Acessibilidade / Reportar erro

Variáveis relacionadas à estabilidade de complexos organo-minerais em solos tropicais e subtropicais brasileiros

Selected soil-variables related to the stability of organo-minerals complexes in tropical and subtropical brazilian soils

Resumos

A estabilidade de complexos organo-minerais é uma característica importante quanto à química e física de solos tropicais e subtropicais. O objetivo deste estudo foi identificar variáveis relacionadas à estabilidade de complexos organo-minerais, avaliada pela energia de ultra-som necessária para a dispersão total do solo em partículas primárias, em seis solos das regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil com textura e mineralogia distintas. A energia de ultra-som necessária para dispersão total dos solos variou de 239 a 2.389J mL-1, sendo diretamente relacionada aos teores de carbono orgânico (R²=0,799, P<0,05). A mineralogia da fração argila teve um papel determinante na estabilidade dos complexos organo-minerais, a qual foi relacionada aos teores de óxidos de ferro de baixa cristalinidade (R²=0,586, P<0,10), mas não teve relação com os teores totais de óxido de ferro pedogênicos. A análise qualitativa da fração argila, realizada por difratometria de raios-X, demonstrou que a estabilidade dos complexos organo-minerais variou positivamente em função das proporções de gibbsita e de goethita na fração argila, o que reforça o papel desses minerais na proteção física e estabilidade coloidal da matéria orgânica em solos tropicais e subtropicais.

ultra-som; argila; matéria orgânica; mineralogia


The stability of organo-mineral complexes is an important characteristic related to the soil chemistry and physics of tropical and subtropical soils. This study was aimed at identifing the variables related to the stability of organo-mineral complexes, evaluated by ultrasonic energy necessary to complete soil dispersion, of six soils from South and West-Center regions of Brazil with distint texture and mineralogy. The ultrasonic energy to complete soil dispersion varied from 239 a 2389J mL-1, and was positively related to the soil organic carbon concentrations (R²=0.799, P<0.05). The clay mineralogy had an important role to the stability of organo-mineral complexes, which were related to the content of low cristalinity iron oxides (R²=0.586, P<0.10), but did not had relationship with the total pedogenic iron oxides. The qualitative analysis of the clay mineralogy, by X-ray diffraction, evidenced that gibbsite and goethite are the main clay minerals related to the stability of organo-mineral complexes, reinforcing the importance of these minerals on the physical protection and coloidal stability of the soil organic matter in the tropical and subtropical soils.

ultrasonic energy; clay; organic matter; mineralogy


ARTIGOS CIENTÍFICOS

CIÊNCIA DO SOLO

Variáveis relacionadas à estabilidade de complexos organo-minerais em solos tropicais e subtropicais brasileiros

Selected soil-variables related to the stability of organo-minerals complexes in tropical and subtropical brazilian soils

Alberto Vasconcellos Inda JuniorI,1 1 Autor para correspondência. ; Cimélio BayerI; Paulo Cesar ConceiçãoII; Madalena BoeniII; Júlio César SaltonII, III; Alano Tiago ToninIV

IDepartamento de Solos, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 90001-970, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: alberto.inda@ufrgs.br

IIPrograma de Pós-graduação em Ciência do Solo (PPGCS), UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil

IIIEmbrapa Agropecuária Oeste, Dourados, MS, Brasil

IVCurso de Agronomia, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

A estabilidade de complexos organo-minerais é uma característica importante quanto à química e física de solos tropicais e subtropicais. O objetivo deste estudo foi identificar variáveis relacionadas à estabilidade de complexos organo-minerais, avaliada pela energia de ultra-som necessária para a dispersão total do solo em partículas primárias, em seis solos das regiões Sul e Centro-Oeste do Brasil com textura e mineralogia distintas. A energia de ultra-som necessária para dispersão total dos solos variou de 239 a 2.389J mL-1, sendo diretamente relacionada aos teores de carbono orgânico (R2=0,799, P<0,05). A mineralogia da fração argila teve um papel determinante na estabilidade dos complexos organo-minerais, a qual foi relacionada aos teores de óxidos de ferro de baixa cristalinidade (R2=0,586, P<0,10), mas não teve relação com os teores totais de óxido de ferro pedogênicos. A análise qualitativa da fração argila, realizada por difratometria de raios-X, demonstrou que a estabilidade dos complexos organo-minerais variou positivamente em função das proporções de gibbsita e de goethita na fração argila, o que reforça o papel desses minerais na proteção física e estabilidade coloidal da matéria orgânica em solos tropicais e subtropicais.

