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Captação diferenciada de meta-iodobenzilgnanidina em paciente com feocromocitoma bilateral e neoplasm endócrina múltipla tipo 2A

Resumos

O feocromocitoma que ocorre na síndrome de Neoplasia endócrina múltipla tipo 2A (NEM-2A), também conhecida como síndrome de Sipple, é muitas vezes bilateral e multicêntrico. O uso da cintilografia com meta-iodobenzilguanidina (M-IBG) é um método seguro e eficaz para o diagnóstico de localização do feocromocitoma, particularmente nos casos de sítio extra-adrenal, recorrência pós-operatória ou doença metastática maligna. Apresentamos o caso de uma paciente feminina de 26 anos com NEM-2A e feocromocitoma adrenal bilateral (visualizado na Ressonância Nuclear Magnética e confirmado pelo exame histopatológico), cuja cintilografia com I131 M-IBG revelou marcada diferença de captação entre as adrenais (mínima à direita e mais intensa à esquerda). Relevante no caso, foi o fato do tumor à direita ser muito maior (5,5 cm de diâmetro) do que à esquerda (3,0 cm de diâmetro), funcionalmente iguais (caracterizado por complicações pré-operatórias quando da manipulação cirúrgica) e histopatologicamente similares. Concluímos que nos casos de NEM-2A, a captação negativa ou discreta de M-IBG não exclui a necessidade de exploração cirúrgica bilateral das adrenais.

Feocromocitoma; Neoplasia endócrina múltipla tipo 2A; Meta-iodobenzilguanidina; Síndrome de Sipple


The pheocromocytoma that occurs in Multiple endocrine neoplasia type 2A (MEN-2A), also known as Sipple's syndrome, is often bilateral and multicentric. The use of Meta-iodobenzylguanidine (M-IBG) scintigraphy is a safe and efficacious techinique for the location of suspected pheocromocytoma, especially for the cases of nonadrenal sites, recurrence postoperative and malignant metastatic disease. We present the case of a 26-years-old female patient with MEN-2A and bilateral adrenal pheocromocytoma (visualized by Magnetic Nuclear Ressonance and confirmed by histopatological exam), whose MIBG scintigraphy showed marked differentiated uptake of the adrenals (minimal on the right and more intense on the left). Relevant is the fact that the right tumor is much larger (5.5 cm of diameter) than the left (3.0 cm), functionally equal and with similar histology. We concluded that in the cases of MEN-2A, a minimal or negative M-IBG uptake does not exclude the need of bilateral surgical exploration of the adrenals.

Pheocromocytoma; Multiple endocrine neoplasia type 2A; Meta-iodobenzylguanidine; Sipple's syndrome


apresentação de caso

Captação Diferenciada de Meta-Iodobenzilgnanidina em Paciente com Feocromocitoma Bilateral e Neoplasm Endócrina Múltipla Tipo 2A

Marcus M.S. Oliveira

Débora V. Soares

Alice H.D. Violante

Mônica R. Gadelha

Rossana Corbo

Dione C.A.Dock

Mário Vaisman

Serviço de Endocrinologia, Hospital

Universitário Clementina Fraga

Filho, Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, RJ.

Recebido em 09/01/98

Revisado em 08/10/98

Aceito em 12/11/98

RESUMO

O feocromocitoma que ocorre na síndrome de Neoplasia endócrina múltipla tipo 2A (NEM-2A), também conhecida como síndrome de Sipple, é muitas vezes bilateral e multicêntrico. O uso da cintilografia com meta-iodobenzilguanidina (M-IBG) é um método seguro e eficaz para o diagnóstico de localização do feocromocitoma, particularmente nos casos de sítio extra-adrenal, recorrência pós-operatória ou doença metastática maligna. Apresentamos o caso de uma paciente feminina de 26 anos com NEM-2A e feocromocitoma adrenal bilateral (visualizado na Ressonância Nuclear Magnética e confirmado pelo exame histopatológico), cuja cintilografia com I131 M-IBG revelou marcada diferença de captação entre as adrenais (mínima à direita e mais intensa à esquerda). Relevante no caso, foi o fato do tumor à direita ser muito maior (5,5 cm de diâmetro) do que à esquerda (3,0 cm de diâmetro), funcionalmente iguais (caracterizado por complicações pré-operatórias quando da manipulação cirúrgica) e histopatologicamente similares. Concluímos que nos casos de NEM-2A, a captação negativa ou discreta de M-IBG não exclui a necessidade de exploração cirúrgica bilateral das adrenais. (Arq Bras Endocrinol Metab 1999;43/2: 125-8).

