Acessibilidade / Reportar erro

Índice de inteligibilidade de fala e teste Ling-6 (HL): correlações em escolares usuários de próteses auditivas

RESUMO

Objetivo

Avaliar a audibilidade de fala em crianças usuárias de próteses auditivas e correlacionar o Índice de Inteligibilidade de Fala à detecção de fonemas.

Método

22 crianças e adolescentes usuários de próteses auditivas passaram por avaliação audiológica básica, verificação in situ (e consequente obtenção do Índice de Inteligibilidade de Fala - SII - para condições com e sem próteses auditivas) e pesquisa dos limiares de detecção para fonemas por meio do teste Ling-6(HL).

Resultados

O SII médio foi 25,1 sem próteses auditivas e 68,9 com amplificação (p <0,001*). Os limiares de detecção de fonemas em campo livre, em dBNA, foram, sem amplificação /m/=29,9, /u/=29,5, /a/=35,5, /i/=30,8, /∫/=44,2 e /s/=44,9, e com amplificação /m/=13,0, /u/=11,5 /a/=14,3, /i/=15,4, /∫/=20,4 e /s/=23,1 (p <0,001*). Houve correlação negativa entre SII e os limiares de todos os fonemas na condição sem próteses (p≤0,001*) e entre SII e o limiar do /s/ com próteses (p = 0,036*).

Conclusão

Os limiares de detecção de todos os fonemas são menores do que na condição sem próteses. Há correlação negativa entre SII e os limiares de todos os fonemas na situação sem próteses e entre SII e o limiar de detecção do fonema /s/ na situação com próteses auditivas.

Descritores:
Audiometria da Fala; Auxiliares de Audição; Criança; Perda Auditiva; Audição

ABSTRACT

Purpose

To evaluate speech audibility in schoolchildren hearing aids users and correlate the Speech Intelligibility Index to phonemes detecion.

Methods

22 children and adolescents hearing aids users, underwent audiological evaluation, in situ verification (and consequent obtaining the Speech Intelligibility Index - SII - for conditions with and without hearing aids) and detection thresholds for phonemes by Ling-6 (HL) test.

Results

The average value for the SII was 25.1 without hearing aids and 68.9 with amplification (p <0.001 *). The phoneme detection thresholds in free field, in dBHL, were, without amplification /m/ = 29.9, /u/ = 29.5, /a/ = 35.5, /i/ = 30.8, /∫/ = 44.2 e /s/ = 44.9, and with amplification /m/ = 13.0, /u/ = 11.5 /a/ = 14.3, /i/ = 15.4, /∫/ = 20.4 e /s/ = 23.1 (p<0.001*). There was a negative correlation between SII and the thresholds of all phonemes in the condition without hearing aids (p≤0.001*) and between SII and the /s/ threshold with hearing aids (p = 0.036*).

Conclusion

The detection thresholds for all phonemes are lower than without hearing aids. There is a negative correlation between SII and the thresholds of all phonemes in the situation without hearing aids and between SII and the detection threshold of the phoneme / s / in the situation with hearing aids.

Keywords:
Speech Audiometry; Hearing Aids; Child; Hearing Loss; Hearing

INTRODUÇÃO

Diagnosticar precocemente a deficiência auditiva em crianças e intervir rapidamente são ações determinantes para o adequado desenvolvimento da comunicação. A primeira infância constitui um período crítico para o amadurecimento cerebral e fortalecimento das ligações sinápticas, determinados pela experiência sonora.

A amplificação proporcionada pelas próteses auditivas possibilita a estimulação necessária para o maior aproveitamento da plasticidade do sistema nervoso central, e possibilita o desenvolvimento geral de quem tem uma deficiência auditiva. O sucesso da adaptação de próteses auditivas depende da análise do benefício proporcionado para o usuário. É tarefa do fonoaudiólogo avaliar e identificar a melhora do desempenho auditivo da criança ao fazer uso da amplificação. Conhecer medidas que avaliam a adequação da amplificação pediátrica na clínica fonoaudiológica, é de fundamental importância para o processo terapêutico, visando o desenvolvimento da linguagem oral(11 Figueiredo RDSL, Mendes B, Cavanaugh MCV, Novaes B. Classificação de perdas auditivas por grau e configuração e relações com Índice de Inteligibilidade de Fala (SII) amplificado. CoDAS. 2016;28(6):687-96. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015228. PMid:27982251.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2016...
). Isso pode ser obtido por medidas objetivas dependentes ou não da resposta do paciente, ou por medidas subjetivas.

Das medidas objetivas dependentes da resposta do usuário, pode-se listar a observação comportamental em resposta ao sinal amplificado fornecido pelas próteses auditivas, a quantificação dessas respostas por meio da pesquisa de limiares auditivos em campo livre e testes que verifiquem a audibilidade para sons da fala com uso da amplificação, como os sons de Ling, proposto por Daniel Ling, que incorpora fonemas de frequências baixa, média e alta, que ocorrem tipicamente no discurso(22 Ling D. Speech and the hearing-impaired child: theory and practice. Washington, DC: Alexander Graham Bell Association for the Deaf; 1976.,33 Ling D. Foundations of spoken language for the hearing-impaired child. Washington, DC: Alexander Graham Bell Association for the Deaf; 1989.).

O teste inclui os fonemas /m/, /u/, /a/, /i/, /ʃ/ e /s/, apresentados a viva voz em campo livre, e pode ser usado na avaliação dos vários níveis de habilidade auditiva, por meio de quatro tarefas distintas: detecção, discriminação, reconhecimento e repetição(44 Hung Y, Lin C, Tsai L, Lee Y. Multidimensional approach to the development of a mandarin chinese-oriented sound test. J Speech Lang Hear Res. 2016;59(2):349-58. http://dx.doi.org/10.1044/2015_JSLHR-H-15-0026. PMid:27045325.
http://dx.doi.org/10.1044/2015_JSLHR-H-1...
,55 Smiley DF, Martin PF, Lance DM. Using the Ling 6-sound test everyday [Internet]. Audiology Online; 2004 [citado em 2020 Fev 12]. Disponível em: https://www.audiologyonline.com/articles/using-ling-6-sound-test-1087
https://www.audiologyonline.com/articles...
). Os estímulos são validados e naturais, o que auxilia, portanto, na avaliação do limiar com próteses, considerando o moderno processamento de sinal dos dispositivos atuais. As características acústicas de cada um dos fonemas que compõem o teste são apresentadas no Quadro 1 – adaptado(44 Hung Y, Lin C, Tsai L, Lee Y. Multidimensional approach to the development of a mandarin chinese-oriented sound test. J Speech Lang Hear Res. 2016;59(2):349-58. http://dx.doi.org/10.1044/2015_JSLHR-H-15-0026. PMid:27045325.
http://dx.doi.org/10.1044/2015_JSLHR-H-1...
).