Palavras-chave: ultra-som, argila, matéria orgânica, mineralogia.

ABSTRACT

The stability of organo-mineral complexes is an important characteristic related to the soil chemistry and physics of tropical and subtropical soils. This study was aimed at identifing the variables related to the stability of organo-mineral complexes, evaluated by ultrasonic energy necessary to complete soil dispersion, of six soils from South and West-Center regions of Brazil with distint texture and mineralogy. The ultrasonic energy to complete soil dispersion varied from 239 a 2389J mL-1, and was positively related to the soil organic carbon concentrations (R2=0.799, P<0.05). The clay mineralogy had an important role to the stability of organo-mineral complexes, which were related to the content of low cristalinity iron oxides (R2=0.586, P<0.10), but did not had relationship with the total pedogenic iron oxides. The qualitative analysis of the clay mineralogy, by X-ray diffraction, evidenced that gibbsite and goethite are the main clay minerals related to the stability of organo-mineral complexes, reinforcing the importance of these minerals on the physical protection and coloidal stability of the soil organic matter in the tropical and subtropical soils.

Key words: ultrasonic energy, clay, organic matter, mineralogy.

INTRODUÇÃO

Os complexos organo-minerais são as estruturas básicas dos agregados de solo, sendo a sua estabilidade uma característica importante quanto ao acúmulo de matéria orgânica em solos tropicais e subtropicais (DUXBURY et al., 1989; BAYER et al., 2002). Embora reconheça-se a sua importância, pouco é o conhecimento existente sobre os fatores determinantes da estabilidade dos complexos organo-minerais em solos de carga variável, a qual tem sido relacionada ao tipo e à intensidade de interações mineral-matéria orgânica-mineral (CORNEJO & HERMOSÍN, 1996), que são dependentes da quantidade e do tipo de minerais presentes, bem como dos teores de matéria orgânica (STEVENSON, 1994).

Os grupos funcionais presentes na superfície dos minerais determinam a energia das ligações com a matéria orgânica e entre minerais (STEVENSON, 1994). Da mesma forma, o teor de matéria orgânica determina a sua maior ou menor proporção nos complexos com minerais, a qual afeta positivamente a estabilidade dos complexos (CRISTENSEN, 1992). Solos com teores elevados de óxidos de ferro e de alumínio, minerais que apresentam grupos –OH, altamente reativos com matéria orgânica, apresentam complexos organo-minerais de alta estabilidade, como sugerido pela estabilidade de microagregados, os quais têm os complexos organo-minerais como estrutura básica (DICK & SCHWERTMANN, 1996).

O tipo de óxido de ferro presente no solo também deve influenciar a estabilidade dos complexos com a matéria orgânica devido à variação na cristalinidade, característica que influencia a área superficial específica e a concentração de grupos –OH disponíveis para interações com a matéria orgânica (CORNELL & SCHWERTMANN, 1996). Além disso, no caso de argilominerais como a caulinita, a cristalinidade do mineral e, portanto, o tamanho do cristal e sua área superficial são dependentes, entre outros aspectos, da substituição de Al por Fe na estrutura do mineral (MESTDAGH et al., 1980), o que também pode afetar a estabilidade dos complexos organo-minerais em solos cauliníticos.

