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Esquema de restrição alimentar altera a resposta celular à insulina em ratos diabéticos

Resumos

A resistência à insulina é um elemento chave na gênese de várias alterações fisiopatológicas. O esquema de restrição alimentar meal-feeding (MF) consiste na oferta de uma única refeição diária de 2h, sem, contudo, limitar a quantidade de alimento durante esse período. Este esquema determina várias adaptações morfo-metabólicas, algumas sugerindo maior sensibilidade à insulina. No presente estudo investigou-se, em adipócitos isolados, a sensibilidade à insulina de ratos submetidos a treinamento alimentar e tornados diabéticos (MFD) comparando-os com ratos em livre curso alimentar diabéticos (FFD). A curva dose resposta da captação de 2-deoxi-D-glicose estimulada por insulina sugeriu maior sensibilidade, enquanto a captação máxima foi significativamente maior (p<0,05) nos ratos MFD. Esta maior responsividade à insulina refletiu-se no metabolismo dos adipócitos que mostraram aumento (p<0,05) na capacidade máxima de oxidar glicose a CO2 e incorporar glicose em triacilglicerol. O aumento da resposta celular à insulina em ratos MFD refletiu-se in vivo em menor (p<0,05) insulinemia e maior (p<0,05) índice glicose/insulina (G/I). Em conjunto, os resultados indicam que o treinamento alimentar melhora a resposta à insulina em ratos diabéticos, o que pode representar uma abordagem alternativa no tratamento do diabetes mellitus.

Restrição alimentar; Ação da insulina; Diabetes mellitus; Captação de glicose; Oxidação de glicose; Receptor de insulina


Insulin resistance is a key element in the genesis of several pathophysiological changes. Meal feeding (MF) - one daily 2-hour meal, without food restriction in the period - determines several morpho-metabolic adaptations, some of them suggesting enhanced insulin sensitivity. In the present study with isolated adipocytes, we investigated insulin resistance in rats submitted to meal feeding, making them diabetic (MFD). Later, they were compared with diabetic rats under a free feeding diet (FFD). The insulin-stimulated 2-deoxy-D-glucose uptake dose-response curve suggested higher sensitivity, whereas maximum uptake was significantly higher (p<0.05) in MFD rats. This higher sensitivity to insulin had an impact on adipocyte metabolism which showed an increase (p<0.05) in its capacity to oxidize glucose to CO2 and to transform glucose into triacilglicerol. The increase in the cellular response to insulin in MFD rats in vivo resulted in lower insulinemia (p<0.05) and in higher glucose/insulin (G/I) index (p<0.05). In combination, these results indicate that meal feeding improves insulin response in diabetic rats, which can represent an alternative approach in treating diabetes mellitus.

Food restriction; Insulin action; Diabetes mellitus; Glucose uptake; Glucose oxidation; Insulin receptor


artigo original

Esquema de Restrição Alimentar Altera a Resposta Celular à Insulina em Ratos Diabéticos

Doris Hissako Sumida

Maristela Mitiko Okamoto

Fábio Bessa Lima

Ubiratan Fabres Machado

Naomi Shinomiya Hell

Departamento de Fisiologia e

Biofísica, Instituto de Ciências

Biomédicas, Universidade de São

Paulo (USP), São Paulo, SP.

Recebido em 13/09/1999

Revisado em 18/02/2000

Aceito em 10/04/2000

RESUMO

A resistência à insulina é um elemento chave na gênese de várias alterações fisiopatológicas. O esquema de restrição alimentar meal-feeding (MF) consiste na oferta de uma única refeição diária de 2h, sem, contudo, limitar a quantidade de alimento durante esse período. Este esquema determina várias adaptações morfo-metabólicas, algumas sugerindo maior sensibilidade à insulina. No presente estudo investigou-se, em adipócitos isolados, a sensibilidade à insulina de ratos submetidos a treinamento alimentar e tornados diabéticos (MFD) comparando-os com ratos em livre curso alimentar diabéticos (FFD). A curva dose resposta da captação de 2-deoxi-D-glicose estimulada por insulina sugeriu maior sensibilidade, enquanto a captação máxima foi significativamente maior (p<0,05) nos ratos MFD. Esta maior responsividade à insulina refletiu-se no metabolismo dos adipócitos que mostraram aumento (p<0,05) na capacidade máxima de oxidar glicose a CO2 e incorporar glicose em triacilglicerol. O aumento da resposta celular à insulina em ratos MFD refletiu-se in vivo em menor (p<0,05) insulinemia e maior (p<0,05) índice glicose/insulina (G/I). Em conjunto, os resultados indicam que o treinamento alimentar melhora a resposta à insulina em ratos diabéticos, o que pode representar uma abordagem alternativa no tratamento do diabetes mellitus. (Arq Bras Endocrinol Metab 2000;44/4: 339-346)

