Acessibilidade / Reportar erro

Análise comparativa da coordenação motora de crianças nascidas a termo e pré-termo, aos 7 anos de idade

Comparative analysis of motor coordination in term and pre-term birth children at seven years of age

Resumos

OBJETIVO: comparar o desenvolvimento motor, na idade escolar, de crianças nascidas a termo e pré-termo. MÉTODOS: participaram do estudo dois grupos de crianças, com sete anos de idade: a) grupo pré-termo com 35 crianças, de famílias de baixa renda, nascidas com idade gestacional <34 semanas e/ou peso ao nascimento <1500 g, e b) grupo controle com 35 crianças nascidas a termo, com idade, sexo e nível socioeconômico equivalente ao grupo pré-termo. Todas as crianças foram avaliadas com o teste Movement Assessment Battery for Children (M-ABC). RESULTADOS: o teste de Wilcoxon indicou diferença significativa entre os grupos no escore total (Z=-4,866, p<0,001) e nas subáreas do M-ABC, com pior desempenho no grupo pré-termo. CONCLUSÃO: 57% das crianças do grupo pré-termo apresentaram sinais de transtorno da coordenação, o que ressalta a importância do acompanhamento do desenvolvimento até a idade escolar.

Prematuridade; Prematuro; Desenvolvimento infantil


OBJECTIVES: to compare the motor development of school-aged term and pre-term birth children. METHODS: two groups of seven-year-old children were included in the study: a) a pre-term group of 35 children, from low-income families, born at a gestational age of <34 weeks and/or with a birth weight of <1500 g, and b) a control group of 35 term-birth children, of an equivalent age, sex and socio-economic background to the pre-term group. All the children were evaluated using the Movement Assessment Battery for Children (M-ABC) test. RESULTS: Wilcoxon's test revealed a significant difference between the two groups in terms of the overall score (Z=-4,866, p<0,001) and the score for specific sub-sections of the M-ABC, the pre-term group performing less well than the term group. CONCLUSION: 57% of the preterm children showed signs of coordination disorders, underlining the importance of following up the development of such children up to school age.

Prematurity; Infant, premature; Child development


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Análise comparativa da coordenação motora de crianças nascidas a termo e pré-termo, aos 7 anos de idade

Comparative analysis of motor coordination in term and pre-term birth children at seven years of age

Lívia C. Magalhães; Fernanda Cintra Alves de Rezende; Cristiana Mendonça Magalhães; Priscila Demicheli R. de Albuquerque

Departamento de Terapia Ocupacional. Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Antônio Carlos 6627 Campus Pampulha. CEP: 31290-901. Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: liviam@gcsnet.com.br

RESUMO

OBJETIVO: comparar o desenvolvimento motor, na idade escolar, de crianças nascidas a termo e pré-termo.

MÉTODOS: participaram do estudo dois grupos de crianças, com sete anos de idade: a) grupo pré-termo com 35 crianças, de famílias de baixa renda, nascidas com idade gestacional <34 semanas e/ou peso ao nascimento <1500 g, e b) grupo controle com 35 crianças nascidas a termo, com idade, sexo e nível socioeconômico equivalente ao grupo pré-termo. Todas as crianças foram avaliadas com o teste Movement Assessment Battery for Children (M-ABC).

RESULTADOS: o teste de Wilcoxon indicou diferença significativa entre os grupos no escore total (Z=-4,866, p<0,001) e nas subáreas do M-ABC, com pior desempenho no grupo pré-termo.

CONCLUSÃO: 57% das crianças do grupo pré-termo apresentaram sinais de transtorno da coordenação, o que ressalta a importância do acompanhamento do desenvolvimento até a idade escolar.

Palavras-chave: Prematuridade, Prematuro, Desenvolvimento infantil

ABSTRACT

OBJECTIVES: to compare the motor development of school-aged term and pre-term birth children.

METHODS: two groups of seven-year-old children were included in the study: a) a pre-term group of 35 children, from low-income families, born at a gestational age of <34 weeks and/or with a birth weight of <1500 g, and b) a control group of 35 term-birth children, of an equivalent age, sex and socio-economic background to the pre-term group. All the children were evaluated using the Movement Assessment Battery for Children (M-ABC) test.

RESULTS: Wilcoxon's test revealed a significant difference between the two groups in terms of the overall score (Z=-4,866, p<0,001) and the score for specific sub-sections of the M-ABC, the pre-term group performing less well than the term group.

