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Aplicação de redes neurais na estimação da temperatura interna de transformadores de distribuição imersos em óleo

Resumos

Neste artigo, os sinais de temperatura ambiente e de carregamento de transformadores de distribuição imersos em óleo são aplicados em uma arquitetura de redes neurais artificiais com o objetivo de estimar a temperatura interna destes transformadores. A arquitetura da rede neural utilizada nesta aplicação é do tipo perceptron multicamadas. O treinamento da rede foi realizado através do algoritmo de retropropagação denominado ''Resilient Propagation'' e foi baseado em dados de projeto e de ensaios de transformadores de distribuição imersos em óleo. Resultados de simulação da abordagem proposta indicam que esta metodologia pode ser utilizada eficientemente nos processos de proteção de transformadores, incrementando a seletividade, confiabilidade e o gerenciamento da rede de distribuição.

Óleo de transformadores; redes neurais artificiais; identificação de parâmetros; inteligência artificial; algoritmos de estimação


In this paper, the ambient temperature values and load signals are applied in an architecture of artificial neural network with the objective of estimating the internal temperature of oil-immersed distribution transformers. The architecture of neural network used in this application is a multilayer perceptron. The training of the network was carried-out using the ''Resilient Propagation'' algorithm and it was based on design details and experimental data relative to the oil-immersed distribution transformers. Simulation results of the proposed approach indicate that this methodology can be efficiently used in the protection processes of transformers, increasing the selectivity, reliability and the management of the electric energy distribution system.

Transformer oil; artificial neural networks; parameter identification; artificial intelligence; estimation algorithms


Aplicação de redes neurais na estimação da temperatura interna de transformadores de distribuição imersos em óleo

Antônio A. C. de FreitasI; Ivan N. da SilvaII; André N. de SouzaII

ICEFET-PR, DTE, UFSC

IIUNESP, FE, DEE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Antônio A. C. de Freitas CEFET-PR, DTE, UFSC CP: 421 CEP: 86300-000, Cornélio Procópio, PR, Brasil

ABSTRACT

In this paper, the ambient temperature values and load signals are applied in an architecture of artificial neural network with the objective of estimating the internal temperature of oil-immersed distribution transformers. The architecture of neural network used in this application is a multilayer perceptron. The training of the network was carried-out using the ''Resilient Propagation'' algorithm and it was based on design details and experimental data relative to the oil-immersed distribution transformers. Simulation results of the proposed approach indicate that this methodology can be efficiently used in the protection processes of transformers, increasing the selectivity, reliability and the management of the electric energy distribution system.

Keywords: Transformer oil, artificial neural networks, parameter identification, artificial intelligence, estimation algorithms.

RESUMO

Neste artigo, os sinais de temperatura ambiente e de carregamento de transformadores de distribuição imersos em óleo são aplicados em uma arquitetura de redes neurais artificiais com o objetivo de estimar a temperatura interna destes transformadores. A arquitetura da rede neural utilizada nesta aplicação é do tipo perceptron multicamadas. O treinamento da rede foi realizado através do algoritmo de retropropagação denominado ''Resilient Propagation'' e foi baseado em dados de projeto e de ensaios de transformadores de distribuição imersos em óleo. Resultados de simulação da abordagem proposta indicam que esta metodologia pode ser utilizada eficientemente nos processos de proteção de transformadores, incrementando a seletividade, confiabilidade e o gerenciamento da rede de distribuição.

Palavras-chave: Óleo de transformadores, redes neurais artificiais, identificação de parâmetros, inteligência artificial, algoritmos de estimação.

1 INTRODUÇÃO

O mercado de transformadores de distribuição no Brasil movimenta em torno de 350 milhões de dólares americanos por ano. Atravessou os últimos três anos de crise crescendo a uma taxa de 6 a 8% ao ano. A faixa dos transformadores de distribuição, da classe de 35 kV para baixo, é dividida, principalmente, pelos sete grandes fabricantes (TUSA, TRAFO, TOSHIBA, MEGA, WEG, ROMAGNHOLE e CEMEC). O restante das vendas é pulverizada entre dezenas de fabricantes de pequeno porte.

Nesta faixa de transformadores de distribuição se encaixam os instalados em postes de redes urbanas, geralmente de 15 kV. Normalmente, para os fabricantes de grande porte, somente encomendas maiores de 100 unidades são interessantes do ponto de vista comercial. Este fato deve-se principalmente aos custos operacionais unitários envolvidos na fabricação dos transformadores. Cada vez mais, este mercado tende a ser seriado, padronizado e menos artesanal.