Unitermos: Restrição alimentar; Ação da insulina; Diabetes mellitus; Captação de glicose; Oxidação de glicose; Receptor de insulina

ABSTRACT

Insulin resistance is a key element in the genesis of several pathophysiological changes. Meal feeding (MF) - one daily 2-hour meal, without food restriction in the period - determines several morpho-metabolic adaptations, some of them suggesting enhanced insulin sensitivity. In the present study with isolated adipocytes, we investigated insulin resistance in rats submitted to meal feeding, making them diabetic (MFD). Later, they were compared with diabetic rats under a free feeding diet (FFD). The insulin-stimulated 2-deoxy-D-glucose uptake dose-response curve suggested higher sensitivity, whereas maximum uptake was significantly higher (p<0.05) in MFD rats. This higher sensitivity to insulin had an impact on adipocyte metabolism which showed an increase (p<0.05) in its capacity to oxidize glucose to CO2 and to transform glucose into triacilglicerol. The increase in the cellular response to insulin in MFD rats in vivo resulted in lower insulinemia (p<0.05) and in higher glucose/insulin (G/I) index (p<0.05). In combination, these results indicate that meal feeding improves insulin response in diabetic rats, which can represent an alternative approach in treating diabetes mellitus. (Arq Bras Endocrinol Metab 2000;44/4: 339-346)

Keywords: Food restriction; Insulin action; Diabetes mellitus; Glucose uptake; Glucose oxidation; Insulin receptor

A RESISTÊNCIA À INSULINA TEM SIDO considerada um elemento chave na gênese de importantes alterações fisiopatológicas que aumentam tanto a morbidade como a mortalidade dos indivíduos acometidos. O conjunto destas alterações tem sido referido como "síndrome X" ou "doença plurimetabólica", apresentando um espectro que envolve obesidade, diabetes mellitus, hipertensão arterial, doença cardiovascular aterosclerótica e dislipidemias (1). A investigação das alterações do mecanismo de ação da insulina presentes na resistência, assim como a investigação de protocolos que melhorem a sensibilidade, à insulina representam um passo importante na busca de mecanismos preventivos e/ou curativos para condições relacionadas com a resistência à insulina.

O esquema de restrição alimentar usualmente denominado de meal feeding (MF), consiste na oferta de uma única refeição diária de 2 horas, sem restringir a disponibilidade de ração durante esse período, e desenvolve muitas adaptações morfo-metabólicas como, por exemplo: aumento da capacitância gástrica (2), lento esvaziamento gástrico (3), intensificação de processos lipogênicos tanto no tecido hepático (4,5) como no adiposo (4,6), baixa lipomobilização (2), alto conteúdo de glicogênio hepático no período interprandial e resistência a sua depleção (3,7), baixa atividade neoglicogênica hepática (8), aumento da atividade na via glicolítica (9) e maior eficiência alimentar (3,10,11). Muitos desses aspectos falam a favor de sensibilização tecidual às ações da insulina.

Estudos anteriores demostraram que, de fato, os ratos MF exibem alta sensibilidade e responsividade à insulina (resposta confirmada no teste de tolerância à insulina, captação de glicose, oxidação de glicose, incorporação de glicose na molécula lipídica) principalmente no momento da expectativa da refeição habitual (11,12).

Sabendo-se que a restrição alimentar promove um aumento na sensibilidade insulínica, especialmente no metabolismo de carboidratos, tornou-se fundamental averiguar se esse protocolo poderia promover melhora na responsividade à insulina, mesmo na vigência de uma hipoinsulinemia induzida.

