais (UFMG), Belo Horizonte,

MG

Recebido em 30/03/00

Revisado em 27/09/00

Aceito em 20/12/00

RESUMO

Com o objetivo de conhecer a estatura final de indivíduos com diabetes mellitus do tipo 1 (DM1) e possíveis fatores intervenientes sobre o crescimento foram avaliados 72 pacientes, diagnosticados na infância ou início da adolescência. O grupo foi acompanhado no Serviço de Endocrinologia do HC/UFMG. A idade média (±DP) era 21,2±3,2 anos e o tempo de doença 11,9±5,7 anos. A estatura final foi 159,5±8,1cm (escore z= -1,23±1,05), sendo 156,7±6,0cm para o sexo feminino (n= 53) e 167,5±8,2cm para o sexo masculino (n= 19). O escore z foi -1,16±0,99 para o sexo feminino e -1,42±1,25 para o masculino. A estatura final dos pacientes comparada à curva de referência do NCHS mostrou que 88,9% deles se apresentavam, anormalmente, com estatura abaixo da média. Houve, também, redução de 0,5 escore z na estatura final (-1,08±1,23) em relação à estatura do ano de diagnóstico (-0,53±0,77), num subgrupo de 23 pacientes (p= 0,01). Em outro subgrupo (n= 22), 15 apresentavam mau controle metabólico com hemoglobina glicosilada de 13,1±1,0% e sete, controle satisfatório, com hemoglobina glicosilada de 10±0,8%. Houve comprometimento da estatura final desse primeiro grupo (mau controle) em relação ao segundo (escore z= -1,83±0,78 vs. -0,83±1,07; p= 0,02). Concluímos que nossos resultados são compatíveis com prejuízo na estatura final dos pacientes diabéticos avaliados em relação à população geral e parecem estar, também, relacionados ao controle metabólico ruim.

Unitermos: Diabetes mellitus; Estatura; Glicemia; Hemoglobina glicada

ABSTRACT

The final height of 72 patients with DM1 followed in the Endocrine Service at Hospital das Clínicas of Universidade Federal de Minas Gerais was evaluated. DM1 began before puberty was completed. Mean age was 21.2±3.2 years and they had 11.9±5.7 years of disease. Mean final height of the group was 159.5±8.1cm (z score= -1.23±1.05), 156.7± 6.0cm for female (n= 53) and 167.5±8.2cm for male (n= 19). The z scores were -1.16±0.99 for female and -1.42±1.25 for male. The comparison of patients final height curve with that from the NCHS shows that the stature of 88.9% of diabetics was abnormally below the mean reference. A reduction of 0.5 SD was observed in final height (-1.08±1.23) in relation to height at the year of diagnosis (-0.53±0.77) in a subset of 23 patients (p= 0.01). A group with poor metabolic control (n= 15; glycosylated hemoglobin of 13.1±1.0%) showed impaired final height results (z score= -1.83±0.78 vs. -0.83±1.07; p= 0.02) when compared to the better-controlled group (n= 7; glycosylated hemoglobin = 10±0.83%). We conclude that our results support the notion that DM1 has a detrimental effect on the final stature of these patients, which is also related to the status of metabolic control.

Keywords: Diabetes mellitus; Stature; Blood glucose; Glycosylated hemoglobin

O DIABETES MELLITUS DO TIPO 1 (DM1) é uma das mais importantes doenças endócrino-metabólicas na faixa etária pediátrica. A sua incidência varia muito entre os diversos países, sendo 60 vezes maior na Finlândia com 42,9 por 100.000 nascimentos/ano em relação à China com 0,7 por 100.000 nascimentos/ ano (1-3). No Brasil, estudo realizado em Londrina, Paraná, mostrou incidência de 12,7/100.000 (4).

O tratamento deve ser orientado de forma individualizada, por uma equipe multiprofissional, e exige autodisciplina e cuidadosa educação do paciente e sua família.

