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Trombo intracardíaco móvel e tromboembolia pulmonar

CARTA AO EDITOR

Trombo intracardíaco móvel e tromboembolia pulmonar

Thauana Luiza de OliveiraI; Carolina Martins VieiraII; Juliana Bernardes CostaIII; Tarciane Aline PrataIV; André Soares de Moura CostaV; Maria do Carmo Pereira NunesVI; Fernando Antônio BottoniVII; Ricardo de Amorim CorrêaVIII

IMédica Residente de Clínica Médica, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil

IIMédica Residente de Clínica Médica, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil

IIIMédica Residente em Pneumologia, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil

IVMédica Residente em Pneumologia, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil

VAcadêmico de Medicina, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil

VIProfessora, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil

VIIProfessor, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil

VIIIProfessor, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, e Chefe do Serviço de Pneumologia e Cirurgia Torácica, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG) Brasil

Ao Editor:

A associação entre trombo intracardíaco e tromboembolia pulmonar (TEP) é pouco frequente, sua incidência é subestimada, e o tratamento é ainda controverso. Relatamos o caso de um paciente com trombose intracardíaca e TEP.

Homem de 37 anos deu entrada no setor de emergência do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG), localizado na cidade de Belo Horizonte (MG), com dispneia moderada há dois dias. O paciente apresentara um episódio semelhante há dois anos, que fora tratado como broncoespasmo. Como antecedentes, o paciente fora submetido à amputação transtibial do membro inferior esquerdo há seis anos devido à oclusão de artéria poplítea. Após anticoagulação (varfarina) por um ano, teve diagnóstico de compressão muscular da artéria poplítea direita, corrigida cirurgicamente. Naquela ocasião, detectou-se elevação do fator VIII (200 UI/dL) em uma amostra. O paciente apresentava eletrocardiograma normal. Ao exame, estava alerta, com SpO2 de 90%, FC de 72 bpm e pressão arterial de 150/100 mmHg. O exame cardiopulmonar estava normal. A radiografia de tórax evidenciava acentuação das marcas vasculares à esquerda. O ecocardiograma transtorácico (ETT) revelava trombo móvel aderido ao folheto posterior da válvula tricúspide (18 × 15 mm) insinuando-se para o ventrículo direito (VD). Outro trombo (13 × 14 mm) estava localizado na veia cava inferior (VCI), havendo hipocontratilidade difusa no VD e relaxamento diastólico anormal no ventrículo esquerdo. A cintilografia pulmonar (CP) revelava padrão homogêneo à inalação e perfusão com distribuição acentuadamente diminuída à direita e homogênea à esquerda (Figura 1). Embora o paciente tivesse recebido anticoagulação, evoluiu com persistência da dispneia e SpO2 de 93%. O ecocardiograma transesofágico (ETE) revelava grande trombo móvel no átrio direito (AD), projetando-se para o VD e disfunção do mesmo (Figura 2A). A angiotomografia de tórax revelava consolidações periféricas à direita, artéria pulmonar direita (2,9 cm) ocluída e defeito de enchimento dos ramos lobares superior, médio e inferior e dos ramos segmentares e subsegmentares, além da presença de trombos em seis ramos subsegmentares do lobo inferior esquerdo (Figura 2B). O ETT de controle, realizado 17 dias após, revelava fração de ejeção de 0,79, VD dilatado e hipocinético, pressão sistólica da artéria pulmonar de 39 mmHg e persistência do trombo em AD. Nessa fase, manteve-se a anticoagulação oral, segundo decisão conjunta com o paciente e seus familiares. O paciente recebeu alta em uso de varfarina com encaminhamento para a pneumologia. Devido à piora da dispneia, o paciente foi readmitido no mês seguinte. A CP apresentava padrão semelhante ao anterior. O ETT revelava persistência dos trombos intra-atrial e da VCI, embora menores em relação ao exame anterior. Diante dessas alterações e dos sintomas, realizou-se trombólise (alteplase, 100 mg em 2 h) em regime de UTI, que transcorreu sem complicações. O ETE realizado cinco dias após a trombólise mostrava o desaparecimento completo do trombo do AD, persistindo o trombo em VCI (17 mm). A CP de controle 72 h após não revelava sinais de reperfusão pulmonar. O paciente recebeu alta com a melhora da dispneia, em uso de varfarina, e foi referenciado para acompanhamento ambulatorial no Serviço de Pneumologia do HC-UFMG.



