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A verdadeira fratura do colo do fêmur

Resumos

Cento e vinte e seis cabeças femorais retiradas durante artroplastias de quadril para tratamento de fraturas do colo do fêmur foram estudadas macroscopicamente e radiograficamente quanto ao traço de fratura e a existência de colo inferior que pode permanecer junto com a cabeça femoral. Chegou-se a conclusão que as fraturas do colo do fêmur obedecem a uma constância quanto ao traço de fratura, e que não existe a fratura subcapital verdadeira, pois em todos os casos analisados havia um fragmento de colo junto com a cabeça (esporão).


Hundred and six femoral necks collected during hip arthroplasty for treatment of fracture of femoral neck were studied macroscopically and radiographically with attention to the fracture line and the existence of the inferior neck that can remain with the femoral neck. The conclusion was that fractures of femoral neck follow a constant regarding the line of fracture, and that a true subcapital fracture does not exist, since in all studied cases there was a fragment of neck in the femoral head (spur).


ARTIGO ORIGINAL

A verdadeira fratura do colo do fêmur

Carlos Roberto SchwartsmannI; Gustavo Kaempf de OliveiraII; Ricardo Kaempf de OliveiraIII; Leonardo Carbonera BoschinIII; Fernando Carlos MothesIII; Ricardo Canquerini da SilvaIV

IProfessor Titular de Ortopedia e Traumatologia da Fundação Faculdade de Ciências Médicas de Porto Alegre e Chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre

IIOrtopedista membro da SBOT

IIIResidentes do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre

IVEstagiário do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre

RESUMO

Cento e vinte e seis cabeças femorais retiradas durante artroplastias de quadril para tratamento de fraturas do colo do fêmur foram estudadas macroscopicamente e radiograficamente quanto ao traço de fratura e a existência de colo inferior que pode permanecer junto com a cabeça femoral.

Chegou-se a conclusão que as fraturas do colo do fêmur obedecem a uma constância quanto ao traço de fratura, e que não existe a fratura subcapital verdadeira, pois em todos os casos analisados havia um fragmento de colo junto com a cabeça (esporão).

INTRODUÇÃO

Devido a importância das fraturas de colo de fêmur, tanto pela sua freqüência quanto pela sua gravidade, existem inúmeras publicações sobre o assunto. Para classificar essas fraturas são citadas nos livros clássicos as classificações quanto ao deslocamento (GARDEN)(7), quanto ao traço de fratura (PAUWELS)(14) e quanto a situação anatômica. A classificação anatômica, descrita nos livros texto de Rockwood(14), Watson-Jones(18), Apley(1) e Murray(13), divide as fraturas em três tipos : Subcapital, mediocervical e basocervical.

Garden(8) e Klenerman(10) foram os primeiros a chamar a atenção para o fato de que radiologicamente o traço de fratura parece variar de posição, dependendo da rotação do colo femoral e do membro inferior e portanto as fraturas subcapital e mediocervical seriam as mesmas.

Na tentativa de comprovar a veracidade ou não das observações foram analisadas 126 cabeças femorais ressecadas durante artroplastias total ou parcial do quadril em fraturas do colo do fêmur.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

126 cabeças femorais intactas foram removidas durante artroplastia parcial ou total do quadril devido a fratura do colo do fêmur, durante o período de janeiro de 1991 até março de 1999. Cada cabeça foi analisada macroscopicamente e radiologicamente com a intenção de mensurar o tamanho da cabeça femoral, o tipo de traço de fratura e a presença de esporão no colo femoral.

Oitenta e três pacientes eram do sexo feminino (65,87 % ). O paciente mais jovem tinha 46 anos e o mais idoso tinha 96, e a média de idade foi de 76,7 anos. O lado mais acometido foi o esquerdo, 89 vezes ( 70,63 % ). Em 86 casos (68,25%) foram usadas próteses parcias de quadril, sendo que no restante foi realizado artroplastias totais. Nenhuma cabeça foi considerada como subcapital verdadeira, isto é, com o traço de fratura marginal a superfície articular da cabeça femoral.

Todos os casos possuíam um padrão relativamente constante do traço de fratura: a linha de fratura se inicia na junção cérvico-capital lateral e se estende obliquamente através do colo até a córtex ínfero-medial, determinando um esporão. A medida do esporão encontrada foi de 13,24 mm. O menor esporão encontrado foi de 4 mm e o maior foi de 39 mm.

O tamanho da cabeça femoral variou de 39 à 53 mm, com a média de 46,2 mm. Não houve relação entre o tamanho da cabeça e o tamanho do esporão.

Os casos em que houve muito tempo entre a fratura e a cirurgia, fazendo com que haja uma perda das características ósseas da cabeça, pela lise sinovial, foram excluídos do trabalho, bem como as cabeças que se partiram durante o ato cirúrgico.

DISCUSSÃO

Em 1838, Ward(19) descreveu as linhas do trabeculado interno do colo mostrando diferenças na densidade óssea deste local. Em 1961, Garden(8) sugeriu que as forças compressivas atuam em forma espiral, na direção oblíqua e vertical sobre o quadril. Essas teorias já mostravam que seria lógico que a fratura do colo do fêmur deveria acompanhar as linhas de força que atuam nesta articulação(4).

Böhler(3) classifica as fraturas do colo do fêmur em abdução e adução, Pauwels(14) classifica quanto ao traço de fratura e Garden(7) quanto ao deslocamento. Entretanto, livros recentes classificam estas fraturas em dois tipos: intra-articulares e extra-articulares. Sendo que as intra-articulares subdividem-se em subcapital e transcervical(1,2,,5,6,14,15,17,18) e a fratura basocervical é considerada o tipo extra-articular.