A estabilidade de complexos organo-metálicos e organo-minerais pode ser avaliada por métodos calorimétricos que avaliam a energia das ligações a partir da entalpia das reações (BORISOVER & GRABER, 1998; BUSCHMANN & SCHOLLMEYER, 2000). Alternativamente, a energia de ultra-som necessária para a dispersão total do solo em partículas primárias (GREGORICH et al., 1988; CHRISTENSEN, 1992; ERIKSEN et al., 1995; DE CESARE et al., 2000) pode ser usada na avaliação da estabilidade de complexos organo-minerais tamanho silte ou maiores. Com aplicação de ultra-som, ocorre o rompimento das ligações argila-matéria orgânica-argila em microagregados tamanho silte ou maiores, sendo a energia necessária para a dispersão total do solo em partículas primárias (areia, silte e argila) relacionada à intensidade e ao tipo de ligações existentes nos complexos organo-minerais (CHRISTENSEN, 1992). O objetivo deste estudo foi identificar variáveis relacionadas à estabilidade dos complexos organo-minerais tamanho silte ou maiores em solos tropicais (região Centro-Oeste) e subtropicais (região Sul) brasileiros, avaliada pela energia de ultra-som necessária para a dispersão total do solo em partículas primárias.

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo foi baseado em amostras compostas (3 repetições) do horizonte A (0 a 20cm) de cinco Latossolos e de um Argissolo, coletadas em áreas experimentais de longa duração sob plantio direto nas regiões Sul e Centro-Oeste (Tabela 1). Quatro dos solos foram formados a partir de rochas eruptivas básicas do período triásico (basaltos da formação Serra Geral), um de basalto e arenito (Botucatu) e um de rochas ígneas intrusivas do período pré-cambriano (granitos do Escudo Sulriograndense). Caracterizam-se como solos profundos, bem drenados, com cores variando entre vermelho-escuro-acinzentado e bruno-escuro e classes texturais entre argilo-arenosa e muito argilosa (Tabela 1).

As amostras foram secadas, destorroadas e peneiradas com peneiras de malha 2mm. A estabilidade dos complexos organo-minerais foi estimada a partir da energia de ultra-som necessária para a dispersão total do solo em partículas primárias. Para tanto, sub-amostras com 20g da fração terra fina secada ao ar (TFSA< 2mm) de cada solo foram adicionadas a tubos de centrífuga de 100mL contendo 80mL de água destilada e submetidas a níveis crescentes de energia (50 a 2.100J mL-1), em aparelho de ultra-som Vibracel, marca SONICS & MATERIALS, modelo VC 750, equipado com sonda de 136mm de comprimento e 13mm de diâmetro. A quantidade de energia total emitida (E) pela sonda do ultra-som em cada nível de energia foi calculada através da equação: E(J)=E(J mL-1) x V(mL), em que E(J mL-1) é a energia de dispersão por unidade de volume e V(mL) é o volume da suspensão constituída pelo volume do solo, calculado em função da densidade de partícula determinada (EMBRAPA, 1997) e do volume de água (80mL).

O teor de argila dispersa nas subamostras nos diferentes níveis de energia foi determinado pelo método da pipeta (GEE & BAUDER, 1986). A completa dispersão dos solos em partículas primárias foi verificada através da estabilização dos teores de argila, silte e areia nas curvas de dispersão, como exemplificado na figura 1 para os solos PVd e LVdf-9. A energia de dispersão para cada solo foi obtida da equação y = a (1–e-bx), definida como sendo a energia necessária para dispersar 99% do teor de argila indicado pelo parâmetro a da equação que descreveu as curvas de dispersão.


A fração argila de cada solo, após dispersão pelo uso de energia estimada para completa dispersão do solo em partículas primárias, foi coletada por sedimentação segundo a Lei de Stokes. A suspensão de argila foi floculada com HCl 0,1mol L-1, lavada com solução etanol/água na proporção 1:1 e secada em estufa a 50°C. Os óxidos de ferro foram concentrados através do tratamento de 3g de argila com NaOH 5mol L-1 a quente por duas horas (KÄMPF & SCHWERTMANN, 1982).