Desde o início da utilização da insulina, na década de 20 e com a melhora da sobrevida da criança e do adolescente diabéticos, observou-se um aumento das complicações crônicas. A doença vascular aterosclerótica, nefropatia, retinopatia e neuropatia secundárias ao DM1, vêm sendo cada vez mais relacionadas com o grau de controle metabólico como evidenciado em estudos como o Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) (5), o que também foi demonstrado para o DM tipo 2, por exemplo, pelo UK Prospective Diabetes Study Group (UPKDS) (6).

Entre as complicações a longo prazo, a possível interferência da doença no crescimento e estatura final têm sido amplamente pesquisadas. A severa falência de crescimento em diabéticos, descrita na Síndrome de Mauriac (7), tornou-se cada vez mais rara com o melhor controle metabólico. Apesar disso, a maioria dos estudos entre as décadas de 30 e 80 mostrava retardo do crescimento em diabéticos, segundo artigo de revisão publicado por Jackson, em 1984 (8).

Prejuízo no crescimento e na estatura final de pacientes com DM1 são também associados ao mau controle metabólico e várias teorias têm surgido para explicar esta associação.

O crescimento é regulado por vários fatores que incluem a nutrição, o potencial genético e o controle hormonal exercido, principalmente, pelos hormônios hipofisários, tireoidianos e das gônadas, além dos fatores de crescimento.

Ao lado da possível influência dos fatores nutricionais sobre o crescimento dos indivíduos com DM1, também têm sido relatadas alterações hormonais.

No DM1 é descrito um aumento da secreção de GH, que poderia levar à resistência insulínica e piora das anormalidades metabólicas (2,9). Além disso, os níveis de IGF-1 (Fator de Crescimento Insulina Símile), que é um polipeptídeo GH-dependente e reflete o perfil secretório do GH, tendem a ser baixos, ou nos limites inferiores da normalidade (10). A maior parte do IGF-1 circulante é ligada a proteínas carreadoras do IGF-1 (IGFBPs), cuja função é prolongar a meia vida e regular sua biodisponibilidade e bioatividade.

Sugere-se que o mau controle metabólico, com concentração inadequada de insulina, leve ao aumento da IGFBP-1. A atividade do IGF-1 é bloqueada pelo excesso de IGFBP-1 (11). Consequentemente, no diabético mal controlado, altas concentrações de IGFBP-1 inibirão a bioatividade de IGF-1 e o crescimento celular. A patogênese das alterações do crescimento no diabético parece estar, portanto, estreitamente relacionada às anormalidades no eixo GH/IGF-1 e à regulação deste eixo pela insulina e nutrição.

São escassos os dados sobre a estatura final de pacientes com DM. Sterky (12), em 1967, demonstrou redução na estatura final de 62 pacientes diabéticos, enquanto Tatersall e Pyke (13) mostraram diferenças na estatura final de gêmeos idênticos com e sem DM. Penfold e col. (14) e Danne e col. (15) também encontraram redução na estatura final dos indivíduos avaliados, que foi associada ao controle glicêmico.

Du Caju e col. (16) encontraram discreta redução na estatura final apenas em meninas, não ocorrendo o mesmo com os meninos no total de 46 pacientes avaliados. Salerno e col. (17), entretanto, concluiram pela não interferência do DM1 na estatura final.

Brown e col. (18), em 1994, após avaliarem o crescimento de 184 crianças e a estatura final em 80 delas, concluíram que o crescimento após o diagnóstico é anormal, mas sem maior impacto sobre a estatura final.

Há também controvérsias quanto à estatura ao diagnóstico em pacientes dom DM1. A estatura ao diagnóstico do DM1 mostrou-se inferior à média em estudos realizados por Hoskins e col. (19) e Leslie e col.(20). Jivani e Rayner (7) demonstraram estatura normal ao diagnóstico em 116 pacientes. Já um número maior de autores concluiu que as crianças diabéticas são mais altas do que a média ao diagnóstico, principalmente aquelas com diagnóstico entre 5 e 10 anos (21-25).

