Gostaríamos de contribuir com o debate na comunidade científica a partir do trabalho de Emanuella de Castro Marcolino e autoras1 sobre rebatimentos do distanciamento social em tempos de Covid-19 em torno da violência doméstica. Além de discorrer sobre como a pandemia de Covid-19 potencializou as situações de violência doméstica, o artigo termina por apontar a necessidade de medidas de intervenção e fortalecimento da rede de proteção.
Dessa discussão urgente relacionamos um ponto no qual a Organização Mundial da Saúde (OMS) recentemente colocou como destaque: o enfrentamento da infodemia e da desinformação2. O desafio, neste momento, não circunscreve apenas a divulgação de informações científicas, mas principalmente a maneira de ocupar-se da seleção de conteúdos e de não subestimar a incapacidade de compreensão, encarando tais elementos como aspectos cruciais que facilitam ou criam barreiras no processo de saúde3. Inserida nesse contexto, cabe apontar a iniciativa tomada pela OMS, amparada pela potencialidade das tecnologias de informação e comunicação a distância para o ensino durante a pandemia da Covid-19, que rapidamente produziu um curso do tipo massive open online course (MOOC), em diferentes línguas, sobre temas de saúde relacionados à pandemia, lançado em janeiro de 20204. No fim de março de 2020, mais de 230 mil pessoas haviam se inscrito no curso. A avaliação sobre o uso do MOOC durante a pandemia apontou como êxito o fato de poder levar o conhecimento a qualquer lugar e para quaisquer interessados5.
Emanuella de Castro Marcolino e autoras trazem relevantes considerações finais, entre elas, a respeito do “engajamento dos profissionais de saúde nos diversos serviços de saúde e nos três níveis de atenção à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde na identificação e no acolhimento de situações de violência doméstica”. Nesse sentido, compartilhamos que, na 16ª edição da Mostra Nacional de Experiências Bem-Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças (EXPOEPI), realizada em Brasília em 2019, o estado do Rio Grande do Sul foi vencedor em projeto colaborativo com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) com o projeto “Contribuições para o aprimoramento da vigilância da violência interpessoal/autoprovocada contra populações vulneráveis no Rio Grande do Sul: o SINAN, a equidade em saúde e a intersetorialidade”.
No escopo do processo colaborativo entre Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul e as instituições de ensino envolvidas, dois cursos abertos – on-line e massivos (MOOC) – dedicados à capacitação de profissionais da rede intersetorial para lidar com assuntos como violência e notificação dos casos suspeitos e confirmados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) foram lançados em 2019 na plataforma Lumina da UFRGS [disponível em: lumina.ufrgs.br]. O primeiro curso, de acesso amplo e irrestrito – “Notificação de violências: conceitos e aplicações”(c) – possuía, em junho de 2021, 7.345 inscritos e 2.759 concluintes e certificados. O segundo curso, adaptado e restrito para profissionais da rede de educação do Rio Grande do Sul - “Notificação de Violências em escolas do Rio Grande do Sul”(d) –, totalizou no mesmo período 1.654 inscrições e 930 certificações, evidenciando a potência e amplitude do impacto das tecnologias de informação e comunicação na difusão do conhecimento técnico e científico em prol de mudanças reais no enfrentamento da violência.
Embora ainda não tão conhecidos ou populares no Brasil, os cursos on-line no formato MOOC possibilitam contribuir para o enfrentamento da infodemia, proporcionando acesso a uma curadoria de materiais científicos em múltiplos formatos, como documentos técnicos, artigos científicos e materiais audiovisuais (videoaulas e podcasts, por exemplo). É nesse sentido que a experiência aplicada para a notificação de violência – entre elas, a violência doméstica – tem sido também transladada para outros temas afins, como as políticas de equidade e a promoção dos direitos humanos. As estratégias têm potência para fortalecer a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (PNRMAV), que neste ano comemora vinte anos.