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Identificação de Talento Criativo e Intelectual na Sala de Aula

Identificación de talento creativo e intelectual en la sala de clases

Resumo

Para que a escola cumpra o papel do desenvolvimento de talentos, é preciso identificá-los. Sendo assim, o estudo comparou a identificação de talentos criativos e intelectuais por professores com resultados de testes psicológicos e a influência de sexo no processo. Participaram 10 professores (F10), e 120 estudantes (F62), com idades entre 9 e 11 anos de duas escolas particulares na região metropolitana de Campinas, SP. Os instrumentos foram: a Escala Identificação de Talentos pelo Professor (ITP), e a Bateria de Avaliação da Inteligência e Criatividade, Infantil (BAICI). Ambas medem as áreas verbal, espacial, lógico, rapidez de raciocínio, memória e criatividade. A correlação de Pearson apontou que os subtestes de compreensão verbal, memória visual e criatividade tiveram relações significativas com o índice cognitivo total da BAICI. Não foram encontradas diferenças significativas por sexo. Percebeu-se a necessidade de capacitar professores para uma identificação mais pontual e assertiva de talentos a fim de melhor desenvolvê-los.

Palavras-chave:
Inteligência; altas habilidades; avaliação psicológica

Resumen

Para que la escuela desarrolle talentos, el profesor debe ser capaz de identificarlos. Siendo así, el estudio comparó la identificación de talentos creativos e intelectuales por profesores con resultados de pruebas psicológicos y verificó la influencia de sexo en el proceso. Participaron 10 profesores (F10) y 120 estudiantes (F62, M58), con edades entre 9 y 11 años de dos escuelas particulares del interior de São Paulo. Los instrumentos utilizados fueron: Escala Identificación de Talentos por el Profesor (ITP), y Batería de Evaluación de la Inteligencia y Creatividad (BAICI), que miden las áreas: verbal, espacial, lógico, velocidad de raciocinio, memoria y creatividad. La correlación de Pearson apuntó que los subpruebas de comprensión verbal, memoria visual y creatividad tuvieron relaciones significativas con el índice cognitivo total de la BAICI. No fueron encontradas diferencias significativas por sexo en la identificación por los profesores. Se percibió la necesidad de orientar profesores para mejor identificar talentos y de estimularlos en ambos sexos.

Palabras clave:
Inteligencia; altas habilidades; evaluación psicológica

Abstract

In order for the school to fulfill the role of talent development, it is necessary to identify them. Therefore, this study compared the identification of creative and intellectual talents by teachers with psychological test results and the influence of gender in the process. Ten teachers (F10) and 120 students (F62), aged between 9 and 11 years old, participated in two private schools in the metropolitan region of Campinas, SP. The instruments had used the Teacher Talent Identification Scale (ITP), and the Intelligence and Creativity Assessment Kit for Children (BAICI). Both measure verbal, spatial, logical, rapid thinking, memory, and creativity. Pearson's correlation showed that the subtests of verbal comprehension, visual memory and creativity had significant relationships with BAICI'stotal cognitive index. No significant differences had found by sex. The need to train teachers for a more timely and assertive identification of talents has been realized in order to better develop them.

Keywords:
Intelligence; high skills; psychological assessment

Introdução

O termo “talento”, por vezes utilizado como sinônimo de altas habilidades/superdotação pelas Políticas Nacionais de Educação Especial (Resolução n.º 02/2001, 2001Resolução n.º 02/2001 (2001). Instrui as Diretrizes Nacionais da Educação Especial para a Educação Básica. Brasília: Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica.), está relacionado ao domínio superior de habilidades e conhecimentos sistematicamente desenvolvidos, à facilidade para aprender, ao domínio de conceitos abstratos, curiosidade, persistência, atenção concentrada, criatividade, imaginação, originalidade, boa memória, vocabulário avançado para a idade cronológica, habilidade de liderança etc. (Brasil, 2007Brasil (2007). A construção de Práticas Educacionais para alunos com Altas Habilidades/superdotação (Vol. 1, 2, 3, 4). Brasília, SEESP.; Gagné & Güenther, 2012Gagné, F.; Güenther, Z. C. (2012). Desenvolvendo talentos: modelo diferenciado de dotação e talento - DMGT 2.0. In Moreira, L. C.; Stoltz, T. (Eds.), Altas habilidades/superdotação, talento, dotação e educação. Curitiba: Juruá.). Neste sentido, os que são talentosos tanto se destacam pela capacidade intelectual, social, afetiva, criativa e sensório motora, quanto apresentam aspectos personológicos e motivacionais em um grupo de pares da mesma faixa etária (Renzulli & Reis, 1997Renzulli, J. S.; Reis, S. M. (1997). The schoolwide enrichment model: A how-to guide for educational excellence. Mansfield Center, CT: Creative Learning Press.; Wechsler, 2008Wechsler, S. M. (2008). Criatividade: descobrindo e encorajando. IDB/LAMP, Campinas, SP. ).

