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Saúde do Trabalhador no início do século XXI

Worker's Health in the beginning of the 21st century

EDITORIAL

Edith Seligmann-SilvaI; Márcia Hespanhol BernardoII; Maria MaenoIII; Mina KatoIV

IEditora convidada, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

IIEditora convidada, Pontifícia Universidade Católica, Campinas, SP

IIIEditora convidada, Fundacentro, São Paulo, SP

IVEditora associada, Fundacentro, São Paulo, SP

Embora a relação trabalho e saúde tenha sido relatada desde a Antiguidade, as primeiras abordagens formais desta relação tiveram início na Europa, no século XIX, com a criação da Medicina do Trabalho e a implantação dos serviços médicos dentro das empresas. Eram estruturas centradas na figura do médico, que, por meio de uma atuação focada no trabalhador, assumiam a responsabilidade pela prevenção dos acidentes e das doenças. Mas o interesse principal não era o de promover a saúde dos trabalhadores, mas, sim, o bom funcionamento dos processos de trabalho. As práticas mais disseminadas eram a seleção de pessoal que, em tese, fosse menos propenso a se acidentar e adoecer, o controle da saúde para evitar problemas de absenteísmo e os esforços para proporcionar retorno rápido ao trabalho nos casos de afastamentos.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919, adotou, desde o início, normas preventivas que tratavam da limitação da jornada, do desemprego, da proteção à maternidade, do trabalho noturno de menores e mulheres e da idade mínima para admissão de crianças. Em 1953, por meio da Recomendação 97, sobre a proteção à saúde dos trabalhadores, passou a estimular os países membros a formarem seus médicos do trabalho e a instalarem serviços de Medicina do Trabalho nas empresas. No Brasil, desde 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho e com a Lei nº 6.514, de 1977, tais serviços foram previstos e o ambiente no espaço das empresas passou a ser objeto de atenção da Engenharia de Segurança e da Higiene Ocupacional, com a entrada em cena, de forma mais enfática, de profissionais das áreas de Engenharia e Toxicologia.

A atuação dos médicos sempre se pautou pela avaliação de elementos objetivos que pudessem, de alguma forma, interferir na integridade física e na saúde do trabalhador, assim como a dos engenheiros e dos toxicologistas sempre teve como objeto de avaliação e intervenção as condições de trabalho visíveis e mensuráveis. No entanto, a observação e a evolução do perfil de adoecimento dos trabalhadores têm denunciado outros elementos não abordados pelo tradicional sistema de prevenção de acidentes e doenças das empresas.

Nas décadas de 1980 e 1990, concomitantemente aos já conhecidos agravos ocupacionais, com mortes e mutilações, intoxicações por vários produtos químicos, perdas auditivas, pneumopatias e dermatoses, os trabalhadores com afecções musculoesqueléticas, as LER/DORT, passaram a invadir os consultórios. Diferentemente de outros agravos, esses ocorriam indistintamente entre trabalhadores da indústria, do comércio e de serviços. Acometiam trabalhadores cujas atividades laborais não exigiam altos gastos energéticos e sua etiologia não podia ser enquadrada nos fatores de risco tradicionais: físicos, químicos e biológicos. Nesse contexto, ganhou força a discussão de que o trabalho e suas repercussões sobre a saúde dos trabalhadores deveriam ser analisados não somente no tocante às condições tradicionalmente abordadas, mas também aos seus aspectos organizacionais, ergonômicos e psicossociais.

Mais recentemente, sobretudo nas décadas de 1990 e 2000, outro aspecto da saúde dos trabalhadores passou a ganhar espaço nos consultórios. São as repercussões psíquicas do trabalho, com expressões clínicas correspondentes a vários diagnósticos presentes na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e reconhecidos como relacionados ao trabalho tanto pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 1339/GM, de 18 de novembro de 1999), como pelo Ministério da Previdência Social (Decreto nº 3048, de 1999). Esses agravos à saúde, que até então não eram identificados, também evidenciam a complexidade que envolve a avaliação da relação entre o processo saúde/doença e o trabalho.

Setores da Saúde, do Trabalho, do Judiciário, do Ministério Público, das universidades e dos órgãos de pesquisa começaram a ter suas agendas pautadas por sindicatos e outras entidades representativas dos trabalhadores, que observavam um contingente crescente de pessoas com transtornos psíquicos, os quais frequentemente não conseguiam permanecer trabalhando pelas condições adversas das empresas e que não raramente eram isoladas e demitidas. Essa demanda provocou indagações, estudos e ações que reforçaram de forma indubitável aquilo que o advento das LER/DORT já havia desnudado: a insuficiência dos recursos da medicina do trabalho, da engenharia de segurança e da higiene ocupacional para se construir políticas públicas de promoção da saúde, prevenção, assistência e reabilitação profissional.

Assim, não temos dúvidas de que a construção de alternativas de processos de trabalho que protejam a saúde do trabalhador exige diálogo e ação conjunta dos campos da Medicina, da Psicologia e de outros setores da saúde, da Engenharia, da Ergonomia, da Sociologia, da Antropologia, da Filosofia, do Direito, da Economia e outros. Esse diálogo tem tomado corpo, ainda de forma incipiente, em intervenções nos ambientes de trabalho, em ações civis públicas, em publicações e eventos com abordagens mais amplas e contextualizadas, e mostram claramente que está esgotado o modelo de intervenção de disciplinas e campos de conhecimento isoladamente. Os agravos em geral, e os adoecimentos psíquicos em particular, devem ter como pano de fundo os aspectos sociais e do trabalho contemporâneo, caracterizados pela perda de direitos sociais e trabalhistas, pelo advento de crises econômicas e do desemprego.

A Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, com o dossiê temático "O mundo contemporâneo do trabalho e a saúde mental do trabalhador", sendo este seu primeiro volume, espera contribuir com o esforço de reunir pesquisas, reflexões e experiências que, compartilhadas por atores de diferentes instituições e entidades, possam estimular a discussão e a construção de políticas públicas que levem em consideração a Saúde do Trabalhador, incluindo seus aspectos biológicos e psicossociais, no processo de desenvolvimento econômico e social de nosso país.

  • Saúde do Trabalhador no início do século XXI

    Worker's Health in the beginning of the 21st century
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
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