RESUMO
As cidades que apresentam concentração de indústrias enfrentam diversos problemas socioambientais associados à produção industrial, exigindo soluções que diminuam e previnam os impactos negativos provenientes das atividades industriais. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho foi avaliar a possibilidade de aplicação do conceito de simbiose industrial, do campo da Ecologia Industrial, no município de Diadema (SP). Os dados referentes às empresas e suas respectivas matérias-primas e resíduos foram coletados na página eletrônica da prefeitura de Diadema, na seção Cadastro das Indústrias, e por meio de buscas na internet. Foram identificadas 1.293 indústrias em Diadema e mais de 2.100 interações potenciais entre empresas, matérias-primas utilizadas e resíduos gerados, com base tanto em processos utilizados no cenário atual como em processos que poderão vir a ser adotados pelas empresas que já existem no município, caso venham a produzir produtos do mesmo segmento — 890 das empresas identificadas apresentam ao menos uma possibilidade de interação. Foram contabilizados 32 tipos diferentes de resíduos que podem ser reaproveitados, com destaque para metais e plásticos. Considerando-se que Diadema ainda não possui estratégias direcionadas para a gestão de resíduos industriais, este trabalho pode contribuir para a elaboração de políticas públicas que visem à gestão de resíduos industriais em Diadema, bem como ser um ponto de partida para o planejamento ambiental do município. As informações geradas também podem ser úteis ao desenvolvimento de estratégias de simbiose industrial em outras regiões do Brasil.
Palavras-chave: ecologia industrial; simbiose industrial; cidades; resíduos industriais; reciclagem
ABSTRACT
Cities with industrial clusters face several environmental and social problems related to industrial production, requiring solutions to reduce and prevent negative impacts from industrial activities. The objective of this work was to evaluate the possibility of applying the concept of industrial symbiosis, from the discipline of Industrial Ecology, in the municipality of Diadema, São Paulo State. The data related to the companies and their corresponding raw materials and wastes were collected from the municipality of Diadema website, in the “Register of Industries” section, and through internet searches. A total of 1,293 companies were identified in the municipality of Diadema and more than 2,100 potential interactions between companies, raw materials used and waste generated, both based on processes used in the current scenario, as well as on processes that may be adopted by companies that already exist in the municipality, in case they produce products from the same segment – 890 of the companies identified present at least one possibility of interaction. Furthermore, 32 different types of waste that can be reused have been accounted for, with emphasis on metals and plastics. Since the municipality of Diadema still does not have strategies aimed at the management of industrial wastes, this work can contribute to the elaboration of public policies aimed at industrial waste management in Diadema, and act as a starting point to help in the planning and environmental management by the municipal government. The information obtained in this study can also be useful to potential future development of industrial symbiosis strategies in other regions of Brazil.
Keywords: industrial ecology; industrial symbiosis; cities; industrial waste; recycling
INTRODUÇÃO
A Ecologia Industrial (EI) surgiu na década de 1990, com o intuito de estudar sistemas socioeconômicos como parte integrante da biosfera, bem como desenvolver soluções para problemas ambientais decorrentes de suas ações e atividades (CLIFT et al., 2016; LOWE et al., 1995; LIFSET, 1998).
As definições mais adotadas para conceituar a EI são as de: Gallopolous et al. (1989), que descrevem o modelo de ecossistemas industriais como um sistema em que resíduos de um processo são utilizados como matéria-prima em outros processos, de forma semelhante a um ecossistema natural; e Allenby (2006), que descreve a EI como campo multidisciplinar que estuda sistemas complexos, considerando seus componentes humanos e naturais.
O campo da EI aborda diversos conceitos e ferramentas, tais como a simbiose industrial, definida como o processo em que organizações realizam trocas de matéria — geralmente na forma de resíduos, água, subprodutos e efluentes — e energia entre si, contribuindo, por exemplo, para que os resíduos provenientes de uma organização possam ser utilizados por outra como matéria-prima. Ferrão (2009) e Magrini et al. (2018) também defendem que a simbiose industrial abrange trocas que não sejam físicas, tais como:
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conhecimento e serviços;
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a análise de ciclo de vida (ACV), a qual avalia os impactos ambientais de um dado produto ou serviço desde sua concepção até sua destinação final;
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a análise de fluxos de matéria e energia, que quantifica as trocas de materiais e de energia entre organizações; e
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o conceito de ecoparques, sendo estes sistemas dinâmicos que abrigam organizações que cooperam entre si por meio de redes de simbiose industrial, não apenas trocando matéria e energia, mas também compartilhando informações, infraestruturas e serviços, além de beneficiar o ambiente e a comunidade local (EHRENFELD et al., 1997; CHERTOW, 2000.; FERRÃO, 2009; LOMBARDI et al., 2012; CLIFT et al., 2016).
No âmbito da simbiose industrial, as temáticas dos trabalhos estão relacionadas às possibilidades de trocas de matéria e energia entre organizações, à identificação dos desafios associados ao estabelecimento de redes de simbiose e à quantificação dos impactos ambientais dessas interações. Muitos estudos também buscam encontrar soluções para facilitar a implementação das simbioses (CLIFT et al., 2016; GOLEV et al., 2014; MORTENSEN et al., 2019; PATRICIO et al., 2018; SHI et al., 2019). Mais recentemente, o tema da economia circular também tem sido abordado com frequência em conjunto com outros conceitos da ecologia industrial, com o intuito de avaliar como a EI pode contribuir para o reaproveitamento de resíduos (BALDASSARRE et al., 2019; CLIFT et al., 2016; PROSMAN et al., 2017).
A aplicação de princípios da EI pode trazer diversos benefícios, destacando-se o reaproveitamento e a valorização de resíduos (com redução das quantidades destinadas a aterros sanitários), a diminuição da emissão de gases do efeito estufa, o aumento da eficiência de processos e a conservação de água, energia e outros recursos naturais. Nesse caso, é necessário que o capital poupado com o descarte de resíduos e matéria-prima não seja revertido para a obtenção de mais matéria-prima, o que poderia anular a economia dos recursos que fossem poupados ou, ainda, resultar em aumento no consumo total deles (LEHTORANTA et al., 2011; CLIFT et al., 2016; DOMÉNECH et al., 2019).
