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Avaliação da acurácia do exame ultrassonográfico em pacientes portadores de hérnia inguinal.

RESUMO

Objetivo:

avaliar a acurácia da ultrassonografia no diagnóstico de hérnia inguinal no pré-operatório de pacientes submetidos à herniorrafia inguinal.

Métodos:

estudo retrospectivo descritivo, analítico, baseado em dados obtidos dos prontuários de pacientes submetidos à herniorrafia inguinal entre janeiro de 2016 e dezembro de 2017 e que realizaram ultrassonografia no período pré-operatório. A amostra foi composta por 232 pacientes e foram comparados os resultados da ultrassonografia com as queixas, exame físico e achados intraoperatórios desses pacientes.

Resultados:

a ultrassonografia apresentou concordância com a queixa de hérnia inguinal em 52% dos pacientes (p=0,019). Houve discordância entre a porcentagem de pacientes que apresentaram hérnia ao exame físico não confirmada pelo exame ultrassonográfico (28,57%) e a porcentagem de hérnias identificadas somente ao exame complementar (8,93%), com significância estatística (p=0,0291). Quando comparados os resultados ultrassonográficos com achados intraoperatórios, 32,70% dos pacientes que apresentavam hérnia tinham ultrassonografia normal com significância estatística para discordância (p=0,001).

Conclusão:

a ultrassonografia mostrou-se método não confiável para auxiliar no diagnóstico em casos duvidosos de hérnia inguinal e dispensável quando o diagnóstico era confirmado por queixas típicas e exame físico compatível.

Descritores:
Hérnia Inguinal; Diagnóstico por Imagem; Ultrassonografia; Herniorrafia.

ABSTRACT

Objective:

to evaluate the accuracy of ultrasonography in the diagnosis of inguinal hernia in the preoperative period of patients submitted to inguinal herniorrhaphy.

Methods:

we conducted a retrospective, descriptive, analytical study, based on data obtained from the charts of patients submitted to inguinal herniorrhaphy between January 2016 and December 2017 and who underwent ultrasonography in the preoperative period. The sample consisted of 232 patients, and we compared the results of the ultrasonography with the complaints, physical examination and intraoperative findings.

Results:

ultrasonography was in agreement with inguinal hernia complaint in 52% of patients (p=0.019). There was a disagreement between the percentage of patients who presented a hernia at the physical examination not confirmed by the ultrasound examination (28.57%) and the percentage of hernias identified only by the complementary examination (8.93%), with statistical significance (p=0.0291). When comparing the ultrasound findings with the intraoperative ones, 32.70% of patients presenting with hernia had normal ultrasonography, with statistical significance for discordance (p=0.001).

Conclusion:

ultrasound was an unreliable method to help diagnosis in dubious cases of inguinal hernia, and dispensable when the diagnosis was confirmed by typical complaints and compatible physical examination.

Keywords:
Hernia; Inguinal; Diagnostic Imaging; Ultrasonography; Herniorrhaphy.

INTRODUÇÃO

Hérnia inguinal é uma doença frequente, com importante impacto nas atividades diárias dos pacientes por ela acometidos. Segundo dados obtidos do Sistema Único de Saúde (SUS), foram realizadas cerca de 150.000 herniorrafias no Brasil em 2017, a maioria em caráter eletivo e em hospitais privados11 Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Procedimentos Hospitalares do SUS segundo informações do banco de dados do Ministério da Saúde. Hernioplastias em 2017 [Internet]. Brasília (DF): 2018 (acesso em outubro de 2018). Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe? sih/cnv/qgSP.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
. Houve predomínio na faixa etária entre 50 e 69 anos, sendo que, na população acima de 65 anos de idade foram encontradas as maiores taxas de mortalidade11 Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Procedimentos Hospitalares do SUS segundo informações do banco de dados do Ministério da Saúde. Hernioplastias em 2017 [Internet]. Brasília (DF): 2018 (acesso em outubro de 2018). Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe? sih/cnv/qgSP.def
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi....
,22 Takahashi LAR, Arnoni LRR, Cardinal DT. Epidemiologia da hérnia inguinal na população brasileira. J Coloproctol. 2017;37(S1):160..

Novas ferramentas diagnósticas surgiram nos últimos 40 anos, possibilitando o diagnóstico precoce de hérnias, ainda pequenas, assintomáticas e nem sempre perceptíveis no exame físico22 Takahashi LAR, Arnoni LRR, Cardinal DT. Epidemiologia da hérnia inguinal na população brasileira. J Coloproctol. 2017;37(S1):160.

