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Tratamento de hemangioma ulcerado: relato de caso

Resumos

O hemangioma é o tumor vascular mais presente em crianças até 1 ano de idade. Geralmente, sua involução é espontânea, sendo por isso recomendada uma conduta expectante. Ulceração e infecção secundária, seguidas de hemorragia, são as complicações mais frequentes dos hemangiomas. Estima-se que apenas 10 a 20% dos hemangiomas precisem ser tratados. A cirurgia é indicada nos casos de emergência, naqueles em que não há resposta aos tratamentos sistêmicos ou por razões estéticas. O objetivo deste estudo é relatar um caso de hemangioma combinado ulcerado do pavilhão auricular, em paciente de 8 meses de idade submetida a exérese total.

Hemangioma; neoplasias de tecido vascular; cirurgia; complicações


Hemangioma is the most common vascular tumor in children younger than 12 months. Because its regression is usually spontaneous, an expectant management is recommended in most cases. Ulceration and secondary infection followed by bleeding are the most frequent complications of hemangiomas. It is estimated that only 10 to 20% of hemangiomas require treatment. Surgery is usually indicated in emergency cases, when there is no response to systemic treatments, or for cosmetic reasons. The objective of this study was to report a case of ulcerated compound hemangioma on the external ear of an 8-month-old patient who underwent a complete surgical excision.

Hemangioma; vascular tissue neoplasms; surgery; complications


RELATO DE CASO

Tratamento de hemangioma ulcerado: relato de caso

Treating an ulcerated hemangioma: a case report

Guilherme Benjamin Brandão PittaI; Rosamaria Rodrigues GomesII

IDoutor. Professor adjunto, Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL), Maceió, AL

IIAcadêmica de Medicina, UNCISAL, Maceió, AL

Correspondência Correspondência: Rosamaria Rodrigues Gomes Rua Prof. Vital Barbosa, 996/304, Ponta Verde CEP 57035-400 — Maceió, AL Tel.: (82) 8812.1976 E-mail: email@rosamariagomes.com

RESUMO

O hemangioma é o tumor vascular mais presente em crianças até 1 ano de idade. Geralmente, sua involução é espontânea, sendo por isso recomendada uma conduta expectante. Ulceração e infecção secundária, seguidas de hemorragia, são as complicações mais frequentes dos hemangiomas. Estima-se que apenas 10 a 20% dos hemangiomas precisem ser tratados. A cirurgia é indicada nos casos de emergência, naqueles em que não há resposta aos tratamentos sistêmicos ou por razões estéticas. O objetivo deste estudo é relatar um caso de hemangioma combinado ulcerado do pavilhão auricular, em paciente de 8 meses de idade submetida a exérese total.

Palavras-chave: Hemangioma, neoplasias de tecido vascular, cirurgia, complicações.

ABSTRACT

Hemangioma is the most common vascular tumor in children younger than 12 months. Because its regression is usually spontaneous, an expectant management is recommended in most cases. Ulceration and secondary infection followed by bleeding are the most frequent complications of hemangiomas. It is estimated that only 10 to 20% of hemangiomas require treatment. Surgery is usually indicated in emergency cases, when there is no response to systemic treatments, or for cosmetic reasons. The objective of this study was to report a case of ulcerated compound hemangioma on the external ear of an 8-month-old patient who underwent a complete surgical excision.

Keywords: Hemangioma, vascular tissue neoplasms, surgery, complications.

Introdução

Os hemangiomas são anomalias vasculares do grupo das angiodisplasias1, sendo o tumor vascular mais comum na infância, com ocorrência de 10 a 12% em crianças com até 1 ano de idade2.

Virchow, em 1863, foi quem classificou pela primeira vez as anomalias vasculares, com base em seu quadro microscópico, em angioma simples, cavernoso e racemoso3. Em 1982, surgiu uma nova classificação das lesões vasculares, baseada nas manifestações clínicas, quadro histopatológico e história natural, distinguindo-as em hemangiomas e malformações vasculares. Em 1996, a Sociedade Internacional para o Estudo de Anomalias Vasculares revisou essa classificação e a adotou como oficial, dividindo as lesões vasculares em dois grupos: tumores e malformações vasculares4.

