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Descrição do esqueleto axial de Liolaemus arambarensis Verrastro, Veronese, Bujes & Dias Filho (Iguania, Liolaemidae): regiões pré-sacral e sacral

Description of the axial skeleton of Liolaemus arambarensis Verrastro et al. (Iguania, Liolaemidae): pre-sacral and sacral regions

Resumos

Liolaemus arambarensis Verrastro, Veronese, Bujes & Dias Filho, 2003 (Iguania, Liolaemidae) é um pequeno lagarto de areia, que vive nos ambientes de restingas da Laguna dos Patos. A descrição do esqueleto desta espécie pode elucidar algumas relações filogenéticas em relação a outras espécies do gênero. Tendo por objetivo a descrição das regiões pré-sacral e sacral do esqueleto axial de L. arambarensis, foram analisados sete exemplares da espécie. Observou-se que a maior estrutura axial é a coluna vertebral, que é dividida nas regiões: cervical, dorsal, sacral e caudal. A região cervical possui oito vértebras, e as costelas aparecem a partir da quarta vértebra. A região dorsal é dividida em: torácica, com cinco vértebras portando costelas unidas ao esterno; e pós-torácica, com 11 vértebras portando costelas livres. Segue-se a região sacral com duas vértebras fusionadas, que portam processos transversos fortemente expandidos lateralmente. O esterno de L. arambarensis constitui-se de uma placa cartilaginosa calcificada que se comunica com a região torácica da coluna vertebral e com a cintura escapular. Em vista do descrito anteriormente, pode-se dizer que L. arambarensis apresenta os padrões de esqueleto axial descritos para espécies de sua família e gênero.

Coluna; costelas; esterno; interclavícula; vértebras


Liolaemus arambarensis Verrastro, Veronese, Bujes & Dias Filho, 2003 (Iguania: Liolaemidae) is a small sand lizard that inhabits restingas in the Patos Lagoon, Southern Brazil. The description of the skeleton in this species could give some insights about the phylogenetic relationships with other species of the genus. With the main goal of describing the pre-sacral and sacral regions of the axial skeleton of L. arambarensis, a total of seven individuals were analyzed. It was observed that the largest axial structure is the vertebral column that is divided into four regions: cervical, dorsal, sacral and caudal. The cervical region presents eight vertebra and the ribs could be observed after the fourth vertebrae. The dorsal region is divided in: thoracic with five vertebra carrying five ribs joined to stern, and post-thoracic with 11 vertebra and free ribs. The sacral region has two fused vertebra that present transversal processes highly expanded laterally. The stern of L. arambarensis is composed by a calcified cartilaginous plate that communicates with the thoracic region of the vertebral column, and with the scapular waist. Regarding the described previously, L. arambarensis presents the patterns of axial skeleton described for the species in its family and genus.

Backbone; interclavicle; ribs; stern; vertebra


Descrição do esqueleto axial de Liolaemus arambarensis Verrastro, Veronese, Bujes & Dias Filho (Iguania, Liolaemidae): regiões pré-sacral e sacral11 Contribuição número 477 do Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Description of the axial skeleton of Liolaemus arambarensis Verrastro et al. (Iguania, Liolaemidae): pre-sacral and sacral regions

Caroline M. da Silva; Laura Verrastro

Laboratório de Herpetologia, Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Avenida Bento Gonçalves 9500, Bloco IV, Prédio 43435, 91540-000 Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: carol_poabr@yahoo.com.br; lauraver@ufrgs.br