3 Goulart A, Martins S. Hérnia inguinal: anatomia, patofisiologia, diagnóstico e tratamento. Rev Port Cir. 2015;2(33):25-42.
-44 Morrel AC, Rosa A, Claus C, Malcher F, Soares G, Beitler J, et al. Métodos de imagem para o diagnóstico. In: Morrel AC, Rosa A, Claus C, Malcher F, Soares G, Beitler J, et al. Orientações da Sociedade Brasileira de Hérnia (SBH) para o manejo das hérnias inguinocrurais em adultos. 1ª ed. Foz do Iguaçu: SBH; 2018. p. 8-9. No entanto, história e exame físico apresentam sensibilidade de 75% a 92% e especificidade de 93% no diagnóstico destas hérnias55 Simons MP, Aufenacker T, Bay-Nielsen M, Bouillot JL, Campanelli G, Conze J, et al. European Hernia Society guidelines on the treatment of inguinal hernia in adult patients. Hernia. 2009;13(4):343-403.. Queixas típicas de hérnia incluem o relato de abaulamento na região inguinal, frequentemente relacionado aos esforços físicos, associado ou não a dor e desconforto55 Simons MP, Aufenacker T, Bay-Nielsen M, Bouillot JL, Campanelli G, Conze J, et al. European Hernia Society guidelines on the treatment of inguinal hernia in adult patients. Hernia. 2009;13(4):343-403.,66 Fitzgibbons RJ Jr, Giobbie-Hurder A, Gibbs JO, Dunlop DD, Reda DJ, McCarthy M Jr, et al. Watchful waiting vs repair of inguinal hérnia in minimally symptomatic men: a randomized clinical Trial. JAMA. 2006;295(3):285-92..

Alguns diagnósticos diferenciais devem ser descartados, como hérnias incisionais, hérnia femoral, lipoma de cordão espermático, varicocele, hidrocele, linfadenomegalia inguinal, endometriose, epididimite, torção testicular, cisto sebáceo, abscessos, entre outros22 Takahashi LAR, Arnoni LRR, Cardinal DT. Epidemiologia da hérnia inguinal na população brasileira. J Coloproctol. 2017;37(S1):160.,55 Simons MP, Aufenacker T, Bay-Nielsen M, Bouillot JL, Campanelli G, Conze J, et al. European Hernia Society guidelines on the treatment of inguinal hernia in adult patients. Hernia. 2009;13(4):343-403.. É também importante a investigação de possíveis hérnias assintomáticas contralaterais passíveis de serem operadas no mesmo tempo cirúrgico77 Kim B, Robinson P, Modi H, Gupta H, Horgan K, Achuthan R. Evaluation of the usage and influence of groin ultrasound in primary and secondary healthcare settings. Hernia. 2015;19(3):367-71.

8 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet]. Equipamento de ressonância magnética por 500 mil habitantes. (acesso em 11 nov 2018). Disponível em: http://dados.gov.br/dataset/cgeo_vw_ razao_resson_mag_500000_hab
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-99 Miller J, Cho J, Michael MJ, Saouaf R, Towfigh S. The role of imaging in the diagnosis of occult hernias. JAMA Surg. 2014;149(10):1077-80.. Nesses casos de hérnias ocultas ou diagnóstico diferencial, os exames de imagem podem e devem ser utilizados para esclarecimento diagnóstico e adoção da melhor conduta55 Simons MP, Aufenacker T, Bay-Nielsen M, Bouillot JL, Campanelli G, Conze J, et al. European Hernia Society guidelines on the treatment of inguinal hernia in adult patients. Hernia. 2009;13(4):343-403.,66 Fitzgibbons RJ Jr, Giobbie-Hurder A, Gibbs JO, Dunlop DD, Reda DJ, McCarthy M Jr, et al. Watchful waiting vs repair of inguinal hérnia in minimally symptomatic men: a randomized clinical Trial. JAMA. 2006;295(3):285-92..