MATERIAL E MÉTODOS

Animais

Foram estudados ratos Wistar adultos (2 meses de idade e peso corpóreo oscilando ao redor de 250g no início do experimento), mantidos em ambiente de 12/12h de claro/escuro (período claro iniciado às 7:00h) e temperatura de 23±2°C. Ao iniciar os estudos, avaliou-se o peso corporal de cada animal que, em seguida, foi transferido para gaiola individual onde permaneceu 24h com disponibilidade plena de água e ração. Após esse período de ambientação, os animais foram divididos em dois grupos, segundo o esquema alimentar imposto: grupo free-feeding (FF) cuja disponibilidade de ração era sempre plena e MF alimentado apenas das 8:00 às 10:00h, sem, contudo, limitar a quantidade de ração nessas 2 horas. A quantificação de alimento ingerido foi realizada diariamente e a do peso corpóreo, a intervalos de 3 dias. Este procedimento possibilita o manuseio constante dos animais de modo a reduzir o grau de estresse nos experimentos. Na segunda semana de estudo, os animais (em restrição ou não) foram tornados diabéticos pela injeção intravenosa (veia peniana) de aloxana (40mg/kg p.c.) ministrada sob anestesia com éter, e mantidos por mais 2 semanas em regime alimentar próprio. Neste estudo, os ratos tornaram-se diabéticos não dependentes de insulina. Os experimentos foram realizados às 8:00h. Os animais foram sacrificados por decapitação, o sangue foi obtido do tronco cerebral, e o plasma separado para posterior determinação da glicemia e insulinemia.

Isolamento de adipócitos

Imediatamente após o sacrifício realizou-se laparatomia mediana para remoção do tecido adiposo periepididimal. Os adipócitos foram isolados de acordo com Rodbell (13), com algumas modificações (14). Em resumo, foi retirado o panículo adiposo periepididimal de cada animal, pesado e colocado em 4mL de tampão digestivo (D'MEM/HEPES 25mM/BSA 4%, colagenase II 2,Omg/mL, pH 7,4 a 37°C). O tecido foi fragmentado com tesoura fina e incubado por 55min (37°C) sob agitação (180rpm em banho-maria de agitação orbital). Após a digestão, a amostra foi filtrada e lavada três vezes com 25mL de tampão EARLE 20mM contendo soro albumina bovina 1%, piruvato de sódio ImM, sem glicose, pH 7,4 e mantido a 37°C (EARLE "Buffer" - EB). Após a terceira lavagem, a suspensão celular foi deixada 1h em banho-maria a 37°C, com a finalidade de minimizar os efeitos da insulina endógena. Em seguida lavou-se novamente a suspensão celular com o tampão EB e o volume final foi acertado, a fim de se obter um lipócrito de 5%.

Captação de 2-deoxi-D-glicose triciada (3H-2DG) insulino-induzida

Alíquotas (450mL) de suspensão celular foram pipetadas em tubos plásticos contendo 25mL de insulina fria em concentrações crescentes (0; 0,1; 0,2; 0,3; 0,5; 1,0; 2,5; 10 e 25ng/mL) e incubadas por 30min a 37°C, sob agitação horizontal. Pela adição de 25mL de 3H-2DG (concentração final de 0,1mM e 0,15mCi/tubo) e incubação durante exatos 3min, avaliou-se a captação de glicose. Para tanto, ao término do terceiro minuto, 200mL da suspensão foram transferidos para tubos de microcentrífuga contendo óleo de silicone (densidade 0,963) e foram centrifugados por 5seg. A centrifugação separou 3 fases: uma superior, contendo camadas de células compactadas (pellet celular), uma intermediária, correspondente ao óleo, e a mais interna, constituída pelo tampão aquoso. A fase superior foi separada e mergulhada em frascos contendo 4mL de líquido de cintilação para amostras aquosas; a radiação beta emitida foi avaliada em contador beta (Beckman LS-8000). Em outro tubo procedeu-se à incubação de 450mL da mesma suspensão celular com adição de 25mL de L-1-14C-glicose (0,1mCi/tubo) em lugar de 3H-2DG. Este destinou-se à determinação da incorporação inespecífica.