Não temos conhecimento de publicações nacionais com avaliação da estatura final de pacientes com doença de início na infância ou adolescência. Recentemente, um estudo publicado discute o crescimento dessas crianças, mas não avalia ainda a estatura final (26).

Portanto, os objetivos deste estudo foram avaliar a estatura final de pacientes com DM1 de início na infância ou adolescência e sua relação com a idade e estatura ao diagnóstico e com o controle metabólico.

PACIENTES E MÉTODOS

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas (HC) - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os pacientes que preencheram os critérios de inclusão e concordaram em participar assinaram o termo de consentimento pós-informação.

No ano de 1995 foram avaliados 72 indivíduos com DM1, acompanhados no Serviço de Endocrinologia do HC-UFMG. Esses indivíduos ficaram diabéticos na infância ou adolescência, quando a puberdade ainda não fora completada e deveriam ter nascido até o ano de 1978, já tendo atingido a estatura final. Esta foi caracterizada por um crescimento inferior a um centímetro no ano anterior à realização da pesquisa e puberdade completa segundo os critérios de Tanner (27,28).

Os indivíduos não apresentavam qualquer outra doença não relacionada ao DM1, que pudesse interferir no crescimento ou estatura final.

Foi realizado um estudo transversal e uma cohorte histórica. Além do exame clínico, também foi realizada a análise dos dados anotados nos prontuários, desde que se iniciou o acompanhamento médico no Serviço de Endocrinologia do HC-UFMG. Todos os pacientes foram submetidos a uma consulta médica, realizada pela mesma pessoa, com ênfase especial para a antropometria e preenchimento do protocolo elaborado para o estudo.

A aferição da estatura foi realizada em estadiômetro, fixo à parede, com braço móvel e escala em milímetros, com os pacientes descalços e bem posicionados para maior precisão na medida. Os pais e mães foram convocados por carta ou telefone para mensuração nas mesmas condições.

A avaliação de adequação de peso dos pacientes foi realizada através do cálculo do índice de massa corpórea (IMC), através da fórmula: IMC= P/E2, onde P= peso em kg, E2= estatura em metros, elevada ao quadrado. O paciente com IMC <25 foi considerado normal; entre 25 e 30, com sobrepeso e obeso quando IMC estava acima de 30 (29).

O cálculo da estatura alvo para os pacientes foi realizado considerando a média das estaturas dos pais, com o acréscimo de 13cm na altura da mãe para o sexo masculino e diminuição de 13cm na altura do pai para o sexo feminino (30). A variação de ± 5cm da estatura alvo foi considerada como limite da faixa de normalidade.

Os padrões de referência utilizados para comparação dos dados de estatura e peso foram os do National Center for Health Statistics (31), recomendadas pela OMS para uso em países em desenvolvimento. Foram considerados os dados de estatura aos 18 anos para comparação com a estatura final dos indivíduos que tinham idade igual ou maior que 18 anos, devido à ausência de outros parâmetros para indivíduos acima desta idade (32). As médias de escore z estatura/idade foram comparadas através do teste t de Student. Os gráficos de evolução pondero-estatural de Marcondes e col. (33) foram utilizados para comparação dos dados antropométricos com a população brasileira. A análise de variância e o teste de correlação de Pearson foram usados para comparação com a população geral e com as estaturas dos pais.