As falhas e/ou avarias em transformadores de distribuição no Brasil, chegam (por ano) a um valor aproximado de 52.000 unidades, as quais correspondem de 3 a 5% do total de unidades instaladas (PROQUIP, 1997). Nos países considerados de primeiro mundo, esta taxa é da ordem 0,5% da quantidade instalada.

Por outro lado, o tema Transformador Autoprotegido (AP), o qual é menos vulnerável às falhas e/ou avarias, ainda é pouco explorado no país. Os primeiros projetos de APs surgiram nos Estados Unidos, na década de 30, para transformadores monofásicos. No Brasil, os estudos começaram nas concessionárias na década de 80, e já no início dos anos 90, alguns fabricantes testaram os primeiros protótipos, seguindo para tal somente as especificações de concessionárias, já que os trabalhos iniciados pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) através do COBEI (Comitê Brasileiro de Eletricidade) ainda não tinham sido concluídos (Araújo et alii, 1998).

O transformador autoprotegido de distribuição apesar de representar uma evolução em relação ao transformador comum (sem autoproteção) apresenta algumas restrições, tais como: i) ajuste correto das constantes de tempo térmicas do transformador com a do disjuntor, ii) seletividade entre o disjuntor e os fusíveis de alta tensão (AT), iii) não proteção do disjuntor contra falhas e/ou avarias internas, e iv) oferece pouca informação (sinalização) para um melhor gerenciamento do carregamento e da manutenção.

A capacidade de Redes Neurais Artificiais (RNA) em mapear sistemas complexos, sem ter a necessidade de conhecer eventuais modelos matemáticos que descrevem o seu comportamento, pode ser uma alternativa para auxiliar na proteção do transformador de distribuição, sem ter portanto as desvantagens apresentadas pelo transformador autoprotegido.

Neste sentido, o objetivo principal deste artigo está relacionado com a aplicação de redes neurais artificiais para a estimação da temperatura no topo do óleo de transformador de distribuição imerso em óleo. Tomando-se por base este valor, estimado com maior precisão, viabilizar-se-á o processo de identificação de parâmetros térmicos que podem influir no sistema de proteção destes transformadores. Os sinais de carregamento e da temperatura ambiente serão os sinais de entrada da rede. O sinal de saída da rede será a temperatura do óleo. Este por sua vez, poderá servir de base para calcular a temperatura do ponto mais quente do enrolamento e, consequentemente, a perda de vida estimada.

Para este propósito, este artigo está organizado como se segue. A Seção 2 trata dos efeitos térmicos ocorridos nos transformadores de distribuição imersos em óleo. Na Seção 3, apresenta-se a modelagem neural utilizada para a estimação da temperatura do óleo. Na Seção 4, descreve-se os resultados de simulações obtidos pela abordagem proposta. Finalmente, as conclusões e os pontos chaves deste artigo são apresentados na Seção 5.

2 EFEITOS TÉRMICOS NOS TRANSFORMADORES

As equações térmicas convencionais referentes aos transformadores podem ser encontradas em Freitas (2000), Kostenko e Pietrovsky (1969), Mit (1980), e Robba (1985). Cabe ressaltar que a constante de tempo, para o transformador de distribuição imerso em óleo com refrigeração natural, varia com o carregamento em subintervalos de tempo no decorrer do dia.

A temperatura ambiente, principalmente por apresentar variações significativas, torna-se importante para os cálculos dos parâmetros térmicos do transformador. A sua curva diária pode ser levantada por uma 'estação térmica' da região, de hora em hora, para a época mais quente do ano (outubro a março). Para as outras épocas do ano, pode-se admitir a média entre as estações quente e fria, ou ainda, pode-se dotar o transformador com um sensor de temperatura.

A partir de testes realizados em transformadores observa-se que há uma queda acentuada da capacidade dos mesmos em suportar descargas atmosféricas quando a temperatura do ponto mais quente do enrolamento atinge 200oC. Assim, as RNA utilizadas neste trabalho serão então treinadas para identificar temperaturas até 200oC, que é o valor referenciado pelo EPRI (Electric Research Institute).

Deste modo, as RNA processarão as entradas e fornecerão como saída a temperatura do óleo. Baseado nesta informação, pode-se realizar em seguida a estimação da temperatura do ponto mais quente do enrolamento e também da perda de vida.