O teor de carbono orgânico (CO) foi determinado na fração TFSA por combustão seca em analisador SHIMADZU TOC-V CSH, sendo o CO2 gerado quantificado em detector de infravermelho. Na TFSA, o ferro relativo aos óxidos de ferro pedogênicos (Fed) foi extraído em solução de ditionito-citrato-bicarbonato de sódio a 80°C, em duas extrações sucessivas (MEHRA & JACKSON, 1960; INDA JUNIOR & KÄMPF, 2003). O ferro dos óxidos de ferro de baixa cristalinidade (Feo) foi extraído em solução de oxalato de amônio 0,2mol L-1 a pH 3, no escuro (SCHWERTMANN, 1964). Os teores de ferro solubilizados foram determinados por espectroscopia de absorção atômica (EAA).

A análise qualitativa da fração argila foi realizada por difratometria de raios-X (DRX) (equipamento Philips, radiação de Fe Ka e filtro de Fe, voltagem de 30kV e corrente de 30mA), sendo utilizadas lâminas não-orientadas de fração argila desferrificada (intervalo de 4 a 50°2q) e dos óxidos de ferro concentrados (intervalo de 25 a 60°2q). A razão gibbsita/(gibbsita+caulinita), Gb/(Gb+Ct), foi calculada segundo a relação entre a área (A) das reflexões Gb (002) e Ct (001): AGb/(AGb+ACt) (INDA JUNIOR & KÄMPF, 2005). A razão goethita/(goethita+hematita), Gt/(Gt+Hm), foi estimada por meio do cálculo da área das reflexões Gt (110) e Hm (012), multiplicando-se a área da reflexão Gt (110) por 0,30, uma vez que a intensidade da reflexão Hm (012) é de 30% (INDA JUNIOR & KÄMPF, 2005).

A relação entre a energia de ultra-som necessária para a dispersão total dos solos em partículas primárias e os parâmetros quantitativos (teores de CO, argila, Fed, Feo) e qualitativos (razões Gb/(Gb+Ct) e Gt/(Gt+Hm)) foi avaliada a partir do ajuste de regressões lineares simples e múltiplas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os valores de energia para a dispersão total dos solos em partículas primárias, os teores de argila, de CO, de ferro relativo às diferentes formas dos óxidos de ferro pedogênicos (Fed e Feo) e as características mineralógicas dos solos são apresentados na tabela 2. A inflexão das curvas de dispersão, seguida de valores praticamente constantes dos teores de argila, silte e areia, indicaram uma efetiva dispersão dos solos estudados, conforme exemplificado para os solos PVd e LVdf-9 na figura 1.

A energia necessária para a dispersão total dos solos em partículas primárias variou entre 239J mL-1 para o solo PVd e 2.389J mL-1 para o LBa (Tabela 2). Estudos têm demonstrado que energias entre 1.500 e 1.800J mL-1 são suficientes para dispersar totalmente as partículas primárias do solo (CHRISTENSEN, 1992; ERIKSEN et al., 1995; DE CESARE et al., 2000), embora tenham sido verificado que, em solos com características de carga variável, esse objetivo possa não ser alcançado nessa faixa de energia (CHRISTENSEN, 1992). Por outro lado, alguns solos são completamente dispersos sob energias entre 150 e 500J mL-1 (GREGORICH et al., 1988; MORRA et al., 1991). Neste sentido, os valores de energia obtidos neste estudo estão de acordo com resultados anteriores e indicam uma expressiva amplitude da estabilidade dos complexos organo-minerais presentes nos solos analisados.

A estabilidade dos complexos organo-minerais nos solos foi avaliada em relação ao teor de CO no solo, ao teor de argila e às características mineralógicas da fração argila dos solos (Tabela 3). O teor de CO nos solos variou entre 12,7g kg-1, no PVd, e 37,9g kg-1, no LBa, e apresentou uma relação positiva com a estabilidade dos complexos organo-minerais (P<0,05, Tabela 3). Essa relação entre o teor de CO e a estabilidade de complexos organo-minerais deve-se ao fato de que a matéria orgânica apresenta uma grande concentração de grupos funcionais, dentre os quais destacam-se os carboxílicos, os quais apresentam uma capacidade de estabelecer interações por reações de coordenação com os grupos funcionais –OH presentes na superfície dos minerais (CORNEJO & HERMOSÍN, 1996). As reações de coordenação são ligações com caráter covalente, as quais apresentam uma alta energia de ligação (SPOSITO, 1989), explicando o aumento verificado da estabilidade dos complexos organo-minerais com o aumento dos teores de CO.

