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Alta a pedido contra indicação médica sem iminente risco de morte

Resumo

O atendimento à solicitação pelo paciente de alta a pedido contra indicação médica, sem risco iminente de morte, nada mais é do que garantir a autonomia desse paciente. Entretanto, não se trata de tema pacífico. O objetivo deste trabalho foi caracterizar a conduta do médico diante da alta a pedido. Realizou-se estudo de caso qualitativo, a partir de entrevistas individuais semiestruturadas com médicos assistentes de hospital público universitário. Foram realizadas oito entrevistas, gravadas e transcritas, e os dados, trabalhados por análise de conteúdo. Concluiu-se que os entrevistados consideram importante esclarecer o paciente acerca dos riscos de sua decisão, que deverá ser respeitada caso a mantenha; reconhecem também a relevância da documentação de alta e a impossibilidade de emitir receita quando não há alternativa cientificamente reconhecida. Evidencia-se, ainda, a preocupação do médico quanto às implicações legais de atender ao pedido do paciente.

Alta do paciente; Autonomia pessoal; Bioética

Abstract

The response to the request by a patient for a medical discharge order against medical advice without imminent risk of death is no more than respecting his or her autonomy. Yet this is not a peaceful issue. The objective of this study was to describe the conduct of doctors facing demands for medical discharge. A qualitative type case study was conducted based on semi-structured individual interviews with doctors of the Emergency Unit of HC-FMRP-USP. Eight interviews were recorded, transcribed, and the data was analyzed by content analysis. We found that doctors stress the importance of informing the patient about the risks of their decision, which should be respected if he or she maintains his position; and also highlighted the importance of documentation and the impossibility of issuing prescriptions when there is no scientifically recognized alternative. The concern of the doctor regarding the legal implications of accepting the patient’s request was also noted.

Patient discharge; Personal autonomy; Bioethics

Resumen

La respuesta a la solicitud de alta de parte del paciente, contraria a la indicación médica, sin riesgo inminente de muerte, apunta a garantizar su autonomía. No obstante, no se trata de un tema poco polémico. El objetivo de este estudio fue caracterizar la conducta del médico ante el pedido de alta. Se realizó un estudio de caso, de carácter cualitativo, a partir de entrevistas individuales semi-estructuradas con médicos asistentes del hospital público universitario. Se realizaron ocho entrevistas, las cuales fueron grabadas y transcritas, y los datos se trabajaron a partir del análisis de contenido. Se concluyó que los entrevistados consideran importante aclarar al paciente los riesgos de su decisión, la cual deberá ser respetada en caso de que se sostenga; reconocen también la importancia de la documentación de alta y la imposibilidad de emitir recetas cuando no existe una alternativa científicamente reconocida. Se evidencia, además, la preocupación del médico en relación a las consecuencias legales de atender la petición del paciente.

Alta del paciente; Autonomía personal; Bioética

Na última década, a intensificação dos debates sobre os limites da autonomia do paciente é fato notório na sociedade brasileira, principalmente nos conselhos de medicina. Prova disso são os dispositivos do Código de Ética Médica (CEM), em vigor desde 2010 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União. Brasília, p. 90, 24 set 2009. Seção 1.. Entre outras coisas, a regulamentação deixa claro que o paciente deve ter sua autonomia privilegiada, inclusive em casos de doença terminal, desde que o médico cumpra o dever de informação ao qual é obrigado.

Nesse sentido, pode-se citar também a Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que regulamenta o direito do paciente de deixar registradas suas diretivas antecipadas de vontade 22. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.995, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Diário Oficial da União. Brasília, p. 269-70, 31 ago 2012. Seção 1.. Apesar dos avanços, são inúmeros os casos relacionados com a autonomia do paciente nos quais o médico não consegue determinar, com um mínimo de segurança ético-jurídica, a melhor decisão a tomar. Por óbvio, existem situações particulares, que só podem ser decididas diante do caso concreto. Entretanto, é desejável um mínimo de direcionamento na conduta, sob pena de inviabilizar a prática médica, haja vista as infindáveis possibilidades de responsabilização nas esferas civil, penal e ética.

Do ponto de vista jurídico, a autonomia do paciente para a recusa de tratamento decorre do princípio da legalidade, estampado no parágrafo 2º do artigo 153 da Constituição Federal, que diz: Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei…33. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal; 1988.. Isso significa que o paciente somente seria obrigado a submeter-se a um tratamento caso houvesse uma lei que assim determinasse.

No estado de São Paulo, o então governador Mário Covas sancionou a lei que mais tarde levaria seu nome: a Lei Estadual 10.241/1999, que define os direitos dos usuários dos serviços de saúde do estado de São Paulo. Alguns incisos de seu artigo 2º estão intimamente relacionados com o assunto em pauta, em especial o VII, no qual são assegurados ao paciente os direitos de consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados44. São Paulo. Lei Estadual nº 10.241/1999. Define os direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo. São Paulo: Assembleia Legislativa de São Paulo; 1999..