Ligação da insulina a seus receptores

A suspensão celular foi transferida para tampão EB de pH 7,8. Alíquotas (450ml) dessa suspensão celular foram incubadas a 15°C por 3h, na presença de 25mL de 125I-insulina monoiodada (20.000 c.p.m./tubo) e 25mL de insulina "fria" em concentrações crescentes (concentração final: 0,2; 0,3; 0,5; 1,0; 2,5; 5,0; 10; 50; 100; e 5.000ng/mL). A esta temperatura, a internalização do complexo insulina-receptor é desprezível (15). Ao final da incubação, 200mL da suspensão celular foram transferidas para tubos de microcentrífuga contendo óleo de silicone e centrifugados por 5seg. A radioatividade do pellet celular foi avaliada no contador gama. A análise de Scatchard (16) foi realizada para calcular o número de receptores e a constante de dissociação aparente (KD) que representa a afinidade do hormônio ao seu receptor.

Nas avaliações acima mencionadas, parte da suspensão celular foi destinada à determinação do volume celular de acordo com DiGirolamo (17), de modo a permitir a expressão dos resultados por área da superfície celular.

Oxidação de D- (U -14C) -glicose a 14CO2

A suspensão celular foi transferida para o tampão Krebs-Ringer-Bicarbonato de sódio 24,6mM - BSA 1% (KRB), saturado de O2/CO2 (95%/5%), pH 7,4 e temperatura de 37°C. Aos 450mL de suspensão celular acrescentou-se 25mL de insulina "fria" nas concentrações de 0 e 100ng/mL e 25mL de D-U-14C-glicose (2mM, 0,lmCi/tubo). Esta mistura foi incubada por 1h, a 37°C, sob agitação orbital (180rpm) em tubos plásticos, com tampas de borracha para evitar o escape do carbogênio injetado a cada 15min. Ao término da incubação, procedeu-se à digestão celular com H2SO4 8 N para provocar a liberação de CO2 a ser adsorvido em tiras de papel de filtro Whatman #2 (2x5cm) embebidas com 100mL de etanolamina. A transferência destas para um frasco contendo coquetel de cintilação permitiu avaliar em contador beta a radiação emitida (18).

Incorporação de D-(U-14C)-glicose em lipídios

Para a extração dos lipídios das amostras remanescentes nos tubos do experimento anterior, adicionou-se, em cada tubo, 2,5mL de reativo de Dole (isopropanol: heptano: H2SO4 8 N, na proporção de 4:1:0,25) e, durante os 30min seguintes, esse tubos foram agitados 5 vezes em "vortex". Terminada essa fase, acrescentou-se 1,5mL de água destilada e 1,65mL de heptano. Da fase superior dessa mistura, 500mL foram transferidos para um frasco contendo líquido de cintilação para determinação da radioatividade beta acumulada (19).

Procedimentos analíticos

A glicemia foi quantificada pelo método de glicoseoxidase (Analisa, São Paulo, Brasil) e a insulinemia pelo método radioimunológico (Coat-A-Count, Diagnostic Products Corporation, Los Angeles, USA).

Análise estatística dos resultados

A avaliação estatística dos resultados foi realizada pelo teste "t" de Student, prefixando-se o nível de significância para 95% (p<0,05).

RESULTADOS

Perfil geral dos animais

O perfil geral dos animais pode ser visto na tabela 1. Ao final de 28 dias de observação, os ratos meal-feeding diabéticos (MED) apresentaram redução de 19,4% no peso corpóreo e de 50% na ingestão alimentar em relação aos free-feeding diabéticos (FED). No momento do sacrifício, as glicemias não diferiram entre os grupos. Por outro lado, a insulinemia do grupo MED foi estatisticamente inferior à do grupo FED. A partir dos valores de glicemia e insulinemia, foi calculado o valor do índice G/I, um importante índice de sensibilidade à insulina in vivo (20), quanto maior este valor mais insulino-sensível é considerado o animal. O grupo MED apresentou valor G/I significativamente maior (p<0,05) que o grupo EFD.