A identificação de trombo intracardíaco em trânsito em câmaras direitas em pacientes portadores de TEP constitui um evento raro, mas sua incidência de 3-23% está provavelmente subestimada em função da falta de realização sistemática de ecocardiograma nesses casos.(1,2) Praticamente 100% dos casos estão associados à TEP nas formas mais graves, constituindo-se em um provável marcador prognóstico, devendo-se diferenciá-los da trombose in situ intracardíaca. O diagnóstico é feito por ecocardiograma. Os trombos intracardíacos são classificados em três tipos:

Tipo A: serpiginosos, móveis, associados à TEP/trombose venosa profunda (79-98%) e a tromboses em grandes veias, alojando-se nas câmaras cardíacas direitas durante seu percurso. A apresentação clínica é grave. São fatores predisponentes regurgitação tricúspide, válvula de Eustáquio proeminente, hipertensão pulmonar e baixo débito cardíaco.

Tipo B: trombos imóveis, associados à cardiopatia subjacente. A associação com TEP ocorre em 38-40% e tem apresentação menos grave.

Tipo C: trombos muito móveis, não serpiginosos, que se assemelham a mixoma e têm uma associação intermediária e menos forte com TEP (62-67%).(3)

Os trombos intracardíacos do tipo A associam-se com mortalidade precoce elevada (42%); para os do tipo B, a mortalidade atribuída é de 4%.(3,4) A mortalidade geral é de 31% e parece não estar relacionada à mobilidade do trombo, mas sim à sua associação com TEP grave e ao tipo de tratamento instituído. Dessa forma, a presença do trombo intracardíaco em trânsito seria um marcador prognóstico.(5)

A melhor opção terapêutica é ainda controversa. Dados disponíveis referem-se a publicações de séries de casos ou de casos consecutivos, a maioria deles com viés de seleção para uma das formas de tratamento. As opções terapêuticas são anticoagulação com heparina, uso de trombolíticos e embolectomia cirúrgica.

Em uma revisão sistemática envolvendo 177 pacientes, as taxas de mortalidade geral e aquelas associadas a não tratamento, uso de anticoagulação, embolectomia cirúrgica e tratamento com trombolíticos foram de 27,1%, 100%, 28,6%, 23,8% e 11,3%, respectivamente.(1) O tratamento com trombolíticos exerceu um efeito protetor quando comparado com anticoagulação com heparina (OR = 0,33; IC95%: 0,11-0,98), com tendência a menor mortalidade com o tratamento com trombolíticos (15,0%) contra anticoagulação com heparina (37,5%) e embolectomia (29,0%), observando-se a mesma tendência quando foram analisados dados de pacientes de séries consecutivas (uso de trombolíticos vs. anticoagulação com heparina; p < 0,08).(1)

Em outro estudo, dentre 1.113 pacientes com dados ecocardiográficos disponíveis, 42 (4%) apresentavam trombo cardíaco e estavam mais comprometidos clinicamente, enquanto 1.071 não o apresentavam e foram considerados controles. A mortalidade geral em 14 dias nos grupos de estudo e controle, respectivamente, foi de 21% e 11% (p = 0,032), enquanto aquela aos três meses foi de 29% e 16% (p = 0,036).(2) A mortalidade no grupo de estudo foi semelhante entre os tipos de tratamento (23,0%, 20,8% e 25,0% nos pacientes tratados com heparina, trombólise e embolectomia, respectivamente), mas superior à dos pacientes do grupo controle tratados com heparina (mortalidade de 8%). Essa diferença poderia ser explicada pela maior gravidade dos pacientes com trombo cardíaco.(2)