Dois talentos são analisados neste estudo, o criativo e o intelectual. O criativo se manifesta pela originalidade de pensamento, geração e comunicação de novas ideias, imaginação fértil, busca por soluções de problemas, sensibilidade às questões ambientais, ideias divergentes e relevantes, e sentimentos de desafios frente à complexidade de fatos (Renzulli, 2014Renzulli, J. (2014). Modelo de enriquecimento para toda a escola: Um plano abrangente para o desenvolvimento de talentos e superdotação. Revista Educação Especial, 27(50), 539-562 set./dez. ; Sternberg & Kaufman, 2010Sternberg, R. J.; Kaufman, J. C. (2010). Constraints on creativity. In Kaufman, J. C.; Sternberg, R. J. (Eds.), The Cambridge handbook of creativity(pp. 467-482). New York: Cambridge University Press .; Torrance, 1984Torrance, E. P. (1984). Mentor Relationship. Buffalo, New York: Bearly Limited.). A flexibilidade cognitiva também é decisiva na pessoa criativa; propicia a abertura de novas ideias (Lin, Tsai, Lin, & Chen, 2014Lin, W-L.; Tsai, P-H.; Lin, H-Y.; Chen, H-C. (2014). How does emotion influence different creative performances? The mediating role of cognitive flexibility. Cognition & Emotion, 28(5), 834-844.), e quando associada à não conformidade, induz à originalidade (Amabile, 1996Amabile, T. A. (1996). Creativity in context. Boulder, CO: Westview Press.). A criatividade é, portanto, um construto multidimensional; envolve a interação entre indivíduos e variáveis cognitivas, estilos de pensar, características de personalidade, e elementos ambientais e culturais (Wechsler, 2008Wechsler, S. M. (2008). Criatividade: descobrindo e encorajando. IDB/LAMP, Campinas, SP. ). Os criativos-produtivos são ainda mais produtores de conhecimento que consumidores, o que os torna verdadeiramente talentosos segundo Renzulli (2005)Renzulli, J. S. (2004). O que é esta coisa chamada superdotação e como a desenvolvemos? Retrospectiva de vinte e cinco anos. Revista Educação, 27(1), 75-134. .

O talento intelectual, por sua vez, está relacionado ao potencial elevado em uma ou mais áreas que compreendem a inteligência como o raciocínio lógico e abstrato, a flexibilidade e fluência de pensamentos, habilidades verbais e espaciais, memória elevada, rapidez de raciocínio e capacidade de resolver e lidar com problemas (Brasil, 2007Brasil (2007). A construção de Práticas Educacionais para alunos com Altas Habilidades/superdotação (Vol. 1, 2, 3, 4). Brasília, SEESP.; Mosqueira, Stobäus, & Freitas, 2013Mosqueira, J. J. M.; Stobaus, C. D.; Freitas, S. N. (2013). Altas Habilidades/Superdotação: abordagem ao longo da vida. Revista Educação Especial, 26(46), 401-420.). Os que são talentosos academicamente costumam aprender por dedução, possuem o pensamento mais estruturado, demonstram capacidade para aquisição e recuperação da informação, destacam-se pela habilidade verbal, pensamento crítico e resolução de problemas aliados à curiosidade e manipulação de grande quantidade de informações (Davis & Rimm, 2004Davis, G.; Rimm, S. (2004). Education of the gifted and talented (5th ed.). Boston, MA: Pearson Education.; Renzulli, 2014Renzulli, J. (2014). Modelo de enriquecimento para toda a escola: Um plano abrangente para o desenvolvimento de talentos e superdotação. Revista Educação Especial, 27(50), 539-562 set./dez. ). O intelectual é o talento mais fácil de ser identificado por testes de QI; as habilidades medidas são as mesmas exigidas no contexto escolar (Renzulli, 2005Renzulli, J. S. (2004). O que é esta coisa chamada superdotação e como a desenvolvemos? Retrospectiva de vinte e cinco anos. Revista Educação, 27(1), 75-134. ).

A identificação de talentos é um grande desafio. Exige métodos criteriosos, deve estar fundamentada em conceitos e teorias atuais, cumprir uma sequência de cuidados e procedimentos de observação atenta, contínua e sistematizada, fazer uso de instrumentos apropriados, e receber apoio da escola (Nakano, Campos, & Santos, 2016Nakano, T. C.; Campos, C. R.; Santos, M. V. (2016). Escala de Avaliação de altas habilidades/superdotação - versão professor: Validade de Conteúdo. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 7(1), 103-123.; Pocinho, 2009Pocinho, M. (2009). Superdotação: Conceitos e Modelos de Diagnóstico e Intervenção Psicoeducativa. Revista Brasileira de Educação Especial, 15(1),3-14.; Reyero & Tourón, 2000Reyero, M.; Tourón, J. (2000). Reflexiones en torno al concepto de superdotación: evolución de un paradigma. Revista Española de Pedagogía, 215, 7-37.). Tais aspectos são obtidos somente através de capacitação de professores e profissionais (Pérez & Freitas, 2014Pérez, S. G. P. B.; Freitas, S. N. (2014). Políticas públicas para as Altas Habilidades/ Superdotação: incluir ainda é preciso. Revista Educação Especial, 27(50), 627-640.) que, aliás, é uma das mais importantes e consistentes contribuições para a educação (Araújo, 2011Araújo, M. B. G. (2011). Sinalização de alunos com altas habilidades: Relação das percepções dos professores com o rendimento escolar dos alunos (Dissertação de Mestrado).Faculdade de Ciências Sociais, UCP,Braga.; Virgolim & Konkiewitz, 2014Virgolim, A. M. R.; Konkiewitz, E. C. (2014). Altas habilidades/superdotação, inteligência e criatividade. Campinas: Papirus Editora.; Wechsler & Souza, 2011Wechsler, S. M.; Souza, V. L. T. (2011). Criatividade e aprendizagem. Caminhos e descobertas em perspectiva internacional. São Paulo: Edições Loyola.). A utilização de testes e medidas deve atender aos padrões científicos internacionais propostos pela International Test Commission (2001)International Test Commission. (2001). International guidelines for test use. International Journal of Testing, 1(2), 93-114. e requeridos pelo Conselho Federal de Psicologia (2007Conselho Federal de Psicologia. (2010). Avaliação Psicológica: Diretrizes na regulamentação da profissão. Brasília, DF, Brasil., 2010Conselho Federal de Psicologia (2007). Psicologia escolar como especialidade -Resolução 13/07. Brasília, DF, Brasil: Conselho Federal de Psicologia.). Estes referem-se à apresentação de dados empíricos de indicadores de evidências de validade e precisão, além de normas estabelecidas para uma população específica (Elosua, 2017Elosua, P. (2017) Avances, proyectos y retos internacionales ligados al uso de tests en Psicología. Estudos de Psicologia, 34(2), 2001-2010., Geisinger, 2013Geisinger, K. F. (Ed.) (2013). APA Handbook of testing and assessment in psychology (3 vols.). Washington, DC: APA. ).