O ensaio térmico do transformador é realizado para uma curva de carregamento típica, de acordo com as exigências da NBR 5380/87. Os dados de ensaios são então coletados, inclusive os dados de temperatura ambiente, para cada condição de carregamento. A partir destes dados treina-se a rede e faz-se os testes de validação.

Normalmente, o perfil da curva de carregamento diária de um transformador de distribuição apresenta um comportamento característico em função de seus consumidores específicos. Na área urbana de São Paulo, já foram realizados trabalhos de acompanhamento de curvas de carregamento diária, com tratamento estatístico e medições realizadas com equipamentos adequados (Jardini et alii, 1999). Sabe-se, porém, que estas curvas não são exatamente iguais todos os dias do ano, e que, ao longo dos anos, muda o perfil dos consumidores.

Por outro lado, a temperatura ambiente, principalmente por apresentar grandes variações, possui também um papel importante no cálculo da temperatura do topo do óleo e, consequentemente, no cálculo da temperatura do ponto quente do enrolamento e também da perda de vida estimada do transformador (Linden, 1996).

3 MODELAGEM NEURAL PARA A ESTIMAÇÃO DA TEMPERATURA DO ÓLEO

O objetivo principal deste artigo é o treinamento e a validação de uma RNA que possa estimar a temperatura do topo do óleo de um transformador de distribuição imerso em óleo em função do carregamento do sistema e da temperatura ambiente.

A arquitetura geral dos sistemas neurais utilizados, conforme ilustrado na Figura 1, é constituída por uma rede perceptron multicamadas com duas camadas escondidas, sendo a primeira camada constituída por N1 neurônios e a segunda por N2 neurônios. A função de ativação utilizada nos neurônios das camadas escondidas foi a função tangente hiperbólica, enquanto para o neurônio da camada de saída foi a função rampa-simétrica. Um estudo detalhado sobre fundamentos de redes neurais artificiais pode ser encontrado em (Haykin, 1994). As variáveis de entrada das redes são definidas em função das situações que foram estudadas em cada caso experimental. Para todas as situações, a variável de saída a ser estimada pelas redes é a temperatura do topo do óleo (Tleo).


O algoritmo de aprendizagem das redes que apresentou melhores resultados foi o algoritmo ''Rprop - Resilient Propagation'' (Riedmiller e Braun, 1993). A principal diferença entre este algoritmo e as outras heurísticas baseadas em variações do ''backpropagation'' é que os ajuste dos pesos (w) dos neurônios da rede e da taxa de aprendizado (h) depende apenas dos sinais dos gradientes da função erro E(w), não dependendo portanto de sua magnitude. A função E(w) é responsável pela especificação de um critério de desempenho que está associado à rede.

No algoritmo ''Rprop'', os pesos e a taxa de aprendizado são alterados apenas uma única vez em cada época de treinamento. Cada peso wji possui sua própria taxa de variação (Dji), a qual varia em função do tempo t da seguinte forma:

onde 0 < h- < 1 < h+. Uma mudança no sinal das derivadas parciais correspondentes ao peso wji indica que a última mudança foi grande suficiente para que o sistema saltasse sobre um ponto de mínimo da função E(w), o que implica então numa diminuição do valor de Dji proporcional ao fator h-. Já as derivadas consecutivas com o mesmo sinal indicam que o sistema está movendo permanentemente em uma única direção, o que implica assim num aumento sensível de Dji proporcional ao fator h+.

Os pesos da rede são então alterados através das seguintes equações:

É importante notar que a mudança nos pesos da rede depende apenas do sinal das derivadas parciais, independendo de sua magnitude. Se a derivada for positiva, o peso é decrementado por Dji(t); se a derivada for negativa, o peso será incrementado por Dji(t).

Nas situações estudadas neste trabalho, o algoritmo de aprendizagem ''Rprop'' foi mais eficiente que aqueles baseados nos métodos gradiente de segunda ordem, tais como o método gradiente conjugado (Reed e Marks, 1999) ou Levenberg-Marquardt (Hagan e Menhaj, 1994). Na próxima seção apresentam-se os resultados de simulação utilizando a abordagem proposta.