Captação de 3H-2DG pelos adipócitos isolados

Na figura 1A estão representadas as EC50 (concentração hormonal necessária para atingir metade da resposta máxima de transporte) dos ratos MFD e FFD; nesta figura pode-se constatar uma diminuição de 33% na EC50 dos ratos MFD, que não foi estatisticamente significativa. A figura 1B apresenta as curvas doseresposta à insulina e ilustra a tendência do grupo MFD em apresentar deslocamento da curva para a esquerda, com valores de captação mais altos que do FFD. Comparações feitas entre os grupos demonstraram que não houve diferença significativa em relação à captação basal de 3H-2DG. Entretanto, a captação máxima de 3H-2DG e o delta (diferença entre a captação máxima e a basal) foram maiores (p<0,05) no grupo MFD (figura 1C).




Oxidação de (14C)-glicose a CO2 pelos adipócitos isolados

A capacidade de oxidar glicose estimulada por insulina foi avaliada através da análise da diferença entre o valor basal e o máximo (delta-D), que foi maior (p<0,05) no grupo MFD (figura 2A).




Incorporação de (14C)-Glicose em lipídios pelos adipócitos isolados

A capacidade de incorporar glicose em lipídios sob estímulo com insulina foi avaliada e o valor de delta da incorporação de 14C-glicose foi maior (p<0,05) no grupo MF (figura 2B).

Ligação da insulina a seus receptores

A figura 2C mostra o número de receptores insulínicos (Ri) e a constante de dissociação aparente (KD). Não foram observadas diferenças significativas entre os dois grupos estudados.

DISCUSSÃO

A alteração na disponibilidade energética exerce um importante papel no metabolismo celular. Um balanço energético positivo pode ocasionar alterações fisiopatológicas na ação insulínica, como, por exemplo, na obesidade e no diabetes mellitus tipo 2. Por outro lado, uma restrição alimentar ocasiona profundos efeitos na homeostasia glicídica e na ação insulínica.

Um dos modelos experimentais, estudados no intuito de esclarecer os ajustes metabólicos necessários para um melhor aproveitamento do suprimento energético em condições de baixa disponibilidade de alimento, é o esquema de restrição alimentar (MF), na qual uma única refeição diária é oferecida aos animais. As adaptações morfo-metabólicas apresentadas pelo rato MF, mencionadas anteriormente, sugerem que ocorra, neste modelo experimental, a instalação de mecanismos protetores, capazes de enfrentar um jejum prolongado sem gasto rápido do substrato energético armazenado.

Estudos anteriores demonstraram que a restrição alimentar (meal-feeding) aumenta a sensibilidade e a responsividade celular à insulina em ratos normais (11,12). Com base nestes resultados, averiguou-se se a restrição alimentar também poderia ocasionar melhora na responsividade celular à insulina, na vigência de um modelo de diabetes não dependente de insulina, induzido por aloxana.

As comparações realizadas inter-grupos no 28ºdia mostraram que o grupo MFD apresentou uma redução de 19,4% no peso corpóreo em relação ao FFD, sendo 13% dessa diferença já detectável antes da indução do diabetes (14ª dia de observação), de acordo com o observado em ratos MF não diabéticos (11). Em relação à ingestão alimentar, no 28º dia a diferença entre MFD e FFD era da ordem de 50%. A partir dos resultados acima, pode-se observar que o déficit de 50% na quantidade de ingestão provocou, no MF, um comprometimento no peso corporal de apenas 19,4%. Parece, portanto, que o aumento no índice de eficiência alimentar já descrito (2,21-23) contribuiu para impedir um emagrecimento excessivo.

As glicemias não diferiram entre os dois grupos. Por outro lado, a insulinemia do grupo MFD apresentou valores mais baixos e o índice G/Iapresentou-se aumentado, indicando maior sensibilidade insulínica in vivo.