Por outro lado, não se observou relação entre a estabilidade de complexos organo-minerais e os teores de argila e do ferro relativo aos óxidos de ferro pedogênicos (Fed) (Tabela 3), mesmo considerando-se a ampla faixa destas variáveis nos solos, respectivamente, de 228 e 11,8g kg-1 no PVd a 711 e 87,6g kg-1 no LVdf-25 (Tabela 2). A não-existência de relação direta dos teores de argila e de óxido de ferro pedogênicos com a estabilidade de microagregados foi observada por outros autores, e isto tem sido atribuído à diversidade mineralógica (quantitativa e qualitativa) da fração argila em solos altamente intemperizados (FERREIRA et al., 1999; VITORINO et al., 2003), a qual é composta, predominantemente, por diferentes proporções de caulinita, óxidos de alumínio (gibbsita) e de ferro (hematita, goethita e maghemita) (FERREIRA et al., 1999; INDA JUNIOR & KÄMPF, 2005). Esses resultados salientam que o uso do critério textura na definição da energia necessária à dispersão pode se revelar equivocado, conforme verificado para o LVd, que tem a metade do teor de argila do LVdf-25, porém necessitou praticamente do dobro da energia para a completa dispersão do solo em partículas primárias.

Quanto aos óxidos de ferro pedogênicos nos solos analisados, a difratometria de raios-X da fração ferro concentrada e os baixos valores da razão Feo/Fed (£ 0,08) confirmaram a predominância de formas cristalinas (goethita, hematita e maghemita). Por outro lado, apesar dos baixos teores de ferro relativo a óxidos de baixa cristalinidade (Feo), indicativos da presença de ferrihidrita (SCHWERTMANN et al., 1982), que variaram entre 0,9 e 3,4g kg-1, verificou-se uma relação positiva dessa variável com a estabilidade dos complexos organo-minerais (P<0,10, Tabela 3), o que tem sido relacionado a sua maior reatividade, decorrente esta da maior área superficial específica (ASE) desses óxidos pouco cristalinos, em comparação com as formas cristalinas (SCHWERTMANN, 1988). Esses resultados são coerentes com resultados obtidos em estudos anteriores que demostraram o papel preponderante dos óxidos de ferro de baixa cristalinidade na formação e estabilização de microagregados no solo, em comparação às formas cristalinas (BARRAL et al., 1998; DUIKER et al., 2003).

A análise qualitativa da fração argila mostrou que a razão Gt/(Gt+Hm) variou entre 0,03 no LVdf-25 e 0,79 no LBa, indicando que há uma ampla faixa da proporção de goethita em relação à hematita. A goethita é reconhecida como um mineral que apresenta, normalmente, menor tamanho de cristal e maior ASE do que a hematita (SCHWERTMANN & KÄMPF, 1985; INDA JUNIOR & KÄMPF, 2005) e maior concentração de grupos funcionais –OH na superfície (CORNELL & SCHWERTMANN, 1996), o que é coerente com a relação positiva observada no presente estudo entre a estabilidade dos complexos organo-minerais e a relação Gt/(Gt+Hm) (P<0,01, Tabela 3), indicando a maior efetividade da goethita na estabilidade dos complexos organo-minerais que da hematita.

Na fração argila desferrificada, a proporção de gibbsita em relação a caulinita (Gb/(Gb+Ct)) variou entre 0 no LVdf-25 e 0,74 no LBa (Tabela 2), tendo apresentado uma relação positiva com a estabilidade dos complexos organo-minerais (P<0,05, Tabela 3), confirmando observações anteriores em solos tropicais (FERREIRA et al., 1999; VITORINO et al., 2003) e refletindo a importância da gibbsita na formação e estabilização dos complexos organo-minerais.