4 RESULTADOS DE SIMULAÇÃO

Esta seção apresenta as simulações e resultados de três situações estudadas de redes neurais artificiais que foram usadas na estimação da temperatura interna de transformadores de distribuição imerso em óleo. Mais especificamente, as situações estudadas são as seguintes:

Estimação da temperatura do topo do óleo em função do tempo. Utiliza-se para tanto exemplos coletados de ensaios de elevação de temperatura (NBR-5380, 1987) de transformadores que são normalmente realizados pelos fabricantes de transformadores.

Estimação da temperatura do topo do óleo em função da temperatura ambiente e do carregamento em torno da plena carga. Utiliza-se também para este propósito exemplos coletados de ensaios de elevação de temperatura (NBR-5380, 1987) de transformadores que são normalmente realizados pelos fabricantes de transformadores.

Estimação da temperatura do topo do óleo em função da curva geral de carregamento diária. Utiliza-se neste caso exemplos coletados do ensaio térmico de elevação de temperatura (NBR-5380, 1987) realizado em transformador de distribuição imerso em óleo submetido a sua curva geral de carregamento diária.

Nas simulações são utilizados dados de projetos e de ensaios de temperatura (NBR-5380, 1987) de onze transformadores de distribuição, sendo um monofásico ( 15 kVA ) e dez trifásicos (1x30 kVA, 2x45 kVA, 4x75 kVA, 2x112,5 kVA e 1x150 kVA), todos imersos em óleo, tipo de resfriamento ONAN (core and coil cooled by natural circulation of oil and external parts cooled by the natural circulation of air - a parte ativa com resfriamento natural a óleo e a parte externa com resfriamento natural a ar), classe de elevação de temperatura do enrolamento de 55 oC.

As situações estudadas foram escolhidas visando os seguintes objetivos: na primeira situação estudada, mostrar que o modelo convencional nem sempre apresenta bom desempenho; na segunda, sugerir que os dados de elevação de temperatura, para as condições de carregamento nominal, normalmente coletados nas fábricas de transformadores, não são suficientes para o treinamento e validação da rede; na terceira, demonstrar que os dados obtidos, quando o transformador é submetido à sua curva de carregamento, permitem o treinamento e a validação de uma rede neural que pode estimar parâmetros do processo térmico do equipamento.

Ressalta-se que a escolha dos transformadores utilizados para as simulações obedece aos seguintes critérios:

i) as amostras deveriam representar expressivamente a faixa de potência de transformadores de distribuição imersos em óleo para redes urbanas;

ii) para a primeira situação estudada, além de representar a faixa de potência de transformadores de distribuição, que os transformadores escolhidos fossem fabricados tanto a partir de projetos antigos (15kVA), ou seja, com relação (peso/potência) alta, como para projetos mais recentes, onde a relação peso/potência é menor (45 kVA, 75 kVA e 112.5 kVA);

iii) para a segunda situação estudada, além de pertencerem à mesma faixa de potência (75 kVA), que apresentassem perdas totais com diferenças significativas;

iv) para a terceira situação estudada, foi escolhida uma potência (75 kVA) que é muito utilizada em redes elétricas de distribuição urbanas.

Primeira Situação Estudada

A primeira situação estudada refere-se à estimação da temperatura do topo do óleo apenas em função do tempo. A estimação é feita, para o caso de carregamento nominal, pelo método chamado convencional (Robba, 1985) e pela metodologia de redes neurais artificiais, a qual é proposta neste trabalho. Os valores experimentais do ensaio de elevação da temperatura do topo do óleo também são apresentados para servir de parâmetro de validação destes modelos.

Para a primeira situação estudada, a RNA tem como variável de entrada apenas o tempo decorrido durante o ensaio de elevação de temperatura, em horas, que é normalmente registrado nas planilhas de ensaio; enquanto a variável de saída da rede é a própria temperatura do topo do óleo dada em graus Celsius. Neste caso utilizou-se apenas uma camada escondida composta por quinze neurônios.

Os dados de treinamento e de validação são colhidos a partir do ensaio de elevação de temperatura. Do total de dados, aproximadamente 20% foram separados para realizar o teste de validação. Os dados de projetos e de ensaios de temperatura utilizados nesta primeira situação, coletados de acordo com a NBR-5380/87, são de um transformador monofásico de distribuição imerso em óleo ( 15 kVA ) e três transformadores trifásicos de distribuição imersos em óleo ( 75 kVA, 112,5 kVA e 150 kVA ), tipo de resfriamento ONAN (enrolamento com resfriamento natural a óleo e parte externa com resfriamento natural a ar), classe de elevação de temperatura do enrolamento 55 oC.