RESUMO

Liolaemus arambarensis Verrastro, Veronese, Bujes & Dias Filho, 2003 (Iguania, Liolaemidae) é um pequeno lagarto de areia, que vive nos ambientes de restingas da Laguna dos Patos. A descrição do esqueleto desta espécie pode elucidar algumas relações filogenéticas em relação a outras espécies do gênero. Tendo por objetivo a descrição das regiões pré-sacral e sacral do esqueleto axial de L. arambarensis, foram analisados sete exemplares da espécie. Observou-se que a maior estrutura axial é a coluna vertebral, que é dividida nas regiões: cervical, dorsal, sacral e caudal. A região cervical possui oito vértebras, e as costelas aparecem a partir da quarta vértebra. A região dorsal é dividida em: torácica, com cinco vértebras portando costelas unidas ao esterno; e pós-torácica, com 11 vértebras portando costelas livres. Segue-se a região sacral com duas vértebras fusionadas, que portam processos transversos fortemente expandidos lateralmente. O esterno de L. arambarensis constitui-se de uma placa cartilaginosa calcificada que se comunica com a região torácica da coluna vertebral e com a cintura escapular. Em vista do descrito anteriormente, pode-se dizer que L. arambarensis apresenta os padrões de esqueleto axial descritos para espécies de sua família e gênero.

Palavras-chave: Coluna; costelas; esterno; interclavícula; vértebras.

ABSTRACT

Liolaemus arambarensis Verrastro, Veronese, Bujes & Dias Filho, 2003 (Iguania: Liolaemidae) is a small sand lizard that inhabits restingas in the Patos Lagoon, Southern Brazil. The description of the skeleton in this species could give some insights about the phylogenetic relationships with other species of the genus. With the main goal of describing the pre-sacral and sacral regions of the axial skeleton of L. arambarensis, a total of seven individuals were analyzed. It was observed that the largest axial structure is the vertebral column that is divided into four regions: cervical, dorsal, sacral and caudal. The cervical region presents eight vertebra and the ribs could be observed after the fourth vertebrae. The dorsal region is divided in: thoracic with five vertebra carrying five ribs joined to stern, and post-thoracic with 11 vertebra and free ribs. The sacral region has two fused vertebra that present transversal processes highly expanded laterally. The stern of L. arambarensis is composed by a calcified cartilaginous plate that communicates with the thoracic region of the vertebral column, and with the scapular waist. Regarding the described previously, L. arambarensis presents the patterns of axial skeleton described for the species in its family and genus.

Key words: Backbone; interclavicle; ribs; stern; vertebra.

Os lagartos do gênero Liolaemus Wiegmann, 1834, juntamente com Phymaturus Gravenhorst, 1837 e Ctenoblepharys Tschudi, 1845, pertencem à família Liolaemidae Frost, Etheridge, Janies & Titus, 2001. O gênero Liolaemus inclui cerca de 200 espécies (NÚÑEZ et al. 2001).

Estes lagartos exibem um extenso espectro de adaptações morfológicas e comportamentais que facilitam a vida por baixo e na superfície da areia, assim como focinho em forma de cunha, especialização do esterno para respiração embaixo da areia, redução do dimorfismo sexual e coloração críptica, mergulho rápido na areia como escape e refúgio diurno (ETHERIDGE, 2000). Segundo HOFFSTETTER & GASC (1969), o esqueleto axial dos Sauria reflete, em sua diversidade morfológica, a grande extensão de suas especializações.

No Rio Grande do Sul existem duas espécies de Liolaemus: Liolaemus occipitalis Boulenger, 1885 (Liolaemidae), que habita as dunas costeiras do Chuí a Torres, e Liolaemus arambarensis VERRASTRO, Veronese, Bujes & Dias Filho, 2003 (Liolaemidae), com distribuição conhecida, até o momento, nas margens da Laguna dos Patos, desde Viamão até o município de São Lourenço.

Liolaemus arambarensis é um pequeno lagarto de areia, habitante dos ambientes de restingas da Laguna dos Patos e endêmico destes locais. Tem cerca de 56 mm de comprimento rostro-cloacal e apresenta uma coloração críptica com o ambiente, confundindo-se com o substrato onde vive. Alimenta-se basicamente de insetos, aranhas e material vegetal (VERRASTRO et al., 2003). Apresenta uma reprodução ovípara entre os meses de agosto e março (VERRASTRO et al., 2003). Esta espécie foi registrada por PETERS & DONOSO-BARROS (1970) e citado novamente por LEMA (1994), como sendo Liolaemus wiegmannii (Duméril & Bibron, 1837). Esta determinação foi revista, pois se verificou diferenças marcantes no tamanho corporal, desenhos do corpo e lepidose, resultando na descrição de uma nova espécie para o Rio Grande do Sul (VERRASTRO et al., 2003).