Não há consenso quanto ao tipo de instrumento para identificar talentos. Observa-se que quanto maior a variedade deles e de procedimentos adotados, maior a quantidade de informações a respeito do aluno e seu potencial (Mendonça, 2015Mendonça, L. D. (2015). Identificação de alunos com altas habilidades ou superdotação de uma avaliação multimodal (Dissertação de Mestrado). Psicologia do desenvolvimento e aprendizagem, Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru.; Simonetti, Almeida, & Güenther, 2010Simonetti, D. C.; Almeida, L. S.; Güenther, Z. (2010). Identificação de alunos com altas capacidades: Uma contribuição de indicadores neuropsicológicos.Revista Educação Especial, 23(36), 43 - 56.). Por exemplo, para Renzulli (2005Renzulli, J. S. (2005). The three-ring conception of giftedness: A developmental model for promoting creative productivity. In Sternberg, R. J.; Davidson, J. E. (Eds.), Conceptions of giftedness (pp. 246-279). New York: Cambridge University Press .), a diferenciação da superdotação escolar/intelectual, da criativo-produtiva, é melhor obtida por meio de testes e processos de aprendizagem dedutiva, treinamento estruturado nos processos de pensamento, aquisição, estoque e recuperação da informação o que torna imprescindível medidas como os testes psicológicos, escalas de observação, percepção de professores, produtos dos alunos, auto-relato, avaliação de colegas, relato de pais etc. (Renzulli & Reis, 1997Renzulli, J. S.; Reis, S. M. (1997). The schoolwide enrichment model: A how-to guide for educational excellence. Mansfield Center, CT: Creative Learning Press.; Wechsler & Suárez, 2016Wechsler, S. M.; Suárez, T. S. (2016). Percepção de professores em cursos de formação sobre talentos/superdotação.Revista de Psicología, 34(1), 39-60.).

É preciso igualmente atentar para os mitos que se constituem em torno do processo de identificação de talentos. Estes impedem que se reconheçam e supram necessidades educacionais especiais (Azevedo & Mettrau, 2010Azevedo, S. M. L.; Mettrau, M. B. (2010). Altas habilidades/superdotação: mitos e dilemas docentes na indicação para o atendimento.Revista Psicologia Ciência e Profissão, 30(1), 31-45.; Reis & Renzulli, 2009Reis, S. M.; Renzulli, J. S. (2009). Myth 1: The Gifted/talented constitute one single homogeneous group and giftedness is a way of being that stays in the person over time and experiences. Gifted Child Quarterly, 53, 233-235.). Quanto ao sexo, por exemplo, pode haver o mito de que o talento se manifeste em um grupo homogêneo geralmente do sexo masculino (Antipoff & Campos, 2010Antipoff, C. A.; Campos, R. H. F. (2010). Superdotação e seus mitos. Psicologia Escolar e Educacional, 14(2), 301-309.; Reis & Renzulli, 2009Reis, S. M.; Renzulli, J. S. (2009). Myth 1: The Gifted/talented constitute one single homogeneous group and giftedness is a way of being that stays in the person over time and experiences. Gifted Child Quarterly, 53, 233-235.; Virgolim, 2014Virgolim, A. M. R. (2014). A contribuição dos instrumentos de investigação de Joseph Renzulli para a identificação de estudantes com Altas Habilidades/Superdotação. Revista Educação Especial, 27(50), 581-610.), ou que mulheres não podem exercer seus talentos em determinadas áreas por serem “próprias” do sexo masculino (Mundim, Wechsler, & Primi, 2013Mundim, M. C.; Wechsler, S. M.; Primi, T. C. (2013). Liderança feminina: o estado da arte nas publicações brasileiras. Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, 4(2), 55 - 65.). Elementos da cultura como valores e crenças, mantêm ou reforçam os estereótipos sexuais, constituindo barreiras externas e internas, tais como menor encorajamento do sexo feminino à manifestação de ideias, medo do sucesso, perfeccionismo ou a crença limitada no próprio potencial (Alencar & Fleith, 2009Alencar, E. M. L. S.; Fleith, D. S. (2009). Criatividade: Múltiplas perspectivas. Brasília: Editora Universidade de Brasília.; Prado & Fleith, 2012Prado, R. M.; Fleith, D. S. (2012). Pesquisadoras brasileiras: Conciliando talento, ciência e família. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 64, 19-34.). É preciso assinalar que o potencial humano é distribuído na população mundial sem diferenciação socioeconômica, étnica e de sexo, motivo para que em cada ambiente escolar seja enriquecido e desafie a capacidade superior (Antipoff & Campos, 2010Antipoff, C. A.; Campos, R. H. F. (2010). Superdotação e seus mitos. Psicologia Escolar e Educacional, 14(2), 301-309.; Prado, Alencar, & Fleith, 2016Alencar, E. M. L. S.; Virgolim, A. M. R. (2001). Dificuldades emocionais e sociais do superdotado. In Alencar, E. M. L. S. (Ed.), Criatividade e educação dos superdotados (pp. 174-205). Petrópolis: Vozes.; Reis & Renzulli, 2009Reis, S. M.; Renzulli, J. S. (2009). Myth 1: The Gifted/talented constitute one single homogeneous group and giftedness is a way of being that stays in the person over time and experiences. Gifted Child Quarterly, 53, 233-235.).

