Acessibilidade / Reportar erro

Denver II: comportamentos propostos comparados aos de crianças paulistanas

Resumo:

OBJETIVO:

verificar a proporção de ocorrência de comportamentos nas áreas ("Motor Grosso", "Motor Fino-Adaptativo", "Pessoal Social" e "Linguagem") padronizados pelo Denver II, em crianças paulistanas e associar esta proporção com as variáveis sociodemográficas: idade e sexo da criança, idade gestacional, idade e escolaridade dos pais.

MÉTODOS:

utilizou-se 150 prontuários de crianças típicas avaliadas pelo teste, sendo selecionados três comportamentos por área, entre 24 e 60 meses, com ocorrência prevista entre 50% e 90%.

RESULTADO:

a maioria dos comportamentos coincidiu com as idades propostas e aos dois anos todos foram observados na proporção prevista. Nas demais idades houve maior adequação da área "Motor Grosso", seguida por "Motor Fino-Adaptativo", "Linguagem" e "Pessoal Social". Conforme o aumento da idade houve menor coincidência de comportamentos na "Linguagem" e "Motor Fino-Adaptativo".

CONCLUSÃO:

os comportamentos descritos no Denver II foram observados em proporção semelhante neste estudo, especialmente na área motora e aos dois anos, seguindo sucessivamente dos três aos cinco anos.

Descritores:
Desenvolvimento Infantil; Triagem; Criança

Resumo:

OBJETIVO:

verificar a proporção de ocorrência de comportamentos nas áreas ("Motor Grosso", "Motor Fino-Adaptativo", "Pessoal Social" e "Linguagem") padronizados pelo Denver II, em crianças paulistanas e associar esta proporção com as variáveis sociodemográficas: idade e sexo da criança, idade gestacional, idade e escolaridade dos pais.

MÉTODOS:

utilizou-se 150 prontuários de crianças típicas avaliadas pelo teste, sendo selecionados três comportamentos por área, entre 24 e 60 meses, com ocorrência prevista entre 50% e 90%.

RESULTADO:

a maioria dos comportamentos coincidiu com as idades propostas e aos dois anos todos foram observados na proporção prevista. Nas demais idades houve maior adequação da área "Motor Grosso", seguida por "Motor Fino-Adaptativo", "Linguagem" e "Pessoal Social". Conforme o aumento da idade houve menor coincidência de comportamentos na "Linguagem" e "Motor Fino-Adaptativo".

CONCLUSÃO:

os comportamentos descritos no Denver II foram observados em proporção semelhante neste estudo, especialmente na área motora e aos dois anos, seguindo sucessivamente dos três aos cinco anos.

Descritores:
Desenvolvimento Infantil; Triagem; Criança

Introdução

O desenvolvimento infantil se dá nas interações das características físicas, psíquicas e sociais de cada criança 1. Resegue R, Puccini RF, Silva EMK. Fatores de risco associados a alterações no desenvolvimento da criança. Pediatria (São Paulo). 2007;29(2):117-128.. Este processo evidencia-se em mudanças que se iniciam desde a vida intrauterina e seguem envolvendo o crescimento físico, a maturação neurológica e a construção de habilidades cognitivas, sociais e afetivas 2. Cole M, Cole SR. O desenvolvimento da criança e do adolescente (m.f. Lopes, trad., 4ª ed). Porto Alegre: Artmed, 2003..

A primeira infância é o período de vida que se estende de zero a cinco anos, tratando-se de uma fase decisiva e insubstituível para a formação do indivíduo 3. Campos Júnior D. Investimento na primeira infância: estratégia para a evolução da sociedade. In: Curso Nestlé de Atualização em Pediatria. Paraná, PR. 2011.. O desenvolvimento implica mudanças na organização funcional do cérebro, do corpo, do comportamento individual, assim como no relacionamento entre a criança e suas experiências organizadas em termos socioculturais 4. Cole M, Hakkarainen P, Bredikyte M. Contexto cultural e aprendizagem na primeira infância. Enciclopédia sobre o desenvolvimento na primeira infância. Disponível em: http://www.enciclopedia-crianca.com/sites/default/files/textes-experts/pt-pt/2094/contexto-cultural-e-aprendizagem-na-primeira-infancia.pdf. Acessado em 2013.
http://www.enciclopedia-crianca.com/site...
. Desta forma as oportunidades ofertadas às crianças e as expectativas sociais podem interferir no seu desenvolvimento 5. Venturella BC, Zanandrea G, Saccani NC, Valentini NC. Desenvolvimento motor de crianças entre 0 e 18 meses de idade: diferenças entre os sexos. Motricidade. 2013;9(2):3-12..

