Acessibilidade / Reportar erro

Fração de Ejeção Intermediária na Insuficiência Cardíaca

Insuficiência Cardíaca/mortalidade; Volume Sistólico; Prognóstico; Adesão a Medicação

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica com sintomas típicos causados por anormalidades cardíacas estruturais e/ou funcionais. Sua prevalência é de até 1-2% em adultos de países desenvolvidos com alta mortalidade por causas cardiovasculares.11. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF, Coats AJS, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC)Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur Heart J. 2016;37(27):2129-200.,22. Virani SS, Alonso A, Benjamin EJ, Bittencourt MS, Callaway CW, Carson AP, et al. Heart disease and stroke statistics-2020 update: a report from the American Heart Association. Circulation. 2020;141(9):e139-e596. A taxa de morbimortalidade também é elevada em países em desenvolvimento como o Brasil.33. Fernandes ADF, Fernandes GC, Mazza MR, Knijnik LM, Fernandes GS, Vilela AT, et al. A 10-year trend analysis of heart failure in the less developed Brazil. Arq Bras Cardiol. 2020;114(2):222-31.

A principal terminologia usada para classificar a IC se baseia nos valores da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). Em 2016, a Força-Tarefa para o Diagnóstico e Tratamento da Insuficiência Cardíaca Aguda e Crônica da European Society of Cardiology (ESC) introduziu uma nova classe de IC composta por pacientes com FEVE entre 40 e 49%, que foi chamada de IC com fração de ejeção intermediária (ICFEi).11. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF, Coats AJS, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC)Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur Heart J. 2016;37(27):2129-200. Uma área de indefinição entre insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr) e preservada (ICFEp) foi reconