O artigo apresenta uma tradução comentada do manuscrito Of colours, escrito por Isaac Newton em 1666. Esse manuscrito é o principal registro da elaboração da teoria newtoniana sobre luz e cores antes de 1672. A tradução é acompanhada por um comentário, na forma de notas de rodapé explicativas.
Palavras-chave:
história da óptica; história da ciência; Isaac Newton
The article presents an annotated translation of the manuscript Of colors, written by Isaac Newton in 1666. This manuscript is the main record of the elaboration of the Newtonian theory on light and colors before 1672. The translation is accompanied by a comment, in the form of explanatory footnotes.
Keywords:
history of optics; history of science; Isaac Newton
1. Introdução
O nome de Isaac Newton (1643-1727) está ligado, na cultura popular, à sua teoria gravitacional e à anedótica “queda da maçã” em sua cabeça (esse evento, sobre o qual jaz uma perene controvérsia, teria desencadeado um surto de serendipidade no filósofo natural e levado à descoberta dos princípios da gravidade). Entretanto, no início da sua prolífica carreira em ciências naturais e matemática, Newton ganhou reconhecimento por suas descobertas na área da óptica. Dentre os avanços trazidos pela abordagem newtoniana sobre a luz, destaca-se a sua teoria das cores, a qual é frequentemente referenciada nos livros didáticos de física de ensino médio.
No tocante aos seus escritos sobre os fenômenos luminosos, a magnum opus de Newton é, sem dúvida, o livro Opticks[1], cuja primeira edição foi publicada em 1704. A obra foi escrita em inglês - fato que, à época, favoreceu a sua vendagem e divulgação - e reuniu as teorias sobre a luz elaboradas por Newton ao longo de mais de trinta anos, contendo um detalhamento minucioso acerca dos fenômenos da reflexão, refração e dispersão da luz. Uma digitalização da quarta edição da obra, revisada pelo próprio Newton e publicada na Inglaterra em 1730 [1], está disponível na internet. A versão completa de Opticks só recebeu uma edição brasileira em 1996, em uma tradução elaborada por André Koch Assis [2].
Newton produziu também diversos outros artigos na área da óptica [3], tal como o clássico texto A nova teoria sobre luz e cores, publicado originalmente em 1672, o qual foi traduzido e comentado para o português por Silva e Martins [4] em uma edição da RBEF de 1996. Outro livro fundamental que Newton escreveu sobre a luz é intitulado Lectiones opticae [5], publicado originalmente em latim, para o qual desconhecemos uma tradução para o português. O autor deixou ainda, em seus cadernos de anotações, uma série de manuscritos e ensaios não publicados durante sua vida. Diversas digitalizações em alta resolução desses documentos originais podem ser consultadas no sítio The Newton Project [6].
Foi justamente nesse portal em que encontramos a digitalização da versão original do seminal manuscrito Sobre as cores [7] 1, o qual está presente em um caderno de notas de laboratório de Newton datado de 16662. Cabe ressaltar que, em forma impressa, uma primeira transcrição deste texto está disponível em McGuire e Tamny [8]. De acordo com Shapiro [3], esse documento é o único registro da elaboração da teoria newtoniana sobre as cores entre 1666 e 1670. Ao longo do manuscrito, Newton descreve e enumera uma série de experimentos (existem sessenta e quatro itens no texto, cada um se referindo a uma prática experimental), os quais se referem a diversos temas da óptica, com uma atenção especial à refração e à dispersão da luz em prismas, estando presente, inclusive, uma primeira versão do seu experimentum crucis.
Ainda segundo Shapiro [3], o ensaio Sobre as cores expõe apenas uma incipiente interpretação teórica das práticas experimentais do físico inglês, ou seja, os resultados obtidos nas práticas experimentais são relatados, mas nem sempre explicados. A partir de uma leitura inspirada por suas obras posteriores, entretanto, o autor defende que Newton já possuía os principais componentes da sua teoria das cores durante a confecção do texto, na medida em que são descritos no ensaio diversos experimentos fundamentais encontrados, por exemplo, nas obras Lectiones opticae ou Opticks.
Boa parte das práticas experimentais relatadas em Sobre as cores envolve o uso de prismas ópticos. De acordo com Schaffer [9], Newton teria adquirido seus primeiros prismas após a leitura atenta das obras de Robert Boyle (Experiments and considerations touching colours, 1664) e Robert Hooke (Micrographia, 1665), nas quais experimentos envolvendo tais prismas já haviam sido descritos. Newton foi além das propostas desses autores, usando em seus experimentos diferentes formatos de prismas (isoladamente ou em combinações), além de utilizar um recipiente com água como substituto para tais elementos ópticos. A partir dessas observações, Newton atribuiu o fenômeno do maior desvio para a luz violeta em relação à vermelha 3 às diferentes refrangibilidades (ou refringências, termo que preferimos nessa tradução) dessas cores no interior do prisma.
Ademais, também segundo Schaffer [9], o objetivo de Newton em tais experimentos seria atacar e, em última instância, refutar a teoria de René Descartes (1596-1650) sobre as cores dos corpos. A teoria cartesiana, por sua vez, exibia um contraste com o pensamento escolástico, no qual dois tipos de cores eram descritas: as cores enfáticas ou aparentes (apresentadas no arco-íris ou produzidas com o auxílio de prismas) e as cores reais (exibidas pelos corpos quando iluminados, mas sem que tal luz as produzisse). Descartes não acreditava em tal distinção, e nos seus textos La Dioptrique (1637) e Les Météores (1637), ele defendia que todas as cores eram aparentes, produzidas da mesma forma que as cores prismáticas. A coletânea de discursos Les Météores [10] é, inclusive, referenciada diretamente por Newton no manuscrito.
Em contraponto a Schaffer [9], Hamou [11] destaca que Newton se apoiou em um “paradigma cartesiano” na interpretação de uma dissecção anatômica do sistema visual de um mamífero, presente na parte final de Sobre as cores. De acordo com esse autor, a interpretação apresentada por Newton para o processo visual o descrevia como um processo de múltiplas etapas, consistindo em uma progressiva desfiguração da imagem visual e sua transformação em eventos físicos no cérebro. Por sua vez, Darrigol [12] destaca que Newton, ao interpretar a maneira pela qual a informação visual é transmitida da retina ao cérebro, usou uma analogia acústica: a luz seria uma pressão sobre o sistema ocular, assim como o som equivale a uma onda de pressão sobre o sistema auditivo. No experimento 58 do manuscrito, Newton testa essa analogia de forma dramática, inserindo uma fina ponta de flecha entre seu globo ocular e sua pálpebra, a fim de estabelecer uma pressão sobre a parte de trás da retina.
O trabalho sobre luz e cores de Newton é um episódio crucial na história da ciência, e já existem propostas na literatura acadêmica para a sua discussão em sala de aula. Silva e Martins [13], por exemplo, apresentam alguns exemplos de questões que podem ser abordadas em aulas de física a partir da sua tradução para o artigo A nova teoria sobre luz e cores, de 1672, enquanto uma análise da aceitação e propagação das teorias newtonianas sobre a luz ao longo do século XVIII foi conduzida por Silva e Moura [14]. A nosso ver, o manuscrito aqui traduzido também pode auxiliar as abordagens da história da ciência em sala de aula, na medida em que permite um vislumbre dos métodos de pesquisa de Newton no início de sua carreira científica - ele possuía apenas 22 anos de idade quando fez essas anotações, havendo se graduado no Trinity College no ano anterior. Como sugestão, acreditamos que a interpretação sobre como esse importante filósofo natural conduzia seus experimentos pode se revelar uma oportunidade para abordagens acerca da natureza da ciência e do método científico em sala de aula.
Durante nosso processo de tradução original, desconhecíamos a existência de uma tradução do ensaio citado para o português. Na etapa de revisão, fomos alertados por um parecerista que uma tradução parcial poderia ser encontrada na versão brasileira da coletânea de textos newtonianos organizada por Cohen e Westfall [15]. A tradução em questão apresenta alguns dos experimentos que Newton desenvolveu com prismas, sendo relevante sua menção nesse trabalho. Mesmo com tal ressalva, uma tradução do texto completo continua desconhecida para nós, razão pela qual decidimos por desenvolver o artigo presente, no qual a tradução se faz acompanhar de um conjunto de notas de rodapé. Em tais notas, são oferecidos alguns comentários acerca do texto original, buscando esclarecer algumas passagens e também as escolhas que fizemos ao longo da tradução.
A busca por fluidez (ou legibilidade) foi o fio condutor dessa tradução. Apesar da tradução que construímos ser quase literal, seria obviamente impraticável fazê-la termo a termo. Uma dificuldade que encontramos nessa tradução foi a adequação dos tempos verbais: por não ser um artigo per se, o texto por vezes não mantém uma coerência entre os mesmos, por vezes dentro do mesmo parágrafo. Assim, tornou-se necessário fazer algumas correções estilísticas, a fim de incrementar a legibilidade da tradução. O mesmo pode ser dito a respeito da pontuação, a qual inexiste em certos trechos, ou não tem similaridade sintática na língua portuguesa, exigindo, portanto, que ajustes fossem feitos.
Há também no manuscrito uma alternância entre a capitalização ou não de algumas palavras (por exemplo, prisma e Prisma), sendo que na nossa versão, tais diferenças estão ausentes. Ademais, embora o texto seja escrito em inglês, Newton usa termos em latim em algumas passagens (radio curvitatis vitri, circuli colorum, crassitiei æris, etc.), e optamos também pela tradução dessas expressões para o português. Por vezes, fizemos ainda algumas adições de palavras ao texto original, para facilitar o entendimento do leitor; tais inserções estão indicadas entre colchetes. As eventuais (e poucas) omissões foram indicadas nas notas de rodapé, e estão geralmente ligadas a caracteres indiscerníveis no texto original.
Cabe ressaltar ainda que, no manuscrito original, os desenhos e esquemas ilustrativos elaborados por Newton se encontram entremeados com o texto, mas optamos por numerá-los para esse artigo (a partir da figura 1), a fim de manter uma uniformidade com a formatação usual dos textos publicados na Revista Brasileira de Ensino de Física. Assim, a citação às imagens aparece no texto sempre antes das mesmas serem exibidas. As figuras originais foram também redimensionadas, buscando-se a melhor qualidade possível para a sua apresentação, e o texto incluso nas figuras 4 e 15 foi traduzido para o português.
2. Tradução comentada
2.1. Sobre as cores
1. Os raios refletidos por uma folha de ouro são amarelos, mas os raios transmitidos através dela são azuis 4, como pode ser observado ao se segurar uma folha de ouro entre o seu olho e uma vela.
2. Se um punhado de fatias de madeira-dos-rins 5 for infundido em três ou quatro quartilhos 6 de água pura por uma noite, o licor (olhado em um ambiente claro) refletirá raios azuis e transmitirá raios amarelos. E se, ao se olhar através desse licor demasiado impregnado, o mesmo aparecer vermelho escuro, ele poderá ser diluído com água pura até aparecer uma cor dourada 7.
3. As peças planas de alguns tipos de vidro irão apresentar os mesmos fenômenos que a madeira-dos-rins, e estes fenômenos do ouro e da madeira dos rins são representados pelo prisma no experimento 37 8, assim como nos experimentos 22 e 24.