Quadro 1
Características acústicas dos Sons de Ling

Com emprego desses fonemas, foi criado o teste Ling-6 (HL), que oferece uma versão calibrada em nível de audição dos mesmos estímulos, para possibilitar a mensuração dos limiares de detecção de sons da fala. O teste foi gravado em CD no Child Amplification Laboratory da Western University, e é utilizado na adaptação de próteses auditivas(66 Scollie S, Glista D, Tenhaaf J, Dunn A, Malandrino A, Keene K, et al. Stimuli and normative data for detection of Ling-6 sounds in hearing Level. Am J Audiol. 2012;21(2):232-41. http://dx.doi.org/10.1044/1059-0889(2012/12-0020). PMid:22846636.
http://dx.doi.org/10.1044/1059-0889(2012...
).

Das medidas objetivas que independem da participação do usuário, têm-se as mensurações in situ, com uso de microfone sonda e emprego do estímulo de fala para essa finalidade. Esse recurso, cada vez mais empregado no Brasil, tem como principal vantagem verificar a capacidade de acessar os sons de fala dentro do campo dinâmico auditivo, com os recursos das próteses auditivas ajustados da maneira como o indivíduo os utiliza no seu dia-a-dia e emprega para isso estímulos da vida real, como a fala espontânea, música e texto gravados. A partir dessas medidas, é obtido o Índice de Inteligibilidade de Fala – SII – do inglês Speech Intelligibility Índex, que estima o acesso auditivo à fala.

Apesar de ser um recurso mais empregado na última década, o Índice de Inteligibilidade de Fala tem sua história iniciada em meados da década de 40. Primeiramente foi traçado o panorama histórico dos cálculos para estimativa de audibilidade da fala aplicados nos serviços de engenharia da Bell Telephones a fim de aprimorar a transmissão de fala pelos sistemas de telecomunicação, com a proposta da primeira fórmula do Articulation Index, ou Índice de Articulação – AI – método que não foi extensivamente colocado em prática devido à sua complexidade(77 French N, Steinberg J. Factors governing the intelligibility of speech sounds. J Acoust Soc Am. 1947;19(1):90-119. http://dx.doi.org/10.1121/1.1916407.
http://dx.doi.org/10.1121/1.1916407...
). O AI tinha como objetivo quantificar a relação entre a porção do espectro médio do discurso que permanecia audível na presença de filtros, distorções e ruído.

Após alguns trabalhos e modificações da fórmula original, a American National Standards Institute – ANSI 3.5-1969 publicou a primeira validação do AI(88 ANSI: American National Standards Institute. ANSI S3.5-1969: methods for calculation of the Articulation Index. New York, NY: Acoustical Society of America; 1969.), considerando-o um índice proporcional baseado na audibilidade resumida de bandas de frequências da fala, ponderada no silêncio e na presença de ruído competitivo. Ele variava em valor de 0,0 a 1,0. O valor 0,0 indicaria que nenhum dos sinais de fala seria audível. O valor 1,0, por outro lado, indicaria a máxima audibilidade de fala. Até então, cada decibel de audibilidade tinha o mesmo peso na determinação do AI, independente da banda de freqüências onde estava alocado.

Após uma série de revisões no AI, foi proposto o método Count-the-Dots(99 Mueller HG, Killion MC. An easy method for calculating the articulation index. Hear J. 1990;43(9):14-7.), que atribuiu diferentes pesos às frequências audíveis, de acordo com a sua importância para a compreensão da fala. O método Count-the-Dots consistiu na disposição de 100 pontos no gráfico de audiometria (sendo 46 na faixa de frequências do audiograma a partir de 2000 Hz), os quais são distribuídos num intervalo de 30 dB, dentro do espectro de frequências da fala. Todos os pontos situados acima dos limiares auditivos são considerados audíveis. O número total de pontos contados é então dividido por 100 e fornece o resultado da audibilidade prevista para a fala.

A American National Standards Institute – ANSI 1997 [R2012](1010 ANSI: American National Standards Institute. ANSI S3.5-1997: methods for the calculation of the Speech Intelligibity Index. New York, NY: Acoustical Society of America; 2012.), a partir de modificações na norma de 1969, apresentou o Speech Intelligibility Index, ou Índice de Inteligibilidade de Fala – SII, que é calculado a partir do espectro do sinal de fala, do ruído e dos limiares auditivos. São também considerados no cálculo fatores como a distorção associada a intensidades elevadas e à reverberação. Os sinais de fala e ruído são filtrados em bandas de frequências. O cálculo considera que nem todas as bandas de frequências têm a mesma quantidade de informações de fala e por isso não são igualmente importantes para a inteligibilidade. As bandas são consideradas de acordo com a função de importância de frequência, a qual indica em que grau cada faixa contribui para a inteligibilidade. O resultado do cálculo é um número de zero a 100, que diz respeito à quantidade de informação de fala disponível para o ouvinte. O SII pode ser calculado automaticamente por equipamentos de verificação de próteses auditivas (ex. Verifit ®Audioscan, GN OtometricsAurical®), ou com o uso de software desenvolvido por pesquisadores da Acoustical Society of America (ASA).

Em 2010, o método Count-the-Dots para o cálculo do SII foi revisto. Na nova versão, mais pontos no gráfico são atribuídos às frequências mais elevadas (6 a 8 kHz) em comparação com o estudo de 1990. Tal mudança foi realizada considerando estudos que mostram a importância da audibilidade em regiões próximas ou acima de 8000Hz para a percepção de fonemas fricativos como o /s/, sobretudo quando emitidos por vozes femininas(1111 Killion M, Mueller H. Twenty years later: a new Count-The-Dots method. Hear J. 2010;63(1):10-7. http://dx.doi.org/10.1097/01.HJ.0000366911.63043.16.
http://dx.doi.org/10.1097/01.HJ.00003669...
).

As avaliações objetivas dependentes e independentes do comportamento dos usuários da amplificação devem ocorrer em conjunto. As Diretrizes de Prática Clínica em Amplificação Pediátrica da Academia Americana de Audiologia(1212 American Academy of Audiology. Clinical practice guidelines: pediatric amplification [Internet]. 2003 [citado em 2020 Fev 12]. Disponível em: http://audiology web.s3.amazonaws.com/migrated/PediatricAmplificationGuidelines.pdf_539975b3e7e9f1.74471798.pdf
http://audiology ...
) apontam o Índice de Inteligibilidade de Fala como ferramenta de verificação e importante método padronizado de cálculo da audibilidade de um sinal de fala, apesar de destacarem sua tendência em superestimar o reconhecimento de fala de crianças com qualquer grau de perda auditiva. O mesmo documento considera o teste Ling-6 (HL) adequado para avaliar resultados com próteses auditivas na população acima dos três anos de idade. É parte integrante da prática clínica baseada em evidências e considerada uma medida quantitativa eficaz para documentar o benefício obtido com o uso das próteses auditivas.

