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Uma nota sobre o aumento do gasto com pessoal da União

A note on the increase of expenditures with the federal government payroll

RESUMO

Este artigo mostra o aumento dos gastos relacionados à folha de pagamento do governo federal brasileiro e ao pagamento de aposentados anteriormente empregados pelo governo federal. Essa variável sofreu um salto de cerca de 2,5 pontos do PIB entre 1985 e 1995. Também é mostrada a evolução do valor agregado e a composição desse tipo de gasto de acordo com os diferentes órgãos do governo (incluindo ministérios). Conclui-se que é difícil reverter esse processo no curto prazo, principalmente em uma economia com baixo nível de inflação.

PALAVRAS-CHAVE:
Composição do gasto público; aposentadoria pública

ABSTRACT

This paper shows the increase of the expenditures related to the Brazilian federal government t payroll and the payment of retired people previously employed by the federal government. This variable suffered a jump of around 2.5 points of the GDP between 1985 and 1995. It is also shown the evolution of the aggregate value and the composition of this kind of expenditure according to the different government agencies (including ministries). It is concluded that this process is difficult to reverse in the short-term, especially in an economy with a low level of inflation.

KEYWORDS:
Public expenditure composition; public pension

1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos três anos, o gasto com pessoal e encargos da União tem sofrido um aumento importante. Em função disso, seguidamente, a imprensa especializada tem destacado a necessidade de o governo federal reverter esse processo. Portanto, há duas questões importantes a analisar: (i) o que causou esse aumento; e (ii) qual a possibilidade de ele ser revertido nos próximos anos.

Esta curta nota trata dessas questões, apresentando algumas poucas estatísticas com informações, das quais algumas são conhecidas e outras, embora públicas, não têm merecido maior divulgação, mas são relevantes para a compreensão da natureza do problema.

Esta nota divide-se em três seções. Após esta breve introdução, na segunda seção são apresentadas três tabelas com os dados referentes ao assunto e, por último, com base na análise destes, extraídas algumas conclusões.

2. OS DADOS

A Tabela 1 apresenta a evolução do gasto com pessoal e encargos da União, de 1985 em diante.1 1 Ao longo da nota, usam-se indistintamente os termos “União” e “governo federal”. A variável refere-se à despesa pelo critério de caixa da execução financeira da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).2 2 Cabe lembrar que, a partir de 1989, postergou-se para o início do mês seguinte o pagamento de uma folha do funcionalismo, posteriormente antecipada de novo em 1994. Em 1995, porém, repetiu-se outra vez o adiamento da folha de pagamentos para o começo do mês seguinte, o que vinha sendo praticado até o ano anterior. Os encargos incluem os gastos com inativos e pensionistas a cargo do governo federal e excluem os gastos com benefícios previdenciários do INSS.

Tabela 1
Evolução do gasto com pessoal da União(% PIB)(a)

Observa-se que, entre 1985 e 1995, a despesa com pessoal e encargos da União aumentou em torno de 2,5 pontos porcentuais do PIB. O fato é mais grave quando se leva em consideração que em 1995 não está sendo feita a totalidade dos pagamentos do ano, o que constitui um ganho. tipicamente once and for all.3 3 A rigor, o ganho once and for all do Tesouro é inferior a uma folha mensal completa, por dois motivos. Primeiro, porque o pessoal do Legislativo e do Judiciário - que representa aproximadamente 20% da despesa mensal de pessoal e encargos - recebe o salário integral no próprio mês. E, segundo, porque o resto do funcionalismo, mais inativos e pensionistas da União, está recebendo uma antecipação de 30% dos vencimentos no próprio mês. Consequentemente, a postergação abrange não exatamente uma folha mensal completa, mas apenas 70% de 80%, ou seja, 56% de uma folha. Isso significa que, em 1995, o pagamento integral de 13 folhas, em vez das 12,44 folhas efetivamente pagas, teria implicado uma despesa de (13/12,44) x 5,60 = 5,85% do PIB, caso a despesa de caixa coincidisse com a de competência.4 4 Ver nota de rodapé anterior.

É natural, portanto, que o governo federal seja cobrado a reverter esse processo, na medida em que uma despesa de pessoal “inchada” tende a gerar uma espécie de crowding out no interior do próprio gasto do Governo, em detrimento de outras despesas de custeio e de investimento. Cabe, portanto, discutir as causas do mencionado incremento do gasto, bem como as perspectivas de reversão do fenômeno.