4. Entretanto, geralmente os corpos que aparecem de qualquer cor ao olho aparecem com a mesma cor em todas as posições 9. O ouro, se não for tão fino ao ponto de ser transparente 10, aparece apenas amarelo, e talvez a cor amarela da madeira-dos-rins viesse a desaparecer se a tintura fosse forte e o líquido tivesse grande espessura. E talvez haja muitos corpos coloridos que, se feitos suficientemente finos para serem transparentes, apareceriam de uma cor quando olhados, mas de outra cor quando olhados através dos mesmos. Talvez [isso ocorra] com os grãos de poeira expostos à luz solar, porque eles parecem coloridos.
5. A tintura de madeira-dos-rins pode ser privada de sua cor azul sem qualquer alteração feita no amarelo, ao se colocar um pouco de qualquer sal ácido nela (como o espírito 11 de sal de vinagre, suco de limão, óleo de vitriol 12, aqua fortis13, etc.14). Sais sulfúricos, viníferos (ou seja, sais voláteis de substâncias animais), como o espírito do vinho de Hartshorne, de sangue, sal amoníaco, álcalis viníferos lixiviados e sais fixados produzidos por incineração (como a solução de sal de potassa, de cinzas de madeira, de água de cal, óleo de tartaruga, etc.) fazem a cor azul ser restaurada, sem produzir qualquer alteração no amarelo.
2.2. Experiências com o prisma
6. Em um pedaço de papel preto eu desenhei uma linha opq (figura 1) 15, na qual a metade op apresentava um bom azul e a outra metade pq apresentava um bom vermelho escuro (escolhidas pelos problemas de cores). E olhando para essa linha através do prisma adf, ela apareceu quebrada em duas entre as cores, como representado por rst, estando a parte azul rs mais próxima da aresta 16ab do prisma do que a parte vermelha st. Assim, os raios azuis sofrem uma refração maior do que os vermelhos 17. Note que esses raios que eu chamo de azuis, vermelhos, etc. são aqueles que produzem o espectro 18 de tais cores. O mesmo experimento pode ser tentado com uma linha de duas cores mantida contra a escuridão19.
7. Tomei um prisma, cujo ângulo FBD era cerca de 60° 20, em um quarto escuro, no qual [a luz] do Sol adentrava apenas por um pequeno furo k (figura 2), e o coloquei próximo ao orifício k de tal maneira que os raios eram igualmente refratados nos pontos n e h 21 ao entrar e sair do prisma, sendo então projetadas as cores rstv na parede oposta. Todos os raios que produziam as cores estavam ao longo de um arco circular, igualmente refratados. Entretanto, sua forma era oblonga 22, terminada em seus lados r e s com linhas retas, sendo sua largura de 213 polegadas, seu comprimento de cerca de sete ou oito polegadas, e os centros do vermelho e azul (respectivamente, q e p) distando cerca de 234 a 3 polegadas entre si. A distância desde a parede trsv até o prisma era de 260 polegadas.
8. Coloquei o prisma no meio entre o orifício k e a parede oposta, na mesma disposição, e coloquei uma tábua xy entre o buraco k e o prisma, próxima a este (figura 2), na qual havia um pequeno buraco tão grande quanto o furo k (em outras palavras 23, com um diâmetro de um oitavo de polegada 24), de modo que os raios que passassem por ambos os buracos chegassem ao prisma quase paralelos (desejando menos de sete minutos, enquanto que no experimento anterior alguns raios estavam inclinados [entre si] em 31 minutos). Dessa maneira, o comprimento e a largura das cores 25 na parede se tornou menos de metade [da observada no experimento anterior] por cerca de duas polegadas. Em outras palavras, rs= 38 polegadas, tv=234 polegadas e pq=114 polegadas, de tal forma que os raios vermelhos e azuis, os quais eram paralelos antes da refração, puderam ser estimados a ser levemente inclinados um para o outro depois da refração, alguns mais e outros menos do que 34 minutos. Alguns desses [raios] estavam inclinados em mais de um grau, neste caso. E, portanto, se os senos dos seus ângulos de incidência (ao saírem do vidro para o ar) eram os mesmos, os seus senos de refração 26estavam geralmente na proporção de 285 para 286, e para os raios mais extremamente vermelhos e azuis, eram de 130 a 131 27. De acordo com o experimento, [considerando que] o seu ângulo de incidência fora do vidro para o ar era de 30°, então o ângulo de refração dos raios vermelhos era 48° 35’ e o ângulo de refração dos raios azuis era de 48° 52’ em geral, mas se os raios fossem os extremos do vermelho e do azul, o ângulo de refração dos raios azuis podia ser maior do que 49°05’.
9. No experimento 7, as cores apareceram nesta ordem 28. Entretanto, no experimento 8, os raios eram mais distintos e não misturados.
10. Uma boa cor azul ou vermelha 29 foi pintada em um pedaço de papel, sendo que nenhuma delas era muito mais brilhante do que a outra (ao levá-las gradualmente para a escuridão, ambas esvaneceram de maneira semelhante e desapareceram juntas). Quando o azul prismático 30 foi projetado sobre essas cores, ambas apareceram perfeitamente azuis, mas a tinta vermelha forneceu um azul mais pálido e escuro. Entretanto, quando o vermelho prismático foi projetado sobre as cores, ambas pareceram perfeitamente vermelhas, mas o papel pintado de azul proporcionou um vermelho mais pálido 31. O prisma foi disposto da mesma forma que no experimento 8. Note que, quanto mais puro [fosse] o azul, o vermelho seria menos visível [tanto com] os raios azuis [quanto] vermelhos.
11. Se a placa abcdsr (figura 3) for pintada com duas cores quaisquer e o quadrilátero abcd possuir a cor mais clara, a borda de separação entre as cores cd, quando observada através do prisma txy, exibirá uma cor vermelha. Entretanto, se o quadrilátero cdes possuir a cor mais clara, ao se olhar através de um prisma a borda comum cd32, ela aparecerá azul.
12. E isso acontecerá, embora as cores não se diferenciem em espécies, mas apenas em graus, como se o quadrilátero acdb fosse negro e cdsr mais escuro ou negro que do que abdc, a borda dc será vermelha e muito mais perceptível do que o preto, o que é estranho 33.
13. Entretanto, se em um quarto escuro (da mesma forma que no experimento 10) o azul ou vermelho prismático incidir em um papel abdc, as bordas do papel não aparecerão coloridas quando observadas a olho nu ou através de outro prisma, isto é, as bordas apresentarão a mesma cor do resto do papel. Isso ocorre devido ao primeiro prisma separar perfeitamente os raios azuis e vermelhos, enquanto eu acredito que todas as cores próprias dos corpos são um pouco misturadas 34.
14. As cores prismáticas são percebidas pelo olho em uma ordem contrária àquela em que incidem no papel 35.
15. Se um recipiente quadrangular abcd for construído com dois lados paralelos AC e BD de vidro bem polido e for preenchido com água (figura 4), quando os raios solares que passarem para um quarto escuro através de um orifício k incidirem muito obliquamente nos lados de vidro do recipiente, tais raios pintarão cores no papel EF no qual caem (os raios azuis e vermelhos são separados já na primeira refração) 36.
16. A largura das cores não é ampliada (como seriam, caso o prisma fosse triangular) quando o papel é afastado do recipiente [−] porque os raios azuis e vermelhos se tornam paralelos novamente após a segunda refração [−] e quando os raios passam através de dois furos próximos ao recipiente de cada lado das cores 37.
17. Se a janela k (figura 4) fosse aberta de tal forma que o Sol ou a luz de outra fonte pudesse brilhar livremente, e se eu limitasse os raios por um corpo opaco preso entre a parede e o recipiente, a borda da sombra desse corpo não apareceria colorida. Entretanto, se o dito corpo estivesse disposto ao lado do recipiente voltado em direção ao Sol, a borda de sua sombra seria colorida 38.
18. Entretanto, no prisma triangular, no qual o dito corpo fosse mantido de um lado ou do outro, as bordas de sua sombra apareceriam coloridas 39.
19. Se você olhar para algum corpo uniformemente luminoso (como o céu claro, uma folha de papel branco, etc.) através de um prisma triangular e mantiver o referido corpo opaco no lado mais distante do prisma, de modo a obscurecer parte do referido corpo luminoso, quanto mais longe o referido corpo opaco for mantido do prisma, mais suas bordas serão coloridas; e, quanto mais próximo, menos coloridas; até que as cores quase desaparecerão, quando o referido corpo for mantido próximo ao prisma 40.
20. Entretanto, ao invés do prisma triangular, você [pode] utilizar o referido recipiente quadrado ABDC, posicionado obliquamente de tal forma que os raios possam ser mais refratados ao passar através [do recipiente] para o olho, quando o corpo opaco estiver colocado tão perto do recipiente quanto você possa ver distintamente. Nesse caso, quando seu olho estiver perto do 41 recipiente, as bordas do referido corpo aparecerão coloridas, e tais cores serão diminuídas quando o corpo for afastado do recipiente, e efetivamente desaparecerão quando a distância até o referido corpo for muito grande. Assim, o Sol, em razão de sua distância até o prisma, não será observado colorido em suas bordas, quando olhado através do referido recipiente. [O mesmo ocorrerá] no experimento 15, [no tocante às] trajetórias das cores em um pedaço de papel.
21. As cores obtidas com este recipiente aparecem imediatamente ao olho na mesma ordem em que são projetadas no papel, mas através do 42 prisma, essa ordem é diversa 43. Observe que quanto mais os lados de vidro do recipiente ABCD estiverem distantes [entre si], mais adequado ele será [para esse experimento]; essa distância, entretanto, não deve ser inferior a seis ou oito polegadas, a fim de tornar o fenômeno perceptível. Alguns dos fenômenos podem ser tentados ao amarrar dois prismas um ao outro (figura 5), mas a distância entre seus lados é muito pequena para exibi-los 44.
22. Se a luz do Sol brilhar sobre um prisma def (figura 6), alguns de seus raios que se transmitirem através da base ef produzirão cores na parede (cb) em b, [enquanto] outros serão refletidos para a parede em c, produzindo apenas um branco sem cores. Ora, se o prisma estiver tão inclinado que os raios ab sejam refratados cada vez mais obliquamente, a cor azul finalmente desaparecerá de b; assim, apenas o vermelho será refratado para b, enquanto o azul será refletido para c, fazendo com que a cor branca lá produzida venha a parecer um pouco azulada. Todavia, se o prisma estiver ainda mais inclinado, a cor vermelha em b também desaparecerá e será refletida para c, fazendo com que a cor azulada se torne novamente branca 45.
23. Se ao ar livre você olhar para a imagem do céu refletida a partir das bases do prisma ef, mantendo seu olho O quase perpendicular à base (figura 7), você verá que uma parte ep dessa imagem do céu irá parecer mais escura do que a outra parte qf (como se estivesse sombreada por uma cortina fina). [Isso ocorre porque] todos os raios que podem chegar ao olho a partir de qf incidem muito obliquamente na base do prisma, fazendo com que todos esses raios sejam refletidos para o olho. [Considere também que] aqueles raios que poderiam chegar ao olho a partir de ep são tão diretos à base que a maioria deles é transmitida ao ponto g. A separação dessas duas partes do céu (pq) aparecerá azul, pois os raios que poderiam chegar ao olho a partir de pq são tão inclinados em relação à base que todos os raios azuis são refletidos para o olho, enquanto a maioria dos raios vermelhos é transmitida em direção a g, assim como no experimento 22 46.