Esses resultados são importantes no entendimento da alta estabilidade de microagregados em solos tropicais e subtropicais brasileiros resultante da interação da matéria orgânica com minerais de carga variável (DICK & SCHWERTMANN, 1996; DUIKER et al., 2003). Outro aspecto relevante é a relação da alta estabilidade dos complexos organo-minerais com a proteção física e a estabilidade coloidal da matéria orgânica que tem sido verificada em solos argilosos oxídicos (BAYER et al., 2002; DUXBURY et al., 1989). A associação da matéria orgânica com os minerais de carga variável nesses solos tem contribuído para a maior conservação dos estoques de CO nos solos mesmo sob condições de preparo convencional intensivo, o que representa um benefício ambiental importante no que se refere a restringir a emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera (DUXBURY et al., 1989; BAYER et al., 2002).

CONCLUSÕES

A estabilidade dos complexos organo-minerais, avaliada a partir da energia de ultra-som necessária para dispersão total do solo em partículas primárias, apresentou uma grande amplitude entre os solos tropicais e subtropicais brasileiros avaliados. O teor de argila não teve relação direta com a estabilidade dos complexos organo-minerais, a qual foi diretamente relacionada aos teores de C orgânico e à mineralogia da fração argila. Dentre as variáveis mineralógicas avaliadas, o teor de óxidos de ferro de baixa cristalinidade (Feo), bem como as proporções de goethita e de gibbsita na fração argila, foram determinantes à estabilidade dos complexos organo-minerais dos solos.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), pelo auxílio financeiro no âmbito dos projetos PRONEX UFRGS-Departamento de Solos “Seqüestro de carbono e mitigação das emissões de gases de efeito estufa por sistemas conservacionistas de manejo e as oportunidades para o agronegócio no RS” e “Produtividade e sustentabilidade de sistema de produção agrícola a partir de campo natural na região da Depressão Central-RS”.