Unitermos: Feocromocitoma; Neoplasia endócrina múltipla tipo 2A; Meta-iodobenzilguanidina; Síndrome de Sipple

ABSTRACT

The pheocromocytoma that occurs in Multiple endocrine neoplasia type 2A (MEN-2A), also known as Sipple's syndrome, is often bilateral and multicentric. The use of Meta-iodobenzylguanidine (M-IBG) scintigraphy is a safe and efficacious techinique for the location of suspected pheocromocytoma, especially for the cases of nonadrenal sites, recurrence postoperative and malignant metastatic disease. We present the case of a 26-years-old female patient with MEN-2A and bilateral adrenal pheocromocytoma (visualized by Magnetic Nuclear Ressonance and confirmed by histopatological exam), whose MIBG scintigraphy showed marked differentiated uptake of the adrenals (minimal on the right and more intense on the left). Relevant is the fact that the right tumor is much larger (5.5 cm of diameter) than the left (3.0 cm), functionally equal and with similar histology. We concluded that in the cases of MEN-2A, a minimal or negative M-IBG uptake does not exclude the need of bilateral surgical exploration of the adrenals. (Arq Bras Endocrinol Metab 1999;43/2: 125-8).

Keywords: Pheocromocytoma; Multiple endocrine neoplasia type 2A; Meta-iodobenzylguanidine; Sipple's syndrome

A NEOPLASIA ENDÓCRINA MÚLTIPLA do tipo 2A (NEM 2A), também conhecida como síndrome de Sipple, consiste de carcinoma medular da tireóide bilateral e multicêntrico, feocromocitoma unilateral ou bilateral e, menos comumente, hiperplasia ou adenoma das paratireóides (1). Os pacientes com esta síndrome podem se apresentar com manifestações de feocromocitoma, um nódulo tireoidiano, hipercalcemia ou alguma combinação dos três, mas com o rastreamento de rotina de famílias afetadas, a hiperplasia das células e da tireóide é a apresentação inicial mais comum. Feocromocitoma é identificado em aproximadamente 50% dos pacientes e a anormalidade da paratireóide ocorrem em 19 a 35%.

Feocromocitomas são tumores funcionantes da medula adrenal. Em torno de 90% estão localizados nas glândulas adrenais e 10% extra adrenais em adultos; são bilaterais em 10% dos adultos afetados e em torno de 30% são malignos. Há um aumento da incidência de feocromocitoma, em particular bilateral, na NEM 2A (2).

O diagnóstico laboratorial da doença adrenal medular é feito através das dosagens urinadas elevadas de metanefrina, catecolaminas e frações e ácido vanil mandélico. O diagnóstico de localização pode ser feito através de Tomografia Computadorizada (TC) ou Ressonância Nuclear Magnética (RNM) que tem uma interessante capacidade discriminatória entre as massas adrenais (3), com o típico hipersinal em T2 que é altamente específico de feocromocitoma (4). A cintilografia com Meta-iodobenzilguanidina (M-IBG) é um método complementar seguro, não invasivo e eficaz para localização (3,5), tratando-se de uma técnica tanto sensível (88%) quanto específica (99%) (3,5-7).

Apresentamos o caso de uma paciente com feocromocitoma adrenal bilateral (NEM-2A) cuja cintilografia com I131M-IBG mostrou marcada diferença na intensidade da captação entre os dois tumores.

RELATO DE CASO

Paciente branca, 26 anos, casada, natural do Rio de Janeiro, foi internada no Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Faculdade de Medicina da UFRJ, com história de quatro anos com palpitações associado à cefaléia. Há três anos descoberto nódulo tireoidiano, cuja punção aspirativa por agulha fina revelou padrão folicular. No pré-operatório constatou-se hipertensão arterial sistêmica e durante o ato cirúrgico apresentou picos hipertensivos. Submetida à tireoidectomia total subcapsular, com diagnóstico histopatológico de carcinoma medular da tireóide.

Desde então vem apresentando crises hipertensivas freqüentes associadas à cefaléia e palpitação. Em uso de levotiroxina 125 mcg/dia, nifedipina 30 mg/dia e hidroclorotiazida 50mg/dia.

Refere história familiar de doença tireoidiana. Mãe hipertensa e tireoidectomizada, com diagnóstico de carcinoma papilífero (confirmado por revisão de lâmina). Avó materna, tio materno e prima com tireoideopatia (SIC). Não relata história familiar de litíase renal. Apresenta ciclos menstruais regulares, faz uso de contraceptivo oral e nunca engravidou.

Ao exame físico apresentava-se com cicatriz hipertrófica em região cervical anterior, ausência de linfonodomegalias cervicais e tireóide impalpável. PA (deitada e em pé): 150x100 mmHg; FC: 80 bpm. Durante o exame apresentou súbita aceleração para 100 bpm. Ritmo cardíaco regular em 2 tempos, com bulhas normofonéticas e sem sopros. Abdome plano, peristáltico, indolor, sem visceromegalias c/ou massas palpáveis. O restante do exame não apresentava alterações.

Em função do quadro clínico, a investigação complementar foi orientada no sentido de provável NEM 2A. Os exames laboratoriais revelaram aumento de norepinefrina e epinefrina urinárias, confirmando o diagnóstico bioquímico de feocromocitoma e também sugeriram hiperparatireoidismo (PTH inapropriadamente alto) (tabela 1). A ultra-sonografia de pescoço visualizou apenas istmo e não identificou linfonodomegalia. A RNM de abdome evidenciou massas localizadas em topografia de adrenais direita e esquerda medindo, respectivamente, 4,5 x 5,5 cm e 3 cm de diâmetro, com o característico sinal hiperintenso em T2. (figuras 1A e 1 B).