24. Eu amarrei dois prismas def e bef, com suas bases frente a frente 47, e então os posicionei de forma que os raios do Sol transmitidos através de um orifício para um quarto escuro. 48 Esses raios incidiram bem diretamente sobre a base ef (figura 8) e a maioria deles foi transmitida para [a região] B do papel CB, embora alguns deles tenham sido refletidos para [a região] C devido à camada de ar ef entre os prismas. Tanto [a região] C quanto [a região] B ficaram brancas 49. Então, eu inclinei a base (ef) dos prismas cada vez mais, de forma que os raios que chegaram [à região] B mudaram de brancos para vermelhos, e a cor branca em C se tornou azulada. Inclinando o prisma ainda um pouco mais, o vermelho em B desapareceu, e a cor azulada em C tornou-se branca outra vez, como no experimento 22.
25. Ao segurar 50 os referidos prismas ao ar livre, da mesma forma que no experimento 23, mantendo meu olho [no ponto] O(figura 9) a fim de ver o céu refletido 51, os fenômenos observados foram os mesmos do experimento 23: a região ep aparecendo mais escura que a região qf e [a região] pq sendo azul. Entretanto, se eu mantivesse meu olho no ponto N para observar o céu através da base ef dos prismas ef (ou melhor, através da camada de ar aprisionado entre essas bases), apareciam os fenômenos contrários, mas muito mais óbvios, sendo a região ep muito clara, qf muito escura e pq muito vermelha. A razão foi dada no experimento 23.
Note que os experimentos 22 e 24 (e todos os outros experimentos que exigem que os raios vindos de um corpo luminoso devam ser totalmente ou quase paralelos entre si) seriam mais perceptíveis se o diâmetro do Sol fosse menor; assim, por conseguinte, em tais experimentos os raios de luz deveriam ser distendidos 52 através de dois pequenos buracos separados de uma boa distância, da mesma forma como foi realizado o experimento 8.
Também os experimentos 23 e 25 (assim como a maioria dos outros nos quais os raios de luz passam imediatamente do prisma para o olho) seriam mais perceptíveis se a pupila 53 fosse menor do que é; assim, portanto, seria conveniente olhar para o prisma através de um pequeno buraco.
26. As cores na porção pq (figura 9) apareceram para o olho O nessa ordem 54.
27. Estando os dois prismas amarrados um ao outro, enquanto era realizado o experimento 24, apareceram uma mancha 55 branca no meio da cor vermelha [na região] B e uma mancha escura na cor azulada [na região] C. [Logo] após, a base ef dos prismas se tornou mais inclinada em relação aos raios, de forma que a cor vermelha desaparecesse e que, 56 pelas leis da refração, nenhuma luz pudesse penetrar na película de ar ef . Contudo, a mancha branca permaneceu [na região] B e a mancha escura no meio da área iluminada em C.
28. Mantive meu olho [nos pontos] O ou N (enquanto o experimento 25 era executado) muito obliquamente à base ef . Quando o meu olho estava em O, apareceu uma mancha preta (R) no meio da base branca (ou filme de ar) ef, e quando meu olho estava em N, uma mancha branca (R) apareceu no meio da base preta (ou lâmina de ar) ef57. Através desse ponto (da mesma forma que através de um buraco feito no meio de um corpo preto), eu podia claramente ver qualquer objeto, mas não podia discernir nada através de quaisquer outras partes da aparente base negra ef (figura 10).
29. Ao comprimir um prisma contra o outro de várias maneiras, pressionando mais uma extremidade que a outra, eu podia fazer com que a referida mancha R se deslocasse de um lugar para outro 58; e quanto mais eu comprimia os prismas, maior essa mancha aparecia. 59 Assim, eu concebo que os lados dos prismas eram um pouco convexos e não perfeitamente planos, de forma que uma maior pressão afastava o ar interjacente em R, fazendo com que os prismas se tornassem contíguos nessa região e transmitindo assim os raios através desse lugar como se eles fossem um pedaço contínuo de vidro. [Em contraponto,] a placa de ar ef era um corpo muito refletor, de modo que a mancha R podia ser entendida como um furo feito na placa de ar ef60.
30. No experimento 27, quando a cor branca ou vermelha foi direcionada para B, apareceram vários círculos de cores sobre a região branca em B e também sobre a região escura em C. Todavia, essas cores desapareceram junto com a cor vermelha em B: elas se tornaram maiores e mais distintas, até desaparecerem.
31. Da mesma forma, no experimento 28, quando a mancha estava naquele lado da partição pq próxima do olho, ela apareceu para o meu olho tanto em O quanto em N, cercada por diversos círculos de cores. Estes círculos foram se tornando cada vez maiores e mais distintos conforme a partição colorida pq se aproximava mais e mais deles (isto é, conforme a base ef se tornava cada vez mais oblíqua aos raios) e, então, foram desaparecendo aos poucos 61 quando a referida partição pq chegou até eles. Antes de começarem a desaparecer, eles apareceram redondos ou elípticos (figura 11).
Entretanto, durante o seu desaparecimento (especialmente quando observados 62 através de um buraco muito menor do que a minha pupila), eles apareceram encurvados (figura 12). Entretanto, eu consegui observar uma maior quantidade de círculos ao olhar para eles através de uma longa fenda delgada, mantida paralela à partição colorida pq, quando os círculos desapareceram pela metade 63: nesse ponto, eu enumerei 25 círculos, estimando cada consecução de vermelho e azul como um círculo, e pude então perceber que havia muitos outros círculos, mas tão próximos uns aos outros que eu não consegui contá-los. Ao proceder dessa forma, a olho nu, eu não consegui discernir acima de nove ou dez [círculos] 64.
32. As cores dos círculos (nos experimentos 30 e 31) apareceram mais distintas na [região] C do que na [região] B, assim como quando o olho estava no [ponto] O em relação ao [ponto] N. Devido a isso, eu concebo que alguma luz incolor 65 foi refletida junto com a luz colorida para o ponto O e a região C, mas muito mais dessa luz incolor foi transmitida [ao ponto] Ne [à região] B, levando ao branqueamento e mistura das cores.
33. Os círculos são tão mais largos quanto mais próximos ao centro e, por sua vez, aumentam em número e são cada vez mais estreitos (de acordo com a medida mais exata que eu consegui fazer) quando a espessura do ar interjacente entre os prismas aumenta (ver figura 13, em que cd é o raio de curvatura do vidro, efghik representam os círculos coloridos e el=fm2=gn3=hp4=iq5=kr6 são a espessura do bronze). E isso eu observei através de um objeto esférico de vidro de prospecção 66 bem amarrado a um vidro plano, de modo a fazer com que a referida mancha com os círculos de cores aparecesse.
34. Pelo referido vidro de prospecção, eu observei (embora não com muita exatidão) que quanto mais obliquamente o raio tc (figura 14) incidisse sobre a película de ar ef entre os vidros, maiores se apresentavam os círculos coloridos, nessa proporção 67:
35. Quando os raios eram perpendiculares à camada de ar ef (figura 14) 68, o diâmetro de cinco dos círculos era uma parte 69, sendo 400 o raio dc da curvatura dos vidros. Sendo o referido raio igual a 25 polegadas, a espessura do ar (el) para um círculo (figura 13) era 164000 polegada ou 0,000015625, o qual é o espaço de um pulso do meio vibrante. Medindo-a com mais exatidão, eu encontrei 183000 polegada 70 para a dita espessura.
36. Assim, à medida que os vidros são mais ou menos pressionados um contra o outro, os círculos coloridos se tornam maiores ou menores, [respectivamente]. E, à medida que eles são pressionados cada vez mais um contra o outros, novos círculos são formados na região central, até que finalmente o referido ponto pelúcido 71 R aparece.
37. Os círculos de cor aparecem nesta ordem, a partir do centro até o olho O ou até o papel [na região] C: escuro (ou pelúcido), branco, amarelo, verde, azul, violeta, vermelho, amarelo, verde, violeta azul, vermelho, amarelo, verde, azul, etc. Entretanto, para o olho localizado em N ou o papel [na região] B, as cores aparecem nesta ordem: preto (ou pelúcido), azul, verde, amarelo, vermelho, violeta, azul e verde, de forma que os círculos que aparecem vermelhos para o olho em O aparecem azuis para o olho em N, assim como aqueles que aparecem azuis para o olho em O aparecem com a cor contrária vermelha para o olho em N.
38. Aqueles círculos que aparecem vermelhos para o olho em O e azuis para o olho em N são, novamente, quase tão largos quanto aqueles que aparecem azuis para o olho em O e vermelhos para o olho em N.
39. Mantendo em um quarto escuro os referidos círculos de raios azuis produzidos por um prisma (como no experimento 10), todos os referidos círculos apareceram azuis, exceto aqueles nos quais a luz descolorida 72 apareceu vermelha. Nesse caso, [os círculos] apareceram com um azul muito mais diluído do que os anteriores. [Ademais,] quando os raios prismáticos vermelhos incidiram sobre aqueles círculos, todos os círculos apareceram vermelhos; todavia, aqueles círculos que apareceram azuis sob a luz desobstruída, quando expostos aos raios vermelhos prismáticos, apareceram com um vermelho muito mais escuro e obscuro do que os anteriores.
40. Ainda que esses círculos estivessem mantidos nos raios prismáticos azuis ou vermelhos, eles ainda apareciam com a mesma grandeza 73.
41. Água foi colocada entre os dois prismas, em substituição ao filme de ar. [Nessa situação,] apareceram todos os fenômenos dos referidos círculos, e também aqueles descritos nos experimentos 22, 23, 24, 25, etc., apenas de forma um pouco mais obscura, porque há menos refração 74 do vidro para a água do que [refração do vidro] para o ar 75.
42. Os círculos coloridos apareciam tão grandes quando havia um filme de água como quando havia um filme de ar entre os prismas.
43. Se você fizer a mancha pelúcida Rcorrer agilmente para lá e para cá, aparecerá outra mancha S para seguila (figura 15), a qual exibe tais fenômenos de mesma forma que deveria fazer caso tal mancha S fosse uma mancha de ar. Em outras palavras: ao olho O (figura 9), [a mancha S] aparece branca ao lado da mancha R e depois vermelha, etc., enquanto ao olho N [a mancha S] aparece negra ao lado da mancha R e depois azul, etc., que são as cores que ela deveria ter caso fosse um filme de ar (a partir do experimento 37). Mas [a mancha S] não é um filme de ar, porque se a mancha R fica em repouso por um pequeno tempo, a água escoa para a referida região S e faz com que a mesma desapareça. Parece, portanto, que a água não pode agilmente seguir a mancha R, mas sim ela deixa o espaço S vazio para que [esse espaço] possa ser preenchido apenas pelo éter, até que a água tenha tempo de fluir para essa região 76.
44. Refratei os raios através de um prisma para um quarto escuro (assim como no experimento 7) enquanto mantive outro prisma a cerca de 5 ou 6 jardas 77 do primeiro, a fim de refratar os raios uma segunda vez. Inicialmente, eu descobri que os raios azuis sofreram uma maior refração através do segundo prisma, em comparação aos raios vermelhos 78.
45. Em seguida, [eu descobri] que os raios puramente vermelhos refratados pelo segundo prisma não produziram outras cores senão o vermelho, assim como os raios puramente azuis não produziram outras cores além do próprio azul 79.
