Acessibilidade / Reportar erro

Hemoglobinopatias: um tema em constante discussão

EDITORIAL

Hemoglobinopatias: um tema em constante discussão

Milton A. Ruiz

Prof. Adjunto do Depto de Clínica Médica da FAMERP, Coordenador da Unidade de TMO do Hospital de base de São José do Rio Preto SP - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência : Milton Arthur Ruiz Unidade TMO do HB/FUNFARME/FAMERP Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416 CEP: 15090-000. São José do Rio Preto. SP Fone: (17) 210-5000 E-mail: milruiz@yahoo.com.br

O estudo das hemoglobinopatias tem sido um tema abordado com freqüência pela Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (RBHH) (1, 2, 3). Nos últimos anos, artigos, relatos de casos, cartas ao editor e teses fazem parte do acervo de informações que colaboram com a evolução da RBHH (4, 5, 6). No fascículo atual, por exemplo, temos uma abordagem oportuna da portaria do Ministério da Saúde, 822/01, sobre a implantação oficial da triagem neonatal das hemoglobinopatias no Brasil de autoria de Ramalho e colaboradores da faculdade de Ciências Médicas de Campinas, Unicamp. No relato, são apresentados e comentados os aspectos médicos e éticos da triagem neonatal e é ressaltada a importância do aconselhamento genético. Os autores dissertam sobre os problemas e os riscos dos programas populacionais e alertam sobre o ocorrido em programas similares realizados no exterior. O diagnostico precoce configura um ganho e um avanço para os pacientes, mas confere a obrigatoriedade do seguimento e, principalmente, o aporte de recursos globais além da necessidade de organização de uma política assistencial definida para todos pacientes e em todas localidades do país. Outro ponto abordado no artigo é referente aos portadores heterozigotos que não devem ser estigmatizados, apesar de ser necessária uma orientação adequada sobre o resultado encontrado e alertado para as raras e eventuais ocorrências, com as que se observam nos portadores do traço falciforme.

Neste espectro assume importância o relato intitulado Hemoglobinopatias em Saúde Ocupacional, de Silva Filho e colaboradores da Fiocruz, Rio de Janeiro e Bahia, na seção carta ao editor, em que é enfocada a prevalência em expostos, no qual os autores enfatizam a necessidade de rastreamentos e identificação dos portadores no meio ocupacional, com finalidade de reduzir a ocorrência de eventos indesejáveis nesta população habitualmente assintomática.

O uso das transfusões de sangue nos pacientes com anemia falciforme no passado não era muito bem visto pela comunidade hematológica e as suas indicações restringiam-se a complicações evidentes, onde ocorria a redução abruta dos níveis de hemoglobina, como o seqüestro esplênico ou em insuficiências medulares, para exemplificar. No entanto, estudos em que a freqüência de acidentes vasculares cerebrais e infartos silentes nos pacientes com anemia falciforme foram evidenciados, desde da década de 70 já se preconizava o uso de transfusões com a finalidade de reduzir o percentual de comprometimento neurológico nestes pacientes (7). Os programas de hipertransfusão para pacientes considerados de alto risco de comprometimento neurológico demonstram ser benéficos, e assim em que pese os riscos do uso do sangue aumentarem a possibilidade de efeitos indesejáveis transfusionais, o uso do sangue cada vez mais tem ocorrido nos pacientes falciformes. No bojo das complicações freqüentes da anemia falciforme é que neste fascículo Naufel e colaboradores apresentam, na seção relato de casos, dois pacientes em que foi observada uma reação transfusional hiper-hemolítica, em que a própria evolução nos ensina que a moléstia apresenta uma morbidade elevada e que a perspectiva devida, de agruras e de dificuldades encontram se associadas a uma expectativa de vida inferior a da população normal.

