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Microcirculação na unidade de terapia intensiva

EDITORIAL

Microcirculação na unidade de terapia intensiva

Arnaldo Dubin

Cátedra de Farmacología Aplicada, Facultad de Ciencias Médicas, Universidad Nacional de La Plata, La Plata, Argentina; Servicio de Terapia Intensiva, Sanatorio Otamendi y Miroli, Buenos Aires, Argentina

Autor correspondente Autor correspondente: Arnaldo Dubin Serviço de Terapia Intensiva Sanatorio Otamendi y Miroli Buenos Aires, Argentina E-mail: arnaldodubin@speedy.com.ar

A manutenção da oxigenação tissular é um objetivo primordial no tratamento de pacientes criticamente enfermos. Lamentavelmente não existe um padrão-ouro para seu monitoramento. Há muitos anos a pesquisa tem se focalizado no comportamento dos parâmetros derivados do oxigênio sistêmico. Assim sendo, um grande número de estudo buscou tratar do significado de diferentes relacionamentos entre o transporte de oxigênio (DO2) e seu consumo (VO2).

A sepse se caracteriza por anormalidades na extração de oxigênio, mas a relevância de um platô de VO2 ou um relacionamento linear VO2/DO2 (a assim chamada dependência patológica) continua desconhecida.(1) Além do mais, pode ser evidenciada hipoperfusão tissular grave mesmo sob condições normais ou aumentadas de VO2 sistêmico ou intestinal. Por outro lado, alterações paralelas de VO2 e DO2 podem não ser fenômenos patológicos, mas apenas reflexo de um comportamento fisiológico do sistema, no qual o débito cardíaco e DO2 são modificados para satisfazer as modificações na demanda de oxigênio. Na verdade, estes parâmetros podem ser enganosos por causa de desvantagens metodológicas relacionadas a suas mensurações e cálculos. Exames para substituição de VO2/DO2 como saturações venosa central ou venosa mista de oxigênio são geralmente normais nos pacientes de UTI.(2) Consequentemente, sua utilidade, se alguma, parece ser apenas relacionada a pacientes que não receberam ressuscitação.(3)

O desenvolvimento de tonometria gastrintestinal e a subsequente introdução de diferentes formas de capnometria tissular foram fases relevantes no monitoramento da perfusão tissular. A tonometria gastrintestinal rapidamente se tornou uma ferramenta útil em pesquisa básica. Além disto, pela primeira vez foi usado um parâmetro regional para detectar e tratar hipoperfusão no paciente crítico.(4) Apesar do relevante corpo de evidência que demostra seu valor, a tonometria gástrica e a capnografia sublingual não são mais utilizadas. Diferentes problemas metodológicos e questões comerciais podem explicar este fato.

Neste número da RBTI são publicados dois artigos que revisam avanços recentes no monitoramento da oxigenação e perfusão tissular.(5,6) Ambos são avaliações abrangentes de tecnologias emergentes que, potencialmente, poderão ajudar o médico a melhor compreender, monitorar e tratar pacientes criticamente enfermos.

Nos últimos anos, a avaliação direta da microcirculação se traduziu dos laboratórios de pesquisa básica para as unidades de terapia intensiva. Os avanços em técnicas videomicroscópicas, primeiramente OPS e depois com equipamento melhorado de imagens de SDF, tornam agora possível visualizar o leito microcirculatório de qualquer mucosa sem a necessidade de injetar contraste.(7) À vista disto, Penna et al. revisam recente pesquisa básica e clínica em sepse utilizando estas técnicas.(5)

Alguns fatos merecem comentário: primeiramente, a principal limitação para implementação clínica de técnicas de videomicroscopia é a avaliação das imagens. Além das cautelas necessárias para adequado registro dos vídeos da microcirculação, a análise é tanto inconveniente quanto demorada. Mensuração da densidade, velocidade e heterogeneidade são os principais parâmetros a analisar.(8) Isto pode ser visto a olho nu ou usando um programa específico de computador. Os desenvolvimentos futuros nesta área deverão incluir um programa de computação que possa rapidamente fornecer informações objetivas ao médico.

Por outro lado, na circulação sistêmica hiperdinâmica, a microcirculação na sepse é principalmente caracterizada pela hipoperfusão (diminuição da densidade de capilares perfundidos, fração de capilares perfundidos e índice de fluxo microvascular) e aumento da heterogeneidade.(9,10) Estão ausentes na microcirculação sublingual de pacientes sépticos capilares com aumento do fluxo sanguíneo. Os dados de nosso grupo - ainda não publicados - mostram que apenas 4% dos capilares de pacientes em choque séptico mostram velocidades de eritrócitos acima do 75º percentil de velocidades em voluntários saudáveis.

Outra importante questão relacionada à microcirculação na sepse diz respeito ao comportamento heterogêneo de diferentes leitos microvasculares. Embora Verdant et al. tenham demonstrado um padrão similar de circulação sublingual e hipoperfusão nas vilosidades intestinais, este estudo experimental tem uma importante limitação:(11) os desarranjos microcirculatórios foram extremamente mais graves que os descritos em pacientes sépticos. Assim, é possível que uma condição mais crítica tenha afetado a homogeneidade em todos os territórios. Por outro lado, em um modelo de choque endotóxico, a normalização da hemodinâmica sistêmica e intestinal por meio de ressuscitação com fluidos corrigiu as alterações microvasculares sublinguais e da serosa ileal. Contudo, a hipoperfusão das vilosidades continuou presente.(12) Coerentemente, Boerma et al. demonstraram um comportamento similar da microcirculação sublingual e intestinal no pós-operatório de pacientes sépticos que tinham ostomia intestinal. Consequentemente, diferentes leitos microvasculares podem apresentar diferentes comportamentos.(13)

Apesar da presença de heterogeneidade, há importante evidência que sugere que o monitoramento da microcirculação sublingual em pacientes criticamente enfermos fornece informações valiosas em termos de gravidade da doença, desfecho e monitoramento da resposta ao tratamento.