Em âmbito federal, no mesmo espírito da Lei Covas, destaca-se a Portaria 1.820/2009 do Ministério da Saúde 55. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009. Dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários de saúde. [Internet]. 2009 [acesso 4 fev 2016]. Disponível: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt1820_13_08_2009.html
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, que dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários de saúde. O artigo 4º assegura em seus incisos: a escolha do local de morte; o direito à escolha de alternativa de tratamento, quando houver, e à consideração da recusa de tratamento proposto. Por fim, o CEM reafirma, em seus artigos 22, 24 e 31, que o médico só poderá desrespeitar o direito do paciente em caso de iminente risco de morte. Isso significa que, por maior que seja sua intenção de beneficiar o paciente, o médico não pode lhe negar alta, caso a solicite contra indicação médica e não haja risco de morte iminente.

Diante disso, levanta-se a questão: do ponto de vista jurídico, os médicos estariam seguros do que fazer nessa situação? Em outras palavras, que atitude o médico consideraria juridicamente adequada quando o paciente solicita alta a pedido contra indicação médica, sem risco iminente de morte? Como dissemos, embora muitas vezes tenhamos de nos ater ao caso concreto, há que estabelecer um norte; até porque, se os próprios médicos não conseguirem dar um encaminhamento a essa situação, o que esperar dos operadores do direito, ou seja, juízes, promotores e advogados, que não têm vivência da realidade médica?

Referencial teórico

A alta hospitalar é um ato privativo do médico, como define Rey 66. Rey L. Dicionário de termos técnicos de medicina e saúde. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. Alta hospitalar; p. 40. e conforme o disposto no artigo 4º, inciso XI, da Lei 12.842/2013, conhecida como Lei do Ato Médico 77. Brasil. Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013. Dispõe sobre o exercício da Medicina. Diário Oficial da União. Brasília, nº 132, p. 6, 11 jul 2013. Seção 1.. Por isso, o Parecer-Consulta CRM-SP 41.848/1996 do conselheiro Donizetti Dimer Giamberardino Filho, por exemplo, especifica que a denominação “alta a pedido” não é adequada, que em tese seria indicada pelo próprio paciente. Sugere-se utilizar preferencialmente o termo “recusa de tratamento”. Com efeito, o paciente não tem habilitação técnica, tampouco legal, de fazer sua própria avaliação clínica e autoconceder-se “alta hospitalar” 88. Conselho Regional de Medicina do Paraná. Parecer nº 1883/2007. Alta a pedido; transferência. Aprovado em 27 de agosto de 2007. [Internet]. 2007 [acesso 4 fev 2016]. Disponível: http://www.portalmedico.org.br/pareceres/CRMPR/pareceres/2007/1883_2007.htm
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Contudo, o fato é que as “folhas de alta hospitalar” padronizadas, presentes nos hospitais de todo o país, trazem somente as seguintes opções para que o paciente deixe o hospital: 1) alta por ordem médica; 2) alta por licença; 3) alta por transferência; 4) alta a pedido; 5) alta por fuga; e 6) alta por óbito. O documento de alta deve ser sempre assinado pelo médico, independentemente de concordar ou não com sua concessão. Dessa forma, apesar de inadequado, o termo “alta a pedido” consta da folha de alta e hoje tornou-se realidade do cotidiano médico.

Cabe aqui breve descrição de cada modalidade de alta hospitalar presente nas folhas de alta. A “alta por ordem médica” é o evento mais comum, no qual o médico, após avaliação, concede a alta hospitalar pelo término do tratamento ou pela possibilidade de tratamento ambulatorial. A “alta por licença” é concedida pelo médico para que o paciente se ausente do hospital por um período determinado, ao fim do qual deverá retornar ao hospital. Na “alta por transferência”, o médico autoriza que o paciente continue o tratamento internado em outro estabelecimento hospitalar; ou seja, o paciente não volta à sua residência, mas é transferido para outro hospital. Na “alta por óbito”, a morte do paciente é diagnosticada pelo médico, que preencherá a Declaração de Óbito nos casos de morte natural de causa conhecida; nos demais casos, há necessidade de necropsia no Serviço de Verificação de Óbitos ou no Instituto Médico-Legal. A “alta por fuga” ocorre quando o paciente foge do hospital sem o conhecimento da equipe de saúde; deve-se enfatizar que, nesses casos, o hospital e a equipe de saúde podem ser responsabilizados por falha no dever de guarda a que estão adstritos. Por fim, a “alta a pedido” é a modalidade na qual o próprio paciente solicita alta, a despeito da indicação médica.