Entre as mais conhecidas concepções de identificação do talento está o Modelo dos Três Anéis de Renzulli (2005Renzulli, J. S. (2005). The three-ring conception of giftedness: A developmental model for promoting creative productivity. In Sternberg, R. J.; Davidson, J. E. (Eds.), Conceptions of giftedness (pp. 246-279). New York: Cambridge University Press ., 2014Renzulli, J. S.; Reis, S. M. (1997). The schoolwide enrichment model: A how-to guide for educational excellence. Mansfield Center, CT: Creative Learning Press.). Seu propósito é introduzir no currículo escolar um programa expandido de oportunidades que tanto atenda quanto ofereça recursos e apoio para uma aprendizagem investigativa e significativa. O Modelo propõe que talentosos são aqueles que apresentam habilidade acima da média em relação aos seus pares, em uma ou mais áreas da inteligência; elevado nível de envolvimento com a tarefa, ou seja, alto nível de motivação e comprometimento, e; criatividade elevada. Nessa dinâmica interação, cada anel é uma forma tanto de identificação quanto de desenvolvimento do talento (Renzulli, 2004Resolução n.º 02/2001 (2001). Instrui as Diretrizes Nacionais da Educação Especial para a Educação Básica. Brasília: Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica.). Os anéis têm como pano de fundo a família, colegas e a própria escola representando a interação de fatores ambientais e de personalidade que favorecem o aparecimento da superdotação e talento (Renzulli, 2004Resolução n.º 02/2001 (2001). Instrui as Diretrizes Nacionais da Educação Especial para a Educação Básica. Brasília: Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica., 2014Renzulli, J. S.; Reis, S. M. (1997). The schoolwide enrichment model: A how-to guide for educational excellence. Mansfield Center, CT: Creative Learning Press.).

Sobre a mensuração do talento criativo, os Testes de Pensamento Criativo de Torrance (1990Torrance, E. P. (1990).Torrance tests of creative thinking. Benseville, Ilinois: Scholastic Testing Service.) estão entre os mais utilizados tanto nacional quanto internacionalmente (Wechsler & Souza, 2011Wechsler, S. M.; Souza, V. L. T. (2011). Criatividade e aprendizagem. Caminhos e descobertas em perspectiva internacional. São Paulo: Edições Loyola.). Traduzidos e validados em mais de 33 países (Baer &Kaufman, 2006Baer, J.; Kaufman, J. C. (2006). Creativity research in English-speaking countries. In Kaufman, J. C.; Sternberg, R. J. (Eds.), The international handbook of creativity. New York, NY: Cambridge University Press.), cobrem a lacuna existente em relação à avaliação da criatividade em crianças e adolescentes (Nakano, 2012Nakano, T. C. (2012). Criatividade e inteligência em crianças: habilidades relacionadas? Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(2), 149-160.), e articulam barreiras à expressão desse talento causadas por práticas educacionais inibidoras (Alencar & Fleith, 2009Alencar, E. M. L. S.; Fleith, D. S. (2009). Criatividade: Múltiplas perspectivas. Brasília: Editora Universidade de Brasília.).

Dentre os modelos teóricos que melhor explicam o funcionamento da capacidade ou talento intelectual destaca-se a Teoria Hierárquica da Inteligência. Ela combina propostas teóricas de três pesquisadores da área, Cattell-Horn-Carrol, e gera um modelo de Três Estratos denominado, CHC de McGrew (2009McGrew, K. S. (2009). CHC theory and the human cognitive abilities project: Standing on the shoulders of the giants of psychometric intelligence research. Intelligence, 37(1),1-10. ). O estrato 1 refere-se a aptidão singular e de nível superior que corresponde a uma inteligência geral única, descrita como fator “g” (Wechsler & Schelini, 2006Wechsler, S. M.; Schelini, P. W. (2006). Bateria de Habilidades Cognitivas Woodcock-Johnson III: validade de constructo. Psicologia, Teoria e Pesquisa, 22, 287-295.), o 2 compreende aptidões denominadas intermediárias, ou capacidades específicas, (Primi, 2003Primi, R. (2003). Inteligência: avanços nos modelos teóricos e nos instrumentos de medida.Avaliação Psicológica, 2, 67-77.) e o estrato 3 é composto de fatores resultantes comuns às diferentes especificações (McGrew & Flanagan, 1998McGrew, K. S.; Flanagan, D. P. (1998). The intelligence test desk reference (ITDR) - Gf-Gc cross battery assessment. Boston: Allyn & Bacon.)