Os tumores vasculares são neoplasias da vasculatura, com proliferação de células endoteliais. Incluem hemangioma da infância, hemangioma congênito rapidamente involutivo, hemangioma congênito não-involutivo, angioma em tufos, hemangioendotelioma kaposiforme e granuloma piogênico. As malformações vasculares consistem em erros da morfogênese e são classificadas de acordo com o vaso predominante.

Clinicamente, os hemangiomas podem ser divididos em:

1) Planos: superficiais ou profundos, conhecidos como manchas tipo vinho do Porto, são as lesões mais frequentes entre as malformações vasculares, sendo evidentes desde o nascimento e podendo formar nodulações a partir da segunda década de vida.

2) Tumorais: fragiformes, tuberosos e cavernosos. Hemangiomas tumorais fragiformes e tuberosos são considerados proliferativos, observados desde o nascimento. Costumam regredir de forma espontânea a partir do segundo ano de vida, mas podem evoluir para hemangiomas alarmantes. Hemangiomas cavernosos são decorrentes de defeitos na morfogênese vascular. São malformações venosas com componente arterial e não sofrem regressão espontânea, devendo ser considerada precocemente a possibilidade de tratamento cirúrgico5.

Em qualquer fase da história natural da doença, a ulceração é sua complicação mais comum, correspondendo a 23% das complicações6, e pode demandar intervenção cirúrgica7. Outras complicações, como comprometimento visual e cardíaco, obstrução de via aérea e do conduto auditivo, representam 10,2% das complicações6.

Descrição do caso

Paciente do sexo feminino, 8 meses, residente em Recife (PE), portadora de lesão ulcerada em pavilhão auricular esquerdo, foi admitida no hospital com queixa de sangramento na orelha. Foi solicitada avaliação do cirurgião vascular. Ao exame, a paciente apresentava lesão bem delimitada, nodular, de cor vermelho vivo, com telangiectasias na superfície ulcerada, sangrante na região posterior do pavilhão auricular esquerdo no lobo inferior, com abaulamento no interior da orelha (Figura 1). Sobreposto à lesão, havia formação de abscesso local.


Não foi realizado exame complementar, haja vista o diagnóstico eminentemente clínico. Foi indicada cirurgia para exérese do tumor vascular. O procedimento cirúrgico transcorreu sob indução anestésica com sevoflurano, com entubação orotraqueal, com a paciente em decúbito dorsal. Foi realizada antissepsia e aposição dos campos cirúrgicos, seguida de incisão na face posterior do pavilhão auricular esquerdo e exérese parcial de hemangioma cavernoso. A seguir, procedeu-se a incisão dentro do pavilhão auricular e exérese total do hemangioma. Finalizando, foi realizada hemostasia, síntese e curativo da ferida operatória. A paciente evoluiu sem intercorrências no pós-operatório (Figura 2). O exame anatomopatológico revelou uma proliferação de vasos revestidos por endotélio típico em meio a tecido conjuntivo frouxo, com infiltrado mononuclear de permeio, confirmando o diagnóstico de hemangioma cavernoso.


Discussão

Os hemangiomas caracterizam-se por um crescimento rápido pós-nascimento seguido de involução espontânea lenta; a relação de frequência entre o sexo feminino e masculino é de 5:12. Os primeiros sinais da lesão são detectados no primeiro mês de vida em 90% dos casos e acometem o segmento cefálico em 73%1.

Os primeiros meses de vida são um período crítico no crescimento do hemangioma, e crianças com esse tumor vascular requerem estreita observação, devendo ser referidas aos cuidados médicos tão logo surjam as complicações8. Na quase totalidade dos casos, o diagnóstico do tumor pode ser realizado com base exclusivamente nos achados físicos e história clínica, e a conduta geralmente é expectante9.