A ultrassonografia (USG) é um método com boa acuidade, não invasivo, sem radiação, porém, operador dependente, apresentando sensibilidade que varia de 33% a 100% e especificidade de 81% a 100%77 Kim B, Robinson P, Modi H, Gupta H, Horgan K, Achuthan R. Evaluation of the usage and influence of groin ultrasound in primary and secondary healthcare settings. Hernia. 2015;19(3):367-71.. Já a tomografia (TC) tem se mostrado útil em hérnias ocultas, ou atípicas, com sensibilidade de 83% e especificidade de 67% a 83%55 Simons MP, Aufenacker T, Bay-Nielsen M, Bouillot JL, Campanelli G, Conze J, et al. European Hernia Society guidelines on the treatment of inguinal hernia in adult patients. Hernia. 2009;13(4):343-403.. A ressonância magnética é o exame de imagem que apresenta maior sensibilidade e especificidade em torno 94% e 96%, respectivamente, porém nem sempre disponível nos serviços públicos em nosso país88 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [Internet]. Equipamento de ressonância magnética por 500 mil habitantes. (acesso em 11 nov 2018). Disponível em: http://dados.gov.br/dataset/cgeo_vw_ razao_resson_mag_500000_hab
http://dados.gov.br/dataset/cgeo_vw_ raz...
.

De acordo com o último consenso brasileiro na abordagem de hérnias inguinais, os métodos de imagem devem ser solicitados apenas em casos de dúvida diagnóstica e o exame inicial deve ser o ultrassom. Esta orientação foi divulgada em manual no Congresso Brasileiro de Hérnia de 2018 como orientações da Sociedade Brasileira de Hérnia para o manejo das hérnias inguinocrurais em adultos. Na persistência de dúvida, a ressonância se mostrou superior à tomografia44 Morrel AC, Rosa A, Claus C, Malcher F, Soares G, Beitler J, et al. Métodos de imagem para o diagnóstico. In: Morrel AC, Rosa A, Claus C, Malcher F, Soares G, Beitler J, et al. Orientações da Sociedade Brasileira de Hérnia (SBH) para o manejo das hérnias inguinocrurais em adultos. 1ª ed. Foz do Iguaçu: SBH; 2018. p. 8-9.

O objetivo deste estudo foi avaliar a concordância e discordância entre achados ultrassonográficos com as queixas, exame físico e achados intraoperatórios de pacientes submetidos à herniorrafia inguinal.

MÉTODOS

Estudo retrospectivo, descritivo, analítico, baseado em dados obtidos dos prontuários de pacientes submetidos à correção de hérnia inguinal entre janeiro de 2016 e dezembro de 2017. As cirurgias foram realizadas pela mesma equipe de cirurgiões do Grupo de Parede Abdominal da Universidade Santo Amaro. Os dados avaliados foram queixa típica, exame físico, laudo de USG e achados intraoperatórios. Foram excluídos pacientes com menos de 13 anos de idade e aqueles que não tinham, em prontuário, ao menos dois dos parâmetros predeterminados para o estudo, o que impossibilitaria a análise comparativa.

Como queixa típica foi considerados dor ou desconforto, associados ou não à tumefação na região inguinal. O exame físico foi considerado positivo em pacientes com anel inguinal superficial alargado e/ou manobra de Valsalva positiva. O ultrassom foi considerado positivo quando o laudo apresentava presença de hérnia inguinal na sua conclusão.

Para análise estatística dos resultados foram aplicados os testes Kappa e McNemar, com o objetivo de estudar, respectivamente, as concordâncias e discordâncias do USG com queixa, exame físico e achado intraoperatório, com nível de significância fixado em p<0,005. Cada análise agregou dois instrumentos diagnósticos separadamente e independente dos demais, confrontando-se laudo de ultrassom com queixa típica, com exame físico e com achado intraoperatório, sendo que cada comparação não continha todos os pacientes por falhas de prontuário.

Esse trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Santo Amaro e aprovado sob o parecer de nº 2.699.664.

RESULTADOS

Foram analisados 232 pacientes com 291 hérnias no total. Desses, 93,1% eram do sexo masculino e 6,9% do sexo feminino. A idade variou entre 14 e 88 anos, com média de 49,5 anos. Em 46 casos pôde-se comparar USG com queixa típica ou ausência de queixas (Tabela 1). Entre aqueles com queixas típicas, 24 (52,17%) tiveram hérnias confirmadas à USG e 14 (30,43%) apresentaram laudo de USG sem hérnias. Oito pacientes (17,40%) sem queixas tinham exame ultrassonográfico positivo para hérnia inguinal e nenhum paciente sem queixa teve USG normal. Aplicando-se o teste estatístico Kappa verificou-se que houve significância relacionada à concordância entre queixa e exame ultrassonográfico (Kappa=0,284 / p=0,019). Já o teste de McNemar (p=0,286) não mostrou significância estatística entre as discordâncias. A maior proporção de pacientes com queixa típica de hérnia sem USG confirmatório (30,43%) em relação a presença de hérnia ultrassonográfica na ausência de queixas (17,40%) não pôde ser considerado significante (Tabela 1).