O controle metabólico foi avaliado a partir das médias anuais de hemoglobina glicosilada de cada paciente. Esta foi dosada pelo método de microcromatografia, com o Kit da Labtest Diagnóstica, cujo valor de referência varia entre 5,3 e 8%. O controle metabólico de 22 pacientes foi obtido por um tempo médio de acompanhamento de 5±2 anos, com média de 12,4±4,5 dosagens de hemoglobina glicosilada neste período.O período de avaliação variou desde o momento do diagnóstico, quando os dados eram disponíveis ou desde o início do período puberal até a idade em que foi atingida a estatura final. A avaliação do controle foi feita utilizando-se os critérios sugeridos por Sperling em 1996 (1):

Controle muito bom: valores de hemoglobina glicosilada entre 6 e 9 %;

Controle satisfatório: valores de hemoglobina glicosilada de 9 a 12%;

Controle ruim: valores de hemoglobina glicosilada acima de 12%.

Os indivíduos foram distribuídos em grupos segundo a idade ao diagnóstico (<5 anos, entre 5 e 10 anos e >10 anos) e segundo o controle metabólico para a análise.

Foram usados os pacotes estatísticos Epiinfo (versão 6.03) (34) e Excel (versão 97) (35) e adotado o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Entre os 72 pacientes avaliados, 81% eram procedentes de Belo Horizonte e da Grande BH; 79% moravam em casa própria. Todos os domicílios possuíam luz elétrica e água encanada; 67% tinham renda familiar mensal superior a 3 salários mínimos. A escolaridade era igual ou acima do 2º grau em 62,5% deles. Cinqüenta e três dos 72 pacientes eram do sexo feminino e 19 do sexo masculino.

A idade ao diagnóstico foi 8,8±3,6 anos, coincidente com a faixa etária de maior incidência para o DM1, entre 8 e 10 anos (11,20,36,37). A duração DM1 à primeira consulta no Serviço de Endocrinologia do HC foi 3,7±3,5 anos, quando os pacientes tinham 12,6±3,2 anos.

A idade dos 72 pacientes foi 21,2±3,2 anos e a duração da doença 11,9±5,7 anos, quando foi realizado o estudo. Em 51 pacientes foi possível determinar a idade e o tempo de doença quando foi atingida a estatura final, que foram respectivamente 16,3±1,7 anos e 7,3±3,8 anos.

O escore z estatura final para a idade dos 72 pacientes foi -1,23±1,05, sendo -1,16±0,99 para o sexo feminino e -1,42±1,25 para o sexo masculino. Como habitualmente se considera como ponto de corte o limite de -2DP para a normalidade, a média de escore z estatura final encontrada está dentro desse limites. Observou-se, porém, que 88,9% dos valores estão abaixo da média indicando um significativo desvio da curva para a esquerda em relação à população geral. Estes achados são mostrados nas figuras 1 e 2.



As médias de estatura final foram 159,5±8,1cm para o grupo de 72 pacientes, 156,7±6,0cm para as pacientes do sexo feminino e 167,5±8,2cm para os pacientes do sexo masculino.

Quando os 72 indivíduos foram distribuídos de acordo com a faixa etária no início da doença (<5 anos, entre 5 e 10 anos e >10 anos) não houve diferença das médias de escore z estatura final/idade (p= 0,279) em relação à idade ao diagnóstico.

Em um grupo de 23 pacientes (18 do sexo feminino) foi possível a comparação entre a estatura dentro do primeiro ano de diagnóstico e a estatura final. A média de idade ao diagnóstico foi 10,7±2,7 anos e o escore z médio de estatura para a idade foi -0,53±0,77. O escore z final foi -1,08±1,23. A diferença encontrada foi -0,5 escore z estatura/idade (p= 0,01).

A comparação da estatura dos pacientes com a de seus pais foi possível em 33 indivíduos, mostrando que a estatura final estava dentro dos padrões esperados para a família. A média de escore z do grupo de 33 pacientes foi -148±0,88 e a dos respectivos pais e mães -1,66±0,67, com coeficiente de correlação igual a 0,3995, considerado significativo.

Nenhum dos pacientes obteve controle considerado muito bom. Sete tiveram controle satisfatório com média de hemoglobina glicosilada igual a 10±0,83%. Outros 15 com controle ruim obtiveram média igual a 13,1±1,0%. As médias de escore z estatura final/idade dos dois grupos foram respectivamente -0,83±1,07 e -1,83±0,78 (p= 0,02).