O estudo do esqueleto em lagartos tem sido muito importante para o entendimento de adaptações ao ambiente, assim como para a utilização nas análises filogenéticas. Segundo LOBO & ABDALA (2001), o esqueleto dos lagartos iguanídeos exibe uma ampla variação morfológica a níveis supra-específicos, e estas informações tornam-se muito úteis para a reconstrução filogenética. Segundo os mesmos autores, também dentro de distintos gêneros pertencentes a diferentes famílias observa-se um alto grau de variação que fornece valiosa informação aplicável a análises cladísticas.

O presente trabalho tem por objetivo a descrição do esqueleto axial de L. arambarensis, mais especificamente das regiões pré-sacral e sacral. Esta descrição pode elucidar algumas relações filogenéticas em relação a outras espécies do gênero.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram analisados sete exemplares da espécie L. arambarensis, todos pertencentes à coleção do Departamento de Zoologia, Laboratório de Herpetologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Tab. I). Os exemplares estão registrados sob os números: DZUFRGS 3330, DZUFRGS 3564, DZUFRGS 3574, DZUFRGS 3590, DZUFRGS 3591, DZUFRGS 3592 e DZUFRGS 3593.

Os exemplares DZUFRGS 3564, DZUFRGS 3574, DZUFRGS 3590, DZUFRGS 3591, DZUFRGS 3592 e DZUFRGS 3593 foram eviscerados e descarnados manualmente. O exemplar DZUFRGS 3330 foi eviscerado e diafanizado segundo a técnica de TAYLORr & VAN DYKE (1985) e mantido em glicerina líquida para melhor visualização e identificação das estruturas ósseas in loco.

As peças ósseas foram mantidas sobre bases de massa de modelar para evitar perda de material, alteração da ordem original e, posteriormente, para análise e representação gráfica.

Os desenhos foram realizados sob estereomicroscópio com câmara clara, em aumento 10x16, sobre papel vegetal (inicialmente a lápis, e, posteriormente, a nanquin).

As peças ósseas foram representadas em diferentes posições, conforme sua morfologia. As posições foram escolhidas de acordo com o melhor ângulo para visualização dos detalhes anatômicos de cada peça e para uma melhor comparação entre algumas destas.

As medidas foram tomadas com paquímetro (precisão 0,02 mm) e apresentadas em milímetros (mm) (Tabs II-V). Antes da dissecação ou diafanização dos exemplares, foram tomadas suas medidas de comprimento rostro-cloacal (CRC) e comprimento da cauda (CC).

As medidas consideradas para as vértebras, segundo VERONESE & KRAUSE (1997), com algumas modificações, foram: comprimento (com) (Fig. 2): distância entre as extremidades cranial e caudal do centro vertebral; sendo que no atlas esta medida foi tomada na região mediana da vértebra; altura (alt) (Fig. 2): distância entre a extremidade distal da espinha neural e a margem ventral do centro vertebral; no atlas esta medida foi considerada como sendo a distância entre a extremidade distal dos elementos formadores do arco neural e a hipapófise; largura (lar) (Fig. 3): distância entre as extremidades dos processos transversos.


As medidas consideradas para o esterno foram: comprimento (com) (Fig. 1): distância entre a extremidade distal da interclavícula e a extremidade distal da placa esternal (sem as barras xifisternais); largura (lar) (Fig. 1): distância entre as extremidades distais dos bordos laterais da placa esternal.

Os termos utilizados para descrição das partes ósseas seguem HOFFSTETTER & GASC (1969), e estão representadas nas figuras 1-4.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Verificou-se que o esqueleto axial de L. arambarensis é composto pela coluna vertebral, costelas e esterno, sendo a primeira a maior estrutura axial.

