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Avaliação radiográfica do colapso sagital do Mal de Pott

Radiographic evaluation of sagital kyphosis in spinal tuberculosis

Evaluación radiológica de la cifosis sagital en la tuberculosis vertebral

Resumos

OBJETIVO: avaliar o colapso sagital dos pacientes com tuberculose vertebral tratados pelo modo conservador. MÉTODOS: revisão dos prontuários de pacientes do Grupo de Cirurgia da Coluna atendidos na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. A deformidade em cifose foi aferida pelo método de Cobb e da cifose segmentar. RESULTADOS: do total de 123 pacientes, 33 (68,8) foram submetidos a tratamento conservador, sendo 17 (51%) pacientes do sexo masculino e 16 (48,8%) do sexo feminino. A idade variou de 3 a 87 anos com média de 44,1 anos. Houve aumento da cifotização local em 20 pacientes (60,6%) e da cifose segmentar em 23 (69,6%), sendo que o de pior prognóstico de progressão foi a nível toracolombar (11,3º; p<0,05). CONCLUSÃO: nesta série de casos de tuberculose vertebral tratados sem cirurgia a evolução radiológica foi satisfatória.

Discite; Tuberculose da coluna vertebral; Cifose; Antituberculosos; Doenças da coluna vertebral; Terapêutica; Tomografia computadorizada por raios-x; Imagem por ressonância magnética


OBJECTIVE: to evaluate the radiographic outcomes of patients treated for spinal tuberculosis. METHODS: the charts of patients of the Spine Surgery attended at the Santa Casa de Misericórdia de São Paulo were reviewed. The kyphotic deformities were measured by Cobb's method. RESULTS: of the 123 patients, 33 (68. 8%) were treated conservatively, 17 (51%) were male and 16 (48.8%) were female. Age ranged from 3 to 87 with a mean of 44.1 years. We noticed the increase of local kyphosis in 20 patients (60.6%) and segmental kyphosis in 23 (69.6%), with the worst prognosis of progression at the thoracolumbar (11.3%), with a statistically significant difference (p <0.05). CONCLUSION: the empirical therapy based on clinical diagnosis radiological showed good radiographic findings in this series of cases treated conservatively.

Discitis; Tuberculosis; spinal; kyphosis; Antitubercular agents; Spinal diseases; Therapeutic; Computed tomography, x-ray; Magnetic resonance imaging


OBJETIVO: evaluar los resultados radiológicos de los pacientes tratados por tuberculosis vertebral. MÉTODOS: la revisión de los prontuarios de pacientes del Grupo de la Columna asistidos en la Santa Casa de Misericordia de São Paulo. La cifosis se mide por el método de Cobb y por la cifosis segmentar. RESULTADOS: de los 123 pacientes, 33 (el 68,8%) fueron tratados de forma conservadora, 17 (51%) pacientes eran varones y 16 (48,8%) eran mujeres. Las edades oscilan entre 3 y 87 años, con una media de 44,1 años. Se observó el aumento de la cifosis local en 20 pacientes (60,6%) y de la cifosis segmentaria en 23 (69,6%), el peor pronóstico de la progresión está en la toracolombar (11,3), aunque estadísticamente significativo que diferencia (p<0,05). CONCLUSIÓN: el tratamiento empírico basado en clínica X de diagnóstico radiológico de tórax mostró buenos resultados en esta serie de casos tratados de forma conservadora.

Discitis; Tuberculosis de la columna vertebral; Cifosis; Agentes antituberculosos; Enfermedades la columna vertebral; Terapéutica; Tomografía computada por Rayos X; Resonancia nuclear magnética


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Avaliação radiográfica do colapso sagital do Mal de Pott

Radiographic evaluation of sagital kyphosis in spinal tuberculosis

Evaluación radiológica de la cifosis sagital en la tuberculosis vertebral

Carlos Humberto Targa MoreiraI; Ricardo Shigueaki Galhego UmetaII; Maria Fernanda Silber CaffaroIII; Robert MevesIV; Elcio LandimV; Osmar AvanziVI

IAluno do Curso de Aperfeiçoamento do Grupo de Cirurgia da Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP), Brasil

IIPós-graduando (Mestrado) do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP), Brasil

IIIMestre; Professora Instrutora; Assistente do Grupo de Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP), Brasil

IVDoutor; Professor Assistente e Chefe do Grupo de Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP), Brasil

VDoutor; Professor e Consultor do Grupo de Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP), Brasil

VIDoutor; Professor Adjunto do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Carlos Humberto Targa Moreira Instituto de Ortopedia, Traumatologia e Reabilitação de Dourados - MS (ITOR) Rua João Rosa Góes, 830 CEP 79804-020 - Dourados (MS) - Brasil E-mail: itor-carloshumberto@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: avaliar o colapso sagital dos pacientes com tuberculose vertebral tratados pelo modo conservador.