Dos possíveis fatores de risco que influenciam nas aquisições comportamentais da criança, têm-se destacado os fatores relacionados à especificidade das tarefas ofertadas6. Nobre FSS, Costa CLA, Oliveira DL, Cabral DA, Nobre GC, Caçola P. Análise das oportunidades para o desenvolvimento motor (affordances) em ambientes domésticos no Ceará . Brasil. Rev. bras. crescimento e desenvolv. hum. 2009;19(1):9-18., assim como os fatores socioeconômicos e ambientais 7. Hamadani JD, Tofail F, Hilaly A, Huda SN, Engle P, Grantham-McGregor SM. Use of family care indicators and their relationship with child development in Bangladesh. J. Health Popul. Nutr. 2010;28(1):22-33.. Devido à importância e ao possível impacto do atraso no desenvolvimento das fases iniciais na condição futura, é fundamental que se possa, o mais precocemente possível, identificar as crianças de maior risco, encaminhando-as para diagnóstico e tratamentos necessários 8. Grisi SJFE. Validação da ficha de acompanhamento do desenvolvimento proposta pelo Ministério da Saúde. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP.2013..

Os testes de triagem são aplicáveis a um grande número de pessoas, de maneira rápida e de baixo custo. Estes devem ser regidos por normas padronizadas que permitam a identificação de condições de risco de alteração no desenvolvimento e a necessidade de avaliações posteriores 9. Pereira APP, León CBR, Dias NM, Seabra AG. Avaliação de crianças pré-escolares: relação entre testes de funções executivas e indicadores de desatenção e hiperatividade. Rev. Psicopedagogia. 2012;29(90):279-89.. A escassez de instrumentos padronizados e confiáveis para avaliar habilidades nos primeiros anos de vida de crianças brasileiras 1010 . Santos RS, Araújo APQC, Porto MAS. Diagnóstico precoce de anormalidades no desenvolvimento em prematuros: instrumentos de avaliação. J. Pediatr. 2008;84(4):289-99., somada à falta de normas de desempenho, dificulta a identificação de indivíduos que se beneficiariam de programas de estimulação assim como limita o desenvolvimento de pesquisas.

Desenvolvido por Frankenburg eI Dodds em 1967, o Teste de Triagem Denver pode ser aplicado pelos profissionais da saúde com administração dos itens diretamente à criança, ou questionados ao responsável. O teste registra o surgimento e a estabilização de cada comportamento a ser observado e permite notar a área de melhor desempenho. O teste tem como objetivos: prover os profissionais de saúde com uma impressão clínica e organizada do desenvolvimento global da criança; alertar para as dificuldades e avaliar este desenvolvimento baseado na performance de uma série de tarefas apropriadas para a idade 1111 . Frankenburg WK. The Denver II: a major revision and restandardization of the Denver Developmental Screening test. Pediatrics. 1992;89(1):91-7..

O Teste de Triagem de Denver II (Denver II) é a versão mais recente, cujo principal objetivo é detectar algum desvio/alteração de desenvolvimento, sendo utilizado no acompanhamento de todas as crianças, de risco ou não. O teste não fornece diagnóstico e leva em consideração o avanço da idade, avaliando quatro áreas do desenvolvimento: "Motor Grosso", "Motor Fino-Adaptativo", "Pessoal Social" e "Linguagem".