Tabela 1
Concordância e discordância entre ultrassom e queixas típicas de hérnia do paciente.

Em 56 casos a USG pôde ser comparada com o exame físico (Tabela 2). Em 34 (60,71%) pacientes, as hérnias inguinais, ao exame físico, foram confirmadas à USG e em 16 (28,57%), não foi constatada presença de hérnia inguinal à USG. Foram identificados cinco casos (8,93%) de hérnias à USG que não haviam sido confirmadas pelo exame físico. Um (1,78%) paciente com exame físico negativo e USG negativa para hérnia inguinal foi submetido à TC e posteriormente à cirurgia, tendo sido constatada a presença de hérnia no intraoperatório. Submetidos os dados à análise estatística pelo método de Kappa observou-se que a concordância não apresentou significância estatística (Kappa: 0,084; p=0,221). Já o teste de McNemar (p=0,0291) mostrou que a porcentagem de pacientes que apresentaram hérnia ao exame físico, não confirmada pelo exame ultrassonográfico (28,57%) foi maior que a porcentagem de hérnias identificadas somente ao exame complementar (8,93%), com significância quanto à discordância entre esses parâmetros (Tabela 2).

Tabela 2
Concordância e discordância entre ultrassom e achados em exame físico.

Para a comparação entre os achados intraoperatórios e ultrassonográficos foram selecionados 52 casos de hérnias, como mostra a tabela 3. Trinta e cinco pacientes (67,30%) com exames ultrassonográficos positivos foram confirmados durante o intraoperatório e 17 (32,70%) com USG negativos para hérnia apresentaram presença da enfermidade no intraoperatório. Não houve paciente submetido à cirurgia sem a presença de hérnia. Analisando os dados, não foi possível avaliar concordância entre os itens selecionados pelo teste de Kappa. O teste de McNemar (p=0,001) mostrou que a porcentagem de pacientes com hérnia abordada cirurgicamente que apresentavam USG negativo (32,70%) foi maior do que a de pacientes com hérnia ultrassonográfica não identificada no intraoperatório, com significância estatística.

Tabela 3
Concordância e discordância entre ultrassom e achado intraoperatório.

DISCUSSÃO

A predominância de homens em relação às mulheres encontrada na amostra estudada é condizente com a literatura mundial. A queixa típica e/ou exame físico apresentaram maior acurácia para identificar hérnias inguinais do que o ultrassom. Diante deste cenário, questiona-se a necessidade de solicitação desse exame complementar, uma vez que a clínica é soberana.

Várias técnicas radiológicas foram desenvolvidas para solucionar a dificuldade de diagnóstico diferencial das hérnias inguinais. O primeiro método descrito foi a herniografia, descrita pela primeira vez em 1967, no Canadá e, por ser uma técnica invasiva, que envolve o uso de injeção de contraste intraperitoneal, com riscos de complicações graves, está em desuso1010 Braddley M, Morgan D, Pentlow B, Roe A. The groin hernia - an ultrasound diagnosis? Ann R Coll Surg Engl. 2003;85(3):178-80.,1111 Pierce RA, Poulouse BK. Preoperative imaging in hernia surgery. In: Novitsky YW, editor. Hernia surgery: current principles. Switzerland: Springer; 2016. p. 23-30..

