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Insuficiência renal aguda após intervenção coronária percutânea primária no infarto agudo do miocárdio: preditores e evolução clínica a longo prazo

Acute renal failure after primary percutaneous coronary intervention in acute myocardial infarction: predictors and long-term clinical evolution

Resumos

FUNDAMENTOS: A ocorrência de insuficiência renal aguda (IRA) está associada a pior evolução clínica após infarto agudo do miocárdio (IAM), sendo sua ocorrência de natureza multifatorial. Os preditores e o prognóstico da IRA após intervenção coronária percutânea (ICP) primária ainda não estão bem estabelecidos. OBJETIVO: Identificar os preditores de IRA em pacientes submetidos a ICP primária e determinar a evolução clínica a longo prazo. MÉTODO: Estudo retrospectivo, no qual foram incluídos pacientes com quadro de IAM com supra-ST submetidos a ICP primária, no período de janeiro de 2002 a janeiro de 2007. Os pacientes foram classificados quanto à presença de IRA (aumento da creatinina > 0,5 mg/dl ou > 25% em relação aos valores basais) durante evolução intra-hospitalar. Os pacientes foram acompanhados clinicamente por meio de revisão de prontuário e contato telefônico para avaliação de eventos maiores. RESULTADOS: Foram incluídos 150 pacientes com média de idade de 60 anos, sendo 73% do sexo masculino. Fatores considerados indicadores de risco de IRA, como diabetes melito (34%), Killip > 1 (27%), volume de contraste e fármacos, também foram avaliados. IRA ocorreu em 15,3% dos pacientes. Após análises univariada e multivariada: creatinina > 1,5 mg/dl (odds ratio [OR]: 3,633; intervalo de confiança de 95% [IC 95%]: 1,047-12,613; p = 0,042), aumento da idade (OR: 1,066; IC 95%: 1,002-1,090; p = 0,044), apresentação ou ocorrência de Killip > 1 (OR: 3,190; IC 95%: 1,025-9,933; p = 0,045) e necessidade de ventilação mecânica (OR: 6,364; IC 95%: 2,142-18,910; p = 0,001) foram considerados preditores independentes de IRA. Após um ano de evolução, os eventos óbito (p = 0,001) e reinfarto (p = 0,048) apresentaram diferença significativa entre os grupos com e sem IRA; tal diferença não ocorreu para revascularização (p = 0,305), diálise (p = 0,281) e eventos combinados (p = 0,060). Essas diferenças permaneceram na evolução de seis anos. CONCLUSÃO: Os principais preditores de IRA após ICP primária relacionam-se com idade, presença de creatinina > 1,5 mg/dl e má evolução clínica intra-hospitalar. IRA após ICP primária constitui preditor de eventos maiores a curto e longo prazos.

Angioplastia transluminal percutânea coronária; Infarto do miocárdio; Insuficiência renal aguda; Meios de contraste; Rim


BACKGROUND: The occurrence of acute renal failure (ARF) is associated with worse clinical outcomes after acute myocardial infarction (AMI), and its nature is multifactorial. The predictors and prognosis for ARF after primary per-cutaneous coronary intervention (PCI) are still not well established. OBJECTIVE: To identify the predictors of ARF in patients submitted to primary PCI and to determine long term clinical evolution. METHODS: This is a retrospective study which includes patients with ST-segment elevation myocardial infarction (STEMI) submitted to primary PCI from January, 2002 to January, 2007. Patients were classified with respect to ARF - an increase in creatinine > 0.5 mg/dl or > 25% from baseline - during hospital stay. Follow-up data were obtained through medical records or by telephone contact to assess major events. RESULTS: A total of 150 patients were enrolled. Mean age was 60 years old and 73% were men. Factors considered risk indicators for ARF such as diabetes mellitus (34%), Killip > 1 (27%), contrast volume and use of potential nephrotoxic drugs were also evaluated. ARF occurred in 15.3% of patients. After multivariate analyses: creatinine > 1.5 mg/dl (OR 3.633 95% CI 1.047-12.613 p = 0.042), older age (OR 1.066 95% Cl 1.002-1.090, p = 0.044), Killip > 1 (OR 3.190 95% Cl 1.025-9.933, p = 0.045) and the need for mechanical ventilation (OR 6.364 95% Cl 2.142-18.910, p = 0.001) were considered independent predictors for ARF. After a year of evolution, death (p = 0.001) and reinfarction (p = 0.048) had shown a significant difference between patients with and without ARF; differences were not found for revascularization (p = 0.305), dialysis (p = 0.281) or combined events (p = 0.060). The differences found for death and reinfarction remained significant after six years of evolution. CONCLUSION: The main predictors of ARF after primary PCI were age, baseline creatinine > 1.5 mg/dl and poor clinical evolution during hospital stay. ARF after primary PCI is a predictor of major events in the short and long-term follow-up.

Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary; Myocardial infarction; Renal insufficiency, acute; Contrast media; Kidney


ARTIGO ORIGINAL

Insuficiência renal aguda após intervenção coronária percutânea primária no infarto agudo do miocárdio: preditores e evolução clínica a longo prazo

Acute renal failure after primary percutaneous coronary intervention in acute myocardial infarction: predictors and long-term clinical evolution

Raphael Lanza e Passos; Dimytri Alexandre A. Siqueira; José Fabio Almiro Silva; Francisco Carleial Feijó de Sá; José de Ribamar Costa Junior; Fausto Feres; Alexandre Abizaid; Áurea J. Chaves; Rodolfo Staico; Luiz Alberto Mattos; Amanda G. M. R. Sousa; J. Eduardo Sousa

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Raphael Lanza e Passos Rua José Antonio Coelho, 661/24 - Vila Mariana São Paulo, SP - CEP 04011-061 E-mail: raphaellanza@hotmail.com

RESUMO

FUNDAMENTOS: A ocorrência de insuficiência renal aguda (IRA) está associada a pior evolução clínica após infarto agudo do miocárdio (IAM), sendo sua ocorrência de natureza multifatorial. Os preditores e o prognóstico da IRA após intervenção coronária percutânea (ICP) primária ainda não estão bem estabelecidos.

OBJETIVO: Identificar os preditores de IRA em pacientes submetidos a ICP primária e determinar a evolução clínica a longo prazo.

MÉTODO: Estudo retrospectivo, no qual foram incluídos pacientes com quadro de IAM com supra-ST submetidos a ICP primária, no período de janeiro de 2002 a janeiro de 2007. Os pacientes foram classificados quanto à presença de IRA (aumento da creatinina > 0,5 mg/dl ou > 25% em relação aos valores basais) durante evolução intra-hospitalar. Os pacientes foram acompanhados clinicamente por meio de revisão de prontuário e contato telefônico para avaliação de eventos maiores.

RESULTADOS: Foram incluídos 150 pacientes com média de idade de 60 anos, sendo 73% do sexo masculino. Fatores considerados indicadores de risco de IRA, como diabetes melito (34%), Killip > 1 (27%), volume de contraste e fármacos, também foram avaliados. IRA ocorreu em 15,3% dos pacientes. Após análises univariada e multivariada: creatinina > 1,5 mg/dl (odds ratio [OR]: 3,633; intervalo de confiança de 95% [IC 95%]: 1,047-12,613; p = 0,042), aumento da idade (OR: 1,066; IC 95%: 1,002-1,090; p = 0,044), apresentação ou ocorrência de Killip > 1 (OR: 3,190; IC 95%: 1,025-9,933; p = 0,045) e necessidade de ventilação mecânica (OR: 6,364; IC 95%: 2,142-18,910; p = 0,001) foram considerados preditores independentes de IRA. Após um ano de evolução, os eventos óbito (p = 0,001) e reinfarto (p = 0,048) apresentaram diferença significativa entre os grupos com e sem IRA; tal diferença não ocorreu para revascularização (p = 0,305), diálise (p = 0,281) e eventos combinados (p = 0,060). Essas diferenças permaneceram na evolução de seis anos.