É sabido que a insulina deve, agudamente, promover a captação de glicose em tecidos insulino-sensíveis pelo aumento da velocidade máxima de transporte, envolvendo aumento no número de transportadores funcionais de glicose (24,25). Por esta razão, foi escolhido o teste de captação de 3H-2DG para averiguar a sensibilidade e a responsividade das células adiposas à insulina. O análogo de glicose, 2-desoxi-D-glicose, foi escolhido por ser um substrato que é captado e fosforilado pelos mesmos processos da D-glicose, sem contudo sofrer metabolização pela célula (26). Na quantificação da radioatividade inespecífica utilizou-se a L-glicose, pois a membrana celular é relativamente impermeável a esse análogo. A curva dose-resposta à insulina da captação da 3H-2DG do grupo MFD sugeriu um deslocamento à esquerda, o qual não foi estatisticamente confirmado na análise da EC50. Por outro lado, o MFD apresentou capacidade máxima de captação da 3H-2DG e incremento (D) maiores que os do FFD, o que foi interpretado como maior responsividade do MFD à insulina.

O grupo MFD apresentou menor insulinemia que o FFD e aumento da resposta à insulina, o que poderia ser esperado caso ocorresse, por exemplo, o fenômeno de up regulation dos receptores insulínicos. Up ou down regulation dos receptores pode ocasionar alteração nos processos de translocação de transportadores de glicose para a membrana plasmática (27), modificando a resposta celular ao hormônio. Para testar essa hipótese, realizou-se o teste de binding de insulina aos receptores específicos; os resultados demonstraram que a alteração na sensibilidade e na responsividade celular à insulina não se devem ao aumento do número ou afinidade dos receptores de insulina. É possível inferir, portanto, que o aumento na resposta celular à insulina, observado no animal cronicamente adaptado ao esquema de restrição, se deva a modificações nos eventos pós-receptores, entre os quais destaca-se aumento na quantidade de GLUT-4, bem como na sua translocação para a membrana plasmática (28,29). Outra possibilidade seria a ocorrência de maior fosforilação de IRS-1/2, já que estes substratos, quando fosforilados, apresentam grande afinidade por proteínas com domínio SH2 (30). Essas proteínas têm sido responsabilizadas por importantes processos intracelulares, entre os quais se destaca a ativação da expressão gênica de outras proteínas, ativação de diversas vias metabólicas, etc. Uma dessas proteínas é a fosfatidil-inositol 3'-cinase (PI3K), cujo envolvimento com o processo de translocação do GLUT4 para a membrana plasmática já foi demonstrado (31).

É bem conhecido que a insulina estimula várias enzimas da via glicolítica e da via lipogênica, além de ativar a lipase de lipoproteínas e inibir a atividade da lipase hormônio-sensível. Já foi demonstrado que a insulina aumenta a oxidação de 14C-glicose a 14CO2 em adipócitos isolados (32), assim como aumenta a incorporação de 14C-glicose em lipídios (33). Considerando-se que o esquema de restrição alimentar aumenta a captação de glicose nos adipócitos isolados, investigou-se as respostas insulino-induzidas de oxidação de glicose e incorporação desta em moléculas de triacilglicerol. Os incrementos (D) obtidos foram maiores no grupo MFD, mostrando, mais uma vez, que este grupo é mais responsivo à insulina que o FFD. A lipogênese mais intensa do esquema MF provavelmente contribuiu para evitar a perda excessiva do peso corporal e representaria um aspecto do fenômeno genericamente denominado de aumento da eficiência alimentar.

É sabido que em camundongos (34), macacos (35,36) e ratos (37-39), a restrição alimentar prolonga significantemente a longevidade da espécie. Em ratos MF (40) e camundongos (33,41), a incidência tumoral diminui com a imposição do meal feeding. No presente estudo, foi demonstrado que ratos sob meal feeding manifestam alta responsividade celular à insulina mesmo no estado diabético. Portanto, é possível que a modalidade alimentar de disciplinar o horário da refeição, restringindo o tempo de consumo, constitua uma conduta alternativa a ser acoplada a outras abordagens terapêuticas para o diabetes mellitus, principalmente por melhorar a resposta dos tecidos periféricos à insulina.

Endereço para correspondência:

Ubiratan Fabres Machado

Depto. de Fisiologia e Biofísica, ICB/USP

Av. Prof. Lineu Prestes 1524

05.508-900 São Paulo, SP

Fax:(011) 818-7285

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 2000

Histórico

  • Revisado
    18 Fev 2000
  • Recebido
    13 Set 1999
  • Aceito
    10 Abr 2000
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