No caso das cidades que apresentam concentração de indústrias, o conceito de ecoparques pode ser especialmente interessante. Em geral, estudos sobre ecoparques avaliam possibilidades de implementação planejada desde sua concepção, buscando estabelecer, desde o início, um conjunto de organizações que resulte no maior número de interações possível. Entretanto, vale ressaltar que o caso pioneiro, e mais famoso, de redes de simbiose industrial — o Ecoparque de Kalundborg, localizado na cidade de Kalundborg, na Dinamarca — desenvolveu suas redes por meio de acordos independentes entre empresas já existentes no distrito. Além disso, é importante destacar o fato de que que ecoparques devem trazer benefícios sociais e ambientais para a comunidade, não se resumindo à implementação de interações entre organizações (CLIFT et al., 2016; EHRENFELD et al., 1997; PECK, 2002; DESROCHERS, 2008; JENSEN et al., 2012; SCHILLER et al., 2014; MAGRINI et al., 2018).
No caso da Zona Industrial NÖ-Süd, localizada na Áustria, uma empresa privada — denominada Ecoplus — é responsável por gerenciar o ecoparque, criado em 1962 e formado, em sua maior parte, por empresas de pequeno e médio porte. O ecoparque desenvolveu-se ao longo das décadas, transformando-se em uma pequena cidade. Além de cuidar da infraestrutura do ecoparque, a Ecoplus também conecta os diferentes agentes que convivem na região, incluindo o corpo acadêmico, o poder público e empresas. A cidade também conta com áreas verdes e espaços de lazer para a população (UNIDO, 2017).
Criada em 1996 e gerida pela Comitiva do Povo Da Nang, com o auxílio da agência especial United Nations Industrial Development Organization (Unido), da Organização das Nações Unidas (ONU), a Zona Industrial Hoa Khanh, no Vietnã, encontra-se em processo de transição para se tornar um ecoparque. A Unido realiza treinamentos na região buscando otimizar o desempenho ambiental das organizações, tendo verificado que, desde o início de suas atividades na área, houve redução significativa tanto na geração de resíduos como no consumo de água e energia. Em seus planos futuros, prevê a melhoria dos aspectos sociais e ambientais no local, tais como serviços e infraestrutura, além de desenvolver parcerias com a Universidade de Ulsan, no intuito de avaliar possibilidades de simbiose entre as empresas (UNIDO, 2017).
Na última década, outras iniciativas com foco na implementação de redes de simbiose vêm sendo igualmente apoiadas em escalas regionais ou nacionais. Um bom exemplo é o National Industrial Symbiosis Program (NISP), no Reino Unido: trata-se de um programa modelo, que analisa interações viáveis e identifica oportunidades entre empresas existentes nessa região, auxiliando organizações interessadas na concretização de acordos e de redes de interação (PECK, 2002; JENSEN et al., 2012; ROSA, 2014; SCHILLER et al., 2014).
Com base nas iniciativas de simbioses industriais na Dinamarca, Reino Unido e Estados Unidos, inúmeros projetos vêm sendo desenvolvidos no mundo. A Alemanha destaca-se pelas ações sustentáveis em seu parque industrial e setor químico. Por suas vezes, Suíça e Itália (WALKER et al., 2021) já contabilizam redes de simbioses industriais, bem como recentes instalações de ecoparques industriais. A Holanda (BALDASSARRE et al., 2019) também promove arranjos industriais importantes, em conformidade com os princípios da EI, e por via do desenvolvimento de um programa denominado Parques Industriais Sustentáveis, somando, atualmente, mais de 60 projetos nesse sentido. Portugal é outro país que detém hoje boa política de resíduos sólidos: conta, até mesmo, com um banco de resíduos a fim de estimular a oferta e a procura deles entre diferentes empresas (MAGRINI et al., 2018; SOUZA et al., 2018; LAWAL et al., 2021).
Registre-se que no Brasil, no que diz respeito ao contexto urbano-industrial, há carência de estudos que envolvam Ecologia Industrial. Os trabalhos existentes, em geral, consideram as possibilidades de aplicação de conceitos da EI em polos industriais, ou em um segmento industrial específico. Ainda assim, destacam-se as poucas iniciativas bem-sucedidas de simbiose em território brasileiro: o Programa Mineiro de Simbiose Industrial, implementado no Estado de Minas Gerais, que envolve mobilização de indústrias em nível estadual (GIANNETTI et al., 2003; TANIMOTO, 2004; KRAVCHENKO et al., 2016; NASCIMENTO, 2017; MAGRINI et al., 2018; SOUZA et al., 2018); e o complexo industrial Ecoparque Benevides, inaugurado por empresa do setor de cosméticos no Estado do Pará, outro exemplo dessa necessária inovação em rede, que também já confirma e demonstra a possibilidade de transformação de zona industrial no Estado do Rio de Janeiro em ecoparque (NATURA, 2019).
Cidades e regiões que apresentam concentrações industriais também representam oportunidades para a aplicação dos conceitos de EI — nomeadamente, o de simbiose industrial e, de forma mais abrangente, o de ecoparques industriais —, abrindo a possibilidade de desenvolvimento da atividade industrial de maneira mais eficiente e sustentável (MAGRINI et al., 2018).
Diante do potencial de benefícios socioambientais que a EI é capaz de prover, somado à carência de estudos dessa temática no âmbito nacional, o objetivo deste trabalho foi avaliar a viabilidade do estabelecimento de redes de simbiose industrial, mais especificamente no município de Diadema, localizado na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).