CONCLUSÃO: Os principais preditores de IRA após ICP primária relacionam-se com idade, presença de creatinina > 1,5 mg/dl e má evolução clínica intra-hospitalar. IRA após ICP primária constitui preditor de eventos maiores a curto e longo prazos.

Descritores: Angioplastia transluminal percutânea coronária. Infarto do miocárdio. Insuficiência renal aguda. Meios de contraste/efeitos adversos. Rim/efeitos de drogas.

SUMMARY

BACKGROUND: The occurrence of acute renal failure (ARF) is associated with worse clinical outcomes after acute myocardial infarction (AMI), and its nature is multifactorial. The predictors and prognosis for ARF after primary per-cutaneous coronary intervention (PCI) are still not well established.

OBJECTIVE: To identify the predictors of ARF in patients submitted to primary PCI and to determine long term clinical evolution.

METHODS: This is a retrospective study which includes patients with ST-segment elevation myocardial infarction (STEMI) submitted to primary PCI from January, 2002 to January, 2007. Patients were classified with respect to ARF - an increase in creatinine > 0.5 mg/dl or > 25% from baseline - during hospital stay. Follow-up data were obtained through medical records or by telephone contact to assess major events.

RESULTS: A total of 150 patients were enrolled. Mean age was 60 years old and 73% were men. Factors considered risk indicators for ARF such as diabetes mellitus (34%), Killip > 1 (27%), contrast volume and use of potential nephrotoxic drugs were also evaluated. ARF occurred in 15.3% of patients. After multivariate analyses: creatinine > 1.5 mg/dl (OR 3.633 95% CI 1.047-12.613 p = 0.042), older age (OR 1.066 95% Cl 1.002-1.090, p = 0.044), Killip > 1 (OR 3.190 95% Cl 1.025-9.933, p = 0.045) and the need for mechanical ventilation (OR 6.364 95% Cl 2.142-18.910, p = 0.001) were considered independent predictors for ARF. After a year of evolution, death (p = 0.001) and reinfarction (p = 0.048) had shown a significant difference between patients with and without ARF; differences were not found for revascularization (p = 0.305), dialysis (p = 0.281) or combined events (p = 0.060). The differences found for death and reinfarction remained significant after six years of evolution.

CONCLUSION: The main predictors of ARF after primary PCI were age, baseline creatinine > 1.5 mg/dl and poor clinical evolution during hospital stay. ARF after primary PCI is a predictor of major events in the short and long-term follow-up.

Descriptors: Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary. Myocardial infarction. Renal insufficiency, acute. Contrast media/adverse effects. Kidney/drug effects.

A intervenção coronária percutânea (ICP) primária é o tratamento de escolha no infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), pois se relaciona com maior patência do vaso, preservação da função ventricular esquerda e melhor sobrevida quando comparado à terapia trombolítica1. Dentre as potenciais complicações ocorridas na evolução intra-hospitalar de pacientes submetidos a angioplastia primária, a insuficiência renal aguda (IRA) tem sido destacada como importante fator prognóstico, associando-se a hospitalização mais prolongada e a maior morbidade e mortalidade2-4.

Mehran et al.5 avaliaram os vários fatores de risco para nefropatia induzida por contraste, determinando um escore de estratificação de risco para o desenvolvimento de IRA após ICP. Excluíram pacientes tratados com ICP por infarto agudo do miocárdio e aqueles com choque. Os preditores de nefropatia induzida por contraste foram presença de hipotensão, uso de balão intra-aórtico, insuficiência cardíaca, creatinina basal > 1,5 mg/dl, idade inferior a 75 anos, diabetes melito, anemia e volume de contraste utilizado.