A postura da coluna vertebral nos répteis não é a de uma linha crânio-caudal de posição horizontal, mas uma com curvatura dorso-ventral de significado funcional. As vértebras do tronco, geralmente, formam um arco entre as regiões escapular e pélvica (ROMER 1956). Isto se confirma em L. arambarensis.

Também se observa em L. arambarensis o mesmo padrão descrito por COPE (1892) para uma vértebra típica de sáurio, exceto quanto à posição das hipapófises em algumas vértebras cervicais, que se localizam na margem ventral do côndilo (Fig. 5). O padrão vertebral em L. arambarensis também concorda com algumas descrições e comentários feitos por alguns autores, como: HOFFSTETTER & GASC (1969), GANS (1969) e ROMER & PARSONS (1977).


O esqueleto axial dos répteis apresenta diferenciações regionais que levam à distinção das vértebras em regiões pré-sacral, sacral e caudal (ROMER 1956). Segundo KRAUSE (1978) a região pré-sacral ainda pode ser subdividida em: cervical, dorsal (torácica e pós-torácica) e lombar. A coluna de L. arambarensis segue as divisões propostas por ROMER (1956), e a região pré-sacral, mais especificamente, as subdivisões propostas por KRAUSE (1978), com exceção da região lombar, inexistente nesta espécie.

Região cervical

Liolaemus arambarensis possui oito vértebras na região cervical, sendo todas anteriores à primeira vértebra portando costelas unidas ao esterno.

Em vertebrados terrestres o movimento independente da cabeça é importante, e modificações na vértebra mais anterior e em sua articulação com o crânio facilitam isto (ROMER & PARSONS, 1977).

Em L. arambarensis as duas primeiras vértebras aparecem grandemente modificadas e consideravelmente diferentes das subseqüentes, formando o complexo atlas-áxis, o qual, segundo ROMER & PARSONS (1977), permite considerável liberdade de movimentos à cabeça.

Atlas

O atlas é a primeira vértebra da região cervical. Assim como descrito para outros sáurios (KRAUSE, 1978), em L. arambarensis, o atlas (anelar) é formado por três elementos individuais: dois relativos ao arco neural e um correspondente ao intercentro. Os elementos do arco neural não se unem dorsalmente, não formando uma espinha neural. O intercentro é a peça ventral do atlas, possuindo uma pequena hipapófise. A cavidade vertebral é intersectada por um ligamento transversal cartilaginoso, formando duas cavidades: uma dorsal (canal neural) e uma ventral (recebe o côndilo occipital anteriormente e a apófise odontóide do áxis posteriormente) (Figs 6 e 7).

Áxis

O áxis (Fig. 8) é a segunda vértebra da região cervical. É a maior vértebra desta região e não apresenta linha de sutura entre seus elementos, os quais encontram-se completamente fusionados. Segundo HOFFSTETER & GASC (1969) esta vértebra diferencia-se das subseqüentes pelo grande tamanho de sua espinha neural, usada como uma área para ancoragem dos músculos conectados à cabeça e à coluna vertebral. ROMER (1956) também interpretou a grande espinha neural do áxis como sendo uma ampla superfície para inserção da musculatura occipital. Sobre e entre suas pós-zigapófises apresenta uma escavação chamada de zigantro, a qual articula-se com a zigosfene da terceira vértebra. Ambas são estruturas planas, que formam articulações acessórias. Seu centro vertebral emite anteriormente uma grande apófise odontóide, que se articula com o atlas, e, posteriormente, um côndilo que se articula com o cótilo da terceira vértebra cervical. Possui dois processos transversos, os quais não apresentam união com costelas. Apresenta também uma hipapófise, a qual une-se ventralmente ao centro vertebral por tecido conjuntivo.

Demais vértebras da região cervical

As demais vértebras da região cervical (Fig. 9) apresentam morfologia semelhante entre si, mas diferem em relação à altura, comprimento e largura.