CONCLUSION: 57% of the preterm children showed signs of coordination disorders, underlining the importance of following up the development of such children up to school age.

Key words: Prematurity, Infant, premature, Child development

Introdução

O interesse científico pelo desenvolvimento, em longo prazo, de crianças prematuras e de muito baixo peso não é recente, sendo datado o primeiro trabalho sobre os efeitos da prematuridade no desenvolvimento infantil em 1919.1 Avanços no cuidado intensivo dos recém-nascidos prematuros, especialmente a partir das décadas de 70 e 80, ocasionaram um aumento expressivo da sobrevida dessas crianças,2 que resultou, porém, em elevação do número de casos de deficiência física e/ou mental e alterações neuropsicomotoras, especialmente no grupo de menor idade gestacional.2

Devido a maior vulnerabilidade às alterações neuropsicomotoras, crianças nascidas pré-termo necessitam de acompanhamento interdisciplinar, pois tanto podem mostrar sinais de alteração neurológica já nos primeiros meses de vida, como podem evoluir sem anormalidades aparentes durante os primeiros anos e vir a apresentar transtornos da linguagem, dificuldades de aprendizagem, problemas comportamentais, cognitivos, déficits na coordenação motora ou percepção visoespacial ao ingressar na escola.1-6 Esses transtornos podem persistir até a adolescência e serem de caráter permanente.2,7,8 Embora a paralisia cerebral seja o transtorno motor mais evidente e melhor documentado na literatura, dados de Foulder-Hughes e Cooke9 mostram que, mesmo entre os sobreviventes aparentemente normais, cerca de 30% das crianças apresentam problemas de coordenação motora na idade escolar.

Entre os problemas do desenvolvimento apresentados pela criança prematura, as alterações severas do desenvolvimento motor são de mais fácil identificação e geralmente podem ser detectadas no primeiro ano de vida; alterações discretas na coordenação motora, no entanto, podem passar desapercebidas. Hadders-Algra10 propôs o termo "Minor Neurological Dysfunction" (MND) para se referir à criança que, devido a condições tais como prematuridade e intercorrências neurológicas neonatais, apresentam problemas de coordenação motora. Embora o termo MND se aplique a muitas crianças nascidas pré-termo, essa não é uma condição citada nos manuais de diagnóstico em uso corrente.11,12 A literatura atual13,14 recomenda o uso do termo Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC), proposto pela Associação Americana de Psiquiatria no DSM-III-TR,11 para se referir às crianças com inteligência normal, que não apresentam sinais de lesão cerebral ou de outras doenças conhecidas, mas têm coordenação motora abaixo do esperado para a idade. O termo TDC é muito utilizado internacionalmente,15 no entanto existem controvérsias a respeito de sua adequação para crianças nascidas pré-termo, já que um dos critérios para diagnóstico é ausência de lesão cerebral,11 o que não pode ser descartado no caso da prematuridade. Embora alguns autores usem o termo TDC na área de prematuridade,1,16,17 há discussões acerca do desfecho a longo prazo e sobre o uso correto da nomenclatura,18 sendo importante não só documentar as características do desenvolvimento motor de crianças nascidas pré-termo mas também verificar se os sinais observados são compatíveis com o diagnóstico de TDC.

Embora essa seja uma discussão recorrente na literatura internacional,1,9,16,17 no Brasil localizamos apenas um estudo que investigou a presença de retardo do desenvolvimento motor de crianças nascidas pré-termo, especificamente durante a idade escolar.19 Assim, os objetivos do presente estudo foram: a) comparar a frequência de retardo de desenvolvimento do motor aos sete anos de idade, de crianças nascidas pré-termo e a termo, e b) descrever a frequência de sinais sugestivos de TDC na população de estudo.

Métodos

Tratou-se de um estudo transversal, no qual foram estudados dois grupos de crianças de sete anos de idade: a) grupo pré-termo de crianças nascidas até a 34ª semana de gestação e/ou com peso <1500 g, e b) grupo controle de crianças nascidas a termo ( >36 semanas de idade gestacional), com peso >2500 g e sem história de intercorrências neonatais, pareadas por idade e sexo ao grupo pré-termo.