A literatura destaca que estimativas de audibilidade não foram suficientes para prever com precisão o reconhecimento de fala de crianças com deficiência auditiva, com o alerta de que a perda auditiva tem efeitos adicionais que não são modelados pelo SII(1313 Scollie S. Children’s Speech Recognition Scores: the Speech Intelligibility Index and proficiency factors for age and hearing level. Ear Hear. 2008;29(4):543-56. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0b013e3181734a02. PMid:18469717.
http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0b013e3181...
). A variabilidade na inteligibilidade da fala é especialmente pronunciada em cenários de escuta complexos, nos quais o sistema auditivo explora uma infinidade de pistas para extrair informações de fala. Apesar de diferentes fatores somados contribuírem para resultados diversos, tais como a perda auditiva e o tipo de ruído mascarante, as razões para esta variabilidade ainda não são totalmente compreendidas e os efeitos individuais não podem ser completamente previstos pelos atuais modelos de inteligibilidade de fala. O processamento sensorial, os processos cognitivos e não-auditivos podem explicar essa imprevisibilidade de resultados(1414 Kubiak AM, Rennies J, Ewert SD, Kollmeier B. Prediction of individual speech recognition performance in complex listening conditions. J Acoust Soc Am. 2020;147(3):1379-91. http://dx.doi.org/10.1121/10.0000759. PMid:32237817.
http://dx.doi.org/10.1121/10.0000759...
).

As funções de importância de frequência (FIF) usadas nos cálculos do SII foram inicialmente baseadas em dados obtidos de pessoas com limiares normais, o que poderia ser problemático para cálculos envolvendo perda auditiva. É bem sabido que a perda auditiva neurossensorial introduz déficits de processamento supralimiares que permanecem após a audibilidade ter sido parcialmente restaurada por meio da amplificação. Portanto, uma predição baseada apenas na audibilidade pode não fornecer estimativas precisas(1515 Yoho SE, Bosen AK. Individualized frequency importance functions for listeners with sensorineural hearing loss. J Acoust Soc Am. 2019;145(2):822-30. http://dx.doi.org/10.1121/1.5090495. PMid:30823788.
http://dx.doi.org/10.1121/1.5090495...
). Várias modificações ao SII foram propostas e algumas dessas adaptações consideraram as resoluções espectral e temporal reduzidas e distorções no processamento auditivo como alterações residuais que o uso de próteses auditivas não consegue recuperar(1616 Davies-Venn E, Nelson P, Souza P. Comparing auditory filter bandwidths, spectral ripple modulation detection, spectral ripple discrimination, and speech recognition: normal and impaired hearing. J Acoust Soc Am. 2015;138(1):492-503. http://dx.doi.org/10.1121/1.4922700. PMid:26233047.
http://dx.doi.org/10.1121/1.4922700...
).

Ainda assim, é importante destacar que mesmos valores de SII podem ser gerados em diferentes condições auditivas, com diferentes impactos no comportamento auditivo dos indivíduos. O índice de inteligibilidade da fala é um método objetivo amplamente usado para prever a inteligibilidade da fala, para o qual a função de importância de frequência é um componente chave. Essencialmente, as previsões são baseadas na proporção do espectro da fala que é audível, com cada banda de frequência ponderada de acordo com a contribuição típica (ou seja, sua importância) para a inteligibilidade. A FIF caracteriza a contribuição relativa de diferentes bandas de frequência para a inteligibilidade. Estudos anteriores mostraram que a FIF depende do material de fala. A FIF inicial, dos estudos propostos na década de 40, era calculada a partir de sílabas sem sentido. A justificativa para o emprego desse estímulo era a garantia de que a inteligibilidade da fala fosse determinada principalmente pelas características acústicas dos estímulos, e não pelas características cognitivas ou outros fatores (uma sílaba significativa poderia ser reconhecida por adivinhação com base em conhecimento prévio, mesmo quando algum fonema não fosse ouvido). Em 1959, foi desenvolvida uma FIF para palavras foneticamente balanceadas, por considerarem, na época um estímulo mais representativo da linguagem cotidiana. Os resultados revelaram maior ponderação de bandas de baixa frequência para palavras do que para sílabas sem sentido. Em 1987, foi estimada a FIF para o discurso contínuo. Os resultados revelaram novamente maior importância das bandas de baixa frequência do que para palavras balaceadas(1717 Chen J, Huang Q, Wu X. Frequency importance function of the speech intelligibility index for Mandarin Chinese. Speech Commun. 2016;83:94-103. http://dx.doi.org/10.1016/j.specom.2016.07.009.
http://dx.doi.org/10.1016/j.specom.2016....
). Na norma ANSI S3.5, seis FIF são fornecidas para seis tipos de discurso, incluindo sílabas sem sentido, palavras balanceadas e mensagens curtas(1010 ANSI: American National Standards Institute. ANSI S3.5-1997: methods for the calculation of the Speech Intelligibity Index. New York, NY: Acoustical Society of America; 2012.).Não é o valor do SII, mas a audibilidade em determinadas bandas de freqüências versus o estímulo que implicam num melhor ou pior reconhecimento de fala.

Os estudos descritos até então confirmam a importância de se avaliar a amplificação e os pacientes, de forma objetiva e comportamental respectivamente, considerando-as avaliações complementares, e de realizar trabalhos que façam uso e valorizem as duas medidas na prática clínica.

Assim, o objetivo do presente trabalho é avaliar a audibilidade de fala em crianças atendidas em um Serviço de Saúde Auditiva de Alta Complexidade do Município de São Paulo e correlacionar o Índice de Inteligibilidade de Fala à detecção de fonemas.

MÉTODO

O presente trabalho foi cadastrado na Plataforma Brasil, submetido e aprovado no Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo – CEP – UNIFESP sob o número 706.597. Participaram da pesquisa crianças cujos pais e/ou cuidadores foram previamente avisados sobre os objetivos e métodos do estudo, e que autorizaram o uso dos dados coletados, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; bem como crianças informadas sobre os procedimentos a serem realizados, que assinaram o Termo de Assentimento.

O estudo classifica-se como exploratório com amostra não probabilística por conveniência, de delineamento transversal.

Casuística

A amostra foi selecionada a partir da lista eletrônica de prontuários de crianças de oito anos a 14 anos, dos sexos feminino e masculino, atendidas no Núcleo Integrado de Assistência, Pesquisa e Ensino em Audição - NIAPEA, do Hospital Universitário da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo – EPM/UNIFESP, adaptadas ou readaptadas com próteses auditivas bilateralmente entre os anos de 2008 a 2013. Foram estudados 295 prontuários de crianças nessa faixa etária e condições, a fim de garantir que os participantes obedecessem aos seguintes critérios de elegibilidade:

  • Apresentassem perda auditiva pré-lingual, bilateral, de tipo neurossensorial, estável, de grau leve a severo(1818 WHO: World Health Organization. Grades of hearing impairment [Internet]. Rome: WHO; 2019 [citado em 2020 Fev 12]. Disponível em: http://www.who.int/pbd/deafness/hearing_impairment_grades/en/
    http://www.who.int/pbd/deafness/hearing_...
    );

  • Fizessem uso de próteses auditivas retroauriculares bilateralmente há, no mínimo, um ano.