MÉTODOS: revisão dos prontuários de pacientes do Grupo de Cirurgia da Coluna atendidos na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. A deformidade em cifose foi aferida pelo método de Cobb e da cifose segmentar.

RESULTADOS: do total de 123 pacientes, 33 (68,8) foram submetidos a tratamento conservador, sendo 17 (51%) pacientes do sexo masculino e 16 (48,8%) do sexo feminino. A idade variou de 3 a 87 anos com média de 44,1 anos. Houve aumento da cifotização local em 20 pacientes (60,6%) e da cifose segmentar em 23 (69,6%), sendo que o de pior prognóstico de progressão foi a nível toracolombar (11,3º; p<0,05).

CONCLUSÃO: nesta série de casos de tuberculose vertebral tratados sem cirurgia a evolução radiológica foi satisfatória.

Descritores: Discite; Tuberculose da coluna vertebral/radiografia; Cifose; Antituberculosos; Doenças da coluna vertebral; Terapêutica; Tomografia computadorizada por raios-x; Imagem por ressonância magnética

ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate the radiographic outcomes of patients treated for spinal tuberculosis.

METHODS: the charts of patients of the Spine Surgery attended at the Santa Casa de Misericórdia de São Paulo were reviewed. The kyphotic deformities were measured by Cobb's method.

RESULTS: of the 123 patients, 33 (68. 8%) were treated conservatively, 17 (51%) were male and 16 (48.8%) were female. Age ranged from 3 to 87 with a mean of 44.1 years. We noticed the increase of local kyphosis in 20 patients (60.6%) and segmental kyphosis in 23 (69.6%), with the worst prognosis of progression at the thoracolumbar (11.3%), with a statistically significant difference (p <0.05).

CONCLUSION: the empirical therapy based on clinical diagnosis radiological showed good radiographic findings in this series of cases treated conservatively.

Keywords: Discitis; Tuberculosis, spinal/radiography; kyphosis; Antitubercular agents; Spinal diseases; Therapeutic; Computed tomography, x-ray; Magnetic resonance imaging

RESUMEN

OBJETIVO: evaluar los resultados radiológicos de los pacientes tratados por tuberculosis vertebral.

MÉTODOS: la revisión de los prontuarios de pacientes del Grupo de la Columna asistidos en la Santa Casa de Misericordia de São Paulo. La cifosis se mide por el método de Cobb y por la cifosis segmentar.

RESULTADOS: de los 123 pacientes, 33 (el 68,8%) fueron tratados de forma conservadora, 17 (51%) pacientes eran varones y 16 (48,8%) eran mujeres. Las edades oscilan entre 3 y 87 años, con una media de 44,1 años. Se observó el aumento de la cifosis local en 20 pacientes (60,6%) y de la cifosis segmentaria en 23 (69,6%), el peor pronóstico de la progresión está en la toracolombar (11,3), aunque estadísticamente significativo que diferencia (p<0,05).

CONCLUSIÓN: el tratamiento empírico basado en clínica X de diagnóstico radiológico de tórax mostró buenos resultados en esta serie de casos tratados de forma conservadora.

Descriptores: Discitis; Tuberculosis de la columna vertebral/radiografía; Cifosis; Agentes antituberculosos; Enfermedades la columna vertebral; Terapéutica; Tomografía computada por Rayos X; Resonancia nuclear magnética

INTRODUÇÃO

Sir Percival Pott, em 1779, foi o primeiro autor a realizar descrição detalhada da enfermidade e sua exposição, incluindo os achados de autópsia1,2.

O termo tuberculose foi criado em 1839. É uma doença infecciosa crônica, endêmica, causada pelo Mycobacteriumtuberculosis, bacilo álcool - ácido resistente, descrito por Robert Koch em 1882. Pode também ser causada por outras formas de Mycobacterium (M. bovis,M. kansasin, M. fortuitum, M. martinum, M. intracellulase)3-6.

A tuberculose causa 3 milhões de mortes por ano e, somente na década de 1990, foram diagnosticados 90 milhões de casos7,8, tornando-se um dos grandes problemas de saúde pública nos países em desenvolvimento. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), se não houver um esforço para o controle da doença, no período de 2002 a 2020 mais de 1 bilhão de pessoas serão contaminadas e, destas, 150 milhões adoecerão, podendo, então, ocorrer 36 milhões de óbitos por tuberculose9.