O termo “alta a pedido”, descrito assim, isoladamente, sem nenhum outro termo qualificativo, parece de fato inadequado, podendo levar à falsa impressão de que o médico concordou com a alta, quando na verdade não foi indicada por ele. Diante disso, convém esclarecer que a alta, nesse caso, é a pedido do paciente e contra indicação médica. Trata-se, portanto, de uma “alta a pedido contra indicação do médico”, denominação mais adequada para a situação 99. Conselho Regional de Medicina do Mato Grosso do Sul. Parecer nº 11/1997. Responsabilidade médica em casos de “alta a pedido”. Aprovado em 6 de dezembro de 1997. [Internet]. 1997 [acesso 4 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/1pjdYOg
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Uma das questões mais importantes a definir em casos de alta a pedido contra indicação médica é se o paciente está em risco iminente de morte, já que, segundo o artigo 22 do CEM, essa seria a única situação em que o médico poderia prescindir do consentimento do paciente, sem cometer ilícito ético. Pode-se falar também em “risco iminente de morte”, cujo sentido no meio jurídico é a probabilidade concreta e iminente de um resultado letal99. Conselho Regional de Medicina do Mato Grosso do Sul. Parecer nº 11/1997. Responsabilidade médica em casos de “alta a pedido”. Aprovado em 6 de dezembro de 1997. [Internet]. 1997 [acesso 4 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/1pjdYOg
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. Assim, risco iminente de morte, para fins deste estudo, é aquela situação em que o paciente tem alta probabilidade de evoluir para óbito nos próximos minutos ou horas, se a intervenção médica indicada não for realizada. É o caso, por exemplo, da hemorragia puerperal refratária a tratamento clínico, na qual está formalmente indicado o tratamento cirúrgico (histerectomia); se não for realizado, haverá alta probabilidade de óbito. Também se considera em risco iminente de morte o paciente vitimado por acidente automobilístico que chega à sala de emergência com pneumotórax hipertensivo; nessa situação, caso não se faça a drenagem cirúrgica do tórax, a probabilidade de óbito é muito alta.

Objetivo, casuística e método

O objetivo foi caracterizar a conduta do médico diante da alta a pedido contra indicação médica sem iminente risco de morte, bem como suas justificativas para tal conduta.

Trata-se de estudo de caso com abordagem qualitativa, feito a partir de entrevistas individuais semiestruturadas, empregando a análise de conteúdo, na modalidade temática 1010. Bardin L. Análise de conteúdo. 3ª ed. Lisboa: Edições 70; 2006.. Pela natureza dos dados estudados, consideramos a abordagem qualitativa a mais adequada, uma vez que não se trabalhou com amostras probabilísticas nem se estudou a frequência com que determinado comportamento ou opinião ocorrera. Tratou-se, sim, de buscar compreender como se formam e se distinguem as percepções, opiniões e atitudes acerca de um fato, as quais não podem ser quantificadas a priori.

O estudo se deu na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (UE-HC-FMRP-USP). Foi enviado convite individual por e-mail aos 16 médicos assistentes da Clínica Médica da UE, metade dos quais aceitou participar da pesquisa. Em seguida, realizou-se o agendamento das entrevistas dos oito médicos com o entrevistador.

A cada participante foi apresentado o termo de consentimento livre e esclarecido, e a entrevista realizou-se em sala de reuniões da própria Unidade de Emergência. As entrevistas foram gravadas em áudio, por meio do software Sony Sound Forge, e seguiram um roteiro semiestruturado, dinâmico e flexível. O roteiro contemplou situações do cotidiano médico, em casos hipotéticos nos quais o paciente sem risco iminente de morte solicitava alta mesmo contra indicação médica.

O processo inicial de análise deu-se de modo simultâneo à coleta de dados. Todas as palavras foram transcritas na íntegra. Os nomes mencionados pelos sujeitos foram registrados pela letra “S” acrescida de número sequencial, para assegurar o anonimato. Conforme as transcrições eram reiteradamente lidas, introduziam-se colchetes quando era necessário ressaltar ideias que vinham à mente acerca do que se ouvia, constituindo-se os núcleos. Os núcleos foram retirados dos dados e, após a comparação, foram agrupados por similaridades e diferenças, formando as categorias temáticas.

Resultados e discussão

Dos oito médicos entrevistados, seis eram do sexo masculino e dois do sexo feminino. A idade variou de 30 a 55 anos, com média de 31 anos. Quanto à especialidade, eram três nefrologistas, dois cardiologistas, um geriatra, um endocrinologista e um hematologista. O tempo de exercício da medicina esteve entre 7 e 30 anos, com média de 11 anos. O tempo de serviço na Unidade de Emergência variou de 3 meses a 22 anos.