Foram critérios de exclusão: problemas evidentes de saúde que impedissem a participação nas avaliações (tais como distúrbios ou atrasos cognitivos e/ou outros comprometimentos neurológicos graves) e outras deficiências sensoriais ou motoras.

Seis prontuários dos 295 não foram localizados em arquivo. Foram excluídos 258 prontuários que não preencheram os critérios estabelecidos acima, restando 31 crianças. Destas, oito crianças não puderam comparecer nos dias oferecidos para avaliação ou faltaram e uma criança não foi encontrada durante o processo de pesquisa, totalizando 22 crianças avaliadas.

Material

  • Otoscópio marca Heine modelo Mini3000®;

  • Imitanciômetro da marca Interacoustics, modelo AT235h;

  • Audiômetro clínico da marca Interacoustics, modelo AC33, com saída para alto-falantes (caixas acústicas), acoplado à Unidade de DVD RW do Desktop marca Itautec;

  • Analisador de próteses auditivas modelo Verifit, da marca Audioscan (Verifit®Audioscan);

  • CD The Ling-6(HL) Test, gravado no Child Amplification Laboratory, da Western University, utilizado para mensurar limiares de detecção de sons da fala, calibrados em nível de audição, para uso na validação da adaptação de próteses auditivas(66 Scollie S, Glista D, Tenhaaf J, Dunn A, Malandrino A, Keene K, et al. Stimuli and normative data for detection of Ling-6 sounds in hearing Level. Am J Audiol. 2012;21(2):232-41. http://dx.doi.org/10.1044/1059-0889(2012/12-0020). PMid:22846636.
    http://dx.doi.org/10.1044/1059-0889(2012...
    );

  • Medidor de pressão sonora modelo RadioShack Digital Sound-Level Meter.

Procedimentos

Os pacientes foram submetidos à inspeção visual do meato acústico externo, com uso do otoscópio marca Heine modelo Mini3000®, para verificar a possível presença de qualquer obstrução que pudesse impedir a realização dos exames audiológicos.

Foi então realizada a reavaliação audiológica básica, por meio da pesquisa dos limiares tonais por via aérea (frequências de 250 a 8000 Hz), por via óssea (frequências sonoras de 500 a 4000 Hz), logoaudiometria e medidas de imitância acústica (timpanometria e pesquisa do limiar dos reflexos acústicos contralaterais nas frequências de 500 a 4000 Hz). Os resultados foram registrados na folha de exame da instituição. A perda auditiva em cada uma das orelhas foi classificada com relação ao grau(1818 WHO: World Health Organization. Grades of hearing impairment [Internet]. Rome: WHO; 2019 [citado em 2020 Fev 12]. Disponível em: http://www.who.int/pbd/deafness/hearing_impairment_grades/en/
http://www.who.int/pbd/deafness/hearing_...
)e quanto à configuração(1919 Carhart R. An improved method for classifying audiograms. Laryngoscope. 1945;55(11):640-62. http://dx.doi.org/10.1288/00005537-194511000-00002. PMid:21007825.
http://dx.doi.org/10.1288/00005537-19451...
).

Com uso das próteses auditivas com as regulagens habituais, o paciente foi submetido à verificação in situ com estímulo de fala, com uso do equipamento Verifit®Audioscan, para cada uma das orelhas. Para isso, foram inseridos no equipamento Verifit os seguintes dados: método prescritivo empregado na programação das próteses auditivas, idade do paciente, transdutor usado no exame de audiometria e limiares de audibilidade obtidos por via aérea de 250 a 6000 Hz (embora os limiares tenham sido pesquisados até 8000 Hz na audiometria, essa versão do software do equipamento de verificação in situ só permitia a inserção, para cálculo das prescrições, dos limiares até 6000 Hz) e por via óssea de 500 a 4000Hz. Foram utilizados os valores do nível de desconforto (Uncomfortable Level – UCL) disponibilizados pelo equipamento, estimados com base no exame de audiometria inserido. O Verifit® Audioscan considera, para isso, um desvio padrão abaixo do nível médio de desconforto estimado em pesquisas anteriormente realizadas(2020 Pascoe DP. Clinical measurement of the auditory dynamic range and their relation to formulas for hearing aid gain. In: Jensen JH, editor. Hearing aid fitting. Copenhagen: Storgaard Jensen; 1988. p. 129-52.). Foi considerado também para o RECD (Real-ear Coupler Difference) os valores fornecidos pelo equipamento Verifit® Audioscan uma vez que na programação inicial das próteses os valores individuais não foram mensurados. Durante o teste, cada criança foi orientada a permanecer sentada a um metro de distância da caixa acústica do equipamento Verifit, a 0º Azimute. O posicionamento do microfone sonda foi mantido constante em profundidade de 4 a 5 mm além da ponta do molde. O Speech Intelligibility Index foi obtido utilizando-se o estímulo ISTS – International Speech Test Signal– a 65 dBNPS, apresentado na caixa acústica do equipamento(2121 Holube I, Fredelake S, Vlaming M, Kollmeier B. Development and analysis of an International Speech Test Signal (ISTS). Int J Audiol. 2010;49(12):891-903. http://dx.doi.org/10.3109/14992027.2010.506889. PMid:21070124.
http://dx.doi.org/10.3109/14992027.2010....
).

A partir das curvas de respostas das próteses auditivas, em função das frequências obtidas a partir do sinal de entrada ISTS, o equipamento calculou o SII – Speech Intelligibility Index, ou Índice de Inteligibilidade de Fala, para o sinal de fala sem e com amplificação. Foram assim obtidos quatro valores de SII: com e sem amplificação para orelha direita e com e sem amplificação para a orelha esquerda. Foi também verificada a saída máxima das próteses – Maximum Power Output – MPO, por meio da apresentação de uma série de tone-burts de 128 ms com intervalos também de 128ms, a 90 dBNPS, como descrito no manual do equipamento.