A Figura 2 esboça os valores medidos (asteriscos) e os resultados obtidos pela RNA (curva cheia) e pelo método chamado convencional (curva pontilhada), estimados para a temperatura no topo do óleo de um transformador trifásico de 112,5 kVA.


Observa-se que os valores estimados através da RNA estão bem ajustados à curva que expressa os valores experimentais. Enquanto que os valores calculados pelo algoritmo convencional apresentam diferenças mais expressivas em relação aos valores experimentais.

Como constatado nesta situação estudada, o modelo convencional não capta toda a dinâmica do processo térmico, principalmente com a temperatura abaixando. Entretanto, todas as simulações realizadas sugerem que o modelo convencional apresenta resultados razoáveis quando a temperatura no topo do óleo se estabiliza para o carregamento nominal ou com a relação (peso total) / (potência nominal) alta.

Por outro lado, analisando do ponto de vista do treinamento da rede neural artificial, os exemplos coletados e utilizados para o treinamento da mesma são somente para valores de temperatura em elevação, ou seja, a norma prescreve que o ensaio deve ser realizado a partir da temperatura ambiente até atingir a temperatura de regime a plena carga, não sendo apresentado à rede exemplos com a temperatura diminuindo. Sabe-se que o calor gerado pelas perdas demanda menos tempo para ser absorvido que o necessário para dissipá-lo, ou seja, as constantes de tempo térmicas de elevação e decaimento da temperatura são diferentes, então, a dinâmica do processo de elevar e abaixar a temperatura são distintos. Assim, para esta situação, a rede não pode captar toda a dinâmica do processo térmico associado ao transformador.

Segunda Situação Estudada

A segunda situação estudada refere-se ao treinamento e validação de uma RNA para a estimação da temperatura do topo do óleo de transformadores de distribuição imerso em óleo em função do carregamento e da temperatura ambiente. Os dados de treinamento e validação foram coletados durante ensaios de elevação de temperatura que são normalmente realizados por fabricantes de transformadores de distribuição imersos em óleo. Este ensaio de elevação de temperatura é normalmente realizado com o transformador a plena carga ou em torno do carregamento nominal.

O treinamento da rede foi realizado tendo como sinais de entrada a temperatura ambiente em graus Celsius e a corrente de carga do primário em valores pu (por unidade). O sinal de saída é a temperatura no topo do óleo em graus Celsius.

A temperatura ambiente foi medida, durante os ensaios, em intervalos de meia hora. Dois termômetros aferidos foram posicionados em dois locais diferentes do laboratório de ensaio e forneceram os valores de temperatura ambiente. A partir destes dados, calculava-se a média aritmética simples e, assim, chegava-se ao valor da temperatura ambiente para aquele instante. Foram realizados ensaios em três transformadores trifásicos de 75kVA fabricados a partir do mesmo projeto. Dos dados coletados durante os ensaios, foram selecionados dezesseis exemplos para o treinamento da rede e cinco exemplos para a sua validação.

A Figura 3 mostra os valores de temperatura ambiente em C (curva pontilhada) e corrente de carregamento em pu (curva cheia) utilizados como sinais de entrada da rede. Observa-se, nestas curvas, que o sinal de carregamento varia muito pouco e se mantém em torno do valor nominal, como prescreve a NBR-5380/97. A temperatura ambiente, apesar de variar um pouco mais, manteve-se em uma faixa relativamente pequena de variação devido às condições ambientais do dia do ensaio.


A arquitetura geral do sistema neural utilizado nesta situação estudada é constituída por uma rede ''Perceptron'' multicamadas com duas camadas escondidas. As variáveis de entrada da rede são definidas através do carregamento do sistema (CSist) e a respectiva temperatura ambiente (TAmb). A variável de saída a ser estimada pela rede é a temperatura do topo do óleo (Tleo).