A análise dos dados obtidos evidenciou duas categorias temáticas: 1) obrigatoriedade de atender à solicitação do paciente e a responsabilidade do médico; 2) documentação da alta a pedido, avaliação multidisciplinar e fornecimento de receita.

Obrigatoriedade de atender à solicitação do paciente

As situações representadas no “roteiro de entrevistas” versaram sobre simulações do cotidiano médico envolvendo alta a pedido sem iminente risco de morte, em pacientes civilmente capazes e com competência para tomar decisões. Nessas situações, a grande maioria dos médicos reconheceu o direito do paciente, mas ressaltaram a necessidade de esclarecê-lo. Somente após conhecer e aceitar todos os riscos de sua solicitação é que o pedido poderia ser atendido. Os participantes também destacaram que o esclarecimento pode, por si só, ajudar o paciente a rever sua decisão. No entanto, alguns deles não concederiam alta a pedido, mesmo quando o risco de morte não é iminente, mas possível em um futuro próximo (dias, por exemplo):

“A gente explica pra ela a necessidade de ficar internada; da necessidade de completar o tratamento com o antibiótico internada; primeira coisa é tentar esclarecer a doença e a importância de continuar internada. Boa parte das vezes ela repensa e muda de opinião. Ela não quer continuar internada, a gente tem que anotar isso muito bem anotado no prontuário. Ela está ciente e tem juízo crítico, a gente acaba dando alta a pedido” (S1);

“Novamente, eu tentaria reorientá-lo sobre os riscos da alta precoce, de não realização de todos os exames para complementar a investigação. Mesmo assim, se ele desejasse alta, eu faria alta a pedido e faria uma receita com todas as medicações que ele deveria tomar. Marcaria retorno no ambulatório e daria alta a pedido” (S2);

“A gente, nesse caso, não fornece alta. Apesar de ela ter tido melhora clínica importante. Vocês falam que ela não tem risco iminente de morte, mas o risco potencial é muito grande” (S4);

“Eu não daria a alta a pedido, não assinaria nada e informaria a ela que, se ela quisesse sair ou evadir, que ela iria evadir o serviço, mas não sob a minha autorização, ou nem escreveria nada no prontuário: ‘paciente solicita alta a pedido’, nada desse tipo” (S8).

A maior parte dos pareceres do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CRM-SP) converge para o entendimento de que a autonomia do paciente deve prevalecer nos casos de alta a pedido contra indicação médica. O Parecer-Consulta CRM-SP 41.848/1996, por exemplo, especifica que uma vez que o paciente tenha sido plenamente esclarecido sobre sua situação, condutas terapêuticas e perspectivas quanto à sua vida e saúde (tudo isso devidamente comprovado, como cautela para o médico) é ele, paciente, quem vai decidir se aceita, ou não, a conduta terapêutica1111. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer-Consulta nº 41.848/1996. Alta a pedido e iminente perigo de vida do paciente. Homologado na RP nº 1.996, em 1º de julho de 1997. [Internet]. 1996 [acesso 4 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/1Ut0ivG
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No mesmo sentido, o Parecer-Consulta CRM-SP 1.665-13/1986 faz uma série de recomendações quanto à obrigação do médico de alertar o paciente e/ou seus responsáveis sobre os riscos da alta; e confirma a posição de que o médico deve respeitar a autonomia do paciente. Segundo o parecer, o médico deve atender ao pedido de alta do paciente após informá-lo – de maneira ampla, completa e isenta – das vantagens, desvantagens e consequências que a alta pode vir a ocasionar; se houver risco de vida ou de prejuízo grave ao paciente, ele também deverá ser amplamente informado. O parecer ressalta que os demais membros da equipe (médico assistente, enfermeiro, assistente social etc.) também devem esclarecer o paciente de que, caso ele insista no pedido de alta, o médico tem de aceitá-lo. Além disso, afirma que o termo de responsabilidade assinado pelo paciente tem apenas a finalidade de servir como documento de que os riscos, vantagens e desvantagens foram-lhes devidamente explicados, nele devendo constar todas as explicações referidas acima1212. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer-Consulta nº 1.665-13/1986. “Termo de Responsabilidade” assinado pelos pacientes nos casos de alta a pedido. Aprovado na RP nº 1.222, em 25 de novembro de 1986. [Internet]. 1986 [acesso 4 fev 2016]. Disponível: http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=3442
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Nesse ponto da discussão, convém salientar que deixar claro que a alta é contraindicada ao paciente, mas permitir sua “fuga” não parece alternativa razoável; até porque situações como essa poderiam redundar em responsabilização do hospital por não cumprir com seu dever de guarda do paciente. Ora, todo paciente internado pode ter, a qualquer momento, uma crise de ansiedade e decidir fugir do hospital; sendo assim, a instituição hospitalar não deve permitir sua saída, sem antes prestar-lhe atendimento, verificar sua capacidade de decidir e informar-lhe adequadamente das consequências de sua atitude.