O CD do teste Ling-6 (HL) foi reproduzido a partir do DVD player do Desktop marca Itautec, acoplado ao audiômetro da marca Interacoustics, modelo AC33, em campo livre, em cabina acústica. A calibração do equipamento e aferição dos níveis de pressão sonora foram realizadas a cada teste realizado, conforme segue: inicialmente, utilizou-se a faixa um, de calibração tonal, e o VU meter do audiômetro foi ajustado na posição zero. Um medidor de pressão sonora modelo RadioShack Digital Sound-Level Meter, aferido conforme especificação do fabricante, foi posicionado a 0º Azimute do alto-falante. O dial do audiômetro foi ajustado a 65 dBNA. A seguir apresentou-se a faixa dois do CD, composta por um ruído de banda larga. A medição do nível de pressão sonora em cabina foi realizada utilizando a escala de compensação “A” e resposta lenta (slow) do medidor de pressão sonora. Os 65 dBNA do audiômetro deveriam corresponder à leitura de 60dB(A) ± 2 no medidor de nível de pressão sonora. Foi então realizada a pesquisa do limiar de detecção para os sons de fala, iniciada no nível de apresentação que correspondesse aos níveis supraliminares de cada participante, de acordo com procedimentos clínicos habituais. O participante foi posicionado a 0º Azimute e a um metro de distância do alto-falante, e deveria, a cada som ouvido, sinalizar, levantando a mão. A examinadora selecionou as faixas do CD correspondentes a cada som de Ling, que foram apresentados por meio do audiômetro, com emprego da técnica descendente - ascendente. O procedimento foi realizado em duas situações: sem o uso das próteses auditivas e com o uso das próteses auditivas bilateralmente (orelha direita e orelha esquerda protetizadas).

A fim de obter os dados normativos, dez indivíduos com audição normal, sem história de perda auditiva familiar e sem história clínica de exposição ao ruído, foram submetidos a uma triagem auditiva precedida pela inspeção visual do meato acústico externo, que incluiu a pesquisa dos limiares tonais por via aérea (frequências de 250 a 8000 Hz) e pelo teste Ling-6 (HL), em campo livre. Os limiares de detecção obtidos para cada fonema do teste Ling-6 (HL) da população ouvinte deram origem aos valores de correção apresentados no Quadro 2, considerados no cálculo dos limiares de detecção dos sons de fala das crianças participantes da pesquisa.

Quadro 2
Valores de correção empregados no cálculo dos limiares de detecção de fonemas no The Ling-6 (HL) Test

Os limiares corrigidos foram plotados em um modelo de audiograma fornecido pelo fabricante responsável pela produção do CD.

Após os procedimentos, foi realizada a análise estatística dos dados coletados. Para obtenção dos resultados, foram empregados o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences) V17, Minitab 16 e Excel Office 2010. Os exames que compuseram a reavaliação auditiva, os valores de SII e os limiares de detecção dos sons de fala obtidos no teste Ling-6(HL) foram analisados por meio de estatística descritiva.

As variáveis qualitativas, ou categóricas, foram representadas por frequência absoluta (N) e relativa (%), e as quantitativas por média, mediana, Coeficiente de Variação (CV), valores mínimo e máximo; primeiro e terceiro quartis e intervalo de confiança (IC).

Para a análise dos dados, optou-se pela utilização dos seguintes testes não paramétricos, pois o conjunto de dados possuía uma baixa amostragem com distribuição que não obedecia à normalidade.

Teste de Igualdade de Duas Proporções: realizado na comparação das orelhas direita e esquerdo no que diz respeito à distribuição de grau e à configuração da perda auditiva.

Teste de Wilcoxon: empregado nas comparações SII sem prótese X SII com prótese e limiares de detecção dos sons de Ling sem prótese X com prótese.

Correlação de Spearman e Teste de Correlação: empregado na verificação das possíveis correlações entre SII e limiares de detecção dos sons de Ling.De acordo com a distribuição das variáveis estudadas, considerou-se 0-0,2: correlação péssima; 0,21-0,4: correlação ruim; 0,41-0,6: correlação regular; 0,61-0,8: correlação boa; 0,81-1,0: correlação ótima(2222 Fonseca JS, Martins GA. Curso de estatística. 6. ed. São Paulo: Atlas; 1996.).

Foi definido para este trabalho um nível de significância de 0,05 (5%). Todos os intervalos de confiança construídos ao longo do trabalho apresentaram 95% de confiança estatística.

RESULTADOS

Quanto aos resultados da reavaliação audiológica, não houve diferença na frequência de ocorrência dos diversos graus de perda auditiva quando comparadas as orelhas direita e esquerda: em ambas o grau mais prevalente foi o moderado (16 ocorrências ou 72,7% e 13 ocorrências ou 59,1%, respectivamente; p-valor=0,340). Também não houve diferença na frequência de ocorrência das configurações de perda auditiva verificadas nas orelhas direita e esquerda, sendo a mais prevalente a descendente acentuada (oito ocorrências em cada lado, ou 36,4%; p-valor=1,000), seguida por descendente leve (cinco à direita, ou 22,7%; e quatro à esquerda, ou 18,2%; p-valor= 0,709).

Após reavaliação audiológica e verificação in situ das próteses auditivas nas regulagens de uso habitual pelos pacientes, foi apurado o SII da orelha de melhor audibilidade de cada criança (determinada para cada paciente com base nos limiares de audiometria). Essa decisão foi tomada porque o teste comportamental Ling-6 (HL) foi realizado no campo livre, e neste caso sabe-se que é a sensibilidade da orelha de melhor resposta que é determinante para o resultado.

A análise descritiva completa e a comparação dos resultados com e sem próteses para o valor de SII da melhor orelha são demonstradas na Tabela 1.

Tabela 1
Comparação de valores de SII nas situações com e sem prótese para a melhor orelha

Houve diferença estatisticamente significante entre o SII obtido nas situações sem e com prótese na melhor orelha, sendo que na situação sem prótese a média foi menor do que na situação com prótese.

Foi realizada a análise descritiva completa dos níveis de detecção de cada fonema em campo livre para as situações com e sem próteses auditivas e a comparação dos resultados com e sem próteses para cada um dos fonemas que compõe o The Ling-6(HL) Test. Os resultados estão demonstrados na Tabela 2.

Tabela 2
Comparação dos níveis de detecção de cada um dos fonemas em campo livre, nas situações com e sem próteses auditivas

Houve diferença média estatisticamente significante entre as situações com e sem próteses auditivas para a detecção de todos os fonemas do teste Ling-6(HL), sendo que na situação sem prótese a média foi sempre maior do que na situação com prótese, com valores de diferença entre as duas situações variando de 15,4 a 23,8 dB.

Os fonemas fricativos apresentaram os limiares de detecção mais elevados em relação aos demais, tanto na situação sem (44,2 e 44,9 dBNA em média) quanto na situação com próteses (20,4 e 23,1 dBNA em média).

Foi encontrado maior benefício nos fonemas fricativos, /ʃ/ e /s/ (23,8 e 21,8 dB respectivamente), os mais importantes para a inteligibilidade de fala, quando comparados às vogais e sons nasais (/m/: 16,9; /u/:18,0; /a/: 21,2; /i/: 15,4 dB).