Após uma extensa avaliação que resultou no modelo teórico CHC, houve um chamado à reavaliação geral das medidas da inteligência (Wechsler, Nunes, Schelini, Ferreira, & Pereira, 2010Wechsler, S. M.; Nunes, M. O.; Schelini, P. W.; Ferreira, A.; Pereira, D. (2010). Criatividade e inteligência: analisando semelhanças e discrepâncias no desenvolvimento. Estudos de Psicologia, 15(3), 243-250.; Woodcock, McGrew & Mather, 2001Wechsler, S. M.; Vendramini, C. M. M.; Schelini, P. W. (2007). Adaptação Brasileira dos Testes Verbais da Bateria Woodcok-Johnson III. Revista Interamericana de Psicología/Interamerican Journal of Psychology, 41(3), 285-294.). Dessa avaliação, pesquisadores concluíram que a Bateria Woodcock-Johnson III - WJ III, que fornece um conjunto de testes para medir a capacidade intelectual geral, habilidades cognitivas específicas, aptidão escolar, linguagem oral e desempenho acadêmico, era o instrumento que melhor avaliava o funcionamento intelectual (Wechsler, Vendramini, & Schelini, 2007Wechsler, S. M.; Schelini, P. W. (2006). Bateria de Habilidades Cognitivas Woodcock-Johnson III: validade de constructo. Psicologia, Teoria e Pesquisa, 22, 287-295.; Woodcock et al., 2001Wechsler, S. M.; Vendramini, C. M. M.; Schelini, P. W. (2007). Adaptação Brasileira dos Testes Verbais da Bateria Woodcok-Johnson III. Revista Interamericana de Psicología/Interamerican Journal of Psychology, 41(3), 285-294.). Atualmente, há vários estudos realizados no Brasil que analisam evidências de validade da Bateria WJIII (Chiodi & Wechsler, 2009Chiodi, M. G.; Wechsler, S. M. (2009). Escala de inteligência de habilidades cognitivas Woodcock Johnson-III: comparação de instrumentos. Avaliação Psicológica, 8(3), 313-324.; Wechsler & Schelini, 2006Wechsler, S. M.; Schelini, P. W. (2006). Bateria de Habilidades Cognitivas Woodcock-Johnson III: validade de constructo. Psicologia, Teoria e Pesquisa, 22, 287-295.; Wechler et al., 2010Wechsler, S. M.; Nunes, M. O.; Schelini, P. W.; Ferreira, A.; Pereira, D. (2010). Criatividade e inteligência: analisando semelhanças e discrepâncias no desenvolvimento. Estudos de Psicologia, 15(3), 243-250., entre outros). Do processo de revisão da WJIII, surgiu a Bateria de Avaliação Intelectual e Criativa, forma adulto - BAICA, de Wechsler (2009)Wechsler, S. M. (2009). Avaliação da criatividade: possibilidades e desafios. In Hutz, C. (Ed.), Avanços e polêmicas em avaliação psicológica (pp. 93-127). SP: Casa do Psicólogo., validada no País por Millian e Wechsler (2018)Wechsler, S. M. (2018). Bateria de Avaliação Intelectual e Criativa. Campinas: Laboratório de Avaliação e Medidas Psicológicas., que comparam seus subtestes com outros já validados e que medem as mesmas áreas, porém de forma isolada. Uma proposta para a avaliação integrada da inteligência e criatividade em crianças é oferecida através da Bateria de Avaliação Intelectual e de Criatividade, forma infantil - BAICI, sendo sua validade aqui investigada.

Considerando, portanto, a necessidade de utilização de diferentes medidas para a identificação de talentos, este estudo verificou se haveria relação entre a percepção de talentos por professores com os resultados obtidos nos testes objetivos da BAICI, bem como, se haveria diferenças de sexo nas indicações de talentos por professores através da Escala ITP.

Método

Participantes

Participaram do estudo 10 professoras do 4o e 5o anos do Ensino Fundamental de duas escolas particulares na região metropolitana de Campinas, SP, e 120 estudantes (F=62), com idade entre 9 e 11 anos, (M=9,66; DP=0,58). As amostras foram obtidas por conveniência na medida em que requeriam a aceitação, disponibilidade de tempo e cooperação da direção e coordenação para que professores e alunos participassem do estudo. Das professoras (N=10), seis eram regentes (4º e 5º anos), duas de Inglês e duas eram professoras de arte com idade entre 24 a 52 anos, e tempo de magistério de 5 a 25 anos.

Instrumentos

1. Escala Identificação de Talentos pelo Professor - ITP, visa obter a percepção ou indicação do professor sobre talentos criativos e intelectuais. Trata-se de uma escala do tipo Likert (1 “nunca observado”, e 5 “sempre observado”), composta por 30 itens originais. Sua construção teve como fundamento a literatura sobre as áreas de inteligência segundo a teoria do CHC, a saber: Compreensão Verbal, Pensamento ou Raciocínio Visoespacial, Pensamento Lógico, Rapidez de Raciocínio, Memória e Pensamento Criativo. Esta escala está em formato tipo likert e teve sua validade e precisão já investigada e confirmada em estudos de Suárez e Wechsler (2019Suárez, J. T.; Wechsler, S. M.(2019). Escala de identificação de talentos por professor, ITP: evidências de validade e precisão. Revista Educação Especial, 32, e40/1-21. ).