Atualmente preconiza-se o diagnóstico de hérnias inguinais de difícil identificação clínica com auxílio da USG, o que é corroborado por Alabraba et al.1212 Alabraba E, Psarelli E, Meakin K, Quinn M, Leung M, Hartley M, et al. The role of ultrasound in the management of patients with occult groin hernias. Int J Surg. 2014;12(9):918-22. e pela Sociedade Europeia de Hérnia55 Simons MP, Aufenacker T, Bay-Nielsen M, Bouillot JL, Campanelli G, Conze J, et al. European Hernia Society guidelines on the treatment of inguinal hernia in adult patients. Hernia. 2009;13(4):343-403.. Essa técnica é de baixo custo, não invasiva e praticamente isenta de riscos. Além disso, é uma modalidade dinâmica que permite uma avaliação abrangente no momento da imagem e não envolve radiação. Porém, tem como desvantagem, ser operador dependente1313 Miller J, Tregarthen A, Saouaf R, Towfigh S. Radiologic reporting and interpretation of occult inguinal hernia. J Am Coll Surg. 2018;227(5):489-95.. Alguns estudos com pacientes portadores de hérnia inguinal típica demonstraram que a USG e a TC podem ter sensibilidade superestimadas1313 Miller J, Tregarthen A, Saouaf R, Towfigh S. Radiologic reporting and interpretation of occult inguinal hernia. J Am Coll Surg. 2018;227(5):489-95.. O diagnóstico por meio do exame físico nesses casos deve ser considerado soberano, podendo dispensar o exame de imagem.

De acordo com Miller et al.99 Miller J, Cho J, Michael MJ, Saouaf R, Towfigh S. The role of imaging in the diagnosis of occult hernias. JAMA Surg. 2014;149(10):1077-80.,1313 Miller J, Tregarthen A, Saouaf R, Towfigh S. Radiologic reporting and interpretation of occult inguinal hernia. J Am Coll Surg. 2018;227(5):489-95., Pawlak et al.1414 Pawlak M, Niebuhr H, Bury K. Dynamic inguinal ultrasound: a diagnostic tool for hernia surgeons. Hernia. 2015;19(6):1033-4. e Mathews et al.1515 Matthews RD, Neumayer L. Inguinal hernia in the 21st century: an evidence-based review. Curr Probl Surg. 2008;45(4):261-312. são opções adicionais para o diagnóstico de hérnias inguinais a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM). Embora apresentem boa sensibilidade e especificidade, ambas as modalidades dependem de disponibilidade de recursos. Um estudo europeu liderado por Mathews1515 Matthews RD, Neumayer L. Inguinal hernia in the 21st century: an evidence-based review. Curr Probl Surg. 2008;45(4):261-312. propôs que, em pacientes com o exame clínico normal ou duvidoso, o USG pode ser considerado como válido para elucidação diagnóstica. Se os achados do USG forem normais, esses pacientes podem ser tratados com acompanhamento ambulatorial, desde que todo o esclarecimento necessário seja fornecido.

Segundo Miller et al.99 Miller J, Cho J, Michael MJ, Saouaf R, Towfigh S. The role of imaging in the diagnosis of occult hernias. JAMA Surg. 2014;149(10):1077-80., em concordância com nossos resultados, o exame físico conclusivo para hérnia inguinal dispensa a realização de qualquer exame de imagem pré-operatório. Nos casos em que os exames físico e de imagem não diagnosticam hérnia e o paciente mantém queixa de dor inguinal e/ou pélvica, Fitzgibbons et al.66 Fitzgibbons RJ Jr, Giobbie-Hurder A, Gibbs JO, Dunlop DD, Reda DJ, McCarthy M Jr, et al. Watchful waiting vs repair of inguinal hérnia in minimally symptomatic men: a randomized clinical Trial. JAMA. 2006;295(3):285-92. recomendam os preceitos “watchful waiting”, ou seja, o seguimento ambulatorial do paciente, ideia com a qual concordamos. Miller et al.99 Miller J, Cho J, Michael MJ, Saouaf R, Towfigh S. The role of imaging in the diagnosis of occult hernias. JAMA Surg. 2014;149(10):1077-80. propõem a realização de ressonância magnética em pacientes com suspeita de hérnia inguinal sem exame físico típico. Pawlak et al.1414 Pawlak M, Niebuhr H, Bury K. Dynamic inguinal ultrasound: a diagnostic tool for hernia surgeons. Hernia. 2015;19(6):1033-4. recomendam o “wait-and-see aproach”, em que o paciente é acompanhado quanto à evolução clínica, como sendo uma modalidade segura e válida para pacientes abaixo de 50 anos de idade, ASA 1 ou 2, com sintomas há mais de três meses.