DISCUSSÃO

As características gerais do grupo estudado mostraram que os pacientes apresentavam um padrão de vida compatível com o de grande parte da população geral e que permitia inferir um crescimento pondo-estatural igualmente compatível.

Não foi encontrada uma explicação para o predomínio do sexo feminino nesta casuística. Ele poderia ser atribuído à maior assiduidade das pacientes às consultas médicas, visto que o cadastro de pacientes feito à primeira consulta no Setor de Endocrinologia Pediátrica do HC – UFMG, no 2º semestre de 1995, era composto de 327 pacientes, sendo 49,2% do sexo feminino e 50,8% do sexo masculino.

A média de escore z estatura final dos 72 pacientes está dentro dos limites da normalidade, porém o predomínio de 88,9% dos valores abaixo da média sugere um prejuízo no crescimento destes indivíduos. Se comparadas aos gráficos de Marcondes e col. (33) as médias de estatura final estavam próximas ao percentil 25, mostrando, também, uma provável interferência no crescimento.

A interferência do DM1 na estatura final foi sugerida em vários estudos (12-15). Penfold e col. (14) mostraram que houve interferência da doença na estatura final em 181 pacientes diabéticos com média de escore z igual a -0,22±0,09 em relação à curva do NCHS (p <0,01) (31). Outros autores sugeriram interferência da doença sobre o crescimento, principalmente nas meninas, que têm redução do estirão puberal, mas não identificaram interferência na estatura final (16-18,22,37-39). Em muitos desses estudos, no entanto, o número de pacientes avaliados foi pequeno e a falta de uniformidade entre os critérios utilizados pode ser parcialmente responsável pelas divergências.

Divergências ocorrem também nas publicações relativas à estatura no momento do diagnóstico, como citado anteriormente. Não estudamos todo o grupo, mas nas crianças avaliadas, o escore z médio era -0,53±0,77, dentro da normalidade. Não encontramos, também, diferenças entre a estatura final de acordo com a faixa etária ao diagnóstico do DM1.

Por outro lado, nossos dados mostram que houve prejuízo da estatura final em relação à estatura ao diagnóstico no grupo de 23 pacientes. A perda foi semelhante à encontrada no estudo de Danne e col. (15), que mostrou redução de 0,5 (n= 197) na média de escore z estatura/idade entre o diagnóstico e a estatura final. A avaliação do indivíduo como seu próprio controle reforça a possível participação da doença no comprometimento de sua estatura.

Em relação à estatura dos indivíduos e a de seus pais consideramos com cautela esta correlação, pois o cálculo da estatura alvo deixa sempre a desejar.

É evidente, portanto, que houve prejuízo na estatura final dos 72 pacientes com DM1, em relação à população geral, com um predomínio de 88,9% dos pacientes com escore z estatura final/idade abaixo da média. Apesar do controle metabólico apenas ter sido avaliado retrospectivamente em 22 dos 72 pacientes, nossos dados possivelmente apontam para a interferência do controle metabólico na estatura final, em consonância com os achados de Penfold e col. (14) em seu estudo por um período médio de sete anos. Corroboram os dados da literatura, que creditam ao controle metabólico a responsabilidade sobre as alterações no crescimento, assim como no aparecimento e evolução de outras complicações crônicas.

Acreditamos que estes achados possam servir como estímulo para o aprofundamento dos estudos relacionados ao crescimento das crianças diabéticas, bem como servir de alerta para que as equipes responsáveis por sua orientação se empenhem cada vez mais na obtenção de melhores resultados, incluindo uma estatura final adequada e de acordo com o potencial genético, visando proporcionar-lhes uma qualidade de vida cada vez melhor.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Professor Eugênio Marcos Andrade Goulart, do Departamento de Pediatria da FM-UFMG, pela colaboração na análise dos dados.