A Figura 4 ilustra a estimação da temperatura do topo do óleo computada na saída desta rede (curva cheia). Os valores medidos (asteriscos) da temperatura no topo do óleo do transformador, durante ensaios de elevação de temperatura em laboratório de testes de transformadores, também são apresentados nesta figura para servir como referência na fase de validação. Os dados apresentados na Figura 4 referem-se aos valores de ensaios realizados em três transformadores de 75 kVA. Por isso, a curva, na sua parte inicial, apresenta uma elevação de temperatura referente ao primeiro transformador; no meio, representa o segundo e no final, relativa ao terceiro. O objetivo de se colocar os três transformadores no mesmo gráfico é de demonstrar que a rede, a partir de exemplos coletados de ensaios de elevação de temperatura de vários transformadores, para carregamento nominal, normalmente realizados em fábrica de transformadores, não consegue estimar a elevação de temperatura do topo do óleo com a precisão necessária.


A Tabela 1 apresenta os resultados de teste estimados pela rede quando treinada com o algoritmo ''Resilient Propagation''. A coluna ''Erro Relativo'' fornece o erro relativo entre os valores medidos experimentalmente e os valores estimados pela rede neural.

A partir destes resultados, observa-se que os valores obtidos pela rede são bem próximos àqueles medidos em laboratório. A validação do treinamento da rede está associada a sua capacidade de generalização. O resultado da validação, constante na Tabela 1, apresentou um erro relativo médio de 2,27%, o qual significa uma variação (erro) nos valores estimados de temperatura do topo do óleo maior que 1%. É importante observar que a rede só foi treinada para as condições de elevação de temperatura e para uma faixa estreita de carregamento próxima da nominal. Isto implica que a rede não pode ser utilizada para estimar a temperatura do topo do óleo para outras faixas de carregamento e nem quando a temperatura do óleo está caindo. Assim, não é recomendada a sua implementação.

Terceira Situação Estudada

O objetivo desta situação estudada é o treinamento e a validação de uma RNA que possa estimar a temperatura do topo do óleo de um transformador de distribuição imerso em óleo em função da curva geral de carregamento diária e da temperatura ambiente.

Geralmente o perfil da curva de carregamento diária de um transformador de distribuição apresenta uma característica própria em função de seus consumidores específicos. Na área urbana de São Paulo, já foram realizados trabalhos de acompanhamento, diários, de curvas de carregamento, com tratamento estatístico e medições realizadas com equipamentos adequados. Estas informações podem ser encontradas na referência (Jardini, 1999). Sabe-se, porém, que as curvas de carregamento não são exatamente iguais, todos os dias do ano, e que, ao longo dos anos, muda o perfil dos consumidores. Principalmente, com o incremento de harmônicas nas redes de distribuição urbanas geradas por cargas elétricas especiais.

Por outro lado, a temperatura ambiente, principalmente por apresentar grandes variações, possui também um papel importante no cálculo da temperatura do topo do óleo e, conseqüentemente, no cálculo da temperatura do ponto quente do enrolamento e também da perda de vida estimada do transformador (Linden, 1996). A temperatura ambiente foi medida de acordo com a NBR-5380/87.

A arquitetura geral do sistema neural utilizado nesta situação é a mesma das situações anteriores. O treinamento da rede neural para esta situação foi realizado tendo como sinais de entrada a temperatura ambiente (TAmb) em graus Celsius e a corrente de carga do primário (CSist) em valores pu (por unidade). O sinal de saída é a temperatura no topo do óleo (Tleo) dada em graus Celsius.

As medições foram realizadas em laboratório de ensaio de transformadores credenciados por concessionárias de energia elétrica, de acordo com as exigências da NBR 5380/87. O ensaio térmico do transformador é realizado para uma curva de carregamento típica. Os dados de ensaios são coletados, inclusive os dados de temperatura ambiente, para cada condição de carregamento. Foram coletados quarenta e dois exemplos, dos quais foram separados trinta e seis para treinamento e seis para a etapa de validação da rede. Uma curva geral de carregamento diária (Figura 5) foi escolhida para gerar exemplos que expressassem o comportamento térmico do transformador em situações de carregamento normalmente enfrentadas no seu dia a dia, ou seja, para diversos valores de carregamento e para situações onde a temperatura aumente ou diminua. Assim, incrementam-se as chances de melhorar a capacidade de generalização da rede.


A Figura 5 esboça as curvas com os valores da temperatura ambiente em oC (curva cheia) e da corrente do primário em pu (curva pontilhada) utilizados como sinais de entrada da rede. Observa-se que a temperatura ambiente varia bem mais que a utilizada na segunda situação e que a corrente do primário (expressando o carregamento) varia de 0,4 a 1,4 pu, de acordo com a curva de carregamento geral esboçada na Figura 5. Na segunda situação, o carregamento ficava em torno de um pu.