O tratamento dos pacientes talassêmicos e falcêmicos experimentou ao longo das duas ultimas décadas grandes avanços. Eles se basearam no diagnóstico preciso, no entendimento da fisiopatologia das moléstias, mas principalmente na prevenção e nos cuidados médicos em geral. No entanto, a cura destes polimorfismos genéticos ainda não foi encontrada.Variações genéticas entre os pacientes configuram uma diversidade clínica, o que suscita possibilidades de interversões, como em relação ao nível de hemoglobina fetal na anemia falciforme, na qual pequenos percentuais alteram dramaticamente a ocorrência de crises e as diversas complicações inerentes à doença. A modificação do percentual das hemoglobinas normais, já obtida através do uso constante da hidroxiúrea, abriu o caminho para especulações no uso da terapia genética com utilização de lentivírus como vetores e do transplante de células precursoras hematopoéticas alogênico (TCPH) (8, 9). Os primeiros resultados em modelos animais da terapia genética são animadores e o uso do TCPH alvissareiros apesar do pequeno numero de casos descritos até o momento (10). A toxicidade dos regimes de condicionamento e o encontro de doadores compatíveis são duas barreiras para o emprego desta estratégia de tratamento (8, 10). O preparo dos pacientes com regimes de condicionamento não-mieloablativos parece ser o caminho para a redução da toxicidade, visto que a instalação de uma simples quimera mista nestes pacientes resulta em uma dramática e radical transformação do quadro clinico (7, 9, 10).

A seleção dos pacientes para o TCPH e a definição do momento apropriado de realizar o procedimento é duvida para o emprego desta estratégia de tratamento, alem do que especula-se sobre as complicações a médio e longo prazo.

Com o exposto, com o futuro cheio de duvidas, mas com muitas esperanças, é que consideramos as hemoglobinopatias como um tema em continua e renovada discussão.

Referencias Bibliográficas

1. Schiaveto EC, Vidotto A,Siqueira FAM. Köln hemoglobin found in neonatal screening program in São Jose do Rio Preto, São Paulo. Brazil, Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2002,24 (1):41-44.

2. Bonini-Domingos CR, Calderan PHO, Siqueira FAM. Hemoglobin Kansas found by eletrophoretic diagnosis in Brazil. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2002, 24 (1): 37-39.

3. Leoneli GG, Melo SMA, Zago MA et al. HB D Los Angeles in a Brazilian family. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2001, 23 ( 3):142-145.

4. Cançado RD, Langhi Jr DM, Chiattone CS et al. The use of diethilbestrol in the treatment of priaprism in sickle cell disease patientes - Two case reports and a review of the literature. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2002, 24(2): 139-143.

5. Duarte ASS, Saade STO. Efeito da hidroxiúrea e progesterona na regulação da transcrição do gene da gama globina. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2002, 24(2): 147-148.

6. Leoneli GG, Hemoglobina D. Caracterização eletroforética e molecular. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2001, 148-149.

7. Adams RJ, Ohene-Frempong K, Wang W. Sickle cell and brain. Hematology, American Society of Hematology 2001,31-46.

8. Walters MC, Nenhuis AW, Vichinsky E. Novel therapeutic approaches in sicle cell disease, Hematology, American Society of Hematology Educational Book 2002: 10-349.

9. Kaji EH, Leiden MJ. Gene and stem cell therapies.JAMA. 2001, 285(5): 545-550.

10. Hoppe CC, Walters MC. Bone marrow transplantation in sickle cell anemia. Current Opinion in Oncology. 2001, 13:85-90.

11. Nietert PJ, Abboud MR, Silverstein MD, Jackson SM. Bone marrow transplantation versus periodic prophylatic blood transfusion in sickle cell patients at high risk of ischemic stroke: a decision analysis. Blood. 2000,95(10): 3057-3064.

  • Endereço para correspondência :
    Milton Arthur Ruiz
    Unidade TMO do HB/FUNFARME/FAMERP
    Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416
    CEP: 15090-000. São José do Rio Preto. SP
    Fone: (17) 210-5000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Nov 2003
    • Data do Fascículo
      Dez 2002
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria@rbhh.org