Recebido para publicação 13.07.06

Aprovado em 03.01.07

  • BARRAL, M.T. et al. Effects of iron and organic matter on the porosity and structural stability of soil aggregates. Soil and Tillage Research, Amsterdam, v.46, p.261-272, 1998.
  • BAYER, C. et al. Stocks and humification degree of organic matter fractions as affected by no-tillage on a subtropical soil. Plant and Soil, Netherlands, v.238, p.133-140, 2002.
  • BORISOVER, M.D.; GRABER, E.R. Organic compound sorption enthalpy and sorption mechanisms in soil organic matter. Journal of Environmental Quality, Madison, v.27, p.312-317, 1998.
  • BUSCHMANN, H.J.; SCHOLLMEYER, E. The complexation of Ba2+ by noncyclic, macrocyclic and macrobicyclic nitrogen-containing ligands in propylene carbonate. Journal of Electroanalytical Chemistry, Amsterdam, v.484, p.83-87, 2000.
  • CHRISTENSEN, B.T. Physical fractionation of soil and organic matter in primary particle size and density separates. Advances in Soil Science, New York, v.20, p.2-76,1992.
  • CORNELL, R.M.; SCHWERTMANN, U. The iron oxides: structure, properties, reactions, ocorrence and uses New York: VCH Publishers, 1996. 573p.
  • CORNEJO, J.; HERMOSÍN, M.C. Interaction of humic substances in soil clays. In: PICCOLO, A. Humic substances in terrestrial ecosystems Amsterdam: Elsevier, 1996. p.595-624.
  • DE CESARE, F. et al. Use of sonication for measuring phosphatase activity in soil. Soil Biology and Biochemistry, Amsterdam, v.32, p.825-832, 2000.
  • DICK, D.P; SCHWERTMANN, U. Microaggregates from oxisols and inceptisols: dispersion through selective dissolutions and physicochemical treatments. Geoderma, Amsterdam, v.74, p.49-63, 1996.
  • DUIKER, S.W. et al. Iron (hydr)oxide crystallinity effects on soil aggregation. Soil Science Society of America Journal, Madison, v.67, p.606-611, 2003.
  • DUXBURY et al. Soil organic matter as a source and a sink of plant nutrients. In: COLEMAN, D.C. et al. Dynamics of soil organic matter in tropical ecosystems Honolulu: University of Hawaii, 1989. p.33-67.
  • EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA - EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 1999. 412p.
  • EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA - EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de solos. Manual de métodos de análise de solo 2.ed. Rio de Janeiro, 1997. 212p. (Documentos, 1).
  • ERIKSEN, J. et al. Physical protection of soil organic S studied using acetylacetone extraction at various intensities of ultrasonic dipersion. Soil Biology and Biochemistry, Amsterdam, v.27, p.1005-1010, 1995.
  • FERREIRA, M.M. et al. Mineralogia da fração argila e estrutura de latossolos da região sudeste do Brasil. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Viçosa, v.23, p.507-514, 1999.
  • GEE, G.W.; BAUDER, J.W. Particle-size analysis. In: KLUTE, A. Methods of soil analysis 2.ed. Madison: ASA and SSSA, 1986. p.383-409.
  • GREGORICH, E.G. et al. Ultrasonic dispersion of aggregates: distribution of organic matter in size fractions. Canadian Journal of Soil Science, Ottawa, v.68, p.395-403, 1988.
  • INDA JUNIOR, A.V.; KÄMPF, N. Avaliação de procedimentos de extração dos óxidos de ferro pedogênicos com ditionito-citrato-bicarbonato de sódio. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Viçosa, v.27, p.1139-1147, 2003.
  • INDA JUNIOR, A.V.; KÄMPF, N. Variabilidade de goethita e hematita via dissolução redutiva em solos de região tropical e subtropical. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Viçosa, v.29, p.851-866, 2005.
  • KÄMPF, N.; SCHWERTMANN, U. The 5 M-NaOH concentration treatment for iron oxides in soil. Clays and Clay Minerals, Boulder, v.30, p.401-408, 1982.
  • MEHRA, O.P.; JACKSON, M.L. Iron oxide removal from soils and clays by a dithionite-citrate system buffered with sodium bicarbonate. Proceedings Clays and Clay Mineral Conference, v.7, p.317-327, 1960.
  • MESTDAGH, M.M. et al. Iron in kaolinite: II. The relationship between kaolinite crystallinity and iron content. Clay Minerals, London, v.15, p.1-13, 1980.
  • MORRA, M.J. et al. Size fractionation of soil organo-mineral complexes using ultrasonic dispersion. Soil Science, Baltimore, v.152, p.294-303, 1991.
  • SCHWERTMANN, U. Differenzierung der eisenoxide des bodens durch extraktion mit ammoniumoxalat-lösung. Zeitschrift fuer Pflanzenernährung Düng Bodenkdunde, Weinheim, v.105, p.194-202, 1964.
  • SCHWERTMANN, U. et al. Identification of ferrihydrite in soils by dissolution kinetics, differential x-ray diffraction and mössbauer spectroscopy. Soil Science Society of America Journal, Madison, v.46, p.869-875, 1982.
  • SCHWERTMANN, U. Some properties of soil and synthetic iron oxides. In: STUCKI, J.W. et al. (Eds). Iron in soils and clay minerals Dordrecht: Proc Nato Advanced Study Institute, 1988. p.203-250. (NATO 451 studies).
  • SCHWERTMANN, U.; KÄMPF, N. Properties of goethite and hematite in kaolinitic soils of southern and central Brazil. Soil Science, Baltimore, v.139, p.344-350, 1985.
  • SPOSITO, G. The chemistry of soils New York: Oxford University, 1989. 277p.
  • STEVENSON, F.J. Humus chemistry: genesis, composition and reactions 2.ed. New York: J. Wiley, 1994. 496p.
  • VITORINO, A.C.T. et al. Mineralogia, química e estabilidade de agregados do tamanho de silte de solos da região sudeste do Brasil. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v.38, p.133-141, 2003.
  • 1
    Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      03 Jan 2007
    • Recebido
      13 Jul 2006
    Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
    E-mail: cienciarural@mail.ufsm.br