A Figura 6 apresenta os dados da temperatura no topo do óleo de um transformador testado através de duas metodologias: valores medidos experimentalmente (asteriscos) durante o ensaio e valores estimados (curva cheia) através da abordagem neural proposta. Constata-se que os valores estimados pela RNA estão bem ajustados à curva descrita pelos valores experimentais, mesmo que a temperatura se eleve ou decaia. A simulação sugere que a metodologia com RNA pode apresentar um bom desempenho na estimação da temperatura no topo do óleo do transformador de distribuição.


A Tabela 2 a seguir apresenta os resultados estimados pela rede neural artificial quando treinada com o algoritmo ''Rprop - Resilient Propagation''. A coluna ''Erro Relativo'' fornece o erro relativo entre os valores medidos experimentalmente e os valores estimados pela rede neural. A partir destes resultados, observa-se que os valores obtidos pela rede são bem próximos àqueles medidos em laboratório. O erro relativo médio de 0,81% apresentado pela rede neural, que normalmente é o parâmetro utilizado para avaliar a capacidade de generalização da mesma, não ultrapassa a 1% de erro na estimação da temperatura do topo do óleo do transformador. Esta margem de erro não compromete a segurança do transformador. Assim, acredita-se na validação da rede e que é viável para estimar a temperatura do topo do óleo do transformador.

5 CONCLUSÃO

Este artigo aborda a aplicação de redes neurais artificiais na estimação da temperatura interna de transformadores de distribuição imersos em óleo isolante. Mais especificamente, utiliza-se uma rede perceptron multicamadas, a qual foi treinada utilizando o algoritmo de treinamento ''Resilient Propagation - Rprop''.

Em relação aos resultados de simulação, três situações foram estudadas visando a utilização da abordagem proposta. Na primeira situação estudada, a rede foi usada para a estimação da temperatura do topo do óleo em função do tempo. Observou-se, neste caso, que os valores de temperatura computados pela rede são melhores que aqueles calculados pela abordagem convencional. Na segunda situação estudada, estimou-se a temperatura do topo do óleo em função da temperatura ambiente e do carregamento a plena carga. Já na terceira situação estudada, a rede foi utilizada para estimar a temperatura do topo do óleo em função da curva geral de carregamento diária.

Observou-se que tanto na primeira como na segunda situação estudada, os dados utilizados para o treinamento da rede neural referiam-se apenas aos ensaios de elevação de temperatura a plena carga, não representando portanto todas as situações do processo térmico a que é submetido o transformador durante as variações de carregamento. Já na terceira situação estudada os dados utilizados foram colhidos durante o ensaio de temperatura em que o transformador é submetido a sua curva geral de carregamento. Por conseguinte, representa as situações reais do processo térmico ao qual o transformador é submetido diariamente. Para esta situação estudada constatou-se que o erro relativo médio entre os valores experimentais e aqueles computados pela rede neural são inferiores a 1,0 %, indicando que a generalização da rede foi bastante satisfatória e a implementação da mesma poderá ser viável.

Em suma, a partir desses resultados de simulação, verifica-se que a estimação dos valores de temperatura do óleo pela rede neural são bem próximos dos valores medidos em laboratório. Esta característica implica que a abordagem proposta pode ser aplicada com eficiência nestes tipos de problemas, podendo ser utilizada num supervisório para contribuir na incrementação da proteção dos equipamentos.

6 AGRADECIMENTOS

Os autores expressam agradecimentos à FAPESP (Processo No. 98/08480) e ao CNPq (Processo No. 300446/98-5) pela concessão de auxílio financeiro.

Ivan N. da Silva

UNESP, FE, DEE

CP: 473

CEP 17033-360, Bauru, SP, Brasil.

André N. de Souza

UNESP, FE, DEE

CP: 473

CEP 17033-360, Bauru, SP, Brasil

Artigo submetido em 20/12/00

1a. Revisão em 22/02/02

Aceito sob recomendação do Ed. Assoc. Prof. Denizar C. Martins

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  • Endereço para correspondência
    Antônio A. C. de Freitas
    CEFET-PR, DTE, UFSC
    CP: 421
    CEP: 86300-000, Cornélio Procópio, PR, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Fev 2003
    • Data do Fascículo
      Set 2002

    Histórico

    • Revisado
      02 Fev 2002
    • Recebido
      20 Dez 2000
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