O Denver II é recomendado pela Sociedade Brasileira de Pediatria para o acompanhamento do desenvolvimento infantil. É um instrumento de integração da equipe multidisciplinar, na qual cada profissional pode atuar com sua visão específica. Para aplicá-lo é faz-se necessário realizar um treinamento de capacitação de acordo com os pré-requisitos dos autores. Assim, apesar de não ter sido padronizado formalmente para a criança brasileira (está traduzido no idioma para fins de pesquisa), é um teste usado e reconhecido internacionalmente, fazendo-se, portanto, necessário investigar a adequação dos itens e o padrão de resposta de cada país 1212 . Cunha HL, Melo NA. Avaliação de riscos ao desenvolvimento neuropsicomotor em crianças: triagem utilizando o teste Denver II e identificação de fatores maternos de risco. Acta Cir Bras. 2005;6:20-42..

Com interesse no acompanhamento do desenvolvimento infantil e nas adequações dos comportamentos padronizados pelo Denver II, os objetivos deste estudo foram: verificar a proporção de ocorrência de comportamentos nas áreas "Motor Grosso", "Motor Fino-Adaptativo", "Pessoal Social" e "Linguagem" (padronizados pelo Denver II, em crianças paulistanas) e associar esta proporção com as variáveis sociodemográficas: idade e sexo da criança; idade gestacional; idade e escolaridade dos pais.

Métodos

Considerações éticas

Este estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina sob numero 1200/10.

Participantes

A amostra foi constituída por 150 prontuários do acervo do Departamento de Fonoaudiologia da instituição de origem, de crianças de ambos os sexos com idade entre 24 e 60 meses, sem queixas de alteração no desenvolvimento, matriculadas em pré-escola municipal da região sul paulistana.

Estas crianças foram avaliadas por meio do Denver II em rotina de observação do desenvolvimento, sem queixas ou históricos de alteração no desenvolvimento, segundo seus professores. Os critérios para inclusão dos prontuários foram o registro completo da identificação da criança e da ficha do Denver II.

Instrumento

O instrumento de referência adotado neste estudo foi o Denver II1111 . Frankenburg WK. The Denver II: a major revision and restandardization of the Denver Developmental Screening test. Pediatrics. 1992;89(1):91-7. já traduzido e adaptado culturalmente para a criança brasileira1313 . Sabatés AL, Lamônica DAC, Perissinoto J, Brêtas JS, Silva MGB, Rezende MA, Resegue RFS, Isotani SM. Teste de triagem do desenvolvimento Denver II: adaptação transcultural para a criança brasileira. Com autorização do autor Frankenburg WK. São Paulo, 2013.. O Denver II avalia crianças de zero a seis anos de idade e é composto de 125 itens representados por tarefas organizadas em quatro áreas: a conduta "Pessoal-Social" que compreende aspectos da socialização da criança; a conduta "Motor Fino-Adaptativo" que inclui coordenação olho/mão; a do "Motor Grosso" diz respeito ao controle motor corporal, e a conduta da "Linguagem" que envolve a capacidade de reconhecer, entender e usar a linguagem.

No Denver II cada item (comportamento) está representado por uma barra que indica a idade na qual 25%, 50%, 75% e 90% das crianças podem realizar determinado comportamento. Para cada item testado é atribuído um escore (passou, falhou, recusou e sem oportunidade) segundo o resultado obtido. A seguir é interpretado como: avançado, normal, cautela ou atraso. Após essa interpretação pode ser classificado em "Normal", "Questionável" ou "Não Aplicável".

Procedimento

Coleta de dados:

Neste estudo foram selecionados três comportamentos específicos por idade e em cada uma das quatro áreas do desenvolvimento apresentadas no Denver II. Selecionou-se um item na faixa de 50% de ocorrência do comportamento no padrão original e dois itens entre a faixa de 75 a 90%, totalizando 48 comportamentos alvo.

Segundo esse critério foram considerados os seguintes itens por área: com relação à área Pessoal-Social, (24 meses): retira uma vestimenta; "alimenta" uma boneca; veste-se com supervisão; (36 meses) lava e seca as mãos; fala o nome de amigo; veste uma camiseta; (48 meses) veste uma camiseta; veste-se sem ajuda; joga jogos de mesa; (60 meses): joga jogos de mesa; escova os dentes sem ajuda e prepara refeição.

Com relação à área de Linguagem (24 meses): nomeia uma figura; aponta seis partes do corpo; aponta quatro figuras; (36 meses) reconhece duas ações; compreende dois adjetivos; nomeia uma cor; (48 meses) fala inteligível; compreende quatro preposições; nomeia quatro cores; (60 meses) define cinco palavras; compreende três adjetivos e define sete palavras.