2. Bateria de Avaliação Intelectual e de Criatividade Infantil (BAICI), de Wechsler (2018Wechsler, S. M. (2018). Bateria de Avaliação Intelectual e Criativa. Campinas: Laboratório de Avaliação e Medidas Psicológicas.), objetiva avaliar dimensões intelectuais e criativas. Os itens foram construídos a partir da bateria Woodcock-Johnson III (WJ III), e dos estudos posteriores de Wechsler (Wechsler, 2018Wechsler, S. M. (2018). Bateria de Avaliação Intelectual e Criativa. Campinas: Laboratório de Avaliação e Medidas Psicológicas.; Wechsler et al., 2010Wechsler, S. M.; Nunes, M. O.; Schelini, P. W.; Ferreira, A.; Pereira, D. (2010). Criatividade e inteligência: analisando semelhanças e discrepâncias no desenvolvimento. Estudos de Psicologia, 15(3), 243-250.; Wechsler & Schelini, 2006Wechsler, S. M.; Schelini, P. W. (2006). Bateria de Habilidades Cognitivas Woodcock-Johnson III: validade de constructo. Psicologia, Teoria e Pesquisa, 22, 287-295.; Wechsler, Vendramini, & Schelini, 2007). Possui 6 subtestes administrados em forma de cadernos específicos e aplicados coletivamente. As áreas avaliadas são: a compreensão verbal, medindo a inteligência cristalizada (Gc); teste visoespacial, a inteligência visuoespacial (Gv); teste pensamento lógico, a inteligência fluída (Gf); teste memória visual auditiva, a memória de curto prazo ou de trabalho (Gsm); teste de rapidez de raciocínio, a rapidez de processamento (Gs) e finalmente o teste de pensamento criativo, tanto figurativo, quanto verbal que mede o pensamento divergente.

Procedimento

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa Institucional e o número do protocolo obtido é 443.518, registrado sob o CAAE no 22737713.2.0000.5481. Medidas formais e éticas foram tomadas através de Termos de Consentimento Livre e Esclarecido para cada direção escolar e pais ou responsáveis. Os professores completaram a Escala ITP para cada um dos 120 estudantes, e a fim de que pudessem adaptar a solicitação à sua disponibilidade de tempo, tiveram duas semanas para fazer a devolução do instrumento. Os alunos responderam coletivamente aos subtestes da Bateria BAICI respeitando o tempo designado para cada um. Houve três encontros com os alunos. Em cada um, cuja duração foi de 50 minutos, foram aplicados dois subtestes da BAICI. Nos dias de sua aplicação havia sempre um professor regente acompanhando o encontro. Os alunos que não obtiveram permissão dos pais/responsáveis ou não quiseram participar, realizaram atividades físicas e artísticas com um profissional da instituição em outro espaço da escola.

Os subtestes da BAICI foram analisados separadamente e também somados pelo índice Cognitivo Total. Também a soma dos resultados pela Escala ITP gerou o índice Cognitivo. Posteriormente cada um dos resultados da Escala ITP foram comparados com os subtestes da BAICI pela correlação de Pearson. As diferenças de sexo na nomeação de professores foram analisadas pela Análise da Variância Univariada.

Resultados

Quanto à análise da percepção dos professores sobre o talento através da Escala ITP e ilustrado na Tabela 1, a despeito do sexo feminino obter mais indicações, verificou-se através da análise ANOVA, que diferenças significativas entre os sexos ocorreu somente para o sub-teste Memória Visual, (α=5,66; p≤0,05), destacando o sexo feminino. Ao analisar os resultados referentes aos subtestes cognitivos da BAICI, percebeu-se que as meninas tiveram resultados superiores nos testes espacial, lógico, rapidez de raciocínio e índice cognitivo. Os meninos, por sua vez, se sobressaíram nos testes verbal e memória visual. Através da análise ANOVA verificou-se que a variável sexo não se mostrou significativa em nenhum dos subtestes, reforçando a hipótese de não existência de diferença significativa entre os sexos através da percepção dos professores.

Quanto às habilidades criativas verbais (fluência, elaboração, originalidade) e figurais, (fluência, originalidade e título expressivo), da BAICI, valores encontrados na média mostraram que as meninas novamente tiveram resultados superiores na maioria das análises, exceto, na medida de fluência (BACVFlu), onde o sexo masculino obteve resultados superiores. Entretanto, através da análise da ANOVA verificou-se não haver diferença significativa.

Tabela 1
Médias e desvios-padrão da escala Identificação de Talentos pelo Professor (ITP)

Evidências de validade da BAICI por critério externo foram verificadas comparando os resultados em seus subtestes com aqueles obtidos na Escala ITP. Conforme a Tabela 2, a percepção de professores pela Escala ITP teve relação significativa com o índice total cognitivo nas seguintes habilidades: Verbal (r=0,49, p≤0,01), Memória (r= 0,33, p≤0,01) e criatividade (r= 0,21, p≤0,05) e o Índice Cognitivo (r=0,27, p≤0,05). Conclui-se que os professores observam melhor estas habilidades do que outras como o pensamento viso-espacial, e o lógico, por exemplo. Dentre os subtestes da BAICI o que obteve maior correlação com os resultados da Escala ITP foi o Rapidez de Raciocínio (r=0,25).