Como o acometimento ósseo é responsável por 10% dos casos clínicos de tuberculose e, destes, cerca da metade é de comprometimento vertebral, os ortopedistas devem estar preparados para o tratamento de pacientes com essa doença. Porém, existem controvérsias entre os diversos autores quanto às formas de tratamento, à duração da quimioterapia e à necessidade da confirmação microbiológica da doença (achado da Mycobacterium tuberculosis no tecido ósseo)10-14.

A suspeita diagnóstica da tuberculose vertebral é difícil e, em geral, é estabelecida em estágio avançado, uma vez que as alterações características de suas lesões vertebrais são visibilizadas nas radiografias15.

O uso de medicamentos revolucionou o tratamento e continua sendo a base para a cura3. A intervenção cirúrgica é reservada somente para situações particulares, como associação com disfunção neurológica e instabilidade vertebral16.

O prognóstico varia de acordo com a idade dos pacientes, estado geral e imunológico, gravidade e duração do quadro neurológico e tipo de tratamento instituído, sendo que todas essas variáveis são influenciadas pelo diagnóstico precoce e correto da doença. O objetivo do tratamento da doença é curar a infecção, prevenir e tratar déficits neurológicos e prevenir e tratar as deformidades17-19.

O estudo avalia as características dos desfechos radiográficos dos pacientes com tuberculose óssea na coluna vertebral tratados de forma conservadora nessa instituição.

MÉTODOS

Série retrospectiva de pacientes portadores de Mal de Pott submetidos ao tratamento conservador atendidos no Grupo de Coluna do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - FCMSCSP - São Paulo (SP), com diagnóstico de tuberculose da coluna vertebral no período de janeiro de 1989 a dezembro de 2009.

Os critérios de exclusão foram: casos tratados com cirurgia devido à alteração neurológica grave (Frankel A, B e C); menos de um ano de acompanhamento; prontuário incompleto; inexistência de radiografias do início e do final do acompanhamento.

Também foi avaliada a atividade radiológica da lesão espinhal de acordo com o critério do Medical Research Council Working Party onTuberculosis of the Spine (MRCWPTS) (Apêndice A Apêndice A ). Esses critérios de imagem associados ao quadro clínico de inapetência, emagrecimento, febre noturna, comprometimento do estado geral sem sinais de septicemia e provas inflamatórias elevadas - Proteína C Reativa (PCR) e/ou Velocidade de Sedimentação Globular (VSG) - foram os critérios diagnósticos para a inclusão no estudo, sendo, então, empregado o teste terapêutico com esquema tríplice de poliquimioterapia por meio de: Rifampcina, Isoniazida e Pirazinamida pelo período de 12 meses com a documentação da normalidade dos valores das provas inflamatórias inespecíficas (VHS e muco proteína C).

A cifose localizada foi mensurada por meio do método de Cobb, sendo utilizadas as placas terminais preservadas imediatamente craniais e caudais ao nível acometido como referência, e a cifose regional, utilizando-se as placas terminais da vértebra superior e da vértebra inferior como referência para a medida (Figura 1). A mensuração foi realizada nas radiografias na incidência de perfil, realizadas por ocasião do diagnóstico inicial, sendo comparadas com as radiografias do final do acompanhamento, com período mínimo de segmento de um ano. Foram também colhidas informações em relação a: nível vertebral acometido, presença de alteração neurológica, sintomatologia, comorbidades e presença de tuberculose pulmonar, tipo e duração do tratamento e presença de alteração neurológica após o fim do tratamento.


Foi realizada estatística descritiva das variáveis qualitativas em termos de frequências absolutas e relativas. Para as variáveis quantitativas, foram calculadas algumas medidas resumo e apresentadas por meio de gráficos do tipo Boxplot®. Para comparar as variáveis quantitativas entre os instantes inicial e final utilizou-se o teste de Wilcoxon®. O nível de significância obtido foi de 5%.

RESULTADOS

Foram incluídos no trabalho 33 pacientes (68,8%), sendo 17 pacientes (51%) do sexo masculino e 16 (48,8%) do sexo feminino (Gráfico 1). A idade variou de 3 a 87 anos, com média de 44,1 anos.


O critério para diagnóstico foi clínico e radiográfico. Os exames de imagem (radiografias, tomografia computadorizada e ressonância magnética) do segmento acometido demonstraram cifose localizada com acunhamento do corpo vertebral e lesão osteolítica da placa terminal de dois corpos vertebrais sem comprometimento do disco intervertebral associado com reação paravertebral.