Endereço para correspondência:

Tânia Maria Barreto Rodrigues

Rua Dom Pedro II 541 - sala 702

Governador Valadares, MG

Fax: (033) 3271-5144

e-mil:taniabrodrig@uol.com.br

  • 1. Sperling MA. Diabetes Mellitus. In: Sperling MA, ed. Pediatric Endocrinology Philadelphia: Saunders, 1996:229-63.
  • 2. Dorman JS, OLeary LA, Koehler AN. Epidemiology of childhood diabetes. In: Kelnar CJH, ed. Childhood and adolescent diabetes London:Chapman & Hall, 1995:139-50.
  • 3. Sperling MA. Aspects of the etiology, prediction and prevention of insulin-dependent diabetes mellitus in childhood. Pediatr Clin North Am 1997;44:269-84.
  • 4. Campos JJB, Almeida HGG, Iochida LC, Franco LJ. Incidęncia de diabetes mellitus insulino dependente (tipo 1) na cidade de Londrina, PR-Brasil. Arq Bras Endocrinol Metab 1998;42:36-44.
  • 5. The Diabetes Control and Complications Trial Research Group. The relationship of glycemic exposure (HbA1c) to the risk of development and progression of retinopathy in the diabetes control and complications trial. Diabetes 1995;44:968-83.
  • 6. UK Prospective Diabetes Study Group. Tight blood pressure control and risk of macrovascular and microvascular complications in type 2 diabetes. UKPDS 38. BMJ 1998;317:703-13.
  • 7. Jivani SKM, Rayner PHW. Does control influence the growth of diabetic children? Arch Dis Child 1973;48:109-15.
  • 8. Jackson RL. Growth and maturation of children with insulin-dependent diabetes mellitus. Pediatr Clin North Am 1984;31:545-67.
  • 9. Clarke WL, Vance ML, Rogol AD. Growth and the child with diabetes mellitus. Diabetes Care 1993;16 Suppl 3:101-6.
  • 10. Dunger DB. Endocrine evolution, growth and puberty in relation to diabetes. In: Kelnar CJH, ed. Childhood and adolescent diabetes London:Chapman & Hall, 1995:75-87.
  • 11. Strasser-Vogel B, Blum WF, Past R, Kessler U, Hoelflich A, Meiler B, et al. Insulin-Like Growth Factor (IGF)-1 and -II and IGF-Binding Proteins-1, -2, and -3 in children and adolescents with diabetes mellitus: correlation with metabolic control and height attainment. J Clin Endocrinol Metab 1995;80:1207-13.
  • 12. Sterky G. Growth pattern in juvenile diabetes. Acta Paediatr Scand 1967;56 Suppl 177:80-2.
  • 13. Tatersall RB, PyKe DA. Growth in diabetic children. Lancet 1973;17:1105-9.
  • 14. Penfold J, Chase HP, Marshall G, Walravens CF, Walravens PA, Garg SK. Final Adult Height and its relationship to blood glucose control and microvascular complications in IDDM. Diabet Med 1995;38:607-11.
  • 15. Danne T, Kordonouri O, Enders I, Weber B. Factors influencing height and weight development in children with diabetes. Diabetes Care 1997;20:281-5.
  • 16. Du Caju MVL, Rooman RP, Beeck LO. Longitudinal data on growth and final height in diabetic children. Pediatr Res 1995:38:607-11.
  • 17. Salerno MC, Argenziano A, Maio S, Gasparini N, Formicola S, Filippo G, et al. Pubertal growth, sexual maturation, and final height in children with IDDM. Diabetes Care 1997;20:721-4.
  • 18. Brown M, Ahmed ML, Clayton KL, Dunger DB. Growth during childhood and final height in type 1 diabetes. Diabet Med 1994;11:182-7.