Na área Motor-Fino-Adaptativo: (24 meses) torre 2 cubos; torre 4 cubos; torre 6 cubos; (36 meses) imita uma linha vertical; torre 8 cubos; move o polegar; (48 meses) move o polegar; copia círculo; desenha pessoa (3 partes); (60 meses) aponta a linha mais comprida; copia quadrado (demonstrar.); desenha pessoa (06 partes).

No Motor-Grosso: (24 meses) chuta bola; pula; arremessa bola; (36 meses) salta; equilibra-se em cada pé 1 seg.; equilibra-se em cada pé 2 seg.; (48 meses) equilibra-se em cada pé 2seg.; pula em um pé só; equilibra-se em cada pé 4seg.; (60 meses) equilibra-se em cada pé 4 seg.; equilibra-se em cada pé 5 seg e equilibra-se em cada pé 6 seg.

Análise dos dados

Os dados foram tabulados em planilha e analisados estatisticamente com utilização de softwares: SPSS V16, Mihitals 15 e Excel Office 2007. Foram utilizados testes estatísticos paramétricos: Teste de Igualdade de Duas Proporções, Teste Qui-Quadrado, ANOVA e Comparação Múltipla de Tukey. As variáveis foram representadas em frequências absolutas (n) e em frequências relativas (%). Adotou-se um nível de significância de 0,05(5%). Todos os intervalos de confiança construídos ao longo do trabalho foram construídos com 95% de confiança estatística.

Resultados

Com relação às características da amostra foram analisados 67 prontuários de crianças do sexo masculino e 83 do sexo feminino e a divisão das idades após tabulação apresentou-se na ordem crescente: com dois anos, 27 crianças (13 meninos e 14 meninas); três anos, 31 crianças (12 meninos e 19 meninas); quatro anos, 44 crianças (15 meninos e 29 meninas) e cinco anos, 48 crianças (27 meninos e 21 meninas).

Em relação à caracterização da amostra observou-se a distribuição da frequência absoluta e relativa de cada comportamento, nas possíveis respostas, para o total de prontuários. Sendo possível notar, portanto, a resposta mais prevalente e a porcentagem significante frente às demais (Tabela 1).

Tabela 1:
Frequência dos escores dos comportamentos da área linguagem

Considerou-se análise semelhante, por faixa etária, os percentuais foram calculados para o total de crianças e em relação à frequência do comportamento na padronização (50%, 75% e 90%).

A partir da análise do conjunto de respostas, observou-se uma tendência de diminuição do escore "passou" conforme o avanço da faixa etária (Figura 1), o mesmo ocorreu na área relativa à "Linguagem". Sendo assim, os comportamentos alvo foram observados mais frequentemente aos dois e três anos do que aqueles relativos aos quatro e cinco anos. Com relação à idade de dois anos, todos os comportamentos investigados nas quatro áreas mostraram-se coincidentes ao padrão original.

Figura 1:
Frequência dos escores de comportamentos específicos para 03 e 04 anos

Para a análise geral do Denver II, utilizou-se o teste de igualdade de duas proporções, no qual 112 (74,7%) testes obtiveram resultado "Normal" e 38 (25,3%) "Questionável" sendo este resultado significante (p-valor<0,001).

Houve variação na concordância entre o esperado e o registrado neste estudo, na área "Motor Grosso" houve maior quantidade de comportamentos dentro da faixa etária prevista (92,7%), seguida pelas áreas "Motor Fino-Adaptativo" (75,3%), "Linguagem" (62,7%) e "Pessoal Social" (58,7%) (Figura 02).

Figura 2:
Frequência dos escores de comportamentos das áreas do desenvolvimento

Analisou-se a distribuição das áreas isoladamente e posteriormente associando-as ao resultado geral. A Tabela 02 mostra a distribuição conjunta para valores absolutos e seus percentuais entre todas as combinações. Verificou-se que existe relação e/ou associação significante entre o resultado geral e as quatro áreas (negrito, Tabela 2).