46. 80 Três ou mais prismas A, B e C foram expostos à luz solar (figura 16) de modo que a cor vermelha [refratada] pelo prisma B incidisse sobre a cor verde ou amarela [refratada] pelo prisma A e a cor vermelha [refratada] pelo prisma C incidisse sobre a cor verde ou amarela do prisma B. [Nessa situação,] quando as referidas cores incidiram sobre o papel DE nos pontos P, Q, R e S, apareceram uma cor vermelha em P e uma azul em S. Entretanto, entre os pontos Q e R, onde os vermelhos, amarelos, verdes, azuis e violetas dos vários prismas são misturados entre si, apareceu uma cor branca 81.
47. 82 Foi disposto um pedaço de papel sobre um lado do prisma, com várias fendas a, b, c e d paralelas às arestas do prisma (figura 17), a fim de que a luz que passasse por essas fendas produzisse cores sobre o papel DE. Assim, quando o referido papel foi mantido próximo ao prisma, para cada fenda a, b, c e dapareceu uma linha colorida, [respectivamente] r, s, t e v. O papel foi então afastado do prisma até que as referidas linhas coloridas estivessem misturadas entre si, fazendo com que a região entrep e q aparecesse branca, onde essas cores foram misturadas. [Nesse caso], o ponto m apareceu vermelho e o ponto n azul. Entretanto, [conforme] o papel foi afastado ainda mais do prisma, a cor branca (pq) apareceu cada vez mais estreita, até desaparecer. E, nessa situação, o lado gh apareceu vermelho e o outro lado gf apareceu azul 83.
48. Assim como o branco foi produzido por uma mistura de todos os tipos de cores (nos experimentos 46 e 47), o verde foi obtido por uma mistura de azul e amarelo 84, o violeta por uma mistura de vermelho e amarelo, etc.
49. Uma superfície única de vidro reflete muitos raios, tanto quando eles são transmitidos do vidro para o ar quanto no caso em que eles são transmitidos do ar para o vidro. Ademais, duas superfícies contíguas de vidro (como aquelas dos experimentos 27, 28 e 29) refletem os raios não mais do que se os vidros fossem uma peça maciça, sem a presença de tal superfície entre eles 85.
50. Flocos finos de moscovita 86, as bolhas que as crianças fazem de água e sabão 87, as finas escórias de chumbo fundido e de ferro arrefecido, água espalhada em uma camada muito fina em vidro, vidro soprado muito fino 88, etc. também apresentam os fenômenos dos círculos coloridos citados nos experimentos 30, 31, etc. [Esses fenômenos também podem ser observados] em manchas coloridas no Sol ou em licores, pós e corpos sólidos, assim como nos finos fios coloridos de algumas teias de aranha, de vermes de seda e de linho finamente tecidos (embora o linho em fiação perca seu brilho, porque os fios planos se juntam e ganham o dobro de espessura, como no experimento 49).
51. Se [a luz] do Sol (S) brilhar sobre uma grande esfera de vidro abd e você mantiver o olho muito próximo ao globo (figura 18), os raios bp aparecerão com a coloração vermelha, e quanto mais longe você mantiver seu olho em relação ao vidro, menos coloridos eles aparecerão, até que a cor venha a desaparecer. Entretanto, os raios rd e fq aparecerão coloridos, seja qual for a distância que seu olho estiver em relação à esfera. Você pode observar essa mesma situação deixando as cores incidirem em um pedaço de papel.
52. Embora uma terminação da luz refratada através do prisma não produza azuis e vermelhos, no caso dessa esfera isso ocorre (ver Cartesij Meteora89, capítulo 8, seção 9), na medida em que os raios rd e fq produzem todos os tipos de azuis e vermelhos. De fato, a partir dos raios bp, o vermelho é muito distinto, enquanto o azul é quase indiscernível.
53. As cores do arco-íris devem ser explicadas pelos raios rd e fq (vide Cartesij Meteora, capítulo 8, seções 1, 2, 3, 9, 10, 11, 12 e 15), pois o arco pode ser produzido por gotas de água, as quais são forçadamente empurradas para cima no ar.
54. A mancha R (mencionada no experimento 52 [28] 90) se torna cada vez menor quanto mais obliquamente os raios incidirem sobre o filme intermediário de ar (ef). Isso parece indicar que a pequena espessura 91 do filme intermediário de ar (ou melhor, éter 92) amplifica a sua refração, até se tornar igual à do vidro (quando os vidros se tornam contíguos) 93.
55. As superfícies de vidro não refletem tanta luz quando o vidro está [imerso] na água em comparação a quando ele está [imerso] no ar, e quanto menos os dois meios diferem em refração 94, menos luz é refletida pela superfície que os separa. Isso indica que não é a superfície do vidro ou de qualquer outro corpo liso e pelúcido que reflete a luz, ao contrário, a causa [dessa reflexão] é a diferença de éter no vidro e no ar 95, ou em quaisquer corpos contíguos, embora as partes do vidro devam necessariamente refletir alguns raios 96.
56. Os pós dos corpos pelúcidos são brancos, assim como um aglomerado de pequenas bolhas de ar, as raspas de chifres negros ou claros, etc. devido à multiplicidade de superfícies refletoras, na medida em que tais corpos são cheios de falhas, ao contrário daqueles [corpos] cujas partes 97 não estão muito próximas (como metais, mármore, opala 98, etc.) e cujos poros entre as suas partes admitem um éter mais espesso dentro deles do que os poros em suas partes 99.
57. [Como consequência,] em sua maioria, os corpos (isto é, aqueles que podem ser embebidos em água, como papel, madeira, mármore, opala, etc.) se tornam mais escuros e transparentes ao serem encharcados em água, 100 pois a água preenche os poros refletores.
58. Eu peguei uma ponta de flecha 101gh e a coloquei entre meu olho e o osso o mais próximo possível da parte de trás do meu olho quanto eu poderia (figura 19), pressionando então meu olho com a extremidade dela (de modo a produzir a curvatura abcdef em meu olho). [Assim procedendo], apareceram diversos círculos brancos, escuros e coloridos r, s, t, etc. Estes círculos se tornavam mais claros enquanto eu continuasse a esfregar meus olhos com a ponta de flecha 102. Entretanto, se eu mantinha meu olho e a ponta de flecha parados, mas continuava pressionando meu olho com ela, os círculos começavam a se desvanecer e frequentemente desapareciam até que eu os renovasse, ao mover meu olho ou a ponta de flecha 103.
59. Se o experimento [anterior] fosse feito em uma sala iluminada, ainda que meus olhos estivessem fechados, alguma luz passaria através de minhas pálpebras. Nesse caso, aparecia um grande e largo círculo azul-escuro - como ts (figura 19) - e, dentro desse círculo, outra mancha de luz, cuja cor era muito parecida com aquela percebida tanto no resto do olho como no ponto k. Dentro dessa mancha, aparecia ainda outro ponto azul r, especialmente quando eu apertava com força o meu olho usando uma ponta de flecha pequena e pontiaguda. E na extremidade vt aparecia uma borda de luz 104.
60. Mas, pelo contrário, ao desenvolver o experimento em um quarto muito escuro, o círculo ts apareceu de uma luz avermelhada, sr apareceu como um azul escuro e o ponto médio r tornou-se novamente mais claro 105. Pareceu ainda existir um círculo tv azul-escuro no extremo de tudo, sem o círculo ts. Eu acredito (no experimento 60) que foi onde a curvatura da retina pouco havia se iniciado (em ma e fn) que a cor azul tv foi originada. Em ab e ef, onde a retina estava mais côncava, o círculo brilhante ts foi produzido; em bc e de, onde a retina não estava nem muito encurvada nem muito esticada, o círculo azul escuro sr foi causado, e em cd, onde a retina foi alongada a ponto de se tornar convexa, o ponto de luz rse originou. No experimento 59, os fluidos106 foram talvez filtrados para fora 107 da retina em ab, ef e cd, ou de alguma outra maneira se tornaram incapazes de serem estimulados pela luz e, devido a isso, produziram uma menor aparição de luz que no resto da retina.
61. O mesmo círculo, no qual apareceu luz na escuridão, apareceu escuro na área iluminada. Eu descobri [esse fato] deixando entrar a luz de repente em um quarto escuro, quando então os círculos brilhantes imediatamente se transformam em escuros e os círculos escuros em brilhantes 108.
62. Às vezes, eu conseguia perceber cores vivas de azul e vermelho, produzidas pela referida pressão, e talvez um olho mais crítico pudesse ter discernido esta ordem de cores. Em outras palavras, no experimento 60, [as cores a partir] do centro eram: verde, azul, violeta, violeta escuro, azul, verde, amarelo, vermelho como uma chama, amarelo, verde, azul, violeta profundo 109 e preto 110.
63. Olhei para um objeto muito claro, como o Sol ou sua imagem refletida. Depois, por alguns instantes, continuou existindo uma impressão de cores nos meus olhos: os objetos brancos pareceram vermelhos, e assim se comportaram todos os objetos em uma área iluminada, mas quando eu entrei num quarto escuro, a ilusão 111 se tornou azul.
64. Essa ilusão é produzida na retina, e aparece porque as cores são obtidas ao se pressionar a parte traseira do olho, fazendo o olho se voltar contra a pressão, de modo que ele seja pressionado antes que as cores desapareçam. A túnica retiniana 112 não cresce a partir dos lados do nervo óptico (como os outros dois nervos que se levantam, um a partir da dura-máter e o outro a partir da pia-máter 113), mas ao contrário, cresce a partir do meio do nervo, aderindo-se a ele em todas as extremidades de sua medula. Se o nervo é cortado em qualquer lugar entre o olho e a união dos nervos, ele aparece cheio de pequenas manchas ou protuberâncias, as quais são um pouco proeminentes, especialmente quando o nervo é pressionado ou aquecido em uma vela 114. E estes se trespassam para o interior do próprio olho, e podem ser visto nesse interior, no local onde a retina cresce para o nervo, e eles também continuam em direção à própria junção EFGH (figura 20) 115.
Mas, nesta junção, eles terminam de repente em uma polpa branca 116 mais macia, como a parte interior do cérebro, e assim o nervo continua após a junção para o interior do cérebro, o qual também é preenchido com essa polpa branca macia, não podendo ser vista nenhuma distinção de partes, como entre a dita junção e o olho.
Penso agora que cada ponto da retina de um olho tem um ponto correspondente no outro, do qual dois tubos muito finos, cheios de um líquido muito límpido, sem interrupção, irregularidade ou qualquer outra variação nos seus processos, os quais correm ao longo dos nervos ópticos para a junção EFGH, onde eles se encontram entre GF ou FH, e lá se unem em um tubo tão grande quanto os dois combinados, e assim continuam por uma passagem (IL ou MK) até o cérebro, onde eles se encerram. [Esse final ocorre] talvez no próximo encontro dos nervos, entre o cérebro e o cerebelo, na mesma ordem em que suas extremidades estavam situadas nas retinas. Assim, há uma vasta multiplicidade desses tubos delgados que fluem a partir do cérebro, sendo que metade flui através do nervo lateral direito IL, até que eles chegam à junção GF, onde cada um deles é dividido em dois ramos, os quais passam por G e T para o lado direito do olho direito AB, enquanto a outra metade é trespassada através da junção EF, passando assim por X para o lado direito do olho esquerdo αβ. Da mesma maneira, a outra metade é trespassada através do nervo esquerdo MK, se dividindo em FH e com seus ramos passando por EV para o olho direito e por HY para o olho esquerdo, compondo a metade esquerda da retina 117 de ambos os olhos (CD e γδ) 118.