Altura: varia bastante, mas sem uma direção definida (caudal ou não). Um dos principais motivos para as vértebras variarem em relação à altura são as diferenças morfológicas existentes entre suas espinhas neurais. A quarta e a quinta vértebras cervicais apresentam espinhas neurais menores e mais estreitas no sentido crânio-caudal, com extremidades distais mais afiladas e com a mesma inclinação. A terceira, sexta, sétima e oitava vértebras apresentam espinhas neurais mais largas no sentido crânio-caudal, e com graus variáveis de inclinação. Suas extremidades distais são mais arredondadas, exceto da sexta vértebra, que a apresenta semelhante a quarta e quinta vértebras.

Comprimento: varia um pouco, sendo a terceira vértebra a mais comprida, seguida pela oitava e quarta, que são menores. A quinta, sexta e sétima vértebras apresentam comprimentos relativamente menores do que as demais, mas iguais entre si.

Largura: aumenta gradativamente em direção caudal até a sétima vértebra, diminuindo na oitava.

Região dorsal

Inclui todas as vértebras pré-sacrais restantes, totalizando 16 vértebras. Subdivide-se em região dorsal torácica e dorsal pós-torácica.

Região Dorsal Torácica: inclui as cinco vértebras portadoras de costelas unidas ventralmente ao esterno. As vértebras desta região apresentam morfologia semelhante entre si, mas variam em altura, comprimento e largura (Fig. 10).

Altura: decresce em direção caudal, sendo a primeira vértebra a mais alta, seguida pela segunda, mais baixa, e, subseqüentemente, pelas três últimas, as quais possuem a mesma altura.

Comprimento: aumenta gradativamente em direção caudal.

Largura: mantém-se relativamente constante entre as vértebras, embora ocorra um pequeno decréscimo em direção caudal. A primeira vértebra aparece um pouco mais larga do que as demais, seguida pela segunda e terceira em pouco mais estreitas, mas iguais entre si, finalizando com a quarta e quinta também mais estreitas, mas iguais entre si.

Região Dorsal Pós-Torácica: inclui as 11 vértebras dorsais restantes, todas portando costelas livres. Possuem morfologia semelhante entre si, mas apresentam variações em relação à altura, comprimento e largura (Fig. 11). Apresentam diferenças também quanto à inclinação e formato da espinha neural.


Altura: varia suavemente entre elas, sem direção definida (caudal ou não), aumentando um pouco mais apenas na última vértebra da região.

Comprimento: aumenta gradativamente até a sexta vértebra, diminuindo da sétima à última vértebra da região.

Largura: varia entre as vértebras, sem direção definida (caudal ou não), sendo a última vértebra a mais larga da região.

O número de vértebras desta região difere entre L. arambarensis e L. scapularis Laurent, 1982, o qual possui apenas 10 vértebras pós-torácicas (LOBO et al., 1995).

Região lombar

Liolaemus arambarensis não apresenta uma região lombar definida, ou seja, não possui nenhuma de suas vértebras pré-sacrais desprovidas de costelas. Difere, neste aspecto, de algumas espécies da família Iguanidae Gray, 1827, onde vértebras lombares podem estar presentes. Difere dos membros da família Teiidae Gray, 1827, nos quais a região lombar é formada por uma única vértebra sem costelas (VERONESE & KRAUSE, 1997).

Região sacral

A região sacral de L. arambarensis é formada por duas vértebras fusionadas através de seus centros vertebrais, pós-zigapófises da primeira vértebra com as pré-zigapófises da segunda, e porções distais das pleurapófises (Figs 12 e 13). Possuem espinhas neurais próprias e não fusionadas entre si. Juntas, portam lateralmente pleurapófises fortemente expandidas, as quais são relativamente iguais em ambas as vértebras. Apresenta dois forames sacrais localizados entre as porções distais das pleurapófises e os centros vertebrais fusionados. Comunica-se com a cintura pélvica, servindo de encaixe para o íleo.


Pela análise realizada nas vértebras desta região, pode-se inferir que sua morfologia diferenciada deve-se a uma íntima relação com a cintura pélvica. O fusionamento intervertebral, a forte expansão das pleurapófises e a presença de forames sacrais permitiriam uma maior sustentação para a cintura pélvica e, conseqüentemente, para os membros posteriores.