Tabela 2:
Distribuição da frequência do Denver II com as áreas do desenvolvimento

Ao partir-se para análise dos resultados obtidos na aplicação do Denver II nas diferentes áreas em associação às variáveis sociodemográficas, foi realizada a análise de variância ANOVA. Averiguou-se como significantes a idade (p=0,017) e a escolaridade materna (p=0,001). A escolaridade paterna mostrou uma tendência a ser significante (p= 0,057), principalmente no resultado das áreas motor fino-adaptativo e linguagem (Tabela 3).

Tabela 3:
Associação do Denver II com as variáveis sociodemográficas

Discussão

Os quarenta e oito comportamentos alvo, nas quatro áreas e nas quatro faixas etárias estudadas estiveram presentes nos protocolos avaliados. No entanto, nem todos foram registrados na frequência de ocorrência proposta pelo padrão original. Alguns foram registrados em idades posteriores e outros em anteriores. Aos dois anos todos os comportamentos alvo foram registrados na frequência prevista. Dentre as áreas o "Motor Grosso" foi a de maior coincidência.

Em análise 1414 . Araújo LB. Análise do desenvolvimento neuropsicomotor de crianças de zero a três anos em centros de educação infantil [dissertação]. Curitiba (PR): Universidade Federal do Paraná; 2013. de crianças de zero a 03 anos de idade, 68,8% encontravam-se dentro dos padrões de normalidade. A área de maior desempenho foi o "Motor Fino-Adaptativo" (3,75%) e a de menor desempenho foi a de 'Linguagem" (57,5%). Tal resultado está de acordo com os aqui encontrados de menor coincidência com o padrão original em Linguagem. Esta diferença na frequência de comportamentos em linguagem acentua-se om o aumento da idade.

Em estudo 1515 . Rocha SR, Dornelas LF, Magalhães LC. Instrumentos utilizados para a avaliação do desenvolvimento de recém-nascidos pré-termo no Brasil: revisão de literatura. Cad. Ter. Ocup. Ufscar. 2013;21(1):109-17. constituído por crianças entre zero e 24 meses, 58,14% das crianças avaliadas apresentavam Denver II "Normal" e 41,86% "Questionável". Destas, 38% apresentaram comprometimento na área "Motor Grosso", 32% no "Motor Fino-Adaptativo", 18% na "Linguagem" e 12% na área "Pessoal-Social". Não houve em tal análise diferenças no desempenho de acordo com o sexo e a escolaridade dos pais. Dados estes contrários aos apresentados no estudo em questão, no qual a escolaridade materna mostra-se fator significante nas áreas estudadas.

Deve-se levar em consideração, que apesar da utilização da versão mais recente e cuidadosa, as diferenças socioculturais poderiam afetar o resultado obtido. Como não existem dados normativos para crianças brasileiras, não se pode descartar a possibilidade de influência desses fatores. Estudos futuros devem investigar a validade dos itens do Denver II para a população brasileira 1616 . Magalhães LC, Fonseca KL, Martins LTBM, Dornelas LF. Desempenho de crianças pré-termo com muito baixo peso e extremo baixo peso segundo o teste Denver-II. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. 2011;11(4):445-53..

Vários estudos 1717 . Halpern R, Barros AJD, Matijasevich A, Santos IS, Cesar GV, Barros FC. Estado de desenvolvimento aos 12 meses de idade de acordo com o peso ao nascer e renda familiar: uma comparação de duas coortes de nascimentos no Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24:444-50. foram realizados em diferentes países com o propósito de adaptar e padronizar o teste à cultura local. Os resultados desses estudos apontaram para a necessidade de exclusão de alguns itens do Denver II por motivos variados, entre eles: a dificuldade de administração e interpretação pelos examinadores, alta taxa de itens pontuados como "recusa" ou "sem oportunidade" e a irrelevância do item para a cultura do país. Cabe aqui ressaltar que grande parte dos itens questionados na área "Pessoal-Social" deste trabalho apresentaram resultados "sem oportunidade", o que dificultou a identificação de presenças em determinados comportamentos.