As crianças do grupo pré-termo foram recrutadas no Ambulatório da Criança de Risco (ACRIAR), um programa de acompanhamento de recém nascidos pré-termo, voltado para famílias de baixa renda. As crianças foram selecionadas a partir do banco de dados do ACRIAR, no qual há registro das condições de nascimento, intercorrências clínicas, situação familiar e resultados de avaliação neuromotora aos quatro e oito meses. Foram incluídas crianças aparentemente normais, que haviam passado por acompanhamento pediátrico e neurológico, do nascimento aos sete anos. Foram excluídas crianças com exame neurológico alterado ou que apresentavam diagnóstico de paralisia cerebral, retardo mental, transtorno invasivo, alterações genéticas ou outras doenças não associadas à prematuridade. Com base nos critérios, foram selecionadas todas as crianças registradas no programa nascidas entre 1994 a 1999, acompanhadas longitudinalmente do nascimento até os sete anos e que foram avaliadas de junho de 2001 a junho de 2006.

As crianças nascidas a termo foram recrutadas em três escolas públicas de Belo Horizonte, que se dispuseram a participar do estudo, e foram selecionadas por serem frequentadas por crianças com o mesmo nível socioeconômico do grupo pré-termo. A seleção foi realizada com a colaboração de professores e técnicos do setor pedagógico, os quais auxiliaram na exclusão de crianças que não preenchiam os critérios de seleção do grupo controle, como por exemplo, presença de problemas neurológicos ou genéticos. Os pais de crianças de nível social dentro ou abaixo da média da escola, com desempenho acadêmico dentro do esperado para a idade e sem sinais de problemas cognitivos, receberam, por intermédio das professoras, o termo de consentimento livre e esclarecido, explicando os objetivos do estudo, além de breve questionário sobre as condições de nascimento da criança, que incluiu dados de peso e idade gestacional. O grupo controle foi recrutado e avaliado no ano de 2006, sendo constituído por crianças nascidas em diferentes hospitais públicos de Belo Horizonte. Apenas participaram crianças de ambos os grupos cujos pais assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

A avaliação motora das crianças foi realizada aplicando-se o teste Movement Assessment Battery for Children (M-ABC),20 que consiste em um teste de triagem, específico para detecção de TDC21 em crianças com idade entre 4 a 12 anos de idade. O M-ABC é atualmente o teste mais utilizado para a detecção de problemas de coordenação motora,22 tendo sido validado em vários países,23,24 com índices satisfatórios de confiabilidade.25

O M-ABC é de fácil aplicação e inclui itens para a avaliação dos domínios de destreza manual, habilidade no manejo da bola e equilíbrio estático e dinâmico. A destreza manual é avaliada em três itens: tempo gasto para colocação de pinos em uma prancha, para cada mão; tempo gasto na enfiagem de cordão em uma prancha de costura e número de erros ao traçar dentro de linhas, na trilha da flor. A habilidade com a bola inclui número de agarradas, com cada mão, na prova de repicar bola de tênis no chão, e o número de acertos, com a mão preferida, na prova de arremesso de saquinho de feijão dentro de uma caixa. Para equilíbrio estático, mede-se o tempo que a criança consegue ficar em um pé só com as mãos nos quadris, com cada perna. Na prova de equilíbrio dinâmico conta-se o número de passos corretos na marcha tanden (um pé na frente do outro) e o número de pulos corretos em cinco quadrados consecutivos riscados no chão. No presente estudo, foram utilizados apenas os testes específicos para a faixa etária II (7 e 8 anos).

Os valores brutos obtidos em cada um dos nove itens são convertidos em escores de 0 a 5; quanto maior o escore, pior o desempenho da criança. A soma dos escores de cada domínio fornece o valor do Escore Total de Prejuízo Motor, que é convertido em percentil. O M-ABC não foi validado para crianças brasileiras, porém, frente às evidências de sua aplicabilidade para a faixa etária em estudo,26,27 foram utilizados os pontos de corte indicados no manual do teste20: <5% = desempenho motor atípico, indicativo de TDC, percentil de 6 a 15% = desempenho motor suspeito e percentil >15% = desempenho normal.

A avaliação das crianças do grupo pré-termo foi realizada no próprio ACRIAR, em sala espaçosa e tranquila, como parte dos procedimentos do programa de acompanhamento. O grupo de crianças nascidas a termo foi examinado na escola dos participantes, em sala designada especialmente para o estudo. A avaliação teve duração de aproximadamente 30 minutos e todas as crianças foram avaliadas por estudantes de graduação de fisioterapia e terapia ocupacional, treinadas de acordo com as instruções do manual do M-ABC (leitura do manual técnico, observação de vídeos e avaliação experimental). Após o treinamento, testou-se a concordância entre examinadores e obteve-se coeficiente de correlação intraclasse (ICC) que variou de 0,81 a 0,99.