METODOLOGIA
O presente trabalho consistiu em pesquisa exploratória, descritiva e qualitativa. Foram realizadas a avaliação do panorama geral referente às possibilidades de simbiose industrial na área de estudo; a caracterização das interações; e a análise qualitativa dos resultados obtidos, considerando-se o contexto em que o município de Diadema se encontra inserido (GIL, 1989; GODOY, 1995). Dados informativos sobre empresas e seus setores de atuação, tais como matérias-primas empregadas, produtos fabricados e resíduos gerados foram coletados no site da prefeitura de Diadema (http://www.diadema.sp.gov.br/cadastro-das-industrias), na seção “Cadastro das Indústrias”. Também foram obtidos dados de organizações por meio de pesquisas no campo de buscas do Google®, utilizando-se as palavras-chave: “empresas de Diadema”, “reciclagem de metais em Diadema”, “reciclagem de resíduos eletroeletrônicos em Diadema” e “empresas de reciclagem em Diadema”. Importa ressaltar dois pontos: a não obrigatoriedade de inscrição das indústrias no site da prefeitura, possibilitando que existam empresas em exercício efetivo que não se encontrem registradas nessa base cadastral, e a falta de apontamento, por parte da Prefeitura Municipal, de dados quantitativos sobre a geração de resíduos industriais.
Uma vez que nem todas as indústrias apresentavam os dados de resíduos gerados, a inferência, em alguns casos, deu-se de acordo com as matérias-primas utilizadas (por exemplo, resíduos de plástico e ferro para empresas que aproveitam esses materiais como insumos) ou de acordo com sua atividade-fim (como é o caso do bagaço de malte associado à indústria cervejeira).
Os dados foram organizados e avaliados em planilha Excel®. As informações de cada organização foram separadas por colunas, assim denominadas: empresas; produtos fabricados; matérias-primas utilizadas; resíduos gerados; e resíduos inferidos (esta última foi preenchida para atender os casos das empresas que não possuíam dados para resíduos). Posteriormente, foram estabelecidas interações entre empresas, levando-se em conta as matérias-primas por elas utilizadas e os resíduos gerados. Para essa etapa, foi realizada a verificação dos dados de matérias-primas e de resíduos de cada empresa individualmente, de forma a possibilitar o estabelecimento de correspondência com potenciais receptores ou geradores de resíduos, empresa por empresa. Com base nessas interações, foram elaborados fluxogramas de trocas viáveis entre as organizações. Foram também considerados cenários em que empresas existentes pudessem adotar novos processos para utilizar determinados resíduos gerados, tais como insumos para a produção de bens no mesmo segmento.
A busca de trabalhos científicos para revisão bibliográfica foi realizada no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br), com o uso das palavras-chave: “ecologia industrial”, “simbiose industrial” e “ecologia industrial nas cidades”. Por fim, foi produzida a análise qualitativa dos resultados, avaliando-se as possibilidades de interação, os tipos de resíduos gerados e quais benefícios o estabelecimento dessas redes de simbiose industrial poderia trazer para Diadema.
Além disso, foi realizado estudo sobre as legislações municipais, estaduais e nacionais, com enfoque no cenário da gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos e industriais e de saneamento do município. Entre as leis municipais avaliadas, todas carentes de medidas direcionadas à gestão de resíduos industriais, encontram-se o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos de Diadema (INCORP-CONSULTORIA E ASSESSORIA LTDA., 2011; PREFEITURA DE DIADEMA, 2020) e o Plano Municipal de Saneamento de Diadema (INCORP-CONSULTORIA E ASSESSORIA LTDA., 2012; PREFEITURA DE DIADEMA, 2019). Do ponto de vista estratégico, foram analisadas as políticas nacional e estadual de gestão de resíduos, especialmente a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei Federal n.º 12.305/2010 (BRASIL, 2010), o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2020), o Plano Estadual de Resíduos Sólidos de São Paulo, Lei Estadual n.º 12.300/2006 (GOVERNO DE SÃO PAULO, 2020), o Plano Regional de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Grande ABC, o Plano Nacional de Saneamento e o Novo Marco Legal do Saneamento Básico — Lei Federal n.º 14.026/2020 (BRASIL, 2020). Assim como acontece na esfera municipal, nesses documentos tampouco foram identificadas estratégias que abordassem os resíduos industriais (BRASIL, 2020; CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL GRANDE ABC, 2016; SECRETARIA NACIONAL DE SANEAMENTO, 2019). Até o momento da conclusão deste trabalho, o Plano Estadual de Saneamento Básico de São Paulo ainda se encontrava em elaboração e, portanto, indisponível ao público (CONESAN, 2020).
Área de estudo
A área de estudo é o município de Diadema, localizado ao sul da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), no Estado de São Paulo. Sua área territorial é de 30,732 km², com população estimada em 423.884 habitantes e densidade demográfica de 12.536,99 hab./km². O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é de 0,757. O município apresenta índice de urbanização de vias públicas em 42% (IBGE, 2017) e faz parte da Região do Grande ABC, polo industrial com foco na produção de peças do setor automobilístico (SEADE, 2014; MIRANDA-SAMPAIO, 2015; VIESBA et al., 2021).
Até a década de 1960, Diadema era considerada uma cidade-dormitório, com fluxo de moradores para o município vizinho de São Bernardo do Campo, onde se concentravam as indústrias da região. A industrialização do município iniciou-se na década de 1960, impulsionada pela instalação de empresas nacionais de médio e pequeno portes, fornecedoras de autopeças para montadoras localizadas na região, o que atraiu trabalhadores e intensificou seu processo de urbanização (DESGUALDO et al., 2018; VIESBA et al., 2021). Dessa forma, houve aumento da densidade demográfica e expansão das terras destinadas ao uso industrial (PREFEITURA DE DIADEMA, 1995; 2012; SEADE, 2020a; VIESBA et al., 2021).
Atualmente, a atividade econômica de maior contribuição para o município é representada pelo setor de serviços (71%), seguido pelo setor industrial (29%). Embora as indústrias de Diadema tenham diminuído sua participação na economia do Estado de São Paulo ao longo da última década, elas ainda são responsáveis por empregar 44% da população do município (dados do ano de 2018) (SEADE, 2019; SEADE, 2020b; VIESBA et al., 2021).
A Tabela 1 apresenta os principais segmentos industriais do município, com as respectivas contribuições para a indústria de transformação do Estado de São Paulo. Note-se que, entre os setores de maior contribuição, encontram-se os segmentos de transformação de metais e de plásticos e borracha (SEADE, 2019).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Cenário atual da gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos e industriais de Diadema, São Paulo
Diadema produziu, no ano de 2020, 310 toneladas de resíduos sólidos urbanos/dia, resultando na geração per capita de 0,74 kg/habitante/dia (VIESBA et al., 2021). Desde o ano de 2012, o município destina seus resíduos sólidos urbanos para o Aterro Sanitário Lara, empreendimento privado localizado no município de Mauá, na Região do ABC. Existem três cooperativas de coleta seletiva e reciclagem atuando no município (Cooperlimpa, Nova Pop e Cooperfenix), e o total destinado à reciclagem atinge 130 toneladas/mês, o que representa 3,5% dos resíduos sólidos produzidos no município. Em âmbito municipal, especificamente, não foram encontradas ações e diretrizes para os resíduos sólidos industriais, tampouco políticas públicas direcionadas à gestão desses rejeitos. O Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos de Diadema (INCORP-CONSULTORIA E ASSESSORIA LTDA., 2011) e o Plano Municipal de Saneamento de Diadema (INCORP-CONSULTORIA E ASSESSORIA LTDA., 2012; PREFEITURA DE DIADEMA, 2019) não preveem estratégias de gerenciamento dos resíduos sólidos industriais. O Plano de Saneamento somente aborda o abastecimento de água e o tratamento de esgoto do município, enquanto o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos apenas determina que os geradores são responsáveis pelo gerenciamento adequado de seus resíduos, devendo apresentar seus planos de gerenciamento deles (PREFEITURA DE DIADEMA, 2020).
Panorama geral das indústrias de Diadema
Ao todo, nesta pesquisa, foram identificadas 1.293 indústrias em Diadema, entre as quais 890 apresentam ao menos uma possibilidade de interação. O número real pode diferir, uma vez que nem todas as indústrias do município estão cadastradas na página eletrônica da prefeitura, sendo possível que algumas dessas organizações não mais existam e que outras tenham sido criadas no decorrer desta pesquisa. A maior parte das organizações encontradas é composta do segmento metalúrgico, com 482 indústrias (37,3%), seguido do setor de plásticos e borracha, com 145 indústrias (11,2%). Logo depois, encontram-se os setores de: madeira e móveis, com cem indústrias (7,7%); alimentos e bebidas, com cem indústrias (9,9%); têxtil, com 128 indústrias (7,4%); químico e farmacêutico, com 94 indústrias (7,3%); materiais elétricos, com 78 indústrias (6,0%); produção de papel, editorial e de gráficas, com 66 indústrias (5,1%); produtos minerais não metálicos, com 34 indústrias (2,6%); recuperação de materiais, com 22 indústrias (1,7%); produtos diversos, com 18 indústrias (1,4%); cosméticos, com 16 indústrias (1,2%); calçados e acessórios, com nove organizações (0,7%); e construção civil, com cinco organizações (0,4%) (Tabela 2).
Setores industriais e respectivo número de indústrias e representação no município de Diadema, São Paulo.
Possibilidades de simbiose industrial
Foram contabilizados 32 tipos diferentes de resíduos que podem vir a ser reaproveitados por organizações do município de Diadema, divididos nos seguintes grupos principais: metais (15 tipos de resíduos); polímeros plásticos (nove tipos de resíduos); e resíduos diversos, que não se encaixam nas categorias anteriores (oito tipos de resíduos) (Tabela 3).
A maior parte dos resíduos metálicos é proveniente do setor metalúrgico, assim como alguns resíduos da categoria de diversos, tais como efluentes contendo metais e resíduos de cobre. Os polímeros plásticos são gerados por indústrias de diversos setores, desde o segmento de plásticos até o setor de produção de materiais elétricos. A Tabela 4 apresenta uma matriz de tipologias industriais presentes, informando os resíduos gerados e os segmentos das organizações geradoras produtoras (P) e receptoras (R) de cada tipo.
Entre as 890 empresas que apresentam possibilidades de interação, foram identificadas, no total, 2.110 interações potenciais, sendo: 635 para polímeros plásticos; 466 interações para ferro e aço; 326 para alumínio; 198 para madeira (caso as receptoras tenham capacidade de reciclar resíduos de madeira provenientes de marcenarias); 166 para ligas (bronze e latão); 152 para metais não ferrosos, excetuando-se o alumínio e ligas; 76 para papel e papelão; 56 para efluentes que contêm metais; 24 para resíduos eletrônicos; quatro para resíduos de cobre; três para resíduos que contêm principalmente cobre e seus compostos; três para grânulos, lascas ou pós de mármore, granitos ou outras rochas; e uma para bagaço de malte.
As Figuras 1, 2 e 3 apresentam os fluxogramas com as interações potenciais encontradas para metais, polímeros plásticos e resíduos diversos, respectivamente.
Fluxograma com interações para resíduos metálicos para as indústrias de Diadema, São Paulo.
Fluxograma com interações para resíduos de polímeros plásticos para as indústrias de Diadema, São Paulo.
Fluxograma com interações para resíduos diversos que não se encaixam nos grupos de metais e polímeros plásticos para as indústrias de Diadema, São Paulo.
Analisando-se as figuras, é possível observar que a maior parte das interações possíveis ocorre com as empresas de reciclagem como receptoras, com destaque especial para duas indústrias de reciclagem, quer seja a de ferro e aço — que podem receber os rejeitos provenientes de 466 indústrias situadas no município — quer seja a de alumínio, a qual corresponde à taxa de 97% no Brasil, considerando-se a reciclagem de latas, com 326 interações potenciais. O reaproveitamento desses metais pode não somente diminuir a degradação ambiental associada à mineração como reduzir custos de energia, observando-se que o custo energético da reciclagem de metais é menor do que a extração e o processamento de minérios virgens. A título de exemplo, o consumo energético da reciclagem do alumínio equivale a 6% do consumo energético na produção desse mesmo minério em seu estado bruto (CHERTOW, 2012; UNEP, 2013; MILLER et al., 2016; ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO ALUMÍNIO, 2017). Para além do reaproveitamento de resíduos, as indústrias de reciclagem de metais em Diadema poderiam prover novos insumos às empresas metalúrgicas do município que utilizam ferro, aço e alumínio como matérias-primas.