Foi medido o grau de relação entre o SII e os níveis de detecção para cada um dos fonemas do teste Ling-6(HL), tanto na situação sem quanto na situação com próteses. As investigações das possíveis correlações calculadas com emprego do Teste de Correlação e do Teste de Correlação de Spearman são apresentadas na Tabela 3.

Tabela 3
Correlação de SII com Ling 6-HL nas situações sem prótese e com prótese

A correlação (r) é um valor que varia de -1 a 1. Em todos os casos analisados, a correlação foi negativa, o que implica dizer que as variáveis são inversamente proporcionais, ou seja, à medida que uma cresce a outra decresce, ou vice versa. Assim, quanto maior o SII, menor o limiar de detecção dos fonemas. Houve correlações significantes, de grau regular a ótimo, do SII com os limiares de detecção de todos os fonemas do teste Ling-6(HL) na situação sem próteses (fonema /i/ regular; fonemas /u/, /m/, /ʃ/ e /s/ boa e fonema /a/ ótima). Houve correlação significante, de grau regular, do SII com os limiares de detecção do fonema /s/ na situação com próteses.

DISCUSSÃO

O SII amplificado para sons de média intensidade na melhor orelha mostrou valor médio próximo ao valor de 74,9, encontrado em outro estudo, desenvolvido com 64 crianças(2323 Bagatto M, Moodie S, Malandrino A, Richert F, Clench D, Scollie S. The University of Western Ontario Pediatric Audiological Monitoring Protocol (UWO PedAMP). Trends Amplif. 2011;15(1):57-76. http://dx.doi.org/10.1177/1084713811420304. PMid:22194316.
http://dx.doi.org/10.1177/10847138114203...
).A literaturadestaca que valores de SII abaixo de 35dificultam o desenvolvimento do balbucio canônico, isto é, o desenvolvimento da produção de fala das consoantes(2424 Bass-Ringdahl SM. The relationship of audibility and the development of canonical babbling in young children with hearing impairment. J Deaf Stud Deaf Educ. 2010;15(3):287-310. http://dx.doi.org/10.1093/deafed/enq013. PMid:20457674.
http://dx.doi.org/10.1093/deafed/enq013...
).

Houve diferença média estatisticamente significante entre as situações com e sem próteses auditivas para a detecção de todos os fonemas do teste Ling-6(HL), sendo que na situação sem prótese a média foi sempre maior do que na situação com prótese, com valores de diferença entre as duas situações variando de 15,4 a 23,8 dB. Dado similar foi encontrado no estudo anterior, com a participação de 29 crianças de três a 15 anos com perda auditiva neurossensorial, em que observaram benefício que variou de 13 a 26 dB(2525 Glista D, Scollie S, Moodie S, Easwar V. The Ling 6(HL) Test: typical pediatric performance data and clinical use evaluation. J Am Acad Audiol. 2014;25(10):1008-21. http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.25.10.9. PMid:25514453.
http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.25.10.9...
).

Os fonemas fricativos apresentaram os limiares de detecção mais elevados em relação aos demais, tanto na situação sem (/ʃ/ = 44,2 dBNA e /s/ = 44,9 dBNA em média) quanto na situação com próteses (/ʃ/ = 20,4 dBNA e /s/ = 23,1 dBNA em média). O maior limiar atribuído a estes fonemas é justificado pela configuração de perda auditiva de maior ocorrência na população avaliada, ‘descendente’. Os fonemas fricativos estão contidos na mesma faixa de freqüências da perda auditiva da maior parte desses escolares, acima de 2000Hz(2626 Pittman A, Stelmachowicz P. Hearing loss in children and adults: audiometric configuration, asymmetry, and progression. Ear Hear. 2003;24(3):198-205. http://dx.doi.org/10.1097/01.AUD.0000069226.22983.80. PMid:12799541.
http://dx.doi.org/10.1097/01.AUD.0000069...
). A literatura destaca a relevância das frequências próximas ou até acima de 8000Hz para a percepção de fonemas fricativos como o /s/, sobretudo quando emitidos por vozes femininas(1111 Killion M, Mueller H. Twenty years later: a new Count-The-Dots method. Hear J. 2010;63(1):10-7. http://dx.doi.org/10.1097/01.HJ.0000366911.63043.16.
http://dx.doi.org/10.1097/01.HJ.00003669...
).

Estudos enfatizaram também a importância da audibilidade em frequências altas e suas implicações para o desenvolvimento da fala e da linguagem. As freqüências acima de 1000Hz contribuem com apenas 5% da energia e 60% da inteligibilidade de fala(2727 Fletcher H. A method of calculating hearing loss for speech from an audiogram. Acta Otolaryngol. 1950;38(Supl. 90):26-37. http://dx.doi.org/10.3109/00016485009127735.
http://dx.doi.org/10.3109/00016485009127...
). A exposição inconsistente a estes sons durante os primeiros anos de vida pode influenciar ou atrasar a produção de fala e a formação de regras lingüísticas, como o uso do plural(2828 Stelmachowicz P, Pittman A, Hoover B, Lewis D. Aided perception of /s/ and /z/ by hearing-impaired children. Ear Hear. 2002;23(4):316-24. http://dx.doi.org/10.1097/00003446-200208000-00007. PMid:12195174.
http://dx.doi.org/10.1097/00003446-20020...
). Por tais motivos, é de suma importância verificar o quão bem estão ajustadas as próteses, sobretudo nessa região de frequência. Outros autores observaram que as crianças são capazes de perceber bem as vogais, mesmo com os ajustes de ganho e saída distintos dos prescritos, mas com a adequação do ajuste aos alvos após mudanças eletroacústicas, foi observado aumento também das porcentagens médias de acertos para palavras, consoantes e traços(2929 Rissatto M, Novaes B. Hearing aids in children: the importance of the verification and validation processes. Pro Fono. 2009;21(2):131-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872009000200008. PMid:19629323.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872009...
).

Foi encontrado maior benefício nos fonemas fricativos, /ʃ/ e /s/ (23,8 e 21,8 dB respectivamente), os mais importantes para a inteligibilidade de fala, quando comparados às vogais e sons nasais (/m/: 16,9; /u/:18,0; /a/: 21,2; /i/: 15,4 dB). Valores similares foram anteriormente encontrados, também com maior benefício para as fricativas (/ʃ/: 26.1 e /s/: 24,1 dB), quando comparadosaos demais fonemas (/m/: 14,7, /u/: 13,5, /a/: 18,3, /i/: 13,4 dB)(2525 Glista D, Scollie S, Moodie S, Easwar V. The Ling 6(HL) Test: typical pediatric performance data and clinical use evaluation. J Am Acad Audiol. 2014;25(10):1008-21. http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.25.10.9. PMid:25514453.
http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.25.10.9...
). Assim, a amplificação sonora cumpriu seu papel na população de escolares do presente estudo, e melhorou de forma significativa a audibilidade de fonemas.