Devido ao longo período de tempo entre o nascimento e a avaliação das crianças nascidas pré-termo (sete anos), uma parte delas havia abandonado o programa antes de completar sete anos. Para assegurar que o grupo de crianças nascidas pré-termo estudadas não fosse diferente do grupo que abandonou o programa (perdas), as principais características desse grupo foram comparadas às características das que saíram do programa antes de completar os sete anos de idade (33 crianças: 17 meninas e 16 meninos). Diferenças entre os grupos quanto à distribuição de frequência das variáveis qualitativas (sexo, instrução da mãe e do pai) foram avaliadas pelo teste do qui-quadrado ou exato de Fisher e variáveis quantitativas (idade gestacional, peso ao nascimento, apgar e número de pontos de risco no exame neurológico aos quatro e oito meses) foram examinadas com teste de Wilcoxon. Com exceção da idade dos genitores e o grau de instrução do pai, não foram encontradas diferenças entre os grupos em nenhuma das variáveis examinadas. Concluiu-se, assim, que o grupo em estudo tinha características similares ao grupo de perda.

Análise descritiva foi realizada para caracterização dos grupos nascidos a pré-termo e a termo. Como a distribuição de frequência da maior parte das variáveis quantitativas não apresentou distribuição normal (Shapiro-Wilk), os testes não paramétricos de Mann-Whitney e de Wilcoxon foram utilizados para testar as diferenças entre as médias. O nível de significância adotado no estudo foi de ± < 0,05.

Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa - COEP/UFMG (ETIC 457/04).

Resultados

Um total de 70 crianças foi avaliado, 35 crianças em cada grupo (nascidas pré-termo e nascidas a termo), sendo 23 meninas e 12 meninos. No grupo pré-termo a idade gestacional média foi de 30,23 semanas (±2,33) e o peso médio ao nascimento foi de 1.171,17 g (±238,67). Quatro crianças do grupo pré-termo apresentaram hemorragia perintraventricular graus I ou II. No grupo das crianças nascidas a termo, a idade gestacional média ao nascimento foi 39,97 semanas (±0,98) e o peso médio foi 3.215,86 g (±449,52 g).

Não houve diferença significativa da média de idade dos grupos pré-termo (84,63 ± 1,573 meses) e controle (85,43 ± 1,39 meses), de acordo com o Teste de Wilcoxon, (Z=-3,72, p=0,00). O desempenho dos grupos em cada item, domínio e escore total do teste M-ABC é apresentado nas Tabelas 1 e 3 . Foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, com melhor desempenho para as crianças nascidas a termo, em todos os itens, exceto nos itens Repicar Bola e Arremesso de Saco, referentes ao domínio Atividades com Bola (Tabela 3 ), e Pular Quadrados, referente ao equilíbrio dinâmico (Tabela 1). A Tabela 2 apresenta a classificação do desempenho motor das crianças de cada grupo, com base no resultado final do teste em percentis do M-ABC.

Discussão

Foram encontradas diferenças significativas entre os grupos, com vantagem para as crianças nascidas a termo, o que ressalta a importância do acompanhamento do desenvolvimento até a idade escolar, como preconizado por outros autores.28 Número considerável de crianças pré-termo apresentou desempenho motor atípico ou suspeito, indicativo de problemas de coordenação motora. Sabe-se que essas crianças costumam apresentar dificuldade escolar, com necessidade de suporte especializado, o que geralmente não é oferecido em nossas escolas.

Os resultados deste estudo dão suporte às evidências de que crianças com história de prematuridade, quando atingem a idade escolar, têm pior desempenho motor. Esses resultados corroboram estudo anterior,19 no qual outro grupo de crianças nascidas pré-termo, também recrutadas no ACRIAR, apresentou resultados significativamente inferiores aos pares nascidos a termo em um conjunto de provas de controle tônus postural, equilíbrio e coordenação visomotora. Embora os resultados sejam similares, no presente estudo o uso de um instrumento mais específico como o MABC20 permite maiores inferências acerca do TDC. Como apresentado na Tabela 2, os resultados indicam que, aos sete anos de idade, 57% das crianças nascidas prematuras apresentam escores no M-ABC indicativos de transtorno da coordenação. Por outro lado, apenas 6% das crianças nascidas a termo apresentam desempenho motor atípico. Esse dado revela não só a discrepância entre o desempenho motor de crianças pré-termo e a termo, mas também nos dá maior confiança nos resultados aqui reportados, pois entre as crianças a termo encontramos frequência de sinais de TDC similar à reportada no Brasil27 e internacionalmente.11 É importante ressaltar que a área de maior dificuldade para as crianças pré-termo foi a destreza manual, o que reflete as observações das mães, pois são frequentes as queixas de dificuldade de escrita e no desempenho das atividades de vida diária.