  • 19. Hoskins PJ, Leslie RDG, PyKe DA. Height at diagnosis of diabetes in children: a study in identical twins. BMJ 1985;290:278-80.
  • 20. Leslie RDG, LO Simon, Millward A, Honour J, PyKe DA. Decreased growth velocity before IDDM onset. Diabetes 1991;40:211-6.
  • 21. Wise JE, Kolb EL, Sauder SE. Effect of glycemic control on growth velocity in children with IDDM. Diabetes Care 1992;15:826-30.
  • 22. Salardi S, Tonioli S, Tassoni P, Tellarini M, Mazzani L, Cacciari. Growth and growth factors in diabetes mellitus. Arch Dis Child 1987;62:57-62.
  • 23. Edelstein AD, Hughes IA, Oakes S, Gordon IRS, Savage DCL. Height and skeletal maturity in children with newly diagnosed juvenile-onset diabetes. Arch Dis Child 1981;56:40-4.
  • 24. Price DE, Burden AC. Growth of children before onset of diabetes. Diabetes Care 1992;15:1393-5.
  • 25. Drayer NM. Height of diabetic children at onset of symptoms. Arch Dis Child 1974;49:616-20.
  • 26. Cunha EF, Jr. GRS, Clemente ELS, Gomes MB. Crescimento de crianças diabéticas em controle ambulatorial em hospital universitário. Arq Bras Endocrinol Metab 1999;43:344-50.
  • 27. Marshall WA, Tanner JM. Variations in the pattern of pubertal changes in girls Arch Dis Child 1969;44:291-303.
  • 28. Marshall WA, Tanner JM. Variations in the pattern of pubertal changes in boys. Arch Dis Child 1970;45:13-23.
  • 29. Monte O. Obesidade. In: Monte O, Longui CA, eds. Endocrinologia para o Pediatra Săo Paulo:Atheneu, 1992:p.43-7.
  • 30. Longui CA. Crescimento Normal. In: Monte O, Longui CA, Calliari LEP, eds. Endocrinologia para o Pediatra 2a ed. Săo Paulo:Atheneu, 1998:p.3-10.
  • 31. Hamill PVV, Drizd TA, Johnson CL, Reed RB, Roche AF, Moore WM. Physical growth: National Center for Health Statistics percentiles. Am J Clin Nutr 1979;32:607-29.
  • 32. Onis M, Habicht JP. Anthropometric reference data for international use: recomendations from a Word Health Organization Expert Committee. Am J Clin Nutr 1996;64:650-8.
  • 33. Marcondes E, Machado DVM, Setian N. Crescimento e Desenvolvimento. In: Marcondes E., ed. Pediatria Básica Săo Paulo:Sarvier,1985:p.40-68.
  • 34. Epiinfo 6 A Word Processing, Database and Statistics Program for Public Health Version 6.03, January 1996
  • 35
    Microsoft Excel para windows 95 – versão 97.
  • 36. Price DE, Burden AC. Growth of children before onset of diabetes. Diabetes Care 1992;15:1393-5.
  • 37. Holl RW, Heinze E, Seifert M, Grabert M, Teller WM. Longitudinal analysis of somatic development in paediatric patients with IDDM: genetics influences on height and weight. Diabetologia 1994;37:925-9.
  • 38. Petersen HD, Korsgaard B, Deckert T, Nielsen E. Growth, body weight and insulin requirement in diabetic children. Acta Paediatr Scand 1978;67:453-7.
  • 59. Birbeck JA. Growth in juvenile diabetes. Diabetologia 1972;8:221-4.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2001
  • Data do Fascículo
    Fev 2001

Histórico

  • Aceito
    20 Dez 2000
  • Revisado
    27 Set 2000
  • Recebido
    30 Mar 2000
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Rua Botucatu, 572 - conjunto 83, 04023-062 São Paulo, SP, Tel./Fax: (011) 5575-0311 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: abem-editoria@endocrino.org.br