Phillips et al.1616 Phillips D. Wasteful overinvestigation - ultrasound in groin hernias and groin pain. Med J Aust. 2015;202(4):180-1. concordam que a realização do USG não atribui benefício adicional em pacientes com hérnia inguinal clinicamente diagnosticada, além de não alterar a conduta. Consideram a exploração cirúrgica totalmente desnecessária por influência apenas de resultados ultrassonográficos positivos, que pode trazer prejuízo para o paciente, como dor crônica. Segundo o autor, a utilização de ultrassonografia é bem indicada em casos de hérnia recidivada, na diferenciação de hérnia direta com presença de lipoma e linfonodo local.

Miller et al.99 Miller J, Cho J, Michael MJ, Saouaf R, Towfigh S. The role of imaging in the diagnosis of occult hernias. JAMA Surg. 2014;149(10):1077-80. e Pierce et al.1111 Pierce RA, Poulouse BK. Preoperative imaging in hernia surgery. In: Novitsky YW, editor. Hernia surgery: current principles. Switzerland: Springer; 2016. p. 23-30. também defendem o uso de exame de imagem em casos de hérnias ocultas. O acesso à queixas relevantes e ao exame físico do paciente associado à avaliação do exame de imagem resultou em acurácia de 90%, enquanto que a avaliação isolada da imagem pelo médico radiologista apresentou acurácia de 35%. O Consenso Europeu55 Simons MP, Aufenacker T, Bay-Nielsen M, Bouillot JL, Campanelli G, Conze J, et al. European Hernia Society guidelines on the treatment of inguinal hernia in adult patients. Hernia. 2009;13(4):343-403., assim como, o trabalho de Miller et al.99 Miller J, Cho J, Michael MJ, Saouaf R, Towfigh S. The role of imaging in the diagnosis of occult hernias. JAMA Surg. 2014;149(10):1077-80. propõem que, em casos de dúvida diagnóstica, por abaulamento intermitente ou não evidente ao exame físico ou ainda dores inguinais sem abaulamento, seja feito um exame de imagem. Acrescentam ainda que, em pacientes obesos, independentemente do sexo, ou com múltiplas hérnias, apenas o exame físico pode levar a erros diagnósticos.

Niebuhr et al.1717 Niebhur H, König A, Pawlak M, Sailer M, Köckerling F, Reinpold W. Groin hernia diagnostics: dynamic inguinal ultrasound (DIUS). Langenbecks Arch Surg. 2017;402(7):1039-45., por outro lado, afirmam que o exame físico isoladamente, com especificidade e sensibilidade de 74,5% e 96,3%, respectivamente, não deve ser considerado como suficiente para diagnosticar hérnia inguinal, discordando dos resultados descritos no presente estudo. O autor defende ainda a realização do exame de imagem de forma dinâmica, padronizada e em centros especializados. Bradley et al.1010 Braddley M, Morgan D, Pentlow B, Roe A. The groin hernia - an ultrasound diagnosis? Ann R Coll Surg Engl. 2003;85(3):178-80., também em discordância com nossos achados, preconizam o uso de USG para diagnosticar hérnias inguinais. Citam a possibilidade de realização do exame num contexto dinâmico (tosse, manobra de Valsalva), o que aumenta a acurácia em comparação a outros exames de imagem. Lee et al.1818 Lee RK, Griffith JF, Ng WH. High accuracy of ultrasound in diagnosing the presence and type of groin hernia. J Clin Ultrasound. 2014;43(9):538-47. afirmam que o ultrassom possui elevada acurácia no diagnóstico de hérnia, inclusive diferenciando o tipo de hérnia em pacientes com diagnóstico duvidoso.

Na população estudada observou-se que o ultrassom, muitas vezes considerado importante para diagnosticar hérnias, pode ser um exame complementar sem impacto na propedêutica do paciente. Os dados mostraram que os pacientes com queixas típicas e exame físico compatível com hérnia inguinal não apresentaram alteração de conduta após realização do USG. Logo, deve-se valorizar a anamnese e o exame físico durante a propedêutica para elucidação diagnóstica.

A análise dos nossos resultados e da literatura pesquisada permitiu concluir que a ultrassonografia se mostrou um exame dispensável em pacientes com queixa típica e exame físico compatíveis com hérnia inguinal. Nos casos de dúvida, a ultrassonografia não auxiliou o diagnóstico. Acreditamos que novos estudos prospectivos e com outros métodos de imagem deverão ser realizados para determinação dos melhores métodos de imagem nos casos de dúvida diagnóstica.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2019
  • Aceito
    05 Fev 2019
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