Dessa forma, parece que as duas imagens de ambos os olhos produzem apenas uma imagem abcd no cérebro. (2) Por que, quando um olho é distorcido 119, os objetos parecem duplos? Porque se a imagem de qualquer objeto for produzida em α em um dos olhos e β no outro, esse objeto terá duas imagens no cérebro nos pontos a e b. Portanto, as imagens de qualquer objeto devem ser produzidas sobre os pontos correspondentes das duas retinas; se [a imagem está] em A no olho direito, então ela estará em α no esquerdo. Se [a imagem está] em B, então também está em β. E assim os movimentos irão convergir 120 depois que tiverem passado a junção GH e irão produzir uma imagem em a ou b 121, mais vívida que um olho sozinho poderia fazer 122. (3) Por que uma coisa pode aparecer em dois lugares ao distorcer o olho enquanto duas coisas não podem aparecer em um só lugar? Se a imagem de uma coisa incidir sobre A e a imagem da outra sobre α, ambas poderão proceder à p 123, mas não poderão ir adiante, pois ambas não poderão ser transportadas pelos mesmos canos pa no cérebro, pois aquela que for mais forte ou mais auxiliada pela fantasia irá lá prevalecer, apagando assim a outra. (4) Um azul visto por um olho e um amarelo visto pelo outro, ao mesmo tempo, produzem um verde, a menos que a fantasia torne uma cor predominante 124. (5) Se um dos ramos do nervo além da junção (como GF ou FH) for cortado, a metade de ambos os olhos em direção ao nervo ferido se torna cega, permanecendo a outra metade perfeita. (6) Por que a junção é quase tão larga novamente entre G e H, e em seguida, entre E e F? Porque todos os túbulos de ambos os olhos passam entre G e H, mas apenas metade deles entre E e F. Ela não é tão ampla novamente porque o cruzamento dos túbulos em G faz com que eles se juntem, etc., e também a espessura daqueles vivos 125, etc. (7) Por que o nervo GILF não chega diretamente sobre o nervo XEHY, mas se desvia um pouco para TV ? Por que seus túbulos devem passar apenas para esse lado do nervo EHYX, em direção a EX. O mesmo ocorre [com o nervo] FMKH. (8) Por que a medula do nervo TVEG cresce de repente de forma suave quando chega à junção EF e mais subitamente daquele lado em direção a G, e em seguida, em direção a E (e de forma similar para o nervo EXYH)? Porque é necessário que o nervo TVEG possa ser esticado e dobrado de várias maneiras, devido ao movimento do olho; portanto, os túbulos estão envolvidos ou excitados pelas substâncias de várias camadas duras, as quais são dobradas juntas e compõem a medula do nervo, bastante sólida e flexível, de forma que o túbulo seja pouco prejudicado pelos vários movimentos do nervo. E essas pequenas protuberâncias ou proeminências que aparecem na seção transversal do nervo, de forma sábia eu concebo que são produzidas pelo dobramento desses revestimentos mais rudes 126. Para bem proteger de toda violência o nervo na junção EGFH, devido ao movimento produzido pelos ossos em que ele está estreitamente adaptado, não é necessário que a substância das referidas membranas deva continuar avançando além de EG. Por conseguinte, o túbulo é desencapado de forma súbita 127 no lado interno dos nervos, em direção a VE e XE, podendo se cruzar individualmente entre EF e se unir com seus correspondentes nos outros lados (YH e TG). Portanto, o túbulo interior deve primeiro atravessar antes de poder se reunir com o túbulo mais externo do nervo oposto. É dessa forma que os nervos crescem suavemente e mais cedo no lado interno em E, e em seguida, no lado externo em G e H. (9) Por que os dois nervos se encontram por uma segunda vez no cérebro? Por que as duas metades da imagem carregadas ao longo de IL e MK podem ser unidas em uma imagem completa no sistema sensorial 128. Note que os nervos em seu contato (ou encontro) estão aproximadamente dissociados do resto do cérebro, nem são tão espessos como um pouco antes de sua reunião. Entretanto, na sua aparência externa, eles se assemelham a uma concentração de fibras capilares, como os raios de um hemisfério para um ponto na parte inferior da junção. E é provável que a faculdade visual esteja lá para outra função, porque os nervos incham para um volume muito grande, como se estivessem se preparando para sua última tarefa, na medida em que eles vão atravessar diretamente, de ambos os lados do cérebro, para lá se encontrarem. Se o projeto era ter os movimentos transmitidos do sistema sensorial para o olho por um atalho antes que eles se tornassem muito fracos. Se eles pudessem prosseguir adiante, eles poderiam ter ido um caminho ainda mais curto e com um canal menor. Há de fato uma medula - que se atira de debaixo deles em direção ao cerebelo - à qual eles estão unidos, mas a maior parte da sua substância, se não toda, encontra-se acima desta medula e também se atira transversalmente além dela em direção do centro do cérebro, onde eles se encontram. Por fim, a substância aqui (situada no meio do cérebro) é mais pura, constituindo a parte superior dessa pequena passagem entre todos os ventrículos, na qual todos os humores supérfluos têm as maiores vantagens para escorregar, a fim de que não venham a sobrecarregar esse precioso órgão.
A luz raramente atinge sobre as partes de corpos densos (como pode ser visto na sua trajetória através deles), sendo a reflexão e a refração produzidas pela diferença de éteres e, por conseguinte, o seu efeito sobre a retina pode ser apenas para fazer esta vibrar, sendo que tal movimento em seguida deve ser ou transportado pelo nervo óptico até o sistema sensorial ou produzir outros movimentos que são transportados para mais longe. [Essa última afirmação] não é válida para a água, a qual é demasiado densa para essas impressões sutis, assim como para fluidos animais. Apesar disso, eu amarrei um pedaço do nervo óptico em uma extremidade e o aqueci no meio para ver se, por esse meio, alguma substância gasosa seria revelada na forma de bolhas na outra extremidade. Eu não consegui detectar nem mesmo um mínimo de bolhas, pois bastou só um pouco de umidade para a própria medula se deslocar para fora. E, de fato, aqueles que conhecem a dificuldade enfrentada pelo ar para adentrar os pequenos poros dos corpos, têm razões para suspeitar que um corpo etéreo, muito mais fino que o ar, poderia penetrar facilmente e sem violência (como deveria fazer) os pequenos poros do cérebro e nervos - eu deveria falar da água, porque aqueles poros estão preenchidos com água. [Esse corpo] seria demasiado sutil para ser aprisionado pela dura-máter e pelo crânio, e poderia passar por um éter. No entanto, qualquer que seja a necessidade de tal fluido, boa parte do seu movimento é perdido pela comunicação, especialmente entre os corpos de diferentes constituições. Portanto, ele não pode de modo algum ser transmitido ao sistema sensorial de forma completa como o próprio éter. Admito existirem tubos cheios de um puro líquido transparente passando a partir do olho para o sistema sensorial, e o movimento de vibração do éter necessariamente irá para lá. Pois nada interrompe esse movimento, exceto as superfícies refletoras. Portanto, esse movimento também não pode se perder através das superfícies refletoras do tubo, mas deve se mover rapidamente (como um som em um tronco) por inteiro para o sistema sensorial. E a visão assim produzida é muito adaptável ao sentido da audição, o qual é produzido por vibrações semelhantes 129.
A partir da brancura do cérebro e dos nervos, a espessura dos seus envoltórios 130 pode ser determinada e [o volume] das suas cavidades pode ser conjecturado. E é belo considerar como estes [valores] concordam com o maior grau de nitidez na visão, tal como também com a intenção da natureza em transmitir distintamente os movimentos do éter.
Quando os raios incidiam sobre uma película de ar encerrado entre dois vidros 131, a espessura de uma vibração era 181000 ou 180000 partes de uma polegada. Se água era colocada entre os vidros, a espessura de uma vibração era 11000000 polegada 132, ou três quartos das suas dimensões anteriores; ou seja, [a espessura da vibração era influenciada] pelas densidades dos meios interjacentes.
Se os raios incidiam obliquamente, os círculos aumentavam, de modo a que os seus diâmetros eram como as secantes da inclinação dos raios dentro do filme de ar, ou reciprocamente, como a sua celeridade dentro da referida película. E a espessura pertencente a cada vibração era como os quadrados dessas secantes de celeridades, e os comprimentos dos raios pertencentes a cada vibração, como os seus cubos.
O primeiro pulso terminava no primeiro círculo escuro. A relação entre a espessura de um pulso de raios vermelho extremo e um pulso de violeta, quando a luz incidia perpendicularmente, ra maior do que 3 para 2 e menos de 5 para 3 133; em outras palavras, como 9 para 14 ou 13 para 20. E a espessura correspondente a cada cor era 13, 14, 1412, 1512,1612, 1712, 1812, 19, para violeta extremo, violeta intenso, índigo, azul, verde, a fronteira entre verde e amarelo134, amarelo, laranja, vermelho e vermelho extremo 135.
O Sr. Boyle 136 menciona uma pessoa que, devido a uma doença, passou a ter uma visão tão sensível que, na escuridão da noite, conseguia ver e distinguir claramente as cores das vigas de madeira 137 (e outros objetos) propositalmente fixadas no interior das cortinas contra as quais ela despertava (Da natureza determinada dos eflúvios, p.26 138), e também relata o caso de outra pessoa que, devido a uma febre, passou a ter uma audição muito sensível, sendo capaz de claramente ouvir sussurros a uma distância que outros não poderiam de forma alguma perceber; entretanto, quando essa pessoa cresceu, sua audição se tornou igualou à audição dos outros homens (ibid).
Vegetais anti-hemorrágicos, como fel, casca do carvalho, rosas vermelhas, pau de campeche 139, sumagre 140, etc. transformam o vitríolo em um precipitado preto 141.
3. Considerações finais
Qualquer tradução apresenta limitações, pois é inevitável que parte do estilo de um autor não seja reproduzível na tradução. A tradução de um manuscrito, o qual pode ser visto como uma obra inacabada ou mesmo um rascunho, se revela ainda mais complexa: em certas passagens do texto aqui traduzido, Newton deixou frases por completar ou trocou bruscamente de tema, sem indicações na forma de pontuação, por exemplo. Azenha Jr [22] relata que uma tradução técnica pode se revelar ainda mais dramática, levando até mesmo à imputação de acidentes corriqueiros (como a queima de eletrodomésticos) e grandes desastres (como catástrofes ecológicas associadas ao uso incorreto de agrotóxicos ou queda de pontes) a erros de tradução.
Apesar dessas limitações e riscos, acreditamos que a tradução aqui apresentada pode auxiliar a leitura do texto original, pois pode ser encarada, a nosso ver, como um “guia de leitura” explicativo do mesmo. Consideramos também importante esse esforço de tradução pelo fato das teorias newtonianas serem onipresentes nos livros e manuais didáticos, podendo então o presente artigo contribuir para a interpretação da apresentação do ideário newtoniano nesses livros. Uma tradução, entretanto, não substitui o original: preferencialmente, o leitor que assim puder deverá também consultar a obra no idioma e forma originais para maior acurácia, se o seu objeto de pesquisa acadêmica assim o exigir.
Como frisamos na introdução, um manuscrito em um caderno de notas de laboratório não é um artigo per se. Assim, acreditamos que uma possibilidade de pesquisa futura seria a comparação entre os resultados apresentados por Newton nesse manuscrito e sua publicação definitiva, por exemplo, no artigo de 1672, no qual ele expõe a primeira versão da sua teoria sobre as cores. Ressaltamos na introdução que o artigo supracitado também já foi traduzido para o português [4], e tal leitura comparada poderia ser feita, por exemplo, por alunos de graduação em física e áreas afins.