Para compreender a correlação entre as duas avaliações – SII e Ling – é necessário relembrar o método Count-the-Dots(99 Mueller HG, Killion MC. An easy method for calculating the articulation index. Hear J. 1990;43(9):14-7.,1111 Killion M, Mueller H. Twenty years later: a new Count-The-Dots method. Hear J. 2010;63(1):10-7. http://dx.doi.org/10.1097/01.HJ.0000366911.63043.16.
http://dx.doi.org/10.1097/01.HJ.00003669...
), que é a base para cálculo do SII pela American National Standards Institute(1010 ANSI: American National Standards Institute. ANSI S3.5-1997: methods for the calculation of the Speech Intelligibity Index. New York, NY: Acoustical Society of America; 2012.). Esse método atribuiu diferentes pesos às frequências audíveis, de acordo com a sua importância para o reconhecimento de fala. Para isso, foram dispostos 100 pontos no gráfico de audiometria, sendo que cerca da metade deles se situava na faixa de frequências mais altas do audiograma, a partir de 2000 Hz, indicando maior contribuição dessas para a inteligibilidade de fala. Os fonemas fricativos também tem a maior parte de sua energia concentrada acima de 2000 Hz(1111 Killion M, Mueller H. Twenty years later: a new Count-The-Dots method. Hear J. 2010;63(1):10-7. http://dx.doi.org/10.1097/01.HJ.0000366911.63043.16.
http://dx.doi.org/10.1097/01.HJ.00003669...
,2626 Pittman A, Stelmachowicz P. Hearing loss in children and adults: audiometric configuration, asymmetry, and progression. Ear Hear. 2003;24(3):198-205. http://dx.doi.org/10.1097/01.AUD.0000069226.22983.80. PMid:12799541.
http://dx.doi.org/10.1097/01.AUD.0000069...
). Assim, na situação com próteses, a correlação entre a detecção dos fonemas fricativos e o SII é mais importante, pois indicaria a maior compatibilidade entre o que a prótese oferece e aquilo que o indivíduo de fato é capaz de ouvir.Também ao analisar a configuração predominante de perda auditiva dos participantes, descendente, é possível inferir que a correlação foi encontrada para o fonema /s/ pelo fato de, na sua faixa de concentração de energia, ter ocorrido a maior mudança em relação às possibilidades de audibilidade, quando comparadas as condições com e sem o uso da amplificação, fato que ocorreu em menor magnitude para os demais fonemas, cujas concentrações de energia situam-se em outras regiões de frequência.

Outro estudo que, assim como a presente pesquisa, correlacionouo SII de 41 crianças a medidas comportamentais verificou que bebês com SII entre 36 a 55% são os mais afetados quando é alterado o nível do sinal de entrada do estímulo a ser detectado(3030 Figueiredo RDSL, Mendes B, Cavanaugh MCV, Deperon TM, Novaes B. Índice de inteligibilidade (SII) e variação da intensidade do sinal de fala em crianças com deficiência de audição. Audiol Commun Res. 2019;24:e1733. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2016-1733.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2016...
).

Alguns trabalhos com finalidade distinta observaram a necessidade de maior audibilidade em crianças do que a prevista pelo SII em adultos para obterem desempenhos equivalentes nas tarefas de reconhecimento de fala no ruído(1313 Scollie S. Children’s Speech Recognition Scores: the Speech Intelligibility Index and proficiency factors for age and hearing level. Ear Hear. 2008;29(4):543-56. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0b013e3181734a02. PMid:18469717.
http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0b013e3181...
).

Apesar dos esforços empreendidos na coleta de dados, a principal limitação do presente estudo foi o tamanho reduzido da amostra. A justificativa para esse fato é apresentada no Método.Além do numero amostral, foram limitações importantes a ausência de um grupo controle e a falta de controle de variáveis, como o quociente de inteligência (não verbal) ou e o nível sócio-econômico familiar.

CONCLUSÃO

Os limiares de detecção de todos os fonemas são menores do que na condição sem próteses. Embora seja possível notar maior benefício alcançado com o uso da amplificação nos fonemas fricativos, esses são os que se mantêm com limiares mais elevados em relação aos demais, por serem os sons de fala que concentram os menores níveis de energia dentre os avaliados.

Há correlação negativa entre o Índice de Inteligibilidade de Fala e os limiares de detecção de todos os fonemas na situação sem próteses auditivas e entre o Índice de Inteligibilidade de Fala e o limiar de detecção do fonema /s/ na situação com próteses auditivas: em ambas as situações, com o aumento do Índice de Inteligibilidade de Fala, há diminuição dos limiares de detecção. Esses achados permitem inferir que a região de frequências altas é aquela em que ocorre a maior mudança das possibilidades de audibilidade com o uso da amplificação, o que é compatível com a necessidade da maior parte da população avaliada ao considerar a configuração da perda auditiva que apresenta.

AGRADECIMENTOS

À CAPES, pela bolsa de Doutorado concedida.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – Bolsa de Doutorado de Abril/2014 a Março/2015 (Cotas do Programa de Pós Graduação da Instituição, segundo secretária da Instituição de Ensino, não há número de processo por essa razão).