Costelas

As costelas nos répteis são importantes tanto nos mecanismos respiratórios quanto na sustentação do tronco. Elas podem mover-se na respiração ou locomoção, ou serem imóveis e suportarem a parede corporal (HOFFSTETER & GASC, 1969). Originam-se pela ossificação de uma cartilagem. Podem ser prolongadas distalmente por um ou dois segmentos cartilaginosos mais ou menos calcificados, os quais estendem-se ventralmente e, às vezes, entram em contato com o esterno (HOFFSTETER & GASC, 1969).

Assim como observado por ROMER (1956) para todos os sáurios, as costelas de L. arambarensis apresentam-se holocéfalas, ou seja, possuem uma única extremidade que se articula com a vértebra. Elas aparecem a partir da quarta vértebra e variam em formato e comprimento.

Verificou-se que em L. arambarensis as costelas apresentam-se regionalmente diferenciadas.

Região cervical

Liolaemus arambarensis apresenta cinco pares de costelas (Fig. 14), os quais aparecem a partir da quarta vértebra da região. Não se verificou a presença de costelas na terceira vértebra cervical em nenhum dos exemplares analisados de L. arambarensis, o que difere do encontrado por LOBO & ABDALA (2001) em L. kingii (Bell, 1843), e em alguns exemplares de três espécies do grupo chiliensis (L. nigroviridis Müller & Hellmich, 1932; L. chiliensis (Lesson, 1831) e L. buergeri Werner, 1907) e em L. chacoensis Shreve, 1948.

Observou-se que os três primeiros pares de costelas são pequenos, mas aumentam gradativamente de tamanho em direção caudal. Os dois pares seguintes são maiores e possuem tamanhos semelhantes.

Todas as costelas cervicais apresentam a extremidade distal cartilaginosa. O primeiro par de costelas cervicais (presente na quarta vértebra cervical) apresenta extremidade distal cartilaginosa não-bifurcada, concordando com o encontrado por LOBO & ABDALA (2001) para L. lemniscatus Gravenhorst, 1838; L. tenuis (Dumeril & Bibron, 1837) e alguns exemplares de L. bibronii (Bell, 1843); L. boulengeri Koslowsky, 1898; L. buergeri; L. chacoensis; L. chiliensis; L. grosseorum Etheridge, 2001; L. kingii; L. koslowskyi Etheridge, 1993; L. magellanicus (Hombron & Jacquinot, 1847); L. nigroviridis e L. pseudoanomalus Cei, 1981. Costelas bifurcadas na quarta vértebra cervical foram encontradas nas espécies L. bitaeniatus Laurent, 1984; L. cf. silvanae Frost & Etheridge 1989; L. neuquensis Cei & Videla 2003; L. pictus Dumeril & Bibron, 1837, também por LOBO & ABDALA (2001). O segundo e o terceiro par de costelas cervicais de L. arambarensis apresentaram a extremidade distal bifurcada, sendo todos os subseqüentes com extremidades não-bifurcadas.

Região dorsal torácica

Cada costela torácica nos répteis é tipicamente formada em dois segmentos: um proximal, ossificado, a costela propriamente; e uma costela esternal distal, a qual quase sempre permanece cartilaginosa (ROMER & PARSONS, 1977).

Segundo HOFFSTETTER & GASC (1969), o número de costelas esternais e xifisternais é variável entre os lagartos, mas a condição mais freqüente é a de três costelas esternais e duas xifisternais (3:2). Este é o caso de L. arambarensis que apresenta nesta região cinco longos pares de costelas que se conectam, direta ou indiretamente, ao esterno. Três destes pares de costelas cartilaginosas são esternais, conectam-se diretamente às margens caudo-laterais do esterno, e dois são xifisternais, conectam-se indiretamente ao esterno através de barras xifisternais, as quais se articulam com a margem caudal do esterno (Fig. 15).