O desenvolvimento de IRA após procedimentos de urgência (ICP primária) é de natureza multifatorial e com incidência considerável. Dentre as particularidades que contribuem para a ocorrência de IRA nessas situações, destacam-se a presença de hipotensão ou choque, a utilização de maior volume de contraste e a impossibilidade de se realizar estratégias terapêuticas de prevenção da nefropatia induzida pelo contraste, em especial a pré-hidratação com solução salina.

Os preditores e o prognóstico a longo prazo da IRA após ICP primária ainda não estão bem estabelecidos. O objetivo do presente estudo foi determinar a incidência e os preditores de ocorrência de IRA após a angioplastia primária, bem como a evolução clínica a longo prazo dos pacientes que apresentaram essa complicação durante o tratamento inicial do IAMCSST.

MÉTODO

Delineamento

Estudo observacional, realizado em único centro (Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP), com o objetivo primário de determinar a incidência, os preditores de IRA após ICP primária e a evolução clínica dos pacientes conforme a ocorrência de eventos cardíacos adversos maiores (óbito, reinfarto, nova revascularização e necessidade de diálise).

Seleção de pacientes

No período compreendido entre janeiro de 2002 e janeiro de 2007, selecionamos todos os pacientes consecutivamente submetidos a ICP primária para o tratamento de IAMCSST por meio do levantamento dos pacientes em nosso banco de dados, posteriormente realizando avaliação dos prontuários (prescrições, exames laboratoriais, dados clínicos, evolução clínica, dados do procedimento, etc.) e, por fim, contato telefônico para avaliação de eventos clínicos. Como critérios de inclusão, os pacientes deveriam apresentar-se com até doze horas do início dos sintomas, com eletrocardiograma revelando supradesnivelamento > 1 mm em duas ou mais derivações contíguas ou bloqueio de ramo esquerdo; em casos de choque cardiogênico decorrentes de IAMCSST, a janela de apresentação era de até dezoito horas.

Na admissão hospitalar, amostra de sangue para dosagem de creatinina sérica basal deveria ter sido coletada, com novas dosagens seriadas de creatinina sérica ao longo dos primeiros três dias após a realização de ICP primária. Pacientes nos quais não fossem realizadas ao menos duas dosagens (incluindo-se a basal) de creatinina sérica foram excluídos (6%), bem como pacientes submetidos a angioplastia facilitada ou a cirurgia de revascularização na fase intra-hospitalar.

Definições

A ocorrência de IRA foi definida pelo aumento da creatinina > 0,5 mg/dl ou aumento > 25% em relação aos valores basais, durante a evolução intra-hospitalar.

Óbito de origem cardíaca foi definido como morte em razão de evento cardiovascular (infarto do miocárdio, baixo débito cardíaco, arritmias fatais).

Infarto agudo do miocárdio foi definido como novas ondas Q patológicas em duas ou mais derivações contíguas, elevação da creatina quinase (CK) ou sua isoenzima MB (CK-MB) três vezes maior que o valor superior da normalidade durante a hospitalização ou duas vezes maior que o limite superior da normalidade após a alta hospitalar.

O diagnóstico de reinfarto requeria reelevação da CK ou da CK-MB 50% maior que o menor valor previamente encontrado, associado à recorrência de sintomas ou a novas alterações eletrocardiográficas. Definiu-se como revascularização do vaso-alvo a ocorrência de novo procedimento de revascularização percutânea ou cirúrgica de qualquer segmento do vaso previamente tratado.

Intervenção coronária percutânea e farmacologia adjunta

Os procedimentos de revascularização foram realizados conforme diretrizes nacionais e internacionais de ICP, visando à obtenção de implante ótimo de stents à análise angiográfica. Todos os pacientes foram pré-tratados com ácido acetilsalicílico (AAS) na dose de 300 mg associado a clopidogrel na dose de 300-600 mg e a heparina endovenosa na dose de 70-100 UI/kg. Inibidores da glicoproteína IIb/IIIa foram utilizados conforme a avaliação do cardiologista intervencionista. Foi utilizado contraste iônico de baixa osmolaridade (Hexabrix®, ioxaglato) em todos os pacientes. Os stents utilizados foram, em sua maioria, não-farmacológicos.