Também foi possível identificar muitas interações possíveis no que compete à reciclagem de polímeros plásticos. No contexto de uma transição energética de combustíveis fósseis para energias renováveis, com a eliminação planejada dos primeiros, a reciclagem de plásticos pode representar contribuição importante se ocorrer em conjunto com outras medidas. Entre elas está a mudança de infraestruturas baseadas em combustíveis fósseis para infraestruturas que funcionem com base em energias renováveis, além do estímulo ao consumo responsável de recursos por parte da população e das indústrias (CIEL, 2019).
O maior número de interações associadas aos metais citados anteriormente, bem como aos polímeros plásticos, deve-se possivelmente à representatividade dos setores de transformação de metais e de plásticos no município, porquanto sejam esses os segmentos de Diadema que mais se destacam, de acordo com dados recentes da Seade (2019) (Tabela 1). Interações que visam ao reaproveitamento de materiais desses setores, ora responsáveis pela geração de grandes quantidades de resíduos e de poluição, podem ser especialmente relevantes para a valorização de resíduos no município e para a conservação de recursos (ROCHE et al., 2015; GEYER et al., 2017; CIEL, 2019; MILLATI et al., 2019).
Embora as interações que envolvem a reciclagem de materiais sejam mais numerosas, cabe citar as interações possíveis com o envolvimento de subprodutos. Em um provável cenário futuro, resíduos de bagaço de malte e leveduras de indústrias cervejeiras poderão ser reaproveitados por indústria fabricante de rações para animais, caso esta, como receptora, adote alguma modificação em seus processos fabris para produzir o tipo de ração que utiliza resíduos de leveduras como matéria-prima (JACKOWSKY et al., 2020; JAEGER et al., 2020). Em exemplo mais presente neste trabalho, a observação da compatibilidade entre os dados informados pelas indústrias sobre matérias-primas utilizadas e resíduos gerados mostrou que cinzas que contêm cobre podem ser utilizadas diretamente por uma indústria do segmento metalúrgico, sem qualquer modificação em seus processos.
Foi possível identificar nichos passíveis de serem explorados por novas organizações, entre eles a reciclagem de resíduos de borracha e de materiais de construção. Diversas empresas em Diadema geram resíduos de borracha, entretanto não foram encontradas empresas que realizassem a reciclagem desses materiais — ainda que a instalação de uma indústria, nesse sentido, pudesse ser interessante ao município. O comércio de materiais de construção reciclados, como produto final do processamento de resíduos, dependerá, igualmente, de negócio industrial implementado, o qual poderá ter sua origem no âmbito privado ou mesmo no público — caso a prefeitura venha a adquirir equipamentos para o processamento desses resíduos, voltados às obras de finalidade pública.
É provável que existam outros resíduos e matérias-primas que não tenham sido listados pelas indústrias e que poderiam ser considerados para o estabelecimento de novas interações em estudos futuros. A Lei Municipal n.º 3.853, de 10 de maio de 2019 (PREFEITURA DE DIADEMA, 2019a), que dispõe sobre a gestão e o gerenciamento dos resíduos sólidos municipais, poderá contribuir para estudos mais aprofundados sobre o assunto, uma vez que as indústrias deverão submeter ao município dados referentes aos resíduos gerados (PREFEITURA DE DIADEMA, 2019a). Adicione-se a essa perspectiva a importância de se conhecerem todos os subprodutos gerados pelas indústrias: identificá-los não somente permitirá correlacionar ainda mais nichos, como também proporcionará um mecanismo de controle para que as trocas não se resumam apenas à reciclagem de resíduos.
Nesse sentido, a base de dados da prefeitura também poderia incluir registros da quantidade de resíduos gerada por mês em cada indústria, sua qualidade e composição química, e até mesmo dos processos industriais utilizados, tendo como objetivo facilitar a implementação de interações. Também é importante que os dados sejam atualizados com frequência, removendo-se registros das organizações que não existem mais e incluindo-se as novas organizações. É possível que algumas já realizem algum tipo de interação, por meio de uma abordagem bottom-up (em que as organizações criam redes entre si, independentes do governo), como observado por Clift et al.(2016).
O presente trabalho analisou a possibilidade da aplicação de simbiose industrial com base em aspectos qualitativos, considerando tipos de materiais usados como matéria-prima e tipos de resíduos gerados no município de Diadema. Não foi realizada análise da viabilidade baseada em aspectos quantitativos, uma vez que seria necessário conduzir estudos de fluxos de matéria e energia, bem como balanços de massa para cada caso específico.
Contexto local e regional: potenciais e desafios
O estabelecimento de redes de interação para promover a simbiose industrial pode incentivar a colaboração e a cooperação entre organizações em Diadema, trazendo benefícios tais como o incentivo à economia circular, à reciclagem e ao reaproveitamento e valorização de resíduos, além da redução de custos associados à obtenção e ao transporte de matéria-prima. Além disso, a simbiose entre empresas pode contribuir tanto para a diminuição dos problemas ambientais (e daqueles associados diretamente ao transporte, a exemplo da emissão de poluentes atmosféricos e gases do efeito estufa) quanto para o descarte de resíduos sólidos no município. Ressalta-se que não há nenhum aterro sanitário na cidade, de modo que os rejeitos urbanos precisam ser transportados até o Aterro Lara de Mauá (localizado a 34 km de distância de Diadema) e, no caso dos resíduos industriais que requerem descarte especial, até o Aterro de Caieiras (localizado a 84 km de distância de Diadema) (CHERTOW, 2000; CLIFT et al., 2016; SCHILLER et al., 2014; YAP et al., 2016; TISSERANT et al., 2017).