Possivelmente essa habilidade está mais relacionada pelo fato de cada um dos subtestes envolver tempo marcado. Curiosamente esse subteste não apresentou correlação significativa com o índice total. Medidas repetidas nos dois instrumentos apresentaram tanto correlação significativa quanto não significativa. Entre as significativas o subteste Espacial (r=0,23); Rapidez de Raciocínio (r=0,25); Índice Cognitivo Total e Cognitivo Total (r=0,27), e Criativo (r=0,25). Quanto às que não foram significativas, e até mesmo negativas, estão os subtestes: verbal (r=0,07); Lógico (r= -0,09); e Memória Visual (r=0,19).

Tabela 2
Correlação de Pearson entre os subtestes da ITP e BAICI

Quanto à consistência interna dos subtestes da BAICI, a mais alta correlação ocorreu entre o subteste Memória Visual e o Índice Cognitivo Total (r=0,79). Foram significativas também as relações entre os subtestes Verbal e Cognitivo Total (r=0,43); subteste Espacial e Rapidez de Raciocínio (r=0,30), Espacial e Criatividade Total (0,43); e, por fim, Cognitivo Total e Criatividade Total (r= 0,37), correlacionando a criatividade com a inteligência.

Discussão

Os construtos criatividade e a inteligência, essenciais para o funcionamento cognitivo (Torrance, 1984Torrance, E. P. (1984). Mentor Relationship. Buffalo, New York: Bearly Limited.), tem apontado tanto para correlação positiva (Nakano, 2012Nakano, T. C. (2012). Criatividade e inteligência em crianças: habilidades relacionadas? Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(2), 149-160.), quanto moderada, baixa ou nenhuma correlação (Elisondo & Donolo, 2010Elisondo, R. C.; Donolo, D. S. (2010). ¿Creatividad o inteligencia? That is not the question. Anales de Psicología, 26(2), 220-225.; Nakano et al., 2015Nakano, T. C.; Wechsler, S. M.; Campos, C. R.; Milian, Q. G. (2015). Intelligence and Creativity: Relationships and their Implications for Positive Psychology.Psico-USF,20(2), 195-206; Wechsler et al., 2010Wechsler, S. M.; Nunes, M. O.; Schelini, P. W.; Ferreira, A.; Pereira, D. (2010). Criatividade e inteligência: analisando semelhanças e discrepâncias no desenvolvimento. Estudos de Psicologia, 15(3), 243-250.). Há diferentes interpretações para a correlação significativa entre criatividade e inteligência encontrada neste estudo. Para Lubart (2007Lubart, T. (2007). Psicologia da criatividade. Porto Alegre: Artmed. ), a presença da criatividade sem um alto nível de inteligência impossibilita o desenvolvimento pleno da elaboração mental devido à dificuldade de manter, por um período longo o suficiente, o pensamento abstrato. Outra hipótese está no fato de que a relação entre a criatividade e inteligência pode não ser linear, mas estar relacionada a partir de um nível moderado de inteligência (Nakano, 2012Nakano, T. C. (2012). Criatividade e inteligência em crianças: habilidades relacionadas? Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(2), 149-160.).

A despeito de um desempenho aparentemente melhor do sexo feminino no teste psicológico - BAICI, e na percepção dos professores, não houve diferença significativa entre os sexos, corroborando com outros estudos que afirmam ou não haver diferença significativa entre eles ou ainda, quando há, a magnitude é baixa (Chiodi & Wechsler, 2009Wechsler, S. M. (2009). Avaliação da criatividade: possibilidades e desafios. In Hutz, C. (Ed.), Avanços e polêmicas em avaliação psicológica (pp. 93-127). SP: Casa do Psicólogo.; Rizza, McIntosh, & McCunn, 2001Rizza, M. G.; McIntosh, D. D.; McCunn, A. (2001). Profile analysis of the Woodcock-Johnson III cognitive abilities of gifted students.Psychology in the Schools, 38, 447-455.; Rueda & Castro, 2013Rueda, F. J.; Castro, N. R. (2013). Análise das variáveis idade e sexo no desempenho do teste de inteligência (TI). Revista Psicologia: Teoria e Prática, 15(2), 166-179. São Paulo, SP, maio-ago. 2013. ISSN 1516-3687 (impresso), ISSN 1980-6906; Sayed & Mohamed, 2013Sayed, E. M.; Mohamed, A. H. H. (2013). Gender differences in divergent thinking: use of the test of creative thinking-drawing production on an Egyptian sample. Creativity Research Journal, 25(2), 222-227.). Estes resultados confirmam a crença de que estereótipos sobre as habilidades de sexo são infundados e só fazem dificultar a ascensão de mulheres aos cargos de destaque e em posições de liderança (Mundim, Wechsler, & Primi, 2013Mundim, M. C.; Wechsler, S. M.; Primi, T. C. (2013). Liderança feminina: o estado da arte nas publicações brasileiras. Revista Latino-americana de Geografia e Gênero, 4(2), 55 - 65.). A não diferença entre os sexos levanta ainda a possibilidade de androgenia; junção ou mistura de características de ambos os gêneros e que permite ao individuo adaptar-se a qualquer situação sem considerar valores e preconceitos culturais. Nas últimas décadas há uma clara tendência na fase da adolescência para uma postura mais neutra, contrária às defesas de distinções feministas e machistas (Rojas & Franco, 2008Rojas, L. B. P.; Franco, A. L. M. (2008). Andros y gyne: lo inevitable del nuevo milenio.Revista CES Psicología, 1(2), 82-92.).