Em uma outra revisão publicada neste número da RBTI, Lima e Bakker discutem amplamente o embasamento e novos desenvolvimentos da espectroscopia no infravermelho próximo (NIRS) com ênfase relacionada ao monitoramento da oxigenação dos músculos esqueléticos.(6) A NIRS permite um monitoramento contínuo e não invasivo da saturação tissular de oxigênio (StO2). Embora estas características sejam atraentes, os valores de StO2 só são claramente reduzidos em condições de baixo fluxo. Na sepse, na qual o débito cardíaco está geralmente normal ou aumentado, a StO2 pode não diferir dos valores em voluntários saudáveis. Em contraste, a resposta dinâmica da StO2 pode fornecer informações importantes. Como uma manifestação de graves distúrbios microvasculares na sepse, a curva de recuperação de StO2 (ΔStO2) após um teste de oclusão é acentuadamente diferente entre voluntários saudáveis e pacientes sépticos.(14) O ΔStO2 reflete a adequação da hiperemia reativa. Hiperemia reativa é o aumento de fluxo sanguíneo em resposta a um período de isquemia e reflete a capacidade de recrutamento da microcirculação. Coerentemente, Georger et al. demonstraram que o aumento na pressão arterial média de 54 ± 8 para 77 ± 9 mmHg melhora o ΔStO2.(15) Este achado pode ser interpretado como uma melhora da perfusão microvascular em resposta à elevação da pressão arterial além do limite inferior de autoregulação do fluxo sanguíneo.

Desta forma, é previsível que diferentes territórios microcirculatórios possam apresentar comportamentos heterogêneos relacionados às características da doença de base ou à resposta ao tratamento. Assim, o monitoramento da microcirculação deve ser idealmente direcionado a diferentes leitos microvasculares. Uma abordagem completa deveria incluir avaliação sublingual com imagens de SDF, ΔStO2 muscular e capnometria tissular. Contudo é necessário contornar diferentes problemas metodológicos. Além do mais, estudos clínicos focalizados na melhora da microcirculação devem demonstrar o real valor destas abordagens. Enquanto isto, a microcirculação sublingual e StO2 muscular permanecem como atraentes janelas para melhorar o nosso conhecimento fisiopatológico.

Apoio financeiro pela bolsa PICT-2007-00912, Agencia Nacional de Promoción Científica y Tecnológica, Argentina.

Conflitos de interesse: Nenhum.

  • 1. Cain SM. Supply dependency of oxygen uptake in ARDS: myth or reality? Am J Med Sci. 1984;288(3):119-24.
  • 2. van Beest PA, Hofstra JJ, Schultz MJ, Boerma EC, Spronk PE, Kuiper MA. The incidence of low venous oxygen saturation on admission to the intensive care unit: a multi-center observational study in The Netherlands. Crit Care. 2008;12(2):R33.
  • 3. Rivers E, Nguyen B, Havstad S, Ressler J, Muzzin A, Knoblich B, Peterson E, Tomlanovich M; Early Goal-Directed Therapy Collaborative Group. Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001;345(19):1368-77.
  • 4. Gutierrez G, Palizas F, Doglio G, Doglio G, Wainsztein N, Gallesio A, et al. Gastric intramucosal pH as a therapeutic index of tissue oxygenation in critically ill patients. Lancet. 1992;339(8787):195-9.
  • 5. Penna GL, Salgado DR, Japiassú AM, Kalichsztein M, Nobre GF, Vilella N, Bouskela. Avaliação da microcirculação: uma nova arma no manejo da sepse? Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(3): 352-7.
  • 6. Lima A, Bakker J. Espectroscopia no infravermelho próximo para a monitorização da perfusão tecidual. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(3):341-51.
  • 7. Goedhart PT, Khalilzada M, Bezemer R, Merza J, Ince C. Sidestream Dark Field (SDF) imaging: a novel stroboscopic LED ring-based imaging modality for clinical assessment of the microcirculation. Opt Express. 2007;15(23):15101-14.
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  • 11. Verdant CL, De Backer D, Bruhn A, Clausi CM, Su F, Wang Z, et al. Evaluation of sublingual and gut mucosal microcirculation in sepsis: a quantitative analysis. Crit Care Med. 2009;37(11):2875-81.
  • 12. Dubin A, Edul VS, Pozo MO, Murias G, Canullán CM, Martins EF, et al. Persistent villi hypoperfusion explains intramucosal acidosis in sheep endotoxemia. Crit Care Med. 2008;36(2):535-42.
  • 13. Boerma EC, Kuiper MA, Kingma WP, Egbers PH, Gerritsen RT, Ince C. Disparity between skin perfusion and sublingual microcirculatory alterations in severe sepsis and septic shock: a prospective observational study. Intensive Care Med. 2008;34(7):1294-8.
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  • 15. Georger JF, Hamzaoui O, Chaari A, Maizel J, Richard C, Teboul JL. Restoring arterial pressure with norepinephrine improves muscle tissue oxygenation assessed by near-infrared spectroscopy in severely hypotensive septic patients. Intensive Care Med. 2010;36(11):1882-9.
  • Autor correspondente:

    Arnaldo Dubin
    Serviço de Terapia Intensiva Sanatorio Otamendi y Miroli
    Buenos Aires, Argentina
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011
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