Não há dados específicos acerca das quantidades de resíduos industriais gerados em Diadema. Fazendo-se uma estimativa conservadora e considerando-se que a produção de resíduos industriais é geralmente superior à de resíduos sólidos urbanos (MILLATI et al., 2019) — cujo volume, em Diadema, é de 310 toneladas/dia (VIESBA et al., 2021) —, estima-se que o município geraria quantidade de resíduos industriais superior a esse número. Utilizando-se os custos de disposição final e transporte para resíduos sólidos urbanos (R$ 200,00/tonelada; 36,00 USD — cotação do dólar a R$ 5,50, em 13 de outubro de 2021), em cálculo subestimado, presume-se que valor superior a R$ 62.000,00 (11.260 USD) seja gasto por dia com a destinação de resíduos industriais. O custo pode ser superior, levando-se em conta que a disposição final e o transporte de descartes industriais perigosos são mais onerosos, variando de R$ 200,00 a R$ 1.000,00 (36,00 a 181,00 USD — valor do transporte incluso) a depender do resíduo, conforme informações obtidas com os administradores e gestores dos aterros sanitários e industriais na RMSP e Região do Grande ABC.
No que concerne à implementação de redes de simbiose, os desafios que o município e as empresas podem encontrar estão relacionados especialmente aos aspectos legais que determinam a destinação de resíduos industriais; à viabilidade econômica, que compreende as quantidades de resíduos geradas em relação às quantidades utilizadas pelas receptoras; às questões operacionais, tomando-se em consideração a qualidade do material a ser substituído e a tecnologia necessária para a utilização desses resíduos; e, por fim, mas não menos importante, às relações de confiança e cooperação entre organizações (CLIFT et al., 2016; MALCOM et al., 2002; CHERTOW, 2007; JENSEN et al., 2012; SOUZA et al., 2018; PAULA et al., 2019; PROSMAN et al.,2019). É igualmente importante que as organizações geradoras apresentem medidas que garantam a integridade dos resíduos e possibilitem seu reaproveitamento desde sua geração até o transporte ao destino final, isto é, as organizações receptoras que utilizarão esses rejeitos como matéria-prima. Dessa forma, é necessário que exista gerenciamento dos resíduos na fonte, assim como previsto pela PNRS (BRASIL, 2010).
No intuito de superar essas barreiras conjuntamente, a prefeitura pode entabular políticas públicas incentivadoras e facilitadoras do estabelecimento de redes de interação (por exemplo, por meio do fornecimento de subsídios), bem como regulamentar as trocas entre indústrias — até mesmo quanto aos dispositivos legais associados à qualidade dos materiais e à continuidade do fornecimento ao longo do tempo. Entretanto, também existe a possibilidade de as empresas estabelecerem acordos de simbiose de forma independente da prefeitura, como aconteceu em Kalundborg, Dinamarca (CHERTOW, 2000; MALCOM et al., 2002; CHERTOW et al., 2012; CLIFT et al., 2016; PROSMAN et al., 2019).
O município de Diadema pode se inspirar na Zona Industrial de Hoa Khanh, Vietnã, e na Zona Industrial de NÖ-Süd, Áustria. Em ambos os casos, existem parcerias com a comunidade acadêmica com o intuito de melhorar o desempenho ambiental nessas áreas. No caso de Hoa Khanh, a zona industrial é gerida por uma associação e encontra-se em processo de transição para se tornar um ecoparque. As experiências da Unido (2017) podem servir como diretrizes às ações para que a concentração industrial em Diadema também possa se tornar um ecoparque. A parceria com a Universidade de Ulsan para encontrar possibilidades de simbiose ilustra, ademais, como a prefeitura pode fazer parcerias com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp, campus Diadema) para viabilizar as redes no município. O exemplo de NÖ-Süd apresenta ainda outro cenário que poderia ser adotado pela prefeitura, em que uma organização privada é responsável por gerir o ecoparque, fazendo as conexões entre a comunidade acadêmica, as empresas e o poder público (UNIDO, 2017).
À luz da PNRS, é imprescindível que o gerador tenha um programa de minimização de resíduos em suas instalações. Outro ponto importante é em relação à implantação de um banco de resíduos sólidos industriais, com o objetivo de desviar esses rejeitos dos aterros e utilizá-los como insumos de outros processos produtivos, minimizando os impactos ambientais e atendendo à responsabilidade compartilhada (MAHANTY et al., 2021; LAWAL et al., 2021).
As experiências bem-sucedidas de simbiose industrial apontam para a participação governamental efetiva nas ações conjuntas com as empresas, promovendo melhorias significativas quanto à otimização no uso dos recursos naturais e à redução de resíduos (YOON et al., 2018; LAWAL et al., 2021; WALKER et al., 2021). Lybæk et al. (2021) relatam que um importante motor para o desenvolvimento da simbiose industrial é a implementação de incentivos e políticas de apoio às empresas locais. No México, experiências em redes de simbiose, no setor da indústria petrolífera, permitiram a promoção de trocas de resíduos e ações de inovação, resultando em melhorias socioambientais importantes para as empresas coparceiras (MORALES et al., 2019).
No que concerne à PNRS, o estabelecimento de redes de simbiose pode contribuir em grande parte para o reaproveitamento de resíduos, sendo aplicada em conjunto com medidas que previnam sua geração (BRASIL, 2010). O PNRS, especificamente, cita de forma breve a simbiose industrial como diretriz para a gestão de resíduos industriais, apontando para a necessidade de transformar resíduos em matéria-prima (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2020).