O termo subcapital é usado para fraturas que ocorrem imediatamente abaixo da epífise. Já o termo transcervical significa que a fratura ocorreu transversalmente, no meio do caminho entre a cabeça femoral e a região intertrocantérica.

Entretanto, muitos autores colocam dúvidas na existencia real destes dois tipos de fratura. Klenerman(10), Linton(12) e Garden(7) advogam que uma fratura subcapital pode ser erroneamente interpretada como fratura transcervical, dependendo do grau de rotação do membro fraturado no momento da radiografia.

Hirsch(9) demonstrou, em 1965, que a fratura do colo do fêmur pode ser produzida em laboratório por uma força vertical sobre a cabeça, enquanto o colo é submetido a uma compressão axial simultânea. Kocher(11) reproduziu a fratura do colo do fêmur em cadáveres aplicando uma força sobre o longo eixo do fêmur e imprimindo simultaneamente uma rotação lateral ao membro. Ele acreditava que a cabeça ficaria fixa na cavidade acetabular pelo ligamento redondo e cápsula iliofemoral, enquanto o colo giraria posteriormente . Isso explicaria a cominuição que ocorre em cerca de 50% das fraturas do colo do fêmur.

Provavelmente o mecanismo descrito por Kocher(11) é o que realmente ocorre nos pacientes. A existência do padrão constante de fratura nos 126 casos reforça a teoria de Garden(7), de que os vários tipos de fraturas do colo do fêmur representam diferentes estágios rotacionais do mesmo tipo de fratura.

Klenerman(10) (1970) descreveu um padrão constante das fraturas do colo do fêmur, sendo que o traço de fratura ocorre obliquamente a partir da junção cervicocapital lateral, ao nível da cicatriz fisária, em direção ao córtex medial do colo, determinado um maior ou menor esporão.

A classificação que inclui a fratura subcapital como um tipo, se deve a um erro de análise do exame radiológico, que faz com que o traço de fratura se altere dependendo da rotação dp membro inferior e da cabeça femoral, dando a falsa impressão da existência da mesma(16).

CONCLUSÕES

1) A linha de fratura no colo do fêmur obedece a um padrão relativamente constante;

2) Sempre existe um esporão, mostrando que o traço de fratura é oblíquo da junção cervicapital lateral até o córtex medial;

3) Não se encontrou fratura subcapital verdadeira conforme as descrições clássicas;

4) A classificação anatômica mais correta é dividir as fraturas do colo do fêmur em dois grandes grupos: intra ou extra-capsular.

  • 1. Apley, A.G.; A system of orthopaedics and fractures. Third edition, London, Butterworths, 1968.
  • 2. Aston, J.N.: A short textbook of orthopaedics and traumatology. London, English Universities Press, 1967.
  • 3. Bohler, L.: The treatment of fractures. 5th English EP. New York. Grune Stratton, 1957. P. 1119.
  • 4. Bray, T. J.; Femoral neck fracture fixacion: clinical decision making. Clin. Orthop. 339:20-31,1997.
  • 5. Crenshaw, A.H.: Campbell´s Operative Orthopeadics. Seventh edition p. 1748, St. Lois, Washington, Toronto, C.V. Mosby, 1987.
  • 6. Connolly, J.F.: De Palma, the management of fracture and dislocations - an atlas. W.B. Saunders, 1980.
  • 7. Garden, R. S.: Stability and union in subcapital fractures of the femur. J.B.J.S. 46B: 630-647, 1964.
  • 8. Garden, R. S.: The structures and funcion of the proximal end of the femur. J Bone Joint Surg (Br) 43: 749, 1961.
  • 9. Hirsch, C.: Forces in the hip joint. Proceedings of a Symposium of Biomechanics and Related Bio-Engeneering Topics, Glasgow, 1964.
  • 10. Klenerman, L., Marcuson, R.W.: Intracapsular fractures of the neck of the femur. J Bone Joint Surg (Br) 52B: 514-517, 1970.
  • 11. Kocher, T.: Beitrge Zur Kenntniss Einiger Praktisch Wichtiger Fracturformen. Basel and Leipzig, C. Sallman, 1896.
  • 12. Linton, P.: On the different types of intracapsular fractures of the femoral neck. Acta Chir Scand Suppl: 86, 1944.
  • 13. Murray, R.O.: Skeletal trauma, in Textbook of radiology. Sutton, 1969.
  • 14. Rockwood, C.A., Green, D.P.: Fractures in adults, Ed. 2, Philadelphia, J.P. Lippincott, 1984.
  • 15. Schwartsmann, C.R., Menegassi, Z.,: A fratura medio-cervical existe?. Rev Bras Ortop 25 (4): 87-89, 1990.
  • 16. Smith-Petersen, M.N., Cave, E.F., Van Gorder, G.W.: Intracapsular fractures of the neck of the femur. Arch Surg 23: 715, 1931.
  • 17. Tronzo, R.G.: Surgery of the hip joint. Philadelphia, Lea & Febiger, 1973
  • 18. Watson-Jones: Fractures and joint injuries. Fifth edition. Edinburgh, London and New York, Churchill Livingstone, 1976 p. 927..
  • 19. Ward, F.O.: Outlines of human osteology, p. 370 , Henry Renshaw, 1838.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Maio 2007
  • Data do Fascículo
    Set 2000
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