Medicamentos com ação anti-plaquetária - AAS 200 mg/dia e clopidogrel 75 mg/dia ou ticlopidina 500 mg/dia - foram prescritos durante a internação e mantidos por trinta dias a doze meses após o procedimento, na dependência do stent implantado (farmacológico vs. não-farmacológico).

Acompanhamento clínico

O acompanhamento clínico foi realizado no Ambulatório de Angioplastia Coronária da própria instituição ou por meio de contato telefônico, visando à análise da ocorrência de eventos clínicos adversos.

Análise estatística

As variáveis contínuas foram expressas em média e desvio padrão e as variáveis categóricas foram expressas em números absolutos e porcentagem (%). Na análise univariada, as diferenças entre as variáveis contínuas foram determinadas pelo teste t de Student. A análise de diferenças entre as variáveis categóricas foi realizada com os testes do qui-quadrado de Pearson, exato de Fisher e Mann-Whitney. Para a análise multivariada foi utilizada regressão logística de Cox. As curvas de sobrevida livre de eventos foram obtidas pelo método de Kaplan-Meier e as diferenças foram identificadas pelo teste de log-rank. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. A análise estatística foi realizada com o uso do Statistical Package for Social Sciences versão 11.0.

RESULTADOS

Incidência e características clínicas

De um total de 150 indivíduos selecionados, IRA após a angioplastia primária ocorreu em 23 (15,3%) pacientes. A média de idade foi de 60 ± 11,81 anos, sendo 73% dos pacientes do sexo masculino. Cerca de 34% dos pacientes eram diabéticos e 12,6% apresentavam creatinina > 1,5 mg/dl previamente à ICP. As características clínicas dos pacientes que desenvolveram IRA e daqueles que não apresentaram essa complicação encontram-se na Tabela 1. Comparativamente, os pacientes que evoluíram com IRA eram mais idosos e apresentavam, mais freqüentemente, creatinina basal elevada (> 1,5 mg/dl), classe funcional mais avançada (Killip > 2), além de necessidade de suporte hemodinâmico e ventilatório (uso de aminas vasoativas e de ventilação mecânica).

Os dados relacionados ao procedimento estão dispostos na Tabela 2. Não foram observadas diferenças significativas entre os grupos no que se refere ao vaso tratado e ao diâmetro e à extensão dos stents utilizados. Inibidores de glicoproteína IIb/IIIa foram requeridos em 48,6% das intervenções. Em relação ao volume de contraste utilizado, não foi observada diferença estatística entre os grupos (média de 145 ± 80,41 ml para o grupo com IRA e de 157 ± 73,3 ml para o grupo sem IRA; p = 0,339), e sua distribuição encontra-se representada na Figura 1. Analisamos, ainda, a utilização de fármacos com potencial de nefrotoxicidade durante a ICP e na evolução intra-hospitalar. Nenhum dos fármacos, conforme demonstrado na Figura 2, esteve correlacionado à ocorrência de IRA nessa população.



Preditores independentes de insuficiência renal aguda

Após análise multivariada, idade (odds ratio [OR]: 1,066; intervalo de confiança de 95% [IC 95%]:1,002-1,090; p = 0,044), presença de creatinina basal > 1,5 mg/dl (OR: 3,633; IC 95%: 1,047-12,613; p = 0,042), apresentação ou ocorrência de Killip > 1 (OR: 3,190; IC 95%: 1,025-9,933; p = 0,045) e necessidade de ventilação mecânica (OR: 6,364; IC 95%: 2,142-18,910; p = 0,001) foram identificados preditores independentes de IRA após a ICP.