No contexto estadual, o Plano de Resíduos Sólidos do Estado de São Paulo atribui a responsabilidade da gestão dos resíduos sólidos industriais à própria fonte geradora. Dessa forma, toda e qualquer unidade industrial deveria ser capaz de reduzir, reutilizar, reciclar, tratar seus resíduos e, na ausência das opções anteriores, dispor seus rejeitos. Ainda, prevê a implantação do Sistema Estadual de Gerenciamento Online de Resíduos Sólidos (Sigor) e a promoção do desenvolvimento de Novas Rotas Tecnológicas (NRT), para minimizar a geração e ampliar o reaproveitamento, a reciclagem e o tratamento dos resíduos sólidos industriais, com a finalidade de reduzir a disposição em aterros (LYBÆK et al., 2021; WALKER et al., 2021; GOVERNO DE SÃO PAULO, 2020).
Além da PNRS, tanto o Plano Nacional quanto o Plano Estadual relatam a importância de uma base de dados para o gerenciamento e o rastreamento de resíduos industriais. Os dois planos abordam ainda a necessidade de diminuição de sua geração, seguida pelo seu reaproveitamento. Nesse sentido, estratégias que adotem conceitos da EI podem ser úteis. O ponto levantado pelo Plano Estadual acerca da necessidade de dados associados à qualidade e à quantidade dos resíduos gerados por indústrias é especialmente essencial para determinar a viabilidade de simbioses entre organizações. A importância de dados associados à geração, ao armazenamento e ao transporte também se destaca no Plano Nacional.
Essas diretrizes em âmbito nacional e estadual podem auxiliar o município de Diadema no estabelecimento de uma política voltada para a gestão de resíduos industriais robusta, e a EI pode contribuir em grande parte para isso, especialmente no que tange à simbiose industrial e aos ecoparques (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2020; GOVERNO DE SÃO PAULO, 2020).
Considerando-se a exigência de um banco de resíduos como estabelecido pelas políticas nacionais e estaduais e tomando-se como exemplo a experiência do Reino Unido com o National Industrial Symbiosis Program, a prefeitura de Diadema poderia desenvolver uma plataforma direcionada à implementação de simbioses, de forma a possibilitar a aproximação entre organizações e a consequente implementação de redes de interação (FERRÃO, 2009; CLIFT et al., 2016).
Não foi possível encontrar uma metodologia universal para o estabelecimento de redes de simbiose industrial. Entretanto, alguns trabalhos listam pontos que podem contribuir nesse processo, e a Unido apresenta algumas diretrizes visando à implementação de simbioses. Primeiramente, seria interessante verificar se já são realizadas trocas desse tipo entre organizações — e, em caso afirmativo, entender como funcionam — e coletar dados acerca de todas as matérias-primas utilizadas pelas indústrias, de todos os resíduos e subprodutos gerados e dos processos industriais adotados. Seriam necessários dados qualitativos, como a qualidade dos resíduos e sua composição química; e dados quantitativos, como quantidades de matéria-prima necessárias e de resíduos gerados. De posse desses registros, poderiam ser feitas as análises específicas de interações possíveis e viáveis. Paralelamente, seria importante estabelecer relações de confiança com as organizações, bem como apresentar os benefícios das redes de simbiose e de outras aplicações da EI (CHERTOW, 2000; 2007; UNIDO, 2018; YEO et al., 2019).
O conhecimento das interações viáveis e das organizações interessadas em implementá-las tornaria as redes de simbiose operáveis. Nesse ponto, é necessário registrar os dados que possibilitem avaliar o desempenho dessas interações, tais como a redução de custos e despesas na obtenção de matéria-prima (no caso de organizações receptoras) e a redução da emissão de gases do efeito estufa associada ao transporte de resíduos (no caso das organizações geradoras). Além disso, a análise das interações também pode indicar melhorias que poderiam ser executadas em cada caso. Por fim, é interessante divulgar casos de interações bem-sucedidas para incentivar outras organizações (CHERTOW, 2000; 2007; YEO et al., 2019).
No caso de Kalundborg, na Dinamarca, onde trocas de matéria e energia já eram feitas antes de as organizações estarem cientes dos benefícios da simbiose industrial, vale ressaltar que, posteriormente, houve um esforço de coordenação a fim de se desenvolverem mais interações de simbiose, contribuindo para a implementação de novas redes (CHERTOW, 2007).
No caso de Diadema, o campus local da Unifesp poderia atuar nesse sentido, estudando possibilidades e contribuindo para a implementação de redes de simbiose capazes de beneficiar o município, especialmente nos âmbitos social e ambiental. A construção dessas redes pode contribuir para melhorias na gestão de resíduos sólidos, para a economia local e para a resiliência do município, tornando ao menos algumas empresas menos vulneráveis a fatores externos, tais como flutuações no mercado de exportações e disponibilidade de insumos importados.
Estudos futuros também podem avaliar a possibilidade de interações visando a melhorias na infraestrutura do município, considerando, por exemplo, troca de água e efluentes e distribuição de calor residual, a fim de contribuir para melhorias na eficiência do uso de recursos como água e energia. No caso das indústrias, os efluentes gerados poderiam ser tratados no município, e a água tratada poderia ser reutilizada para fins públicos. A energia gerada na forma de vapor ou calor residual também poderia ser convertida em eletricidade para ser distribuída no município (CLIFT et al., 2016). Considerando-se o contexto regional no qual Diadema se encontra inserida (Grande ABC), também poderia ser avaliada a possibilidade de interação com indústrias localizadas nos municípios vizinhos (KINCAID et al., 2008; CLIFT et al., 2016).
Este trabalho enfocou as interações entre indústrias, mas as redes de simbiose podem ser igualmente aplicadas a um contexto mais amplo, como no planejamento ambiental do município, desenvolvendo inter-relações que envolvam a comunidade. Pensando em interações dessa natureza, os resíduos sólidos domiciliares recicláveis poderiam ser destinados às empresas de reciclagem da mesma maneira que os resíduos industriais recicláveis são transformados em matéria-prima para as indústrias receptoras. Por suas vezes, os resíduos orgânicos provenientes dos domicílios, dos mercados e dos serviços de poda poderiam ser destinados à compostagem, com o uso do composto gerado na adubação de hortas urbanas e áreas verdes da cidade (KAZA et al., 2016). Essas ações poderiam contribuir para gerar emprego e renda para as comunidades locais, além de trazer os benefícios ambientais apontados ao longo deste trabalho. Outra forma de reaproveitamento interessante, já mencionada anteriormente, seria a reciclagem de resíduos de construção civil, que, depois de transformados, poderiam ser utilizados na construção de novas moradias (KIBERT, 2019). A Figura 4 apresenta um cenário hipotético para o planejamento ambiental de Diadema, com os exemplos de interações citadas.