No entanto, o que realmente levanta vozes discordantes, não só no CRM-SP como em outros conselhos regionais de medicina, é a questão da responsabilidade pós-alta. Em outras palavras, o ponto crucial que desperta maior controvérsia diz respeito à possibilidade de agravamento das condições de saúde do paciente quando da alta a pedido contra indicação médica. Nesse caso, a quem caberia a responsabilidade? Em nosso estudo, os médicos que reconhecem o direito do paciente à alta a pedido afirmam que a responsabilidade por um agravamento do estado de saúde é exclusiva do paciente, desde que haja tomado a decisão após ter sido devidamente esclarecido dos riscos a serem assumidos:

“Mais do paciente do que nossa. Porque, se foi explicado tudo para ele, e mesmo assim, pra ele e para o familiar, e mesmo assim todos os recursos foram esgotados, não tem muito mais o que a gente fazer. Se ele entrar em risco iminente de morte, então a gente vai ter que fazer, pela própria ética. Enquanto ele não tem esse risco iminente, a gente vai ter que fazer o que ele quer. Respeitando a autonomia dele, sim” (S5);

“Eu não me sentiria responsável pelo que aconteceu, se eu tivesse orientado muito bem o paciente, tivesse tudo anotado” (S2);

“A partir do momento que você respeita a autonomia e o cara está esclarecido, imagino que eticamente você não vai ter nenhuma responsabilidade” (S4);

“A responsabilidade seria do próprio paciente. Não seria do médico, não. Se o paciente estava lúcido, orientado, em condições de tomar decisões. Existe o livre-arbítrio” (S3).

Alguns pareceres exarados pelo CRM-SP para responder a essa questão trazem posições divergentes 1313. Oselka GW, coordenador. Bioética clínica: reflexões e discussões sobre casos selecionados. São Paulo: Centro de Bioética do Cremesp; 2008. Caso 8, Considerações sobre alta a pedido e risco iminente de morte; p. 81-9.. O já citado Parecer-Consulta 1.665-13/1986 manifesta-se pelo seguinte entendimento: (…) o hospital e o médico, desde que tenham obedecido as recomendações expressas neste parecer, têm suas responsabilidades legais e éticas, cessantes no momento em que o paciente em questão deixar as dependências hospitalares e não antes disso1212. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer-Consulta nº 1.665-13/1986. “Termo de Responsabilidade” assinado pelos pacientes nos casos de alta a pedido. Aprovado na RP nº 1.222, em 25 de novembro de 1986. [Internet]. 1986 [acesso 4 fev 2016]. Disponível: http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=3442
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. Em sentido diametralmente oposto, o Parecer-Consulta CRM-SP 16.948/1999 considera que a assinatura pelo paciente da alta a pedido também não exonera a responsabilidade do profissional de saúde, se a situação do paciente se agravar e for provado que houve ação imprudente ao deixá-lo partir1414. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer-Consulta nº 16.948/1999. Alta a pedido da família do paciente que se encontrava em situação de iminente perigo de vida. Homologado na RP nº 2.473, em 25 de julho de 2000. [Internet]. 1999 [acesso 5 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/1RJrEZW
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. Seguindo a mesma linha de raciocínio, o Parecer-Consulta CRM-SP 30.467/1991 afirma que o termo de responsabilidade assinado pelo próprio paciente ou seus responsáveis só terá validade se a alta solicitada não representar prejuízo ao paciente. Caso contrário estará o médico que efetuá-la cometendo ato omissivo de socorro, podendo, pela prática desse ato, ser responsabilizado de acordo com a legislação vigente1515. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer-Consulta nº 30.467/1991. Como proceder no caso de evasão de pacientes e no caso de alta a pedido. Homologado na RP nº 1.474, em 3 de fevereiro de 1992. [Internet]. 1991 [acesso 5 fev 2016]. Disponível: http://www.cremesp.org.br/library/modulos/legislacao/pareceres/versao_impressao.php?id=5596
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Nesses dois últimos pareceres, invoca-se, para esse entendimento, a consideração do jurista Genival Veloso de França, segundo a qual o termo de responsabilidade assinado pelo paciente em caso de alta a pedido só terá valor se [essa alta] não implicar graves prejuízos à saúde e à vida do paciente1414. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer-Consulta nº 16.948/1999. Alta a pedido da família do paciente que se encontrava em situação de iminente perigo de vida. Homologado na RP nº 2.473, em 25 de julho de 2000. [Internet]. 1999 [acesso 5 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/1RJrEZW
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. Importante notar que nenhum dos dois pareceres indica a alternativa que o médico tem, ou mesmo o que deve ser feito, ao negar uma alta a pedido quando há risco de agravamento das condições de saúde do paciente.