Análise das perdas indica que as crianças avaliadas apresentaram condições neonatais similares às das crianças que abandonaram o programa, afastando a possibilidade de a amostra ter incluído apenas as crianças mais severamente acometidas. A diferença de desempenho motor entre os grupos pré-termo e controle foi acentuada e não muito diferente dos estudos internacionais que reportam frequência de TDC variando de 9,5 a 51%,1,7,9,16,17 com a maioria indicando frequência acima de 30%. Não é possível comparar os dados, pois além do uso de diferentes testes motores, há variação nos pontos de corte e nas amostragens, mas Davis et al.17 sugerem que avanços no cuidado neonatal, especialmente na última década, podem contribuir para discrepâncias nos resultados dos diferentes estudos. Os dados aqui reportados se referem a crianças nascidas na década de 90, em um hospital escola; a combinação entre qualidade do cuidado neonatal e da assistência ao recém-nascido pré-termo nos primeiros anos de vida, associada à fatores de risco social, pode ter contribuído para a frequência um pouco mais alta de problemas de coordenação motora.

Os dados do grupo a termo, por sua vez, são compatíveis com os resultados de um dos poucos estudos brasileiros que usa o M-ABC e reporta frequência de 11,8% e 4,4% de crianças de escolas públicas de zonas urbana e rural, respectivamente, classificadas como apresentando dificuldade de movimento.27 Observa-se (Tabelas 1 e 3 ) que houve diferença significativa, com pior desempenho motor para o grupo pré-termo, no escore total, nos subtotais e em todos os itens do M-ABC, a exceção dos itens de "Repicar bola", "Arremessar saco" (Tabela 3 ) e "Pular quadrados" (Tabela 1), nos quais, embora o grupo pré-termo tenha apresentado pior desempenho, a diferença não atingiu significância. Esse achado é similar ao de outros estudos que utilizaram o M-ABC,1,9,17 pois todos encontraram diferenças entre os grupos pré-termo e a termo no escore total, mas houve variações quanto aos subescores e itens individuais, indicando que essas crianças têm características individuais diferentes.

A menor diferença de desempenho entre os grupos nas provas de bola e no pular quadrados pode ser atribuída a vários fatores, incluindo o tamanho da amostra, mas gostaríamos de chamar a atenção para a possibilidade do impacto de fatores culturais e limitações do próprio teste, não reportadas em outros trabalhos brasileiros.26,27 Nas "Atividades com bola" (Tabela 3 ), foi observado que as crianças dos dois grupos tiveram dificuldade no manejo da bola de tênis, uma novidade para a maioria das crianças, por estarem mais acostumadas a utilizar bolas maiores, como a de futebol. Quanto ao arremesso de saco, essa também não é uma atividade comum à população brasileira, que culturalmente não pratica esportes de arremesso como baseball, basquete e futebol americano. Já a tarefa de pular quadrados foi fácil e ambos os grupos tiveram bom desempenho, ocorrendo efeito teto. Essa prova, devido ao problema aqui discutido, foi excluída da nova versão do M-ABC.29

Os dados aqui analisados, contrários ao estudo de Souza et al.,27 sugerem a necessidade de padronização do M-ABC para crianças brasileiras. Apesar do possível viés cultural, como no presente estudo os dois grupos foram testados sob as mesmas condições, a comparação é válida. Além disso, as diferenças entre os grupos são acentuadas e confirmam dados de outros pesquisadores que documentam a presença de problemas de coordenação em crianças pré-termo aparentemente normais.1,3,9,16,17