Devemos aqui dar crédito, ainda que de forma anônima, a um dos pareceristas da versão inicial desse artigo, por algumas sugestões elaboradas na etapa prévia à publicação dessa tradução. Tal parecer nos apresentou alguns vieses possíveis pelos quais esse artigo poderia ter enveredado, tais como: o estabelecimento de uma comparação entre as discussões presentes no Of colours com as apresentadas nas obras posteriores de Newton; o foco em determinados trechos do texto newtoniano, discutindo a partir deles as possibilidades que tais trechos trariam para a sala de aula; e um estudo das diferenças entre este texto e os posteriores de Newton na área da óptica, com ênfase na evolução do pensamento newtoniano. Infelizmente, tais sugestões não puderam ser implementadas, pois, a nosso ver, embora as mesmas se revelem propostas importantes (quiçá hercúleas), elas obrigariam que nos afastássemos do objetivo primário que delineamos para esse artigo: apresentar uma tradução fluida do texto de Newton, com destaque para a legibilidade. Insistimos que não desconsideramos, a priori, o valor dessas sugestões, apenas consideramos que as mesmas seriam mais adequadas para artigos vindouros, os quais poderiam se apoiar na tradução aqui apresentada, a qual se propõe apenas a ser uma tradução comentada do texto original e não um esgotamento do tema.
Cabe ainda, nessas considerações finais, pensar sobre sugestões para o uso efetivo desse texto em sala de aula. Percebemos, inicialmente, que o manuscrito de Newton tem um caráter “sincero” e “espontâneo”, ou seja, é apresentado um relato direto dos fenômenos observados, contendo poucas explicações adicionais. Em nossa opinião, tais características qualificam o texto para abordagens acerca da metodologia científica. Um exemplo prático seria a realização (de forma interativa ou demonstrativa) de um experimento descrito por Newton, podendo então se requerer dos estudantes a confecção de uma descrição dos fenômenos observados, com a posterior comparação com a descrição elaborada por Newton. Outra possibilidade pedagógica dialoga com uma das sugestões do parecerista desse artigo, a quem agradecemos por tantas sugestões valiosas: poder-se-ia comparar o relato de Newton sobre um experimento relatado no manuscrito aqui traduzido com a descrição posterior desse experimento em outra obra desse filósofo natural, a fim de que os estudantes possam perceber que as ideias não “nascem prontas” em ciência. Comparar uma descrição de Newton com uma explicação presente em um livro didático da atualidade também seria uma possibilidade.
Admitimos, por fim, que vivemos em uma época generosa, cuja facilidade de acesso por via digital às cópias do manuscrito original tornou tal tradução possível. Cabe, portanto, ressaltar que uma ampla variedade de obras clássicas sobre a luz - por exemplo, o livro Dioptrice [23] de Johannes Kepler (1571-1630) ou a obra Óptica [24] de Euclides (fl. 300 a.C.) - está disponível na rede mundial de computadores 142, mas a maioria delas ainda não possui versões em português, permitindo - e estimulando - esforços futuros de tradução e pesquisa.
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1
O título original do manuscrito é Of colours, cuja tradução literal poderia também ser Das cores ao invés da opção por Sobre as cores.
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2
O manuscrito completou 350 anos de existência em 2016.
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3
Cabe destacar que, na maioria das anotações de Newton presentes nesse manuscrito, ele compara o comportamento da luz vermelha com o comportamento da luz azul (e.g. experimento 44).
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4
Tal fenômeno ocorre pela complementaridade das cores: a luz refletida (amarelo) é complementar à transmitida (azul) na folha de ouro citada.
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5
Newton usa o termo Lignum nephriticum, nome latino para um diurético tradicional em voga à época da confecção do manuscrito. A solução diurética que Newton descreve apresenta fluorescência e foi objeto de estudo também de Robert Boyle.
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6
Newton se refere nessa passagem à unidade de volume pint, equivalente à época a um oitavo de um galão imperial, sendo equivalente a um volume de 665 mL.
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7
A diluição progressiva de uma solução provoca alteração na sua coloração, como constatado por Newton. Vale notar que alguns processos atuais de controle da qualidade da água se baseiam nessa propriedade.
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8
Ao longo de toda a tradução aqui apresentada, adotou-se o termo experimento para as práticas empíricas descritas por Newton, evitando o uso da palavra experiência.
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9
Trecho omitido: {Nay}.
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10
Um corpo transparente, nesse contexto, nos parece sinônimo de translúcido.
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11
O “espírito” de uma substância seria a “essência” da mesma. No exemplo do parágrafo, o ácido acético seria o espírito do vinagre e o álcool seria o espírito do vinho.
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12
Termo alquímico para o ácido sulfúrico.
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13
Termo alquímico para o ácido nítrico.
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14
Ao invés de et cetera, a enumeração é feita ao longo do texto com a expressão andc.
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15
As imagens presentes nessa tradução estão disponíveis tanto no manuscrito original quanto na versão normalizada publicada no sítio The Newton Project [6].
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16
No original, vertex. Como a palavra vértice usualmente se refere a um ponto na geometria, preferimos aresta como representação do segmento ab.
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17
Sofrer maior refração, nesse contexto, seria equivalente a um maior desvio do raio luminoso ao atravessar o prisma.
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18
Newton usa no texto a palavra phantasme para se referir ao espectro luminoso.
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19
Conforme nos foi alertado por um parecerista, diversos experimentos presentes no texto aqui traduzido foram rediscutidos por Newton em suas obras posteriores. No caso, esse experimento específico está apresentado na Proposição 1 do Livro I do Opticks [1].
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20
Tal prisma é modernamente conhecido como “prisma de Newton”, devido à constância com que os mesmos eram utilizados em seus experimentos ópticos.
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21
Omitido: (neh).
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22
Nesse experimento, Newton estuda a dispersão cromática. Percebe-se que mesmo quando a luz passava de forma quase paralela (simétrica), a projeção era oblonga ao invés de circular. Newton atribuiu tal distorção de formato às diferentes refringências (ou seja, índices de refração) apresentadas pelo material do prisma para cada cor [8].
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23
No original: viz. Essa expressão adverbial é usada várias vezes por Newton, antecedendo uma explicação ou aposto.
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24
Omitido: fração 1/8.
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25
Nesse manuscrito, Newton não chega a definir quantas cores haveria no espectro, mas no experimento 63, ele cita uma sequência de dez cores: violeta extremo, violeta intenso, índigo, azul, verde, a fronteira entre verde e amarelo, amarelo, laranja, vermelho e vermelho extremo. No livro I da sua obra Opticks [1], proposição II, experimento VII, ele se refere à conhecida sequência de sete cores: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul (ciano), índigo (azul escuro) e violeta. O número sete - arbitrário por definição - foi escolhido pelo autor por analogia com o número de notas em uma escala musical.
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26
A razão entre os senos dos ângulos de incidência e de refração é o índice de refração, de acordo com a Lei de Snell-Descartes.
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27
Omitido: +,.
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28
A ordem referenciada aqui é a sequência conhecida de cores no espectro luminoso, a qual é citada na nota 25.
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29
Newton se refere em algumas passagens do texto a uma “boa cor”, que interpretamos como uma cor de grande intensidade e contraste, a qual poderia ser facilmente diferenciada das outras.
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30
Cores prismáticas é um termo comum no texto, o qual se refere às cores produzidas por dispersão cromática em um prisma. No presente, poderíamos nos referir a tais tonalidades pelo termo cores-luz, enquanto as tintas usadas por Newton para pintar o papel seriam cores-pigmento.
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31
Nessa passagem, Newton quer demonstrar que diferentes pigmentos (vermelho e azul) refletem as cores incidentes em frações diferentes: assim, pigmentos azuis refletem mais a luz azul e menos a radiação vermelha. Apesar disso, como os pigmentos não são absolutamente puros nem a luz incidente é absolutamente monocromática, parte da luz vermelha incidente consegue ser refletida pelo pigmento azul.
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32
Omitido: 12.
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33
Os experimentos 12 e 13 podem ser explicados a partir do mecanismo de processamento óptico do sistema visual humano. De acordo com Snowden et al. [16], tais inconsistências entre a luz refletida e a cor observada se devem ao fato desse sistema processar de forma comparativa as informações que o atingem ao mesmo tempo. Assim, a “estranheza” detectada por Newton nesses experimentos seria, no fundo, fruto de ilusões de óptica.
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34
Percebemos aqui que Newton percebia haver uma diferença entre as cores monocromáticas, associadas à dispersão no prisma, e as policromáticas, associadas à reflexão nos pigmentos que compõem o corpo. No caso, a descrição de Newton das cores próprias como “misturadas” pode ser interpretada, modernamente, como uma mistura de pigmentos, capaz de refletir diversos comprimentos de onda, isto é, ainda que um corpo esteja pintado de azul, tal pigmento também é capaz de refletir outros comprimentos de onda não associados ao azul.
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35
Essa afirmação pode ser facilmente confirmada ao se olhar através do prisma para uma fonte luminosa intensa, como uma lâmpada.
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36
Newton demonstra aqui que a dispersão luminosa pode ocorrer em outros meios (no caso, a água) e em recipientes com formatos diferentes, provavelmente à busca de uma generalização do fenômeno.
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37
Newton constata nessa passagem o paralelismo entre os raios incidente e emergente em uma lâmina de faces paralelas (no caso, a água presente no recipiente).
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38
Newton diz nesse trecho que, ao se bloquear a passagem da luz com um objeto opaco, sua posição pode interferir na possibilidade de ocorrência da dispersão da luz através da água. Tal situação seria possível, a nosso ver, mas dependeria das dimensões do objeto, as quais não são citadas por Newton. Assim, nenhuma generalização é possível a partir desse experimento.
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39
Novamente, tal observação dependeria das dimensões do objeto utilizado, não podendo seus resultados serem generalizados.
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40
Newton defende aqui que não apenas o tamanho do corpo opaco influenciaria nas cores observadas, mas também sua distância até o prisma (ou outro elemento refrator).
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41
Omitido: caracteres indiscerníveis e chaves {} ao redor de “recipiente”.
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42
Omitido: caracteres indiscerníveis.
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43
No manuscrito, a figura 5 aparece seguinte à palavra diversa. Como Newton ainda não havia descrito a ligação entre dois prismas até esse ponto, optamos por apresentar o parágrafo na íntegra, inclusive a menção à situação de conexão, para só então dispormos a figura.
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44
A sugestão de se amarrar um prisma no outro seria uma tentativa de correlacionar os fenômenos observados na água com aqueles identificados nos prismas de vidro. Assim, a “distância entre seus lados” citada por Newton seria, na figura 5, equivalente à distância entre lados opostos do quadrilátero resultante da junção dos dois triângulos. A dispersão, nessa situação, equivaleria à observada em uma lâmina de faces paralelas, onde a separação entre as diferentes cores do espectro é dependente da espessura da mesma. Assim, o tamanho reduzido dos prismas superpostos não seria suficiente para evidenciar tal dispersão.
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45
A inclinação progressiva do prisma leva a uma alteração do ângulo de incidência no ponto a. Quando esse ângulo supera o ângulo limite dessa fronteira de separação entre o vidro e ar, os raios de luz passam a sofrer reflexão total, deixando de atingir o ponto b e sendo, portanto, refletidos na direção do ponto c. O fenômeno da reflexão total já era conhecido de Newton, tendo sido descrito anteriormente por Kepler.