O crescimento se deve à proliferação de células endoteliais mediada por fatores estimuladores de angiogênese1. Na fase de crescimento, observam-se agregados de células endoteliais proliferativas constituindo cordões sólidos e massas, por vezes com formação de lúmen; a trombose e os depósitos de hemossiderina são raros, limitados às regiões de ulceração e inflamação; as células endoteliais achatam-se na fase involutiva, com tecido adiposo e fibroso substituindo a área tumoral2.

Cerca de 24% dos pacientes com hemangiomas apresentarão complicações6. A ulceração é a complicação mais frequente (5 a 13% dos casos) na fase de proliferação rápida7 e ocorre geralmente em torno dos 4 meses de vida; sangramentos acometem 41% das lesões ulceradas, e a frequência de infecções dessas lesões é de 16%10. A infecção secundária é comum e geralmente restrita à pele, podendo acometer estruturas profundas. Sangramentos de pouca intensidade podem ocorrer e respondem bem à compressão direta, sendo raros os casos mais graves, que demandam intervenção cirúrgica11.

A frequência de complicações e a necessidade de tratamento variam de acordo com a localização do hemangioma, sendo os tumores de face e pescoço responsáveis por 43% das complicações6. A insuficiência cardíaca congestiva é uma complicação rara e pode estar associada a hemangiomas de grandes dimensões ou a hemangiomas múltiplos, sendo o tratamento direcionado para a redução do volume sanguíneo através da regressão do hemangioma. O hipotireoidismo também pode estar associado a hemangiomas gigantes, que, devido à alta vascularização e produção da enzima 3-iodotironina deiodinase, pode inativar excessivamente o hormônio tireoidiano. Alteração da visão pode ocorrer quando um hemangioma da região periorbital provoca obstrução do eixo visual, compressão do globo ocular ou quando o hemangioma se expande para o espaço retrobulbar. Pode haver comprometimento da respiração, resultante da obstrução das vias aéreas por hemangioma localizado nas fossas nasais, orofaringe ou na região traqueolaríngea. O comprometimento da audição pode ocorrer quando houver obstrução do conduto auditivo externo. Finalmente, a desfiguração pode ser uma consequência de hemangiomas grandes de face e pescoço, cujas lesões residuais podem deixar deformidades de difícil correção, já que nesses locais a regressão é lenta e incompleta2.

Estima-se que apenas 10 a 20% dos hemangiomas precisem ser tratados9. Nesses se incluem todas as complicações mencionadas anteriormente. O tratamento deve levar em consideração a idade do paciente, o tamanho, número e localização das lesões, seu estágio evolutivo e a presença de outros sintomas associados12.

Para a maior parte dos hemangiomas, o tratamento é conservador e inclui corticoterapia (sistêmica, tópica e injeção local), interferon-alfa, laser, embolização, crioterapia e radiação13. O uso de corticoides e interferon pode causar falência adrenal; o laser pode resultar em cicatriz, atrofia ou depressão da pele, hiperpigmentação transitória ou permanente, bem como aumento dos custos para o paciente; a crioterapia também pode resultar em cicatriz e hiperpigmentação13. A escleroterapia também é utilizada, e seus efeitos indesejáveis podem ser tromboflebite, tromboembolismo pulmonar, necrose de pele e anafilaxia14.

A cirurgia é um dos pilares do tratamento dos hemangiomas e tem indicações concretas, principalmente na fase de proliferação, sendo indicado o procedimento cirúrgico principalmente devido à deformidade estética e sua consequente influência negativa na formação da personalidade e autoestima da criança15. A cirurgia é indicada nos casos de emergência, naqueles em que não há resposta aos tratamentos sistêmicos ou por razões estéticas. Pode ser empregada sob forma de embolização, ligação arterial seletiva ou exérese simples, com ou sem reconstrução plástica9.

Artigo submetido em 15.06.08, aceito em 30.03.09.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

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  • Correspondência:

    Rosamaria Rodrigues Gomes
    Rua Prof. Vital Barbosa, 996/304, Ponta Verde
    CEP 57035-400 — Maceió, AL
    Tel.: (82) 8812.1976
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009
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