O período de acompanhamento dos pacientes variou entre 12 e 329 meses, com média de 63,4 meses.

Em 12 casos as lesões poderiam ser consideradas de atividade duvidosa, segundo os critérios do MRCWPTS (Apêndice A Apêndice A ).

Foram acometidas as vértebras torácicas (15,1%), toracolombares (9%) e lombares (75,7%), sendo que nos pacientes estudados não houve acometimento da coluna cervical e lombo-sacro. O acometimento de uma única vértebra ocorreu em 11,1% dos pacientes, de duas vértebras em 75,6%, de três vértebras em 8,9% e de cinco vértebras em 4,4%.

A cifose segmentar da região acometida na coluna vertebral ocorreu na maioria dos pacientes analisados (60,4%), e o aumento da angulação ocorreu em 50% deles. A média da cifose localizada antes do tratamento foi de 29,98º e, após o tratamento, foi de 32,74º.

Observamos piora da angulação média de Cobb de 2,8º e da segmentar de 4º (Tabela 1).

Dentre os 33pacientes (68,8%) tratados sem cirurgia, notamos o aumento da cifotização local em 20 deles (60,6%), e da cifose segmentar em 23 (69,6%).

Notamos diminuição da cifotização segmentar em quatro pacientes, e seis pacientes diminuíram a cifose local.

Observamos que o pior prognóstico de progressão foi o nível toracolombar (11,3º), sendo essa diferença estatisticamente significante (p<0,05). O nível lombar (7,3º) mostrou uma progressão maior que a torácica (4,2º), porém, essa diferença não se mostrou estatisticamente significante (p>0,05).

DISCUSSÃO

A tuberculose é uma doença que tem alta prevalência na população mundial e, segundo dados da OMS, estima-se que um terço dela esteja infectada pelo bacilo9,20,21. Deste valor, apenas 15% das pessoas vão desenvolver a doença, com uma apresentação óssea em 2 a 10% dos casos, sendo que 40 a 60% dos casos irão se localizar na coluna8,20-22.

No Mal de Pott, as lesões vertebrais, em geral, são tratadas de modo tardio, seja pelo atraso do paciente em procurar auxílio médico ou por retardo do diagnóstico21. Em nossa casuística observamos que 100% dos pacientes foram diagnosticados apresentando fase ativa da doença; portanto, estavam presentes as características radiográficas, bem como os sintomas gerais dessa enfermidade, que se instalam de forma insidiosa justificando o longo período de evolução da doença até o seu diagnóstico.

O paciente pode ou não apresentar o quadro clássico da infecção tuberculosa com perda de peso, inapetência e febre20,21. A principal queixa nos casos vertebrais é uma dorsalgia ou lombalgia de alguns meses de evolução23,24. Em nossa casuística, observamos que o quadro doloroso da coluna vertebral foi concomitante aos sintomas gerais da doença, provavelmente pelo período longo de evolução da infecção até o seu diagnóstico.

Na série apresentada, a dorsalgia e a lombalgia foram as principais queixas (100%). O déficit motor de 41,9% está dentro dos padrões relatados pela maioria dos autores (12,5 a 64,29%)21, 23,25, mas bem superior aos relatos do MRCWPTS.

Na literatura, um exame importante para auxiliar o diagnóstico é o teste de Mantoux®, que indica contato com as micobactérias. Contudo, como a vacinação com BCG faz parte do programa básico de vacinas do Ministério da Saúde, o teste perde parcialmente o valor em nosso país, uma vez que indivíduos imunizados podem apresentar teste cutâneo positivo devido à reação imunológica ativa proporcionada pela vacinação7,26. Esse fato adicionado à baixa especificidade e reprodutibilidade do método explicam porque tal estudo diagnóstico não foi critério de inclusão no nosso estudo. A radiografia de tórax é outro exame auxiliar para o diagnóstico, sendo positiva de um terço à metade dos pacientes do estudo. Porém, revela somente a imagem característica do primeiro contato com o bacilo ou, nas formas pulmonares de tuberculose, revela o acometimento mais disseminado. No entanto, a literatura confirma que é eventual o acometimento pulmonar e extrapulmonar concomitante; assim, esse exame também não representa critério objetivo para diagnóstico de Mal de Pott10,23,25. Nesta casuística, encontramos apenas cinco casos positivos, com tuberculose miliar. O padrão radiográfico de acometimento vertebral pode ocorrer de três formas: lesão vertebral com comprometimento discal (lesão clássica), lesão vertebral isolada (sem comprometimento discal) ou acometimento de elementos posteriores (difícil visibilização nas radiografias simples)25. Apresentaram lesão clássica 75% dos pacientes e lesão vertebral isolada os outros 25%.