Região dorsal pós-torácica

Liolaemus arambarensis apresenta onze pares de costelas nesta região. Observou-se que o primeiro par é bem longo, seguido por três menores (mas ainda longos), e estes seguidos por sete menores, os quais decrescem em tamanho até a última vértebra da região. Todos os pares apresentam a extremidade distal cartilaginosa e não-bifurcada (Fig. 16). Os quatro primeiros pares são as costelas pós-xifisternais, as quais apresentam um longo corpo ossificado portando em sua extremidade livre uma cartilagem alongada (no primeiro par) ou um pouco mais curta (nos três pares subseqüentes).


De acordo com TORRES-CARVAJAL (2004), todas as costelas pós-xifisternais são costelas cartilaginosas pré-sacrais encaixadas na musculatura abdominal posterior ao xifisterno, e que podem, ou não, articularem-se com suas correspondentes ósseas. Além disso, segundo o mesmo autor, costelas de um ou mais pares pós-xifisternais podem articular-se medialmente umas com as outras, formando contínuos chevrons. De acordo com ETHERIDGE (1965), o gênero Liolaemus exibe o padrão mais comum de costelas pós-xifisternais, com suas extremidades ventrais livres sem alcançar a linha média ventral, sendo que o número destas costelas varia entre 1-7.

No trabalho sobre variação morfológica no esqueleto de espécies do gênero Liolaemus, LOBO & ABDALA (2001) observaram que o número de costelas pós-xifisternais alcançou seus valores máximos (5-7) para o gênero Liolaemus nas espécies dos grupos patagônicos, L. cf. silvanae, L. magellanicus e L. kingii, e apresentou seus valores mais baixos (1-3) em espécies do grupo darwini (L. koslowskyi, L. grosseorum e L. chacoensis).

Observou-se que em relação ao número de costelas pós-xifisternais L. arambarensis apresentou o mesmo número (quatro pares) observado por LOBO & ABDALA (2001) para exemplares de algumas espécies (L. argentinus Müller & Hellmich, 1939; L. tenuis; L. neuquensis; L. buergeri; L. bibronii; L. lemniscatus; L. nigroviridis; L. pseudoanomalus; L. dorbignyi Koslowsky, 1898; L. boulengeri; L. cf. quilmes Etheridge, 1993; L. salinicola Laurent, 1986).

Região sacral

As costelas desta região, as quais suportam o íleo da cintura pélvica, fusionam-se com as vértebras sacrais, formando o que é freqüentemente chamado de processo transverso. Segundo HOFFSTETTER & GASC (1969), este termo é ambíguo, por subentender-se um processo vertebral e não uma costela fusionada. Por esta razão, prefere-se usar o termo pleurapófise para designar uma costela fusionada, a qual é embriologicamente distinta da vértebra (costelas sacrais, costelas caudais).

Liolaemus arambarensis possui as pleurapófises das duas vértebras sacrais fortemente expandidas e fusionadas entre si por suas porções distais (Figs 12 e 13).

Esterno

Segundo ROMER & PARSONS (1977), o esterno de muitos répteis localiza-se ventralmente, é usualmente cartilaginoso, e articula-se cranialmente com a cintura escapular, e caudo-lateralmente conecta-se, em ambos os lados, com as terminações ventrais das costelas torácicas para formar um completo fechamento da região torácica.

O esterno de L. arambarensis apresenta-se como uma placa cartilaginosa calcificada, localizada médio-ventralmente, possuindo forma sub-pentagonal. Apresenta um sulco em cada um de seus bordos crânio-laterais, os quais acomodam os epicoracóides da cintura escapular, permitindo a movimentação dos membros anteriores. Nos bordos esternais existem reentrâncias e saliências. Às saliências dos bordos caudo-laterais articulam-se três pares de costelas esternais cartilaginosas, as quais se unem a suas correspondentes ósseas da coluna vertebral. Do bordo caudal partem duas barras xifisternais que se bifurcam em dois pares de costelas cartilaginosas, as quais também se unem a costelas ósseas correspondentes (Fig. 15). Quando recém-nascido, L. arambarensis apresenta o esterno totalmente cartilaginoso, o qual se calcifica gradualmente até a idade adulta.