Insuficiência renal aguda e evolução clínica

Os pacientes com IRA apresentaram pior evolução clínica quando comparados àqueles que não de senvolveram essa complicação em seguimentos a médio e longo prazos. No seguimento clínico de até um ano, representado na Figura 3, óbito e reinfarto foram mais freqüentes nos pacientes que evoluíram com IRA durante a internação (30,4% vs. 5,5%, p = 0,001 e 10% vs. 1,8%, p = 0,048, respectivamente). Após acompanhamento de cerca de seis anos, as diferenças nas curvas de sobrevida livre de óbito e de reinfarto em pacientes com e sem IRA se mantiveram, com maior ocorrência desses eventos em pacientes com IRA (Figuras 4 e 5). Nova revascularização ocorreu nos pacientes que evoluíram com e sem IRA, respectivamente, em 5% vs. 15,9% (p = 0,305), e necessidade de diálise em 5% vs. 0,9% (p = 0,281). Os eventos combinados (óbito, reinfarto, revascularização, diálise) ocorreram em 45% dos pacientes que evoluíram com IRA intra-hospitalar e em 24,8% dos pacientes que não evoluíram com IRA (p = 0,060).






DISCUSSÃO

Neste estudo, a IRA foi uma complicação freqüente após a ICP primária no IAMCSST, ocorrendo em 15,3% dos pacientes, mesmo naqueles com função renal prévia normal (10,6%). Resultados semelhantes foram encontrados por Marenzi et al.6 (19% de IRA) e Sadeghi et al.2 (18% de IRA) após ICP primária. A IRA esteve associada a pior evolução clínica intra-hospitalar (maior freqüência de Killip > 1, necessidade de uso de amina vasoativa e ventilação mecânica), com maior mortalidade e morbidade a longo prazo.

A nefropatia induzida por contraste se caracteriza por uma alteração renal ocorrida após administração de contraste na ausência de outras causas de falência renal4. No paciente submetido a ICP primária, a deterioração da função renal ocorre de maneira multifatorial. Marenzi et al.6 avaliaram a relação entre volume de contraste e IRA na ICP primária e apontaram que 300 ml seria uma quantidade de contraste preditor de IRA. Em nosso estudo, não encontramos relação entre contraste e IRA, o que, provavelmente, se deve a al-guns fatores: utilizamos média de contraste bem inferior (cerca de 150 ml por paciente - diagnóstico e intervenção) àquela apontada como preditor pela literatura na ICP primária; a amostra pode ter sido pequena para avaliar tal relação; outros fatores apresentaram maior relevância na indução de IRA, amenizando a influência do fator contraste.

Cada vez mais a ICP primária se afirma como terapia de escolha no tratamento do IAMCSST, por restaurar de forma mais rápida e eficiente o fluxo coronariano e, conseqüentemente, por preservar a função ventricular, diminuindo a morbidade e a mortalidade nesses pacientes1,7. A instabilidade clínica no IAMCSST ocorre por causas variadas, tais como disfunção ventricular, síndrome da resposta inflamatória sistêmica e disfunção valvar, entre outras. No presente estudo, avaliamos a instabilidade clínica por meio da apresentação clínica segundo a classificação de Killip, do uso de drogas vasoativas e da necessidade de ventilação mecânica. Essas variáveis se mostraram preditoras de IRA e, conseqüentemente, indicadoras de má evolução clínica a curto e longo prazos. Zijlstra et al.7 e Keeley et al.1, por outro lado, avaliaram a função ventricular após ICP primária, demonstrando que os pacientes que evoluíam com disfunção ventricular apresentavam maior risco de IRA e pior evolução clínica.

Estudos prévios têm demonstrado que a creatinina basal e o estágio de evolução da doença renal são fatores de risco independentes para óbito após ICP primária2,6,8. Mehran et al.5 demonstraram como preditor independente de IRA, em estudo que culminou no escore de risco de nefropatia induzida por contraste, a creatinina basal > 1,5 mg/dl. Quando avaliamos a creatinina basal em nossa população, observamos que a incidência de IRA era mais freqüente no grupo com creatinina > 1,5 mg/dl em comparação com o grupo com creatinina normal (28,6% vs. 11,4%).