Muitos autores utilizam a biópsia como exame confirmatório da doença.23,25,26 Em nosso serviço, não é rotina a realização de biópsia vertebral nos casos suspeitos de tuberculose pela baixa positividade e pelo fato de muitos autores não a considerarem fundamental para o tratamento12,20,27. Outros autores nacionais adotam a conduta do diagnóstico clínico-radiográfico, com baixa frequência de biópsias pelo alto índice de achados inespecíficos e de necrose28,29.

O diagnóstico de certeza só pode ser confirmado com o achado do bacilo; porém, o nosso serviço adota a orientação de tratar todas as lesões com diagnóstico de probabilidade (lesão clássica à radiografia), válido para regiões com alta prevalência de tuberculose na população12,13,20,21. Entretanto, apenas o critério radiológico tem suas falhas, pois outras infecções, como a brucelose, apresentam quadro radiológico similar, o que constituiu uma falha na triagem de um paciente nesta série.

Foram utilizados como auxiliares do diagnóstico de infecção os exames laboratoriais. O controle seriado do VSG e PCR são citados para avaliar o sucesso da quimioterapia14,20, o que ocorreu também com os pacientes da série apresentada, observando melhora do padrão radiológico com diminuição do VSG e PCR. Por isso, o teste terapêutico com o esquema tríplice é realizado no nosso serviço.

É consenso na literatura o tratamento específico com esquemas múltiplos, e a dificuldade está em estabelecer a duração da quimioterapia10,14,25. Inicialmente, o tratamento quimioterápico ideal era de 30 meses25. Atualmente, grande parte dos autores preconiza esquemas entre 12 e 18 meses de duração12-14,20,22,30. Existem orientações mais recentes para a diminuição do tempo de quimioterapia (seis meses), facilitando a adesão do paciente e apresentando eficácia comparável a regimes mais longos. A orientação do Ministério da Saúde7 em nosso meio prevê um esquema de seis meses para os casos de tuberculose extrapulmonar, virgem de tratamento. Concordamos com os autores que preconizam pelo menos um ano de tratamento com monitoração por meio de provas inflamatórias (hemograma, VSG e PCR).

A imobilização externa foi utilizada como tratamento incruento até que existissem sinais clínicos e radiológicos de cura da doença, conduta adotada por outros autores nacionais30,31. Tem sido demonstrado por alguns autores que o uso prolongado da imobilização não altera a taxa de fusão ou deformidade residual, recomendando seu uso nos casos de dor ou espasmo muscular13, 27,31.

Não existe uniformidade em relação à correção da cifose nem de quanto seria a medida a partir da qual se indica correção, sendo que existe uma tendência para indicação em torno de 30 de cifose11,12,22. Apesar de muito citada pela literatura, a fórmula clássica de Rajasekaran e Shanmugasundaram, a qual prevê a cifose final em 90% dos casos e só é aplicável para as lesões acima de L2, não é utilizada pela maioria dos autores que aguardam a evolução para indicar o tratamento cirúrgico. Nos pacientes do estudo não foi indicada correção apenas por queixa estética, dor ou deformidade angular.

Paciente de 45 anos, do sexo feminino, apresentou, no diagnóstico inicial da doença, quadro de febre, anorexia, perda de peso, tosse, febre, dor lombar e sintomas neurológicos nos membros inferiores (Frankel D).

A paciente foi tratada conservadoramente com antibioticoterapia e colete TLSO por nove meses e evoluiu com melhora do quadro neurológico (Frankel E) (Figuras 2, 3 e 4).




CONCLUSÃO

Nesta série de casos de tuberculose vertebral tratados de modo conservador, a evolução radiológica foi satisfatória.

Recebido em: 22/6/2010

Aceito em: 27/10/2010

Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - FCMSCMSP -- São Paulo (SP), Brasil. [Apresentado no XXIII Congresso De Ortopedia E Traumatologia Do Estado De São Paulo. São Paulo; 2010]

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Apêndice A

  • Correspondência:

    Carlos Humberto Targa Moreira
    Instituto de Ortopedia, Traumatologia e Reabilitação de Dourados - MS (ITOR)
    Rua João Rosa Góes, 830
    CEP 79804-020 - Dourados (MS) - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      22 Jun 2010
    • Aceito
      27 Out 2010
    Sociedade Brasileira de Coluna Al. Lorena, 1304 cj. 1406/1407, 01424-001 São Paulo, SP, Brasil, Tel.: (55 11) 3088-6616 - São Paulo - SP - Brazil
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