Cenário hipotético para redes de simbiose em contexto de planejamento ambiental para Diadema, São Paulo.
A concentração de indústrias no município não constitui um ecoparque planejado, mas é possível criar redes de interação com as organizações existentes, como ocorreu no já mencionado Ecoparque de Kalundborg (EHRENFELD et al., 1997; JENSEN et al., 2012). Entretanto, é importante destacar que, para que o município possa ser considerado um ecoparque futuramente, não basta que sejam estabelecidas redes de simbiose — por mais que elas possam trazer impactos positivos, como o reaproveitamento de resíduos; é necessário contribuir para as comunidades que se encontram inseridas no território. Isso porque ecoparques precisam beneficiar suas comunidades e o ambiente em que se encontram, eliminando o uso de combustíveis fósseis e de substâncias tóxicas nos processos produtivos e implementando infraestruturas ecológicas, por exemplo. Diante desse compromisso, é necessário que o poder público local reflita sobre como integrar essas questões em seu planejamento ambiental (PECK, 2002; LEONARD, 2011; LOWITT et al., 2013). Outro ponto importante que deve ser considerado é a modificação de processos industriais, de forma a reduzir ao máximo a geração de resíduos. No contexto da sustentabilidade planetária, a não geração de resíduos seria o ideal, ou, pelo menos, os poucos resíduos gerados deveriam ser reaproveitados (LEONARD, 2011).
Vale ressaltar também a importância da produção mais limpa e a ecoeficiência como estratégias ambientais de caráter preventivo, otimizando o uso eficiente de recursos naturais e a não geração de resíduos. Estratégias alinhadas no sentido de reorientar processos produtivos e revalorizar subprodutos são fundamentais para alcançar resíduo zero (DIAS, 2007). Na perspectiva brasileira, ainda existe um longo caminho a ser percorrido por pesquisadores, empresários e órgãos públicos no tocante à disseminação e à implantação da EI entre os distintos setores industriais e a sociedade em geral (SOUZA et al., 2018).
Considerando-se que a prefeitura ainda não possui estratégias direcionadas para a gestão de resíduos industriais, este trabalho pode ser o ponto inicial para a realização de mais estudos que abordem tópicos da EI no município, além de poder contribuir para a elaboração de políticas referentes à gestão de resíduos industriais e ao planejamento ambiental de Diadema que visem identificar redes de simbiose possíveis (e viáveis) e facilitar sua implementação, bem como indústrias que possam ser instaladas em seu território, com o objetivo de estabelecer continuamente interações que venham a gerar impactos socioambientais locais positivos.
Ressalta-se que o município apresenta potencial para a aplicação de conceitos da EI (nomeadamente, os de simbiose industrial e ecoparques), que podem contribuir para solucionar ou, ao menos, amenizar algumas de suas problemáticas socioambientais, tais como o descarte de resíduos sólidos e a carência de infraestrutura. Entretanto, é importante ressaltar que, para que o município se torne sustentável de fato, é necessário que incorpore princípios que vão além da EI — e, consequentemente, além da prevenção da geração de resíduos e de seu reaproveitamento —, como a redução do consumo de bens e de recursos como um todo, o fomento à cultura e a eliminação das desigualdades (ROCK et al., 2000; BAAS, 2001; SCHNEIDER et al., 2011; VEIGA, 2015).
CONCLUSÕES
O presente trabalho avaliou as possibilidades de interações de simbiose industrial entre as organizações presentes no município de Diadema. Foi possível encontrar um número razoável de interações potenciais, especialmente para os resíduos de ferro, aço e alumínio, bem como para polímeros plásticos. No intuito de ampliar o número de interações possíveis, é importante que todos os resíduos e subprodutos gerados por todas as indústrias sejam conhecidos, o que deverá ser possível com a implantação da Lei Municipal n.º 3.853, de 10 de maio de 2019.
Recomenda-se a realização de estudos que avaliem a possibilidade de implementação de redes de simbiose industrial também nos contextos regional e metropolitano, como no caso da Região do ABC. A identificação de redes de interação que podem ser estabelecidas em polos industriais existentes é promissora e pode contribuir para solucionar ou amenizar a problemática dos resíduos sólidos não apenas no município de Diadema, na medida em que pode servir como experiência piloto com potencial de ser desenvolvida em várias partes do Brasil. Serão necessários estudos que realizem análises de fluxos de matéria e energia, a fim de verificar a viabilidade econômica e operacional de interações específicas entre as organizações, e, na perspectiva de planejamento ambiental, que busquem incorporar benefícios à comunidade, como a geração de emprego e renda.
Este trabalho procurou trazer contribuições ao direcionamento desses estudos, assim como produzir informações que possam auxiliar na gestão dos resíduos industriais do município de Diadema e em seu planejamento, especialmente no compartilhamento de informações, serviços e infraestruturas que venham a beneficiar a comunidade. Tendo em vista que o município de Diadema ainda não possui estratégias direcionadas para a gestão de resíduos industriais, esta pesquisa pode ser um ponto de partida para o planejamento da prefeitura e para que o município atenda às diretrizes das políticas nacionais e estaduais de resíduos sólidos.
Por fim, conclui-se que a área de estudo possui potencial para a aplicação de numerosas redes de simbiose industrial, bem como para se tornar um ecoparque industrial de fato, o que pode colaborar para a minimização dos problemas socioambientais no município e ser um fator — em conjunto com outros princípios da sustentabilidade — a contribuir para que Diadema se torne, futuramente, um município mais sustentável.
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