Em outra série prospectiva e consecutiva de 335 pacientes com TEP admitidos em UTI, 12 pacientes (4%) apresentavam trombo intracardíaco em trânsito. Trombolíticos foram administrados a todos os pacientes, exceto em 3, que faleceram antes da infusão. Em 7 dos 9 pacientes restantes, não havia sinais do trombo e da sobrecarga do VD 12 h após a infusão; 2 pacientes necessitaram procedimento adjuvante devido à persistência do trombo. Em todos os casos, houve melhora da perfusão pulmonar, segundo os resultados de CP e angiografia, o que sugere que o uso de trombolíticos (ativador de plasminogênio tissular recombinante) proporcionaria um efeito rápido na maioria dos pacientes.(6)

Em outra série (n = 343) com 18 pacientes (5,2%) com trombo em trânsito, 16 foram tratados com trombolíticos, ocorrendo o desaparecimento do trombo em 50% dos casos em menos de 2 h após o término da infusão, em 25% após 12 h e nos restantes 25% até 24 h após, o que sugere cautela nesse período tendo em vista a resposta rápida ao tratamento trombolítico na maioria dos casos.(7)

No caso descrito, o receio de complicações em um paciente com grave sequela vascular explica, em parte, o tratamento conservador instituído inicialmente. Entretanto, a trombólise mostrou-se eficiente na resolução do trombo móvel, que fora indicada; contudo, essa não levou à reperfusão pulmonar, a qual deverá ser obtida cirurgicamente. Dessa forma, considerando-se as contraindicações, o tratamento trombolítico do trombo intracardíaco móvel deve ser considerado em casos selecionados em função da sua associação com TEP mais grave e da alta mortalidade associada.

  • 1. Rose PS, Punjabi NM, Pearse DB. Treatment of right heart thromboemboli. Chest. 2002;121(3):806-14. PMid:11888964. http://dx.doi.org/10.1378/chest.121.3.806
  • 2. Torbicki A, Galié N, Covezzoli A, Rossi E, De Rosa M, Goldhaber SZ, et al. Right heart thrombi in pulmonary embolism: results from the International Cooperative Pulmonary Embolism Registry. J Am Coll Cardiol. 2003;41(12):2245-51. http://dx.doi.org/10.1016/S0735-1097(03)00479-0
  • 3. The European Cooperative Study on the clinical significance of right heart thrombi. European Working Group on Echocardiography. Eur Heart J. 1989;10(12):1046-59. PMid:2606115.
  • 4. Wood KE. Major pulmonary embolism: review of a pathophysiologic approach to the golden hour of hemodynamically significant pulmonary embolism. Chest. 2002;121(3):877-905. PMid:11888976. http://dx.doi.org/10.1378/chest.121.3.877
  • 5. Kinney EL, Wright RJ. Efficacy of treatment of patients with echocardiographically detected right-sided heart thrombi: a meta-analysis. Am Heart J. 1989;118(3):569-73. http://dx.doi.org/10.1016/0002-8703(89)90274-3
  • 6. Pierre-Justin G, Pierard LA. Management of mobile right heart thrombi: a prospective series. Int J Cardiol. 2005;99(3):381-8. PMid:15771917. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijcard.2003.10.071
  • 7. Ferrari E, Benhamou M, Berthier F, Baudouy M. Mobile thrombi of the right heart in pulmonary embolism: delayed disappearance after thrombolytic treatment. Chest. 2005;127(3):1051-3. PMid:15764793. http://dx.doi.org/10.1378/chest.127.3.1051

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2012
  • Data do Fascículo
    Abr 2012
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