No Brasil, em estudo específico, observou-se que o desempenho de crianças pré-escolares foi semelhante à amostra normativa 1818 . Souza SC, Leone C, Takano O, Moratelli HB. Desenvolvimento de pré-escolares na educação infantil em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24:1917-26.. Em outra análise1212 . Cunha HL, Melo NA. Avaliação de riscos ao desenvolvimento neuropsicomotor em crianças: triagem utilizando o teste Denver II e identificação de fatores maternos de risco. Acta Cir Bras. 2005;6:20-42. foi encontrada resposta diferencial com relação à amostra normativa no desempenho de crianças institucionalizadas nas idades de três e quatro anos, principalmente nas áreas de "Linguagem", "Pessoal-Social" e "Motor Grosso". Assim como os achados da presente pesquisa que demonstram diferenças principalmente em relação às duas áreas primeiramente citadas.

Foi encontrado 1919 . Halpern R, Giugliani ERJ, Victoria CG, Barros FC, Horta BL. Fatores de risco para suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor aos 12 meses de vida. Rev Chil Pediatr. 2002;73:529-39. alto índice de atraso "Motor Grosso" em crianças brasileiras aos 12 meses, sendo que esta foi à área mais comprometida quando comparada com os demais setores do Denver II. Alguns estudos justificam que a aquisição desta habilidade pode estar relacionada às condições ambientais em que a criança está inserida, por se tratar de crianças de famílias de baixa renda, as limitações na estimulação ambiental, podem se tornar mais relevantes com a idade 2020 . Muluk NB, Bayoglu B, Anlar B. Language development and affecting factors in 3. to 6-year-old children. European Archives of Oto-Rhino-Laryngology. 2014;271:871-8.. Tais achados não foram encontrados neste trabalho, na qual a área "Motor Grosso" mostrou ser a mais bem adaptada para as crianças da amostra.

Em relação à área da Linguagem as crianças podem também não ter encontrado no ambiente domiciliar, estimulação adequada para o desenvolvimento de padrões linguísticos, resultando no pior desempenho. Famílias de baixa renda, como aquelas aqui estudadas, geralmente são constituídas por pais de baixo nível educacional e com jornada de trabalho extensa, o que pode ter resultado em pequena disponibilidade de tempo para convivência e estímulo à criança 2121 . Moraes MW, Weber APR, Santos COM, Almeida FA. Teste de Denver II: avaliação do desenvolvimento de crianças atendidas no ambulatório do Projeto Einstein na comunidade de Paraisópolis. Einstein. 2010;8:149-53.. Tais dificuldades nos itens de linguagem foram encontradas neste estudo, sendo esta a área que apresentou maior alteração no quadro geral de respostas. O que reforça a hipótese da influência dos fatores sociais e culturais nos escores do teste, pois, as funções motoras, cognitivas, comunicativas e adaptativas se desenvolvem por meio da interação com o ambiente, sendo bastante dependentes da quantidade e qualidade dos estímulos disponíveis 2222 . Rezende MA, Beteli VC, Santos JLF. Avaliação de habilidades de linguagem e pessoal-sociais pelo Teste de Denver II em instituições de educação infantil. Acta Paul Enferm. 2005;18:56-63..

Em estudo 2020 . Muluk NB, Bayoglu B, Anlar B. Language development and affecting factors in 3. to 6-year-old children. European Archives of Oto-Rhino-Laryngology. 2014;271:871-8. fatores maternais como idade, nível educacional e status socioeconômico estavam correlacionados com os itens de linguagem em todas as faixas etárias estudadas. Observou-se influência da escolaridade dos pais no desempenho de tal área para todas as idades estudadas.

Enfocando a área pessoal-social encontrou-se em pesquisa realizada com crianças entre 18 e 24 meses 2121 . Moraes MW, Weber APR, Santos COM, Almeida FA. Teste de Denver II: avaliação do desenvolvimento de crianças atendidas no ambulatório do Projeto Einstein na comunidade de Paraisópolis. Einstein. 2010;8:149-53.melhor desempenho da área em questão frente as demais, dados estes não encontrados no presente estudo, devido principalmente à grande dificuldade de caracterizar as respostas de tais comportamentos.