Embora a classificação das crianças em termos de percentis (Tabela 2) possa ser questionada, pois não há normas de desempenho no M-ABC para crianças brasileiras, os dados reportados são consistentes com a literatura nacional27 e internacional.1,9 Assim, pode-se concluir que número considerável de crianças (80%) do grupo pré-termo obteve resultado suspeito ou atípico, enquanto no grupo controle apenas 20% se enquadram nessas categorias. Apesar de a maioria dos trabalhos publicados se aterem apenas ao critério de percentil abaixo de 5% para identificação de crianças com TDC, para confirmar o diagnóstico seria necessária avaliação mais detalhada das crianças, incluindo teste de inteligência e verificação do desempenho nas atividades de vida diária. Porém, como os critérios de recrutamento levaram a exclusão de crianças com sinais de deficiência mental ou outros diagnósticos clínicos, podemos concluir que há evidências de que os problemas motores detectados são compatíveis com o diagnóstico de TDC.11

Finalmente, ressaltamos as limitações do estudo, pois os dados foram coletados por vários examinadores, que tinham conhecimento da distribuição das crianças nos dois grupos de estudo, mesmo porque os locais de coleta de dados foram diferentes. No entanto, houve treinamento e checagem periódica da confiabilidade dos procedimentos, durante a coleta de dados. Considerando que as crianças do grupo pré-termo frequentavam programa de acompanhamento, no qual são dadas orientações sobre estimulação do desenvolvimento infantil, pergunta-se: crianças pré-termo, de famílias de baixa renda, que não frequentam programas de acompanhamento, teriam o mesmo nível de desempenho que as crianças acompanhadas? O mesmo índice de problemas de coordenação motora seria encontrado em crianças de famílias de renda média e alta, que têm mais chances de receber estimulação adequada?

Programas públicos de saúde devem investir no acompanhamento longitudinal de crianças pré-termo até a idade escolar, a fim de identificar o transtorno da coordenação o mais cedo possível e prevenir dificuldades na escola. É importante incentivar a criação de serviços interdisciplinares de acompanhamento do desenvolvimento e melhorar a qualidade da atenção às crianças que nascem prematuras. Melhor compreensão do impacto da prematuridade no desenvolvimento infantil vai resultar em programas mais efetivos para ajudar as crianças e suas famílias.

Agradecimentos

Ao CNPq, à FAPEMIG, às famílias e à equipe do ACRIAR, pelo suporte ao trabalho desenvolvido, às crianças que participaram do estudo e suas famílias e às escolas públicas de Belo Horizonte (Escola Estadual Pandiá Calógeras, Escola Estadual Presidente Antônio Carlos, Escola Estadual Paula Francineti), que colaboraram com a coleta de dados do grupo controle.