REFERÊNCIAS

  • 1
    Figueiredo RDSL, Mendes B, Cavanaugh MCV, Novaes B. Classificação de perdas auditivas por grau e configuração e relações com Índice de Inteligibilidade de Fala (SII) amplificado. CoDAS. 2016;28(6):687-96. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015228 PMid:27982251.
    » http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015228
  • 2
    Ling D. Speech and the hearing-impaired child: theory and practice. Washington, DC: Alexander Graham Bell Association for the Deaf; 1976.
  • 3
    Ling D. Foundations of spoken language for the hearing-impaired child. Washington, DC: Alexander Graham Bell Association for the Deaf; 1989.
  • 4
    Hung Y, Lin C, Tsai L, Lee Y. Multidimensional approach to the development of a mandarin chinese-oriented sound test. J Speech Lang Hear Res. 2016;59(2):349-58. http://dx.doi.org/10.1044/2015_JSLHR-H-15-0026 PMid:27045325.
    » http://dx.doi.org/10.1044/2015_JSLHR-H-15-0026
  • 5
    Smiley DF, Martin PF, Lance DM. Using the Ling 6-sound test everyday [Internet]. Audiology Online; 2004 [citado em 2020 Fev 12]. Disponível em: https://www.audiologyonline.com/articles/using-ling-6-sound-test-1087
    » https://www.audiologyonline.com/articles/using-ling-6-sound-test-1087
  • 6
    Scollie S, Glista D, Tenhaaf J, Dunn A, Malandrino A, Keene K, et al. Stimuli and normative data for detection of Ling-6 sounds in hearing Level. Am J Audiol. 2012;21(2):232-41. http://dx.doi.org/10.1044/1059-0889(2012/12-0020) PMid:22846636.
    » http://dx.doi.org/10.1044/1059-0889(2012/12-0020)
  • 7
    French N, Steinberg J. Factors governing the intelligibility of speech sounds. J Acoust Soc Am. 1947;19(1):90-119. http://dx.doi.org/10.1121/1.1916407
    » http://dx.doi.org/10.1121/1.1916407
  • 8
    ANSI: American National Standards Institute. ANSI S3.5-1969: methods for calculation of the Articulation Index. New York, NY: Acoustical Society of America; 1969.
  • 9
    Mueller HG, Killion MC. An easy method for calculating the articulation index. Hear J. 1990;43(9):14-7.
  • 10
    ANSI: American National Standards Institute. ANSI S3.5-1997: methods for the calculation of the Speech Intelligibity Index. New York, NY: Acoustical Society of America; 2012.
  • 11
    Killion M, Mueller H. Twenty years later: a new Count-The-Dots method. Hear J. 2010;63(1):10-7. http://dx.doi.org/10.1097/01.HJ.0000366911.63043.16
    » http://dx.doi.org/10.1097/01.HJ.0000366911.63043.16
  • 12
    American Academy of Audiology. Clinical practice guidelines: pediatric amplification [Internet]. 2003 [citado em 2020 Fev 12]. Disponível em: http://audiology web.s3.amazonaws.com/migrated/PediatricAmplificationGuidelines.pdf_539975b3e7e9f1.74471798.pdf
    » http://audiology
  • 13
    Scollie S. Children’s Speech Recognition Scores: the Speech Intelligibility Index and proficiency factors for age and hearing level. Ear Hear. 2008;29(4):543-56. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0b013e3181734a02 PMid:18469717.
    » http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0b013e3181734a02
  • 14
    Kubiak AM, Rennies J, Ewert SD, Kollmeier B. Prediction of individual speech recognition performance in complex listening conditions. J Acoust Soc Am. 2020;147(3):1379-91. http://dx.doi.org/10.1121/10.0000759 PMid:32237817.
    » http://dx.doi.org/10.1121/10.0000759
  • 15
    Yoho SE, Bosen AK. Individualized frequency importance functions for listeners with sensorineural hearing loss. J Acoust Soc Am. 2019;145(2):822-30. http://dx.doi.org/10.1121/1.5090495 PMid:30823788.
    » http://dx.doi.org/10.1121/1.5090495
  • 16
    Davies-Venn E, Nelson P, Souza P. Comparing auditory filter bandwidths, spectral ripple modulation detection, spectral ripple discrimination, and speech recognition: normal and impaired hearing. J Acoust Soc Am. 2015;138(1):492-503. http://dx.doi.org/10.1121/1.4922700 PMid:26233047.
    » http://dx.doi.org/10.1121/1.4922700
  • 17
    Chen J, Huang Q, Wu X. Frequency importance function of the speech intelligibility index for Mandarin Chinese. Speech Commun. 2016;83:94-103. http://dx.doi.org/10.1016/j.specom.2016.07.009
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.specom.2016.07.009
  • 18
    WHO: World Health Organization. Grades of hearing impairment [Internet]. Rome: WHO; 2019 [citado em 2020 Fev 12]. Disponível em: http://www.who.int/pbd/deafness/hearing_impairment_grades/en/
    » http://www.who.int/pbd/deafness/hearing_impairment_grades/en/
  • 19
    Carhart R. An improved method for classifying audiograms. Laryngoscope. 1945;55(11):640-62. http://dx.doi.org/10.1288/00005537-194511000-00002 PMid:21007825.
    » http://dx.doi.org/10.1288/00005537-194511000-00002
  • 20
    Pascoe DP. Clinical measurement of the auditory dynamic range and their relation to formulas for hearing aid gain. In: Jensen JH, editor. Hearing aid fitting. Copenhagen: Storgaard Jensen; 1988. p. 129-52.
  • 21
    Holube I, Fredelake S, Vlaming M, Kollmeier B. Development and analysis of an International Speech Test Signal (ISTS). Int J Audiol. 2010;49(12):891-903. http://dx.doi.org/10.3109/14992027.2010.506889 PMid:21070124.
    » http://dx.doi.org/10.3109/14992027.2010.506889
  • 22
    Fonseca JS, Martins GA. Curso de estatística. 6. ed. São Paulo: Atlas; 1996.
  • 23
    Bagatto M, Moodie S, Malandrino A, Richert F, Clench D, Scollie S. The University of Western Ontario Pediatric Audiological Monitoring Protocol (UWO PedAMP). Trends Amplif. 2011;15(1):57-76. http://dx.doi.org/10.1177/1084713811420304 PMid:22194316.
    » http://dx.doi.org/10.1177/1084713811420304
  • 24
    Bass-Ringdahl SM. The relationship of audibility and the development of canonical babbling in young children with hearing impairment. J Deaf Stud Deaf Educ. 2010;15(3):287-310. http://dx.doi.org/10.1093/deafed/enq013 PMid:20457674.
    » http://dx.doi.org/10.1093/deafed/enq013
  • 25
    Glista D, Scollie S, Moodie S, Easwar V. The Ling 6(HL) Test: typical pediatric performance data and clinical use evaluation. J Am Acad Audiol. 2014;25(10):1008-21. http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.25.10.9 PMid:25514453.
    » http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.25.10.9
  • 26
    Pittman A, Stelmachowicz P. Hearing loss in children and adults: audiometric configuration, asymmetry, and progression. Ear Hear. 2003;24(3):198-205. http://dx.doi.org/10.1097/01.AUD.0000069226.22983.80 PMid:12799541.
    » http://dx.doi.org/10.1097/01.AUD.0000069226.22983.80
  • 27
    Fletcher H. A method of calculating hearing loss for speech from an audiogram. Acta Otolaryngol. 1950;38(Supl. 90):26-37. http://dx.doi.org/10.3109/00016485009127735
    » http://dx.doi.org/10.3109/00016485009127735
  • 28
    Stelmachowicz P, Pittman A, Hoover B, Lewis D. Aided perception of /s/ and /z/ by hearing-impaired children. Ear Hear. 2002;23(4):316-24. http://dx.doi.org/10.1097/00003446-200208000-00007 PMid:12195174.
    » http://dx.doi.org/10.1097/00003446-200208000-00007
  • 29
    Rissatto M, Novaes B. Hearing aids in children: the importance of the verification and validation processes. Pro Fono. 2009;21(2):131-6. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872009000200008 PMid:19629323.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872009000200008
  • 30
    Figueiredo RDSL, Mendes B, Cavanaugh MCV, Deperon TM, Novaes B. Índice de inteligibilidade (SII) e variação da intensidade do sinal de fala em crianças com deficiência de audição. Audiol Commun Res. 2019;24:e1733. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2016-1733
    » http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2016-1733

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2020
  • Aceito
    24 Nov 2020
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Al. Jaú, 684, 7º andar, 01420-002 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax 55 11 - 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@codas.org.br