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46
Nesse experimento, deve-se perceber que o índice de refração para o azul é maior que para o vermelho. Assim, o ângulo crítico (acima do qual o raio sofre reflexão total) para o azul é menor que para o vermelho, fazendo com que parte dos raios incidentes na região ep (azul) seja refletida para o olho, enquanto outra parte (vermelha) é refratada. Já na região qf, os ângulos de incidência tanto para o azul quanto para o vermelho superam os seus respectivos ângulos críticos, fazendo com que a totalidade da luz seja refletida, como mostra a figura 7. Isso resulta em mais luz chegando ao olho a partir da região qf em relação à região ep, fazendo com que a segunda pareça mais escura.
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47
No original: basis to basis.
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48
Omitido: caracteres indiscerníveis.
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49
Ou seja, não houve projeção de um espectro colorido nessas regiões.
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50
Omitido: If .
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51
Nesse caso, seria observada uma imagem virtual do céu. A figura 7 (assim como as figura 8 e 9) mostra ainda que os de luz que incidem na superfície de, ao se refratarem para o interior do prisma, não sofrem nenhum desvio, o que só ocorreria caso eles fossem perpendiculares à mesma. Entretanto, no experimento 8, Newton deixa claro que os raios de luz não chegam paralelos ao prisma, ainda que “filtrados” por um ou dois orifícios, e nas figura 3 e 4, ele representa a refração da luz. Assim, acreditamos que o autor deixou a necessidade de quase perpendicularidade entre raios e superfície de forma subentendida.
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52
“Distendidos”, nesse caso, significa que os raios seguem uma trajetória retilínea que passa consecutivamente pelos dois orifícios. Assim, quanto maior a distância entre os dois pequenos buracos, mais paralelos entre si seriam os raios. Essa condição de paralelismo é buscada por Newton em diversos experimentos com os prismas, pois os efeitos da dispersão são acentuados nessa situação.
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53
Referência à pupila ocular.
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54
Newton não chega a completar essa frase, a qual se encontra no fim da décima terceira página do seu caderno de notas. Acreditamos que sua intenção era detalhar a sequência espectral observada na região pq, mantido o olho na posição O referenciada.
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55
No original, spot, expressão usada diversas vezes ao longo do texto e traduzida nesse artigo pelo termo mancha.
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56
Omitido: Parênteses em “pelas leis da refração”.
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57
Tais manchas, tanto no experimento 27 quanto no 28, são resultado da interferência luminosa provocada pela fina camada de ar aprisionado entre as superfícies de vidro dos prismas. Cabe ressaltar, conforme apontado em um parecer prévio à publicação desse artigo, que Newton e seus contemporâneos não utilizavam o conceito de interferência luminosa para a explicação desse fenômeno (e de outros similares, tais como os descritos nos experimentos 50, 54 e 56), na medida em que essa explicação só veio a ser desenvolvida no século XVIII.
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58
Nesse experimento, a compressão mudava a espessura da camada de ar aprisionado, produzindo o deslocamento da mancha R, onde a interferência era mais perceptível. O aumento do tamanho da mancha também se deve à diminuição dessa espessura.
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59
Omitido: colchetes e parênteses.
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60
Fica claro nesse trecho que Newton não interpretava tal mancha como resultado de uma interferência entre ondas: ao contrário, ele atribuía à mancha R a configuração de um furo no meio da camada de ar, por onde a luz conseguiria se refratar, enquanto no restante da camada, ela seria refletida, gerando o contraste entre claro (reflexão) e escuro (refração).
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61
No original: vanished by degrees.
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62
Omitido: {}.
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63
Ou seja, com o uso da fenda, só era possível observar semicírculos, como representado na figura 12.
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64
Os experimentos 31 a 33 se referem aos anéis de Newton, fenômeno associado à interferência luminosa produzida na camada de ar aprisionada. Conforme a descrição nessas passagens, esses círculos foram observados pelo filósofo natural tanto nos prismas amarrados quanto em uma lente (vidro de prospecção) apoiada contra um vidro. Em ambas as situações, a interferência é observada para os raios refletidos pelos dois dioptros que separam a camada de ar dos objetos de vidro que a circundam. Quando a luz incidente é monocromática, como no experimento 30, são observados apenas círculos com tal cor, mas quando a radiação incidente é policromática, os círculos de cada cor terão raios diferentes, como Newton descreve no experimento 31.
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65
Por luz incolor (no original, colorless light) entendemos luz branca, ou seja, sem a ocorrência da dispersão cromática.
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66
Tal objeto se comporta como uma lente convergente biconvexa.
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67
A frase se encerra assim (dois pontos) no original. Os tamanhos dos círculos são apresentados logo a seguir, no experimento 35.
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68
Os experimentos 34 e 35 se referem à mesma situação (figuras de interferência), com a diferença apenas no ângulo de incidência da luz: oblíqua (exp. 34) ou normal à superfície (exp. 35). No caso da incidência oblíqua, a espessura da camada de ar atravessada pela luz é ampliada, resultando em círculos de raios diferentes daqueles observados quando a incidência é normal.
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69
No nosso entendimento desse trecho, o diâmetro dos cinco círculos citados é 1400 do raio de curvatura dos vidros.
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70
O grau de precisão de tais medições de espessura pode impressionar, na medida em que Newton não especificou quais aparelhos ele usou para tais medições. Tal precisão, entretanto, já era possível em 1666: Roe [17] relata que, em 1637 (três décadas antes da confecção do manuscrito, portanto) um equipamento com tal capacidade de medição (um “ancestral” dos micrômetros) já havia sido desenvolvido por William Gascoigne na Inglaterra, para auxiliar na medida de distâncias angulares pequenas (da ordem de minutos) em observações astronômicas.
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71
No original, pellucid. De acordo com o dicionário Merriam Webster [18], essa palavra pode significar, no contexto da óptica, a admissão de uma máxima passagem de luz sem difusão ou distorção, ou ainda a reflexão uniforme da luz por todas as superfícies. Entendemos tal termo como sinônimo de algo claramente visível. Nesse experimento e no seguinte, Newton denomina de pelúcida a região observada com coloração mais escura.
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72
No original, discolored light.
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73
No original, bigness.
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74
Ou seja, uma menor intensidade da luz é transmitida do vidro para a água por refração, fazendo com que os fenômenos luminosos observados se tornem menos intensos.
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75
Omitido: and yet.
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76
Quando o observador se encontra no ponto O (ver figura 9), a figura que ele identifica (manchas R e S) se deve à interferência da luz refletida nos dois dioptros que separam os prismas do ar (ou água) aprisionado entre eles. Já no ponto N, a figura observada é diferente, pois nessa situação é a luz transmitida que sofre interferência. Frisa-se novamente que Newton não interpretava a situação usando tais conceitos.
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77
Entre 4,5 e 5,5 metros.
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78
Nesse experimento, Newton constata mais uma vez a diferença nos índices de refringência para as diferentes cores.
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79
Essa constatação é importante, pois demonstra que as cores não são “criadas” pelos prismas, sendo apenas dispersadas pelos mesmos.
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80
Omitido: If .
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81
Acreditamos que, se esse experimento fosse feito com um arranjo de maior precisão, haveria uma maior variedade nas cores observadas entre os pontos Q e R. A explicação de Newton, entretanto, é coerente com os resultados percebidos por ele: na medida em que um grande número de cores é projetada em uma região, a tendência será a observação da mistura dessas cores, ou seja, o branco.
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82
Omitido: Or if .
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83
Esse experimento pode ser considerado uma variante do anterior: ao invés de usar diferentes prismas, Newton selecionou as cores refratadas pelo prisma através de fendas. Os resultados descritos por ele indicam que as fendas não eram estreitas o suficiente para que a difração da luz pudesse ocorrer, permitindo uma descrição do fenômeno com o uso apenas do fenômeno da refração. Mais uma vez, cabe ressaltar que Newton não considerava a existência da difração luminosa em suas teorias ópticas.
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84
As combinações de cores citadas por Newton nos parecem estranhas nesse trecho do manuscrito. Uma mistura de azul e amarelo resultará em verde no caso de mistura de pigmentos (como tintas) e não devido à incidência de raios de luz na mesma região. Também nessa situação, uma mistura de luz vermelha com luz amarela resultaria em uma cor que, no espectro, estaria mais próxima do laranja do que do violeta.
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85
Essa descrição poderia ser, modernamente, interpretada à luz do conceito de refletância, que pode ser entendido como a fração da luz refletida por uma superfície em relação à incidente. Newton percebeu que tal proporção era praticamente constante, dependendo apenas dos meios em contato (ar e vidro), mas não apresentando dependência com o meio no qual o raio inicialmente se propagava. Modernamente, as equações de Fresnel permitem demonstrar, entretanto, que essa constatação de Newton é errônea, pois a superfície em questão apresentaria refletâncias diferentes se a luz incidisse advinda do ar ou do vidro. Como Newton não fez medidas quantitativas (os fotômetros só foram desenvolvidos no século XIX), sua descrição apresentou tais imprecisões.
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86
No original, muscovy glass, ou “vidro de Moscou”, devido ao uso desse material na Rússia medieval em janelas, como uma alternativa mais barata ao vidro. A partir do século XVI, o material foi amplamente usado na Inglaterra para esses fins.
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87
A citação de Newton às populares bolhas de sabão demonstra que essa brincadeira vem de longa data. Três décadas antes de Newton, o pintor holandês Adriaen Hanneman também referenciou essa atividade lúdica no quadro Two boys blowing bubbles (circa 1630). Assim como para os outros materiais citados por Newton nesse experimento, as cores observadas em tais bolhas são resultado da interferência luminosa na fina película de água e sabão que separa o ar interno do externo à bolha.
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88
Ou seja, de pequena espessura, como as paredes de um copo de cristal.
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89
Cartesij, em latim, significa cartesiana. Assim, acreditamos que Newton se refere nessa passagem à obra Les Météores [9], um ensaio de René Descartes publicado em 1637. No oitavo discurso dessa obra (referenciado por Newton como capítulo), Descartes discute a refração da luz em gotas de água e prismas, a fim de explicar a formação do arco-íris. A versão da obra a qual tivemos acesso [9] não está dividida em seções, dificultando a identificação das passagens a que Newton se refere.
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90
A nosso ver, Newton provavelmente se equivocou na numeração. O autor cita o experimento 52, no qual a mancha R não é citada, não sendo nem mesmo possível observá-la no caso descrito. A nosso ver, o número correto do experimento aqui referenciado seria 28, número que incluímos na tradução.
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91
No original, thinness.
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92
O éter, na interpretação de Newton, era um meio dotado de propriedades que poderiam influenciar o comportamento da luz, não devendo ser confundido com o conceito moderno de vácuo.
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93
Nesse trecho, após a descrição dos experimentos com esferas de vidro, Newton retorna aos experimentos sobre interferência da luz provocada pelo ar aprisionado entre dois prismas. Na nossa interpretação, ele sugere que o índice de refração dessa camada intermediária iria aumentando conforme sua espessura fosse diminuindo, na medida em que, quando a mesma deixa de existir (espessura nula), não há mais diferença e os prismas se comportam como um bloco de material homogêneo com um índice de refração único. Tal hipótese, embora não possa ser considerada correta segundo as teorias hoje aceitas, aponta para as dificuldades de se diferenciar os meios discretos dos contínuos.