É importante ressaltar que apesar de ter tido suas propriedades psicométricas examinadas em alguns estudos nacionais, o Teste de Triagem de Denver II ainda não possui normas de desempenho para a população brasileira. Os instrumentos devem ser sensíveis para detectar sinais indicativos de atrasos em crianças, de diferentes regiões do país e níveis sociais, para possibilitar orientação e intervenção o mais precocemente possível 1515 . Rocha SR, Dornelas LF, Magalhães LC. Instrumentos utilizados para a avaliação do desenvolvimento de recém-nascidos pré-termo no Brasil: revisão de literatura. Cad. Ter. Ocup. Ufscar. 2013;21(1):109-17..

Neste estudo houve a limitação da extensão da amostra e a ausência de instrumento de validade que pudesse ser considerado padrão de análise comparativa para os resultados das crianças no Denver II. Assim, parece-nos necessário ampliar a população e posteriormente rever o quadro geral de referência de normalidade de aparecimento de determinados comportamentos nas crianças brasileiras na primeira infância.

Conclusão

Os dados encontrados apontam que, para a amostra estudada, o Denver II possui uma parcela dos comportamentos avaliados coincidentes com os das crianças paulistanas submetidas à aplicação do mesmo, quanto aos itens propostos para avaliações na primeira infância.

No presente estudo, das avaliações consideradas, 74,7% apresentaram-se Denver normal. As áreas de maior coincidência foram respectivamente "Motor Grosso", "Motor Fino-Adaptativo", "Linguagem" e "Pessoal-Social", especialmente nas faixas etárias de dois anos e seguindo sucessivamente a ordem cronológica com três, quatro e cinco anos.

Quanto às variáveis de sociodemográficas, apresentaram-se significantes a idade da criança e a escolaridade dos pais, demonstrando a influência do contexto de inserção da criança sobre o desenvolvimento.

Esta análise reforça a natureza sistêmica e multifatorial do desenvolvimento, e indica a importância de acompanhamento e monitoramento neste período, principalmente em condições de vulnerabilidade socioeconômicas.

O Denver II, mostra-se como um dos principais recursos para acompanhar o desenvolvimento e atender indivíduos na primeira infância, devido à importância das áreas do desenvolvimento e comportamentos avaliados com marcadores temporais. Esse é um instrumento com bons índices de validade e confiabilidade na sua versão original, necessitando de maiores estudos que visem sua adaptação e validação na versão brasileira, devendo ser ressaltada a limitação do teste para com as crianças paulistanas avaliadas.