De acordo com LOBO & ABDALA (2001), um processo medial situado na linha média da margem caudal do esterno entre as barras xifisternais está presente em alguns exemplares das espécies L. pictus e L. tenuis, porém encontra-se ausente em todas as outras espécies de Liolaemus analisadas no trabalho. A ausência deste processo esternal também foi verificada em todos os exemplares analisados de L. arambarensis.

Em relação à fontanela esternal, o indivíduo recém-nascido apresentou-a fragmentada, sendo o orifício cranial maior, mais alongado e oval, e o orifício caudal mais arredondado e bem menor, ambos cobertos por uma lâmina cartilaginosa mais fina do que a lâmina esternal (Fig. 17). Entre os esternos dos indivíduos adultos analisados, verificou-se a presença de fontanela em dois deles, sendo os outros quatro totalmente fechados (Fig. 18). A fontanela de um dos indivíduos adultos é única e apresenta-se como um orifício não coberto por cartilagem, possui formato oval, e apresenta uma pequena reentrância logo abaixo da interclavícula. Já no outro indivíduo adulto, a mesma apresentou-se grande e única como uma área de cartilagem não calcificada, também coberta por uma lâmina de cartilagem mais fina do que a lâmina esternal.

Sobreposta ventralmente ao esterno encontra-se uma interclavícula curta em forma de seta, a qual se estende, aproximadamente, até a linha mediana do esterno, um pouco antes da articulação da primeira costela (Figs 15, 17 e 18).

Segundo a descrição anterior pode-se verificar que L. arambarensis apresenta o esterno semelhante a L. occipitalis, descrito por KELLER & KRAUSE (1986).

Analisando-se comparativamente a interclavícula e a fontanela esternal de L. arambarensis com as demais espécies do grupo "wiegmannii" descritas por Etheridge (2000) verificou-se algumas semelhanças e diferenças. Liolaemus arambarensis apresenta uma interclavícula curta, semelhante à de L. multimaculatus Duméril & Bibron, 1837, L. occipitalis, L. riojanus Cei, 1979 e L. scapularis. Mas difere de L. lutzae Mertens, 1938, que possui interclavícula estendida usualmente até a articulação da segunda costela esternal, de L. salinicola, que a apresenta curta ou longa, e de L. wiegmannii, que a apresenta longa.

Segundo ETHERIDGE (2000), a fontanela esternal é altamente variável dentro do grupo "wiegmannii": L. lutzae e L. wiegmannii apresentam-na única e grande; L. multimaculatus e L. riojanus apresentam-na dupla, tripla ou ausente; L. occipitalis apresenta-a fragmentada; L. salinicola e L. scapularis apresentam-na pequena ou fragmentada. De acordo com LOBO & ABDALA (2001), todas as espécies analisadas em seu trabalho sobre variação morfológica no esqueleto de Liolaemus apresentaram fontanela esternal única, com exceção de L. salinicola que a apresentou dupla. Já em L. arambarensis observou-se, após análise dos sete esternos, que a fontanela pode ser única, fragmentada ou ausente. Acredita-se que as diferenças apresentadas pelos exemplares analisados quanto à presença ou ausência de fontanelas, número, tamanho ou formato destas, possam ser variações de caráter intraespecífico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As informações apresentadas anteriormente acerca da descrição de parte do esqueleto axial de L. arambarensis são de grande importância, tanto na análise das adaptações deste lagarto aos ambientes de substrato arenoso, já que esta espécie é exclusiva do habitat de restingas da Laguna dos Patos, quanto na análise das relações filogenéticas com outros integrantes do grupo "wiegmannii" e de outros grupos dentro do gênero Liolaemus.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e à FAPERGS, pelo apoio dado através de Bolsa de Iniciação Científica, processo Nº. 02/51017.0. Agradecemos também às contribuições de Lígia Krause, Lauren Veronese, Cassandra M. Monteiro, Juan Anza e Thomas Hasper.

Recebido em 16.VI.2006; aceito em 02.III.2007.

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  • 1
    Contribuição número 477 do Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Recebido
      16 Jun 2006
    • Aceito
      02 Mar 2007
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