Para isso, é interessante observar as Tabelas 2 e 3. A Tabela 2 apresenta a participação da despesa com encargos da União - que é parte do universo ao qual se refere a Tabela 1 - na soma dessa mesma despesa com encargos mais a despesa com pessoal - soma essa que compõe 100% da variável da Tabela 1. A Tabela 3, por sua vez, apresenta a composição do gasto com pessoal e encargos da STN, gasto esse inflacionado mês a mês, a partir de 1990.5 5 Não existem dados com essa abertura anteriores a 1990. Observe-se que há uma diferença metodológica entre as informações das Tabelas 1 e 2, de um lado, e da Tabela 3, de outro, já que as informações das primeiras duas Tabelas representam dados nominais do ano, enquanto que as da Tabela 3 correspondem à soma dos doze valores mensais deflacionados, ano a ano. Os dados da Tabela 1 são conhecidos. Os das Tabelas 2 e 3, entretanto, são dados essenciais ao entendimento da natureza do problema, mas que, mesmo sendo públicos, não têm tido a necessária divulgação.6 6 O dado de 1995 da Tabela 3 representa a combinação de dados observados até julho e uma estimativa de gasto para o período agosto-dezembro. Com mais de meio ano já transcorrido, sem previsão de ocorrência de aumentos nominais nos últimos cinco meses do ano e com inflação baixa, a margem de erro em relação à despesa a se verificar efetivamente, no ano como um todo, é mínima.

Tabela 2
Despesa com inativos da União(a)
Tabela 3
Composição do gasto com pessoal e encargos da União (% do total de gasto com pessoal e encargos da União)(a)

A Tabela 2 mostra que quase 45% da despesa com pessoal e encargos da União destina-se ao pagamento de inativos. Trata-se, consequentemente, de uma parcela rígida do gasto, uma vez que, por definição, essas pessoas não podem ser “demitidas”. Supondo que as vagas abertas pelas pessoas que se aposentaram tenham sido preenchidas, isso explicaria em parte o aumento do gasto retratado na Tabela 1.

A Tabela 3 é útil para avaliar a hipótese de que o aumento da despesa com pessoal e encargos tenha se devido a algumas categorias específicas.7 7 A Tabela 3 não distingue entre pessoal e encargos, que estão agregados. O pagamento de inativos e pensionistas aparece na tabela vinculado ao ministério do antigo funcionário. Aparentemente, porém, não há elementos para supor isso.8 8 As mudanças drásticas do peso dos Ministérios de Previdência Social e da Saúde ao longo do tempo, que saltam aos olhos imediatamente, deveram-se fundamentalmente a transformações institucionais: no caso da Previdência Social, à transferência parcial da responsabilidade pelo pagamento do pessoal previdenciário do Tesouro Nacional para o INSS, fenômeno esse depois gradualmente revertido; e, no caso da Saúde, à absorção pelo Tesouro das despesas com o pagamento de pessoal do INAMPS. Se as despesas do Tesouro fossem consolidadas com as da Seguridade Social, como é feito, por exemplo, no cômputo das Necessidades de Financiamento do Setor Público, a diferença de composição retratada na Tabela 3, no caso dos Ministérios de Previdência Social e da Saúde, provavelmente desapareceria. De um modo geral, com exceção das alterações de tipo institucional já mencionadas (v. nota 8) e de casos isolados e de menor peso, como a perda de peso relativo do gasto com pessoal na área de Ciência e Tecnologia, a estrutura de gasto de pessoal, grosso modo, foi mantida. Consequentemente, conclui-se que:

  1. o aumento da despesa com pessoal obedece mais aos aumentos gerais do funcionalismo - que afetam direta e simultaneamente a despesa com encargos da União - que a vantagens obtidas por categorias específicas; e

  2. mais importante que analisar a evolução da estrutura da despesa com pessoal ao longo do tempo é observar a sua “fotografia” em qualquer momento do tempo.

No caso do ponto (i), durante o governo Sarney e, especialmente, no seu final, em 1989 - com efeitos sobre a despesa anual de 1990 -, foi concedida uma série de aumentos que elevou consideravelmente o peso da folha de pagamentos do funcionalismo na execução financeira do Tesouro.

No caso do ponto (ii), por sua vez, o aspecto que mais se destaca é o peso, da ordem de 25% da despesa com pessoal e encargos, do gasto com pessoal militar, que entre 1990 e 1995 oscilou entre um mínimo de 23,0% e um máximo de 29,0% da despesa total de pessoal e encargos.

3. CONCLUSÃO

Como se sabe, há uma série de imposições legais que tendem a vincular a taxa de variação da remuneração do pessoal inativo e dos servidores militares aos aumentos dos servidores civis. Admitindo, apenas por hipótese, que tais imposições não existissem e supondo: (i) que a distribuição da despesa de pessoal por órgão tenha a mesma distribuição da soma da despesa de pessoal com encargos da União da Tabela 3; (ii) que não seja viável reduzir, no curto prazo, o tamanho da despesa com pessoal dos quatro ministérios militares; e, por último, (iii) que a despesa com inativos e pensionistas seja rígida, então o raio de manobra do governo federal, no que diz respeito à despesa com pessoal e encargos, mesmo que não existisse estabilidade, ficaria limitado, em números arredondados, a apenas 55% de 75% dessa despesa, dado que 45% da despesa se dá com inativos e pensionistas e que 25% do gasto estritamente de pessoal ocorre nos ministérios militares. Admitamos, também por hipótese, que o contingente de pessoal dos demais ministérios sofra um corte de 20% - o que já seria excepcional, à luz da tradição brasileira. Nesse caso, partindo da despesa com pessoal e encargos de 5,85% do PIB que se verificaria em 1995 se todas as 13 folhas tivessem sido pagas, o corte da despesa com pessoal e encargos resultante disso seria de 0,20 x 0,55 x 0,75 x 5,85 = 0,48% do PIB. Em outras palavras, “ceteris paribus”, mesmo que o número de empregados do funcionalismo civil fosse enxugado em 20%, a despesa com pessoal e encargos continuaria sendo superior a 5,0% do PIB.