Referências

  • 1
    Resegue R, Puccini RF, Silva EMK. Fatores de risco associados a alterações no desenvolvimento da criança. Pediatria (São Paulo). 2007;29(2):117-128.
  • 2
    Cole M, Cole SR. O desenvolvimento da criança e do adolescente (m.f. Lopes, trad., 4ª ed). Porto Alegre: Artmed, 2003.
  • 3
    Campos Júnior D. Investimento na primeira infância: estratégia para a evolução da sociedade. In: Curso Nestlé de Atualização em Pediatria. Paraná, PR. 2011.
  • 4
    Cole M, Hakkarainen P, Bredikyte M. Contexto cultural e aprendizagem na primeira infância. Enciclopédia sobre o desenvolvimento na primeira infância. Disponível em: http://www.enciclopedia-crianca.com/sites/default/files/textes-experts/pt-pt/2094/contexto-cultural-e-aprendizagem-na-primeira-infancia.pdf. Acessado em 2013.
    » http://www.enciclopedia-crianca.com/sites/default/files/textes-experts/pt-pt/2094/contexto-cultural-e-aprendizagem-na-primeira-infancia.pdf
  • 5
    Venturella BC, Zanandrea G, Saccani NC, Valentini NC. Desenvolvimento motor de crianças entre 0 e 18 meses de idade: diferenças entre os sexos. Motricidade. 2013;9(2):3-12.
  • 6
    Nobre FSS, Costa CLA, Oliveira DL, Cabral DA, Nobre GC, Caçola P. Análise das oportunidades para o desenvolvimento motor (affordances) em ambientes domésticos no Ceará . Brasil. Rev. bras. crescimento e desenvolv. hum. 2009;19(1):9-18.
  • 7
    Hamadani JD, Tofail F, Hilaly A, Huda SN, Engle P, Grantham-McGregor SM. Use of family care indicators and their relationship with child development in Bangladesh. J. Health Popul. Nutr. 2010;28(1):22-33.
  • 8
    Grisi SJFE. Validação da ficha de acompanhamento do desenvolvimento proposta pelo Ministério da Saúde. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP.2013.
  • 9
    Pereira APP, León CBR, Dias NM, Seabra AG. Avaliação de crianças pré-escolares: relação entre testes de funções executivas e indicadores de desatenção e hiperatividade. Rev. Psicopedagogia. 2012;29(90):279-89.
  • 10
    Santos RS, Araújo APQC, Porto MAS. Diagnóstico precoce de anormalidades no desenvolvimento em prematuros: instrumentos de avaliação. J. Pediatr. 2008;84(4):289-99.
  • 11
    Frankenburg WK. The Denver II: a major revision and restandardization of the Denver Developmental Screening test. Pediatrics. 1992;89(1):91-7.
  • 12
    Cunha HL, Melo NA. Avaliação de riscos ao desenvolvimento neuropsicomotor em crianças: triagem utilizando o teste Denver II e identificação de fatores maternos de risco. Acta Cir Bras. 2005;6:20-42.
  • 13
    Sabatés AL, Lamônica DAC, Perissinoto J, Brêtas JS, Silva MGB, Rezende MA, Resegue RFS, Isotani SM. Teste de triagem do desenvolvimento Denver II: adaptação transcultural para a criança brasileira. Com autorização do autor Frankenburg WK. São Paulo, 2013.
  • 14
    Araújo LB. Análise do desenvolvimento neuropsicomotor de crianças de zero a três anos em centros de educação infantil [dissertação]. Curitiba (PR): Universidade Federal do Paraná; 2013.
  • 15
    Rocha SR, Dornelas LF, Magalhães LC. Instrumentos utilizados para a avaliação do desenvolvimento de recém-nascidos pré-termo no Brasil: revisão de literatura. Cad. Ter. Ocup. Ufscar. 2013;21(1):109-17.
  • 16
    Magalhães LC, Fonseca KL, Martins LTBM, Dornelas LF. Desempenho de crianças pré-termo com muito baixo peso e extremo baixo peso segundo o teste Denver-II. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. 2011;11(4):445-53.
  • 17
    Halpern R, Barros AJD, Matijasevich A, Santos IS, Cesar GV, Barros FC. Estado de desenvolvimento aos 12 meses de idade de acordo com o peso ao nascer e renda familiar: uma comparação de duas coortes de nascimentos no Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24:444-50.
  • 18
    Souza SC, Leone C, Takano O, Moratelli HB. Desenvolvimento de pré-escolares na educação infantil em Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24:1917-26.
  • 19
    Halpern R, Giugliani ERJ, Victoria CG, Barros FC, Horta BL. Fatores de risco para suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor aos 12 meses de vida. Rev Chil Pediatr. 2002;73:529-39.
  • 20
    Muluk NB, Bayoglu B, Anlar B. Language development and affecting factors in 3. to 6-year-old children. European Archives of Oto-Rhino-Laryngology. 2014;271:871-8.
  • 21
    Moraes MW, Weber APR, Santos COM, Almeida FA. Teste de Denver II: avaliação do desenvolvimento de crianças atendidas no ambulatório do Projeto Einstein na comunidade de Paraisópolis. Einstein. 2010;8:149-53.
  • 22
    Rezende MA, Beteli VC, Santos JLF. Avaliação de habilidades de linguagem e pessoal-sociais pelo Teste de Denver II em instituições de educação infantil. Acta Paul Enferm. 2005;18:56-63.
  • Financiamento: CNPq: 138733/2011-2
  • ERRATA:

    Neste artigo, publicado no periódico Revista Cefac, volume 17(4):1262-1269, página 1269,
    onde se lê:
    13. Pedromônico MRM, Bragatto EL, Strobilus R. Teste de Triagem de Denver II. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 1999.
    leia-se:
    13. Sabatés AL, Lamônica DAC, Perissinoto J, Brêtas JS, Silva MGB, Rezende MA, Resegue RFS, Isotani SM. Teste de triagem do desenvolvimento Denver II: adaptação transcultural para a criança brasileira. Com autorização do autor Frankenburg WK. São Paulo, 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2014
  • Aceito
    28 Dez 2014
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br