Há que considerar, entretanto, que a alta a pedido contra indicação médica sempre acarretará risco de agravamento do estado de saúde; até porque, se o médico tiver de admitir a não existência de risco em determinada alta a pedido, terá de admitir, igualmente, a não necessidade da internação, o que também configura delito ético. Ora, se o médico interna um paciente para tratamento é porque esse tratamento não deve ser feito fora do ambiente hospitalar (uma terapia endovenosa, por exemplo); e, se o paciente solicita alta, é evidente que correrá riscos, caso contrário não precisaria estar internado. Assim, exigir que o médico garanta a não existência de riscos na alta a pedido contra indicação médica sem iminente risco de morte é exigir o impossível.

Esse mesmo entendimento consta do Parecer-Consulta CRM-SP 51.723/2005 1616. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer-Consulta nº 51.723/2005. Parecer complementar à Consulta que trata de obrigatoriedade do fornecimento de receita médica para paciente que tiver alta a pedido. Homologado na RP nº 3.320, em 28 de junho de 2005. [Internet]. 2005 [acesso 5 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/21rfSIB
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, que complementou o Parecer-Consulta CRM-SP 20.589/2000, o qual, ao abordar a questão específica dos riscos da alta a pedido, manifestou a seguinte interpretação:

(…) estando presente a imprescindibilidade da internação hospitalar para garantia do tratamento e da salvaguarda da vida e da integridade física e mental do paciente, a alta a pedido, contrária, portanto à decisão médica, implica uma situação cujo risco o profissional não é obrigado a assumir 1717. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer-Consulta nº 20.589/2000. Sobre a obrigatoriedade do fornecimento de receita médica para paciente que tiver alta a pedido. Homologado na RP nº 2.469, em 18 de julho de 2000. [Internet]. 2000 [acesso 5 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/1M2eY3D
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Documentação, multidisciplinaridade e receita

Muito se discute acerca da validade legal de um “termo de alta a pedido”, haja vista o entendimento de dois dos pareceres citados (30.467/1991 e 16.948/1999), de que sua validade estaria condicionada ao não agravamento da saúde do paciente. Como vimos, considera-se impossível o médico garantir tal condição, uma vez que, se o fizer, terá de admitir que a internação do paciente é desnecessária. Acreditamos que, diante desse dilema, os médicos participantes deste estudo enfatizaram a necessidade de documentar todo o processo de esclarecimento no prontuário médico, prescindindo de termo escrito específico do paciente:

“Acho que a melhor maneira é deixar isso muito bem escrito no prontuário. Acho que o prontuário é a principal maneira de documentar isso. Isso tem que ser muito bem escrito no prontuário. Tudo que foi feito, a conversa que teve com a família, com o paciente. Deixar anotado no prontuário que o paciente está orientado, com o juízo crítico da realidade preservado, isso precisa estar escrito no prontuário. Anotar que, mesmo depois de todas essas informações, todas essas orientações, a conversa com a família, o paciente mantém a ideia de dar alta” (S1);

“Escrever no prontuário, mesmo, todo o procedimento, toda rotina, as conversas com o paciente, esclarecimento ao paciente, e deixaria no prontuário escrito que o paciente está lúcido, orientado, em condições de tomar decisão, ciente da sua situação clínica, mas que todas as ferramentas foram utilizadas, e ele não ficou convencido disso. Conversar com os familiares” (S7);

“Existe um termo mais ou menos pronto que não tem validade plena por conta daquelas razões de esclarecimento, de até onde você consegue fazer” (S6);

“Tinha, algum tempo atrás, um formulário que o paciente assinava dizendo que o paciente estava consciente, que estava tendo alta. A informação que a gente tinha era que isso não tinha nenhum aspecto legal. Esse documento não tinha nenhum aspecto legal. Então, na verdade, o que a gente faz é deixar muito bem anotado isso no prontuário. Não pede mais nem para o paciente assinar algum documento” (S1).

Com efeito, não há consenso na literatura sobre a melhor forma de registrar os fatos ocorridos na situação de alta a pedido contra indicação médica. Uma análise das normas legais, incluindo as resoluções dos conselhos regionais de medicina, leva à conclusão de que não existe a obrigatoriedade de elaboração de documento específico, embora a maior parte dos pareceres emitidos pelos conselhos mencione o denominado “termo de alta a pedido”. Nosso receio é que esse documento seja interpretado somente como mais um “termo de isenção de responsabilidade”, o que em geral não é bem-visto no meio judiciário, a exemplo das conhecidas “cláusulas de não indenizar”, comuns em contratos de prestação de serviço. A nosso ver, a descrição minuciosa do processo de esclarecimento no prontuário médico (incluindo avaliação por equipe multidisciplinar), acompanhada da anuência por escrito do paciente, seria suficiente como meio de prova no caso de apuração de responsabilidade.