Foi então realizada cintilografia com I131M-IBG. Não foi necessário preparo com solução de Lugol por se tratar de uma paciente já tireoidectomizada. Foram administrados 6,0 mCi do radio-traçador e feita a captação com 24, 48 e 72 horas em um aparelho Gamacâmera-Ohio nuclear modelo sigma 410. Observou-se intensa captação em adrenal esquerda com 48 e 72 horas e apenas mínima captação em adrenal direita (figura 2).


Uma vez confirmado o diagnóstico de feocromocitoma, foi iniciado preparo pré-operatório com prasozin 1 mg/dia, com aumento progressivo da dose até 8 mg/dia, quando obteve ± - bloqueio. Submetida à laparotomia com incisão mediana. Durante a adrenalectomia bilateral, houve picos hipertensivos à manipulação de ambas as massas.

Após a cirurgia manteve-se normotensa recebendo alta hospitalar em uso de levotiroxina 125 mcg/dia e predinisona 7,5 mg/dia.

O exame histopatológico das peças cirúrgicas revelou padrão semelhante entre as supra-renais. Macroscopicamente as glândulas apresentavam-se bem delimitadas, com as superfícies de corte amareladas, com áreas vinhosas medindo à esquerda 3,5 cm e à direita 5,5 cm nos maiores diâmetros. Microscopicamente observou-se os achados característicos (figuras 3A e 3B) confirmando o diagnóstico de feocromocitoma.


Em relação ao hiperparatireoidismo o diagnóstico se confirma através da dosagem elevada de cálcio difusível com PTH inapropriadamente alto, apesar de estar com valores absolutos apenas discretamente acima dos limites da normalidade. Após a completa recuperação da cirurgia abdominal, deverá ser submetida à exploração cervical.

DISCUSSÃO

Trata-se de um caso típico de MEN 2A, cujo aspecto mais relevante prende-se ao fato de a paciente apresentar feocromocitoma bilateral, sendo que a maior massa que se localizava na adrenal direita mostrou mínima captação do radiotraçador (I131MIBG), enquanto que à esquerda houve intensa captação.

Uma vez que o diagnóstico bioquímico é estabelecido, a localização do tumor é fundamental direcionar a abordagem para remoção cirúrgica.

A TC e RNM são excelentes métodos de localização, com alta sensibilidade para detecção de feocromocitoma uma vez que 90% se localiza nas suprarenais. No entanto, não definem a natureza funcional das desordens adrenais (8). Além disto, lesões adrenais menores que 2 cm de diâmetro e algumas lesões extraadrenais maiores que 2 cm são freqüentemente não visualizadas pela TC (5). A cintigrafia com M-IBG é um método morfofuncional, eficaz para localização de feocromocitoma, especialmente nos casos de sitos extra-adrenais, recorrência pós-operatória e doença metastática maligna (3,5,8).

Pattou FN realizou a cintigrafia com M-IBG em 73 pacientes com uma acurácia diagnostica de 77%, que se eleva para 96% quando associado à TC e para 93% com a RNM. Em 12 pacientes (16%) o resultado foi falso negativo e em 5 (7%) falso positivo. Ainda em relação a este estudo, em 10 pacientes com feocromocitoma bilateral, uma das lesões não acumulou MIBG em dois casos (um esporádico e um NEM 2A) (4).

Desta forma, o M-IBG parece ser um valioso método complementar principalmente quando associado a um outro método de imagem (TC ou RNM) na localização do tumor. Entre as vantagens deste método estão a sua alta especificidade e o fato de permitir estudo do corpo inteiro (2,6,9). Existem também limitações devido à ampla variação de avidez da adrenal normal pelo M-IBG. Raramente a captação em um tumor pode ser tão discreta que se sobrepõe àquela vista na adrenal normal ou pode estar totalmente ausente (2).

Os pacientes com cintigrafia falso-negativas têm lesões mais freqüentemente extra-adrenais abdominais, mas não diferem significativamente em características bioquímicas e histológicas de lesões demonstradas à cintigrafia (5). Shapiro B. encontrou nos tumores que captaram I131M-IBG imunohistoquímica positiva para cromogranina A. A presença deste material é um marcador da natureza neuroendócrina dos tumores e a relação dos níveis plasmáticos de cromogranina A e a captação do feocromocitoina precisa ainda ser explorada (5).

Concluímos que a cintilografia com M-IBG e os métodos de imagem (TC ou RNM) têm papéis complementares e que, nos casos de NEM 2A, a captação negativa ou discreta do radiotraçador não exclui a necessidade de exploração cirúrgica bilateral das adrenais.

Endereço para correspondência:

Mário Vaisman

Rua General Venâncio Flores 368/302

22441-090 Rio de Janeiro, RJ

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Mar 1999

Histórico

  • Aceito
    12 Nov 1998
  • Revisado
    08 Out 1998
  • Recebido
    09 Jan 1998
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