Na comparação do desempenho cognitivo entre as duas populações e dados que não apresentam diferenças significativas nas pontuações globais, é possível perceber, que certos testes, amostras e/ou subtestes por vezes favorecem um sexo ou outro. Apesar da variabilidade em função das amostras em estudo, diferenças existem em determinadas habilidades cognitivas, e entre as que mais interesse têm despertado estão as aptidões verbais, matemáticas e espaciais (Almeida, 1988Almeida, L. S. (1988).Teorias da inteligência. Porto: Edições Jornal de Psicologia.) as quais não coincidem com os resultados aqui encontrados. Neste estudo a diferença entre os sexos foi encontrada no subteste Memória.

Não são muitos os estudos que relacionam talentos com o sexo. Os que existem tendem a destacar as dificuldades enfrentadas por mulheres talentosas enfatizando a influência das forças sociais e culturais (Alencar & Virgolim, 2001Alencar, E. M. L. S.; Virgolim, A. M. R. (2001). Dificuldades emocionais e sociais do superdotado. In Alencar, E. M. L. S. (Ed.), Criatividade e educação dos superdotados (pp. 174-205). Petrópolis: Vozes.; Reis, 2005Reis, S. M. (2005). Feminist perspective on talent development: A research-based conception of giftedness in women. In Sternberg, R. J.; Davidson, J. E. (Eds.),Conceptions of giftedness(pp. 217-245). New York: Cambridge University Press. ), a desproporcionalidade entre a presença masculina e feminina, ênfase em realizações criativas eminentes e interesses econômico e social (Stoltzfuz, Nibbelink, Vredenburdg, & Thyrum, 2011Stoltzfus, G.; Nibbelink, B. L.; Vredenburg, D.; Thyrum, E. (2011). Gender, Role, and Creativity. Social Behavior and Personality: International Journal, 39, 425 432.). Essa sub-representação diminui oportunidades de manifestação de talentos a despeito de distribuírem-se por todas as camadas socioeconômicas e étnicas, sem especificidade de sexo (Prado et. al., 2016Prado, R. M.; Alencar, E. M. L. S.; Fleith, D. S. (2016). Diferenças de gênero em criatividade: analise das pesquisas brasileiras. Boletim de Psicologia, 66(144), 113-124.; Reis & Renzulli, 2009Reis, S. M.; Renzulli, J. S. (2009). Myth 1: The Gifted/talented constitute one single homogeneous group and giftedness is a way of being that stays in the person over time and experiences. Gifted Child Quarterly, 53, 233-235.).

Quanto à questão de que alunos com maior vocabulário, boa memória visual e criatividade em desenhos e palavras foram mais notados pelos professores, vale destacar que a rotina da sala de aula, a quantidade de estudantes por classe, sua participação e envolvimento podem levar o professor a ocupar-se da construção de rotinas, padrões e regras e deixar de perceber as características individuais de cada um. A preferência pelo gênero feminino apontado neste estudo pode estar relacionada ao comportamento menos agressivo e menos trabalhoso, normalmente apresentado por meninas. Por sua vez, alunos com habilidades intelectuais como pensamento viso-espacial, pensamento lógico e rapidez de raciocínio foram menos percebidos. Tais dados chamam a atenção para a necessidade urgente de treinamento dos docentes a fim de que os mais variados tipos de talentos presentes no contexto acadêmico possam ser percebidos e atendidos já que a sociedade carece de muitos tipos de talentos e cabe à escola incentivá-los (Torrance, 1984Torrance, E. P. (1984). Mentor Relationship. Buffalo, New York: Bearly Limited.). A escola compreende ainda um dos mais ricos contextos para a manifestação do talento (Alencar & Fleith, 2001Alencar, E. M. L. S.; Virgolim, A. M. R. (2001). Dificuldades emocionais e sociais do superdotado. In Alencar, E. M. L. S. (Ed.), Criatividade e educação dos superdotados (pp. 174-205). Petrópolis: Vozes.; Renzulli, 2005Renzulli, J. S. (2005). The three-ring conception of giftedness: A developmental model for promoting creative productivity. In Sternberg, R. J.; Davidson, J. E. (Eds.), Conceptions of giftedness (pp. 246-279). New York: Cambridge University Press .).

Diante de tais considerações, sugestões para futuros estudos incluem a capacitação de professores sobre os mais diversos talentos presentes no contexto escolar, especialmente antes do processo de identificação destes. As limitações do estudo referem-se ao tipo de escola, somente particular, podendo ser ampliada e a nomeação feita somente por professores. Futuros estudos poderão incluir a nomeações por colegas de classe, pais e/ou demais familiares. Entre outros aspectos, espera-se que este estudo possa ter contribuído para a percepção dos inúmeros benefícios que a identificação, desenvolvimento ou expressão do talento na sala de aula pode oferecer tanto para o estudante que o possui, quanto para a sociedade em geral que se encontra diante dos mais diversos desafios em áreas como a econômica, tecnológica, social, ética ou moral.

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  • As autoras agradecem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na realização deste estudo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    9 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2018
  • Aceito
    07 Nov 2018
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