Com relação à conveniência ou necessidade de avaliação por equipe multidisciplinar, os entrevistados declararam-se favoráveis, destacando o papel do psicólogo e do assistente social. Segundo os relatos, muitas vezes a recusa do paciente a permanecer internado decorre de um problema puramente social, ou então de um momento de ansiedade e medo:

“Psicólogo é rotina para juízo crítico, quando acha que o paciente está ansioso, um pouco assustado, a gente costuma chamar, sim” (S5);

“Eu me lembro de um que tinha um cachorro, e que o cachorro não tinha ninguém para dar comida para o cachorro. E era esse o motivo que ele queria ir embora de qualquer jeito. E quem conseguiu descobrir isso foi até a assistente social, que conversou com ele, explicou” (S8);

“Principalmente nesses casos, o ideal é ter uma equipe multidisciplinar ciente da condição do paciente. Até porque não vai ficar sobrecarregado numa pessoa só. O ideal é a avaliação de uma equipe multidisciplinar mesmo” (S4).

Quando da elaboração do roteiro da entrevista semiestruturada, foi criada uma situação hipotética para abordar a questão da obrigatoriedade da emissão de receita. Nessa situação não havia alternativa cientificamente reconhecida, senão um tratamento endovenoso exclusivamente hospitalar, sem nenhuma possibilidade de tratamento ambulatorial efetivo. Embora entre os participantes predominasse a opinião de não fornecer receita caso o médico considerasse a impossibilidade de qualquer alternativa cientificamente reconhecida de tratamento ambulatorial, alguns deles não se sentiram seguros dessa posição:

“Se eu fornecer a receita, eu estou automaticamente dando alta sob minha responsabilidade. Então, não daria receita. Eu até orientaria para procurar outro colega para continuar seu tratamento, mas eu não daria receita. Senão estaria me comprometendo” (S8);

“A gente não costuma dar receita, até porque o antibiótico que ela está usando é antibiótico de uso hospitalar” (S5);

“Acho que seria menos danoso deixá-la com uma receita, do que sair sem nada. Se ela realmente tivesse que ir, eu acabaria prescrevendo, sim. Eu tentaria dar uma prescrição de antibiótico via oral ou, eventualmente, alguns pacientes conseguem fazer o antibiótico endovenoso como se fosse em um hospital-dia” (S3);

“Nessa situação, na maior parte das vezes a gente tenta transicionar para uma medicação via oral que tenha um espectro de cobertura parecido com o que ela estava tomando endovenosamente. A gente acaba fazendo, muitas vezes, a receita para a paciente completar o tratamento via oral. Mesmo sabendo que não é o ideal” (S2).

O Parecer-Consulta CRM-SP 20.589/2000 1717. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer-Consulta nº 20.589/2000. Sobre a obrigatoriedade do fornecimento de receita médica para paciente que tiver alta a pedido. Homologado na RP nº 2.469, em 18 de julho de 2000. [Internet]. 2000 [acesso 5 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/1M2eY3D
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é incisivo em afirmar que o paciente que, devidamente esclarecido e sem risco de vida iminente, assume o não cumprimento da determinação médica de permanecer sob tratamento intra-hospitalar [desobriga] o profissional de dar continuidade ao tratamento, bem como de emitir receita. Tal posicionamento é reforçado pelo Parecer-Consulta CRM-SP 51.723/2005 1616. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer-Consulta nº 51.723/2005. Parecer complementar à Consulta que trata de obrigatoriedade do fornecimento de receita médica para paciente que tiver alta a pedido. Homologado na RP nº 3.320, em 28 de junho de 2005. [Internet]. 2005 [acesso 5 fev 2016]. Disponível: http://bit.ly/21rfSIB
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, segundo o qual o médico não pode ser obrigado a emitir receita contra sua convicção pessoal e, se o fizer, estará assumindo responsabilidade pelo tratamento que não indicou. Além disso, o parecer considera que, se o médico concordar com o procedimento exigido pelo paciente, não há que se falar em obrigatoriedade de fornecer receita ou em alta a pedido, posto que a conduta é consensual; nessa situação, inexiste a alta a pedido contra indicação médica, o que configura apenas uma opção pelo tratamento ambulatorial.