Recebido em 27 de junho de 2008

Versão final apresentada em 17 de julho de 2009

Aprovado em 31 de julho de 2009

  • 1- Jongmans MJ, Mercuri E, Dubowitz LMS, Henderson SE. Perceptual-motor difficulties and their concomitants in six-year-old children born prematurely. Hum Mov Sci. 1998; 17: 629-53.
  • 2- Moster D, Lie RT, Markestad T. Long-term medical and social consequences of preterm birth. N Engl J Med. 2008; 359:262-73.
  • 3- Goyen TA, Lui K. Longitudinal motor development of "apparently normal"high-risk infants at 18 months, 3 and 5 years. Early Hum Dev. 2002, 70: 10-4.
  • 4- Linhares MBM, Chimello JT, Bordin MBM, Carvalho ABV, Martinez FE. Desenvolvimento Psicológico na Fase Escolar de Crianças Nascidas Pré-termo em Comparação com Crianças Nascidas a Termo. Psicol Refl Crít. 2005; 18: 109-17.
  • 5- Litt j, Taylor HG, Klein N, Hack M. Learning disabilities in children with very low birthweight: prevalence, neuropsychological correlates and educational interventions. J Learn Disabil. 2005; 38: 130-41.
  • 6- Méio MDBB, Lopes CS, Morsch DS, Monteiro APG, Rocha SB, Borges RA, Reis AB. Desenvolvimento cognitivo de crianças prematuras de muito baixo peso na idade pré-escolar. J Pediatr. (Rio J.) 2004; 80: 495-502.
  • 7- Rickards AL, Kelly EA, Doyle LW, Callanan C. Cognition, academic progress, behavior and self-concept at 14 years of very low birth weight children. J Dev Behav Pediatr. 2001; 22: 11-8.
  • 8- Saigal S, Stoskopf B, Boyle M, Paneth N, Pinelli J, Streiner D, Goddeeris J. Comparison of current health, functional limitations, and health care use of young adults who were born with extremely low birth weight and normal birth weight. J Pediatr. (Rio J.) 2007, 119: 562-73.
  • 9- Foulder-Hughes LA, Cooke R. Do mainstream schoolchildren who were born preterm have motor problems? Br J Occup Ther. 2003; 66: 9-16.
  • 10- Hadders-Algra M. Two distinct forms of minor neurological dysfunction: perspectives emerging from a review of data of the Groningen Perinatal Project. Dev Med Child Neurol. 2002; 44: 561-71.
  • 11
    - American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV-TR tm - texto revisado, 4.ed., [rev.] / consultoria e coordenação Miguel R. Jorge; tradução Claudia Dornelles. Porto Alegre: Artmed; 2002.
  • 12
    - OMS (Organização Mundial da Saúde). Classificação Estatística Internacional de doenças e problemas relacionados à Saúde. 10ª revisão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 2000.
  • 13- Polatajko HJ, Fox M, Missiuna C. An international consensus on children with developmental coordination disorder. Can J Occup Ther. 1995; 62: 3-6.
  • 14- Polatajko HJ, Cantin N. Developmental coordination disorder (Dyspraxia): an overview of the state of the art. Semin Pediatr Neurol. 2006; 12: 250-8.
  • 15- Magalhães LC, Missiuna C, Wong S. Terminology used in research reports of developmental coordination disorder. Dev Med Child Neurol. 2006; 48: 937-41.
  • 16- Holsti L, Grunau, RVE, Whitfield MF. Developmental coordination disorder in extremely low birth weight children at nine years. J Dev Behav Pediatr. 2002; 23: 9-15.
  • 17- Davis NM, Ford GW, Anderson PJ, Doyle LW. Developmental coordination disorder at 8 years of age in a regional cohort of extremely-lowbirthweight or very preterm infants. Dev Med Child Neurol. 2007; 49: 325-30.
  • 18- Geuze RH, Jongmans M, Schoemaker M, Smits-Engelsman B. Clinical and research diagnostic criteria for developmental coordination disorder: A review and discussion. Hum Mov Sci. 2001; 20: 1-5.
  • 19- Magalhães LC, Wendling PC, Paixão ML, Mancini MC, Barbosa VM. Estudo comparativo sobre o desempenho perceptual e motor na idade escolar em crianças nascidas pré-temo e a termo. Arq Neuro-Psiquiat. 2003; 61: 250-5.
  • 20- Henderson SE, Sugden DA. Movement assessment battery for children: manual. London: Psychological Corporation; 1992.
  • 21- Henderson SE, Henderson L. Toward an understanding of developmental coordination disorder. Adap Phys Activ Q. 2002; 19: 12-31.
  • 22- Wilson PH. Practitioner review: Approaches to assessment and treatment of children with DCD: An evaluative review. J Child Psychol Psychiatry. 2005; 46: 806-23.
  • 23- Rosblad DB, Gard L. The assessment of children with developmental coordination disorders in Sweden: A preliminary investigation of the suitability of the movement ABC. Hum Mov Sci. 1998; 17: 711-9.
  • 24- Smits-Engelsman BCM, Henderson SE, Michels CGJ. The assessment of children with developmental coordination disorders in Netherlands: The relationship between the movement battery for children and the Köperkoordinations Test für Kinder. Hum Mov Sci. 1998; 17: 699-709.
  • 25- Van Waelvelde H, Peersman W, Lenoir M, Smits Engelsman BCM. The reliability of the movement assessment battery for children for preschool children with mild to moderate motor impairment. Clin Rehabil. 2007; 21: 465-70.
  • 26- Cavalcante CF, Souza J, Petersen RDS, Oliveira MA. Prevalence of DCD in Brazilian children. Proceedings of the 6th International conference on children with DCD (pp. 87). Trieste, Itália; 2005.
  • 27- Souza C, Ferreira F, Catuzzo MT, Corrêa, UC. O teste ABC do movimento em crianças de ambientes diferentes. Rev Port Ciên Desporto. 2007; 7: 6-47.
  • 28- Salt A, Redshaw M. Neurodevelopmental follow-up after preterm birth: follow up after two years. Early Hum Dev. 2006; 82: 185-97.
  • 29- Henderson S, Sugden DA, Barnett A. Movement assessment battery for children. 2 ed. San Antonio: Harcourt Assessment; 2007.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      31 Jul 2009
    • Recebido
      27 Jun 2008
    Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
    E-mail: revista@imip.org.br