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94
Aqui, refração é usada no sentido do termo moderno índice de refração.
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95
Se entendermos éter, nesse contexto, como sinônimo de espaço vazio, podemos inferir que Newton estava se referindo às diferenças de densidade entre os dois meios, levando a índices de refração diferentes.
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96
Omitido: caracteres indiscerníveis.
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97
Entendemos que Newton adota nesse trecho uma visão atomista da matéria - as “partes” citadas constituiriam os corpos, os quais conteriam também éter no seu interior. Fica claro nesse trecho que Newton atribuía propriedades ao éter que o diferenciam do vácuo, caracterizando-o inclusive como “mais espesso” em certas regiões.
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98
No original, Oculus Mundi Stone (pedra do olho do mundo) termo medieval para a opala, um mineraloide sílico cuja microestrutura apresenta regularidades que permitem a difração e interferência da luz, possibilitando a observação de uma multiplicidade de cores, em dependência com o ângulo de visão.
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99
A última frase é confusa, e provavelmente o trecho a partir da palavra neles poderia ser omitido, pois acreditamos que Newton repetiu a parte relativa aos poros duas vezes na mesma frase.
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100
Omitido: [].
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101
No original, bodkin, um tipo de ponta de flecha amplamente utilizada durante a era medieval.
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102
As cores que Newton observou ao aplicar pressão na lateral do olho nesse experimento são produzidas pela estimulação, ainda que periférica, da retina e do nervo óptico. O filósofo natural também descreve a persistência visual, ou seja, a permanência de uma imagem residual após o estímulo visual (ou, no caso, mecânico) ter sido retirado.
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103
A partir do experimento 58, as práticas empíricas relatadas por Newton dizem respeito ao processo de visão em si. Hamou [11] defende que três problemas principais são abordados nesse trecho final: a visão binocular, o mecanismo de transmissão nervosa e a relação entre a representação visual e as imagens cerebrais.
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104
No original, verge of light.
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105
McGuire e Tammy [8] chamam esse fenômeno observado por Newton de complementaridade, ou seja, o comportamento das cores em quartos escuros e iluminados, e relatam que ele oferecia uma séria dificuldade à primeira ideia de Newton de associação entre pressão no fundo do olho e a observação de cores.
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106
No original, spirits.
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107
No original, strained out.
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108
Esse efeito descrito nesse experimento (inversão das cores observadas) pode ser percebido em algumas placas de trânsito à noite: ao serem iluminadas pelo farol, é possível, por vezes, perceber a parte pintada de amarelo como negra, e vice-versa.
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109
No original, broad purple.
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110
É interessante perceber que a ordem das cores observadas não é a sequência espectral, na medida em que o efeito é de ordem bioquímica ao invés de luminosa.
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111
No original, é usado o termo phantasm. A ilusão descrita por Newton é resultado do fenômeno chamado persistência retiniana.
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112
O globo ocular é composto de quatro meios transparentes (córnea, humor aquoso, cristalino e humor vítreo) e três túnicas (membranas). A esclerótica é chamada túnica fibrosa externa, o conjunto formado pela coroide, corpo ciliar e cristalina é chamado túnica intermédia vascular pigmentada e a retina é a túnica interna nervosa. Para mais detalhes acerca da anatomia ocular, recomendamos a consulta a textos acadêmicos específicos, e.g. Khurana [19].
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113
Dura-máter, aracnoide e pia-máter são membranas conjuntivas (ou meninges) que envolvem e protegem o sistema nervoso central.
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114
Hamou [11] nos diz que nesse experimento - o qual foi descrito em um nível de detalhamento consideravelmente maior que todos os outros do manuscrito - está relatada uma dissecção anatômica do sistema visual de um mamífero, com uma ilustração (figura 20) representando a junção dos filamentos retinianos no quiasma óptico.
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116
No original, white pap.
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117
Omitido: caracteres indiscerníveis
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118
Nesse trecho, Newton descreve a estrutura exterior ao globo ocular, em particular a forma pela qual os nervos ópticos estão ligados ao cérebro.
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119
Um exemplo dessa distorção ocular seria o astigmatismo, causado pela falta de esfericidade da córnea.
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120
No original: concur.
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121
Embora Newton seja capaz, nesse trecho, de constatar a formação de duas imagens e seu processamento simultâneo no cérebro, ele não chega a correlacionar tal imagem dupla com a visão tridimensional, os efeitos de paralaxe ou a perspectiva visual, ao menos nesse manuscrito.
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122
Esse longo parágrafo é o único do texto a ser dividido em seções (ou versículos), e várias delas se revelam como questões seguidas de respostas. Para evitar confusão com as referências do artigo (entre colchetes) e as notas de texto (sobrescritas), tal numeração foi colocada entre parênteses.
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123
O ponto p não está representado na figura 20, dificultando a interpretação desse trecho. Acreditamos que Newton estaria se referindo ao ponto G, no qual há um entrelaçamento dos referidos “canos” (referidos logo a seguir como pa).
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124
Newton descreve aqui uma interessante ilusão de óptica, envolvendo a adição de cores no próprio sistema visual do observador. Parece-nos estranho, entretanto, que a cor resultante observada não seja o branco, na medida em que azul e amarelo são cores-luz complementares. A descrição newtoniana parece se apoiar na adição de cores-pigmento, o que não nos parece correto. Como exemplo, citamos o caso dos antigos óculos de filtros coloridos em vermelho e ciano (cores-luz também complementares), usados na projeção tridimensional em cinemas: duas imagens de um mesmo objeto eram projetadas na tela com tais cores, e um espectador, ao observá-las com o uso de tais óculos, observava a imagem em tons de cinza (ou seja, branco teórico).
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125
No original, quicks. Em inglês arcaico, essa palavra poderia significar vivo ou grávida.
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126
No original, crasser skins.
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127
No original, sudden unsheathe.
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128
No original, sensorium.
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129
A analogia acústica que Newton estipulava para a luz se torna óbvia nesse trecho.
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130
No original, vessels.
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131
Nesse parágrafo e nos dois seguintes ao mesmo, Newton volta a relatar alguns resultados dos experimentos com os prismas, tal como no experimento 28.
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132
10-6 polegada.
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133
A relação citada equivale à expressão 1,5<r<1,ˉ6. Logo em seguida, Newton apresenta também o inverso da relação r.
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134
No original, the terminus of green and yellow.
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135
Newton enumera oito espessuras das cores do espectro, mas cita dez tonalidades, tornando difícil a interpretação desse trecho. Acreditamos que as dimensões citadas se referem às oito cores intermediárias entre o vermelho extremo e o violeta extremo.
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136
Referência ao químico Robert Boyle (1627-1691).
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137
No original, ribband.
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138
Newton cita nessa passagem a obra Essays of the strange subtlety great efficacy determinate nature of effluviums, de Robert Boyle [20].
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139
No original, logwood. O campeche é uma árvore nativa da América Central, a qual teve grande importância comercial como tintura de tecidos na Inglaterra, entre os séculos XVII a XIX [21].
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140
No original, sumac, uma espécie vegetal cujos frutos são moídos para serem usados como tempero na culinária árabe. As folhas da espécie também são usadas como tinturas em tecidos.
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141
Essa frase final estaria mais diretamente relacionada, a nosso ver, com os experimentos 1 a 5, descritos na primeira parte do manuscrito.
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142
O site https://archive.org disponibiliza várias dessas obras, todas em domínio público no Brasil, usualmente em seu formato de publicação original.
Referências
- [1] I. Newton, Opticks: Or, A Treatise of the Reflections, Refractions, Inflections and Colours of Light(Londres, William Innys, 1730), 224 p.
- [2] I. Newton, Óptica, trad. André Koch Torres Assis (Editora da USP, São Paulo, 2002), 1ª reimp., 295 p.
- [3] I. Newton, The Optical Papers of Isaac Newton - v. 1: The Optical Lectures 1670-1672, editado por A. Shapiro (Cambridge University Press, Cambridge, 1984), 672 p.
- [4] C. Silva e R. Martins, Revista Brasileira de Ensino de Física 18, 313 (1996).
- [5] I. Newton, Lectiones Opticae (Guil. Innys, Londres, 1729), 371 p.
-
[6] http://www.newtonproject.sussex.ac.uk/prism.php?id=1, acessado em 16/08/2016.
» http://www.newtonproject.sussex.ac.uk/prism.php?id=1 -
[7] I. Newton, in: Laboratory Notebook MS Add 3975 (Cambridge University Library, Cambridge, 1666), p. 1-22, disponível em http://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-ADD-03975/7, acessado em 15/09/2016.
» http://cudl.lib.cam.ac.uk/view/MS-ADD-03975/7 - [8] J. McGuire and M. Tamny, Certain Philosophical Questions: Newton's Trinity Notebook (Cambridge University Press, Cambridge, 1983), p. 241-274.
- [9] S. Schaffer, in: The Uses of Experiment - Studies in the Natural Sciences, edited by D. Gooding, T. Pinch and S. Schaffer (Cambridge University Press, Cambridge, 1989).
- [10] R. Descartes, Discours de la Méthode Pour Bien Conduire sa Raison et Chercher la Vérité dans les Sciences, Plus la Dioptrique, Les Meteores, et la Geometrie (Ian Marie, Paris, 1637), p. 155-294.
- [11] P. Hamou, in: Newton and Empiricism, edited by Z. Biener and E. Schliesser (Oxford University Press, New York, 2014), p. 66-95.
- [12] O. Darrigol, History of Optics: From Greek Antiquity to the Nineteenth Century (Oxford University Press, New York, 2012), 327 p.
- [13] C. Silva e R. Martins, Ciência e Educação 9, 53 (2003).
- [14] C. Silva e B. Moura, Revista Brasileira de Ensino de Física 30, 1602 (2008).
- [15] B. Cohen e R. Westfall, Newton: Textos, Antecedentes, Comentários(Contraponto, Rio de Janeiro, 2002).
- [16] R. Snowden, P. Thompson, and T. Troscianko, Basic Vision: An Introduction to Visual Perception (Oxford University Press, London, 2012), 2ª ed.
- [17] J. Roe, English and American tool builders (New York, McGraw-Hill, 1926), p.211.
-
[18] https://www.merriam-webster.com/dictionary/pellucid, acessado em 25/12/2016.
» https://www.merriam-webster.com/dictionary/pellucid - [19] A. Khurana, Comprehensive Ophtalmology (New Age International, New Delhi, 2007), 4ª ed., p. 3-11.
-
[20] R. Boyle, Essays of the Strange Subtlety Great Efficacy Determinate Nature of Effluviums (Text Creation Partnership, Ann Arbor, 2007), disponível em http://quod.lib.umich.edu/e/eebo/A28965.0001.001?view=toc, acessado em 26/12/2016.
» http://quod.lib.umich.edu/e/eebo/A28965.0001.001?view=toc -
[21] http://www.worldagroforestry.org/treedb2/AFTPDFS/Haematoxylum_campechianum.PDF, acessado em 26/12/2016.
» http://www.worldagroforestry.org/treedb2/AFTPDFS/Haematoxylum_campechianum.PDF - [22] J. Azenha Jr, Cadernos de Tradução 1, 137 (1996).
- [23] J. Kepler, Dioptrice Seu Demonstratio Eorum Quae Visui & Visibilibus Propter Conspicilla Ita Pridem Inventa Accidunt (Augustae Vindelicorum, Augsburg, 1611), 128 p.
- [24] H. Burton, Journal of the Optical Society of America 35, 357 (1945).