Considerações finais

De maneira geral, os entrevistados alinham-se com a corrente que defende a obrigação do médico de informar o paciente sobre os riscos da alta a pedido contra a indicação médica, bem como de envidar todos os esforços para tentar convencê-lo a realizar o tratamento indicado, envolvendo outros profissionais de saúde nesse processo. Se, mesmo após todos esses esforços, que deverão ser devidamente documentados, o paciente mantiver sua solicitação de alta a pedido contra a indicação médica, ela deverá ser concedida, sem que isso implique responsabilização do médico pelo eventual agravamento das suas condições de saúde.

Entretanto, não se pode deixar de notar o fato de que alguns poucos participantes tiveram grande dificuldade em lidar com as situações propostas, especificamente no que diz respeito ao que o médico deve fazer diante da insistência do paciente em pedir alta contra indicação médica, considerando que não é possível mantê-lo no hospital contra sua vontade – hospital não é prisão. Nessa situação, algumas respostas preocupantes foram ouvidas, como, por exemplo, dizer que o paciente poderia até evadir-se do hospital, mas a “alta” não seria dada por receio de uma futura responsabilização.

Em nosso entendimento, nos casos em que o paciente não se encontra em risco iminente de morte, sua autonomia deve prevalecer, mesmo sabendo que toda situação de alta a pedido contra indicação médica acarreta risco de agravamento de seu estado de saúde – caso contrário, não haveria indicação de internação. A obrigação da equipe médica, mais do que tentar convencer o paciente, é empenhar-se para que ele compreenda o alcance de sua decisão e, desse modo, possa fazer uma escolha esclarecida, devidamente documentada em prontuário. Nesse ponto em especial, propõe-se que o registro minucioso do processo de esclarecimento no prontuário seja adotado como norma pelo Conselho Federal de Medicina, em resolução específica, que definiria as etapas a serem cumpridas pelo profissional para caracterizar a correta transmissão da informação ao paciente.

Por fim, conclui-se que, diante de uma “alta a pedido”, não deve o médico simplesmente recusá-la; ao contrário, trata-se de uma oportunidade para pôr em prática seu dever de esclarecer o paciente da forma mais eficaz possível, a fim de que ele possa exercer sua autonomia com plenitude.

Anexo Roteiro de entrevista

1 – Paciente de 23 anos, gestante de 20 semanas, chega ao Pronto Socorro, com diagnóstico de pielonefrite aguda, com comprometimento do estado geral. Tem como antecedente internação anterior para tratamento de pielonefrite há 2 meses, no qual foi utilizado Meropenen (carbapenêmico) restrito à ambiente hospitalar para Klebsiella pneumoniae multi-R. A paciente é então internada para tratamento endovenoso. Ao final do segundo dia, já há melhora importante do estado geral, a ponto de a paciente caminhar pelos jardins do hospital, apesar de ter tido febre ainda pela manhã. No final da tarde, paciente solicita alta sem a indicação médica e diz que vai embora de “qualquer jeito” porque já sente melhora importante. A paciente está consciente, orientada e tem o juízo crítico preservado. Qual a sua conduta? Por quê?

2 – Supondo que você aceitasse o pedido de alta, sabendo que neste caso está formalmente indicado o tratamento endovenoso, qual seria sua conduta se a paciente solicitasse uma receita para casa?

3 – Paciente de 55 anos, portador de insuficiência coronariana crônica, com antecedente de duas internações em UTI, uma para angioplastia e colocação de stent, há 5 anos, e outra, há dois anos, para revascularização, chega ao Pronto Socorro com dor precordial em aperto, de forte intensidade, bastante agitado, pálido, o que, além da conduta de praxe para o diagnóstico, necessitou sedação. Doze horas após, paciente recobra a consciência na UTI, bastante assustado e ansioso. É informado de sua situação e da necessidade de um novo estudo coronariano, o que recusa em função das internações. Além disso, solicita alta contra indicação médica. O paciente está consciente, orientado e tem o juízo crítico preservado. Qual a sua conduta? Por quê?

4 – [Caso ainda não tenha sido citado pelo entrevistado] Nestes casos, você considera necessária a avaliação por outros profissionais médicos, e até mesmo profissionais de outras áreas da saúde? Por quê?

5 – Supondo que todos os recursos para esclarecimento do paciente foram esgotados e, mesmo assim, o paciente mantém sua decisão de alta. Qual seria sua conduta?

6 – Você documentaria essa situação? De que forma?

7 – Caso a saúde do paciente venha a se agravar, após receber alta a pedido contra indicação médica sem iminente risco de morte, de quem seria a responsabilidade?

8 – Você considera que deixar o paciente fugir do hospital seja uma alternativa válida? Por quê?

Referências

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Os autores são gratos ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) pelo apoio financeiro à pesquisa.

Aprovado CEP HC-FMRP-USP 10.154/2011

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2015
  • Revisado
    17 Ago 2015
  • Aceito
    15 Dez 2015
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