O aumento do risco de desenvolver IRA também tem sido reportado em pacientes com insuficiência renal crônica com síndrome coronariana sem supradesnivelamento do segmento ST submetidos a ICP precoce3,9. Nesse grupo de pacientes, a profilaxia de IRA pode ser realizada e normalmente é possível obter a estabilidade clínica dos pacientes previamente à intervenção, diferentemente dos pacientes com IAMCSST submetidos a ICP primária, nos quais não é possível a realização de hidratação prévia e a instabilidade hemodinâmica é mais freqüente.

Os estudos que avaliaram disfunção renal no infarto agudo do miocárdio são unânimes em afirmar que os pacientes com IRA apresentam evolução desfavorável, tanto imediata como a longo prazo10,11. Marenzi et al.6 referem, em amostra de 208 pacientes, mortalidade intra-hospitalar de 31% para os pacientes com IRA e de 0,6% para aqueles sem IRA (p < 0,001). Sadeghi et al.2, ao compararem grupos de pacientes com e sem IRA, encontraram, em seguimento de trinta dias, mortalidade de 7,5% vs. 0,8% (p < 0,0001) e em seguimento de um ano, mortalidade de 12,7% vs. 2,4% (p < 0,0001), respectivamente. O presente trabalho confirmou esses dados, demonstrando que os pacientes submetidos a ICP primária que desenvolveram IRA (15,3%) apresentaram curvas de sobrevida livre de óbito e revascularização desfavoráveis em relação àqueles pacientes que não desenvolveram IRA, tanto em acompanhamento de um ano como de cerca de seis anos (Figuras 3 a 7).

Marenzi et al.12 avaliaram a eficácia da N-acetilcisteína na ICP primária em doses habituais associadas a hidratação pós-procedimento (600 mg antes e duas vezes por dia durante 48 horas pós-procedimento), em doses elevadas associadas a hidratação pós-procedimento (1.200 mg antes e duas vezes por dia durante 48 horas pós-procedimento), e somente com hidratação pós-procedimento. Os autores obtiveram resultados significativos no que se refere à diminuição de IRA e de eventos maiores (óbito, necessidade de diálise e ventilação mecânica) favoráveis à N-acetilcisteína, sendo a dose de 1.200 mg melhor que a dose de 600 mg. São poucos os trabalhos que avaliaram a prevenção de IRA na ICP primária, uma vez que os pacientes com IRA apresentam pior evolução clínica a curto e longo prazos. Novas estratégias de prevenção de IRA devem ser desenvolvidas e testadas mesmo em pacientes com função renal normal. Deve-se, também, realizar o tratamento precoce otimizado e agressivo dos pacientes com IAMCSST, procurando-se manter a estabilidade clínica, principalmente no caso de pacientes idosos, grupo que apresenta alto risco para desenvolver IRA.

Limitações

O presente estudo é retrospectivo e, portanto, possui todas as limitações inerentes ao modelo. A definição de doença renal crônica não foi dada pela taxa de filtração glomerular estimada, mas pela creatinina basal (> 1,5 mg/dl), o que poderia subestimar sua real prevalência nessa população. Além disso, não foi possível avaliar o estado de hidratação pré- e pós-procedimento, fator que certamente influenciou a evolução da função renal. Por fim, o número de pacientes do estudo pode não ter sido suficiente para detectar o valor prognóstico de algumas variáveis, como volume de contraste ou medicações adjuntas.

CONCLUSÃO

Os principais preditores de IRA após ICP primária relacionam-se com a idade, a presença de creatinina > 1,5 mg/dl e a má evolução clínica intra-hospitalar. IRA após ICP primária constitui preditor de eventos maiores a curto e longo prazos.

Recebido em: 4/8/2008

Aceito em: 29/10/2008

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  • Correspondência:

    Raphael Lanza e Passos
    Rua José Antonio Coelho, 661/24 - Vila Mariana
    São Paulo, SP - CEP 04011-061
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Recebido
      04 Ago 2008
    • Aceito
      29 Out 2008
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