Consequentemente, conclui-se que o aumento do gasto com pessoal e encargos é de difícil reversão, a curto prazo. Para 1996, o que se pode fazer é conceder um aumento inferior à inflação, de modo a compensar o fato de que está sendo paga a totalidade das 13 folhas, evitando desse modo que, só por conta disso, essa despesa venha a aumentar como proporção do PIB. Com o passar dos anos, a concessão de incrementos reais inferiores ao crescimento do PIB e o menor peso relativo do contingente de pessoal, no contexto de uma economia em crescimento, podem atenuar o processo ao qual esta nota se refere.

No passado, a aceleração inflacionária permitiu que a simples demora no atendimento das reivindicações salariais do funcionalismo por parte do governo gerasse a corrosão do valor real da remuneração, o que “acomodava” as tensões e facilitava uma redução do valor real da despesa de que esta nota trata. Foi isso que viabilizou, por exemplo, a queda dessa despesa em 1991 e 1992. Agora, porém, com inflação baixa, tal expediente não pode ser mais utilizado. Portanto, o esforço do governo federal deve se dar no sentido de evitar um aumento da relação despesa com pessoal e encargos/PIB, tentando conseguir, na medida do possível, a sua redução. Entretanto, em função dos argumentos expostos nesta nota, caso se mantenha o cenário de inflação baixa, é difícil imaginar que até o final da década a despesa com pessoal e encargos possa diminuir na mesma magnitude da queda que ocorreu no início dos anos 90, sendo mais provável que ela se conserve entre 4,5 e 5,5% do PIB.

  • 1
    Ao longo da nota, usam-se indistintamente os termos “União” e “governo federal”.
  • 2
    Cabe lembrar que, a partir de 1989, postergou-se para o início do mês seguinte o pagamento de uma folha do funcionalismo, posteriormente antecipada de novo em 1994. Em 1995, porém, repetiu-se outra vez o adiamento da folha de pagamentos para o começo do mês seguinte, o que vinha sendo praticado até o ano anterior.
  • 3
    A rigor, o ganho once and for all do Tesouro é inferior a uma folha mensal completa, por dois motivos. Primeiro, porque o pessoal do Legislativo e do Judiciário - que representa aproximadamente 20% da despesa mensal de pessoal e encargos - recebe o salário integral no próprio mês. E, segundo, porque o resto do funcionalismo, mais inativos e pensionistas da União, está recebendo uma antecipação de 30% dos vencimentos no próprio mês. Consequentemente, a postergação abrange não exatamente uma folha mensal completa, mas apenas 70% de 80%, ou seja, 56% de uma folha.
  • 4
    Ver nota de rodapé anterior.
  • 5
    Não existem dados com essa abertura anteriores a 1990. Observe-se que há uma diferença metodológica entre as informações das Tabelas 1 e 2, de um lado, e da Tabela 3, de outro, já que as informações das primeiras duas Tabelas representam dados nominais do ano, enquanto que as da Tabela 3 correspondem à soma dos doze valores mensais deflacionados, ano a ano.
  • 6
    O dado de 1995 da Tabela 3 representa a combinação de dados observados até julho e uma estimativa de gasto para o período agosto-dezembro. Com mais de meio ano já transcorrido, sem previsão de ocorrência de aumentos nominais nos últimos cinco meses do ano e com inflação baixa, a margem de erro em relação à despesa a se verificar efetivamente, no ano como um todo, é mínima.
  • 7
    A Tabela 3 não distingue entre pessoal e encargos, que estão agregados. O pagamento de inativos e pensionistas aparece na tabela vinculado ao ministério do antigo funcionário.
  • 8
    As mudanças drásticas do peso dos Ministérios de Previdência Social e da Saúde ao longo do tempo, que saltam aos olhos imediatamente, deveram-se fundamentalmente a transformações institucionais: no caso da Previdência Social, à transferência parcial da responsabilidade pelo pagamento do pessoal previdenciário do Tesouro Nacional para o INSS, fenômeno esse depois gradualmente revertido; e, no caso da Saúde, à absorção pelo Tesouro das despesas com o pagamento de pessoal do INAMPS. Se as despesas do Tesouro fossem consolidadas com as da Seguridade Social, como é feito, por exemplo, no cômputo das Necessidades de Financiamento do Setor Público, a diferença de composição retratada na Tabela 3, no caso dos Ministérios de Previdência Social e da Saúde, provavelmente desapareceria.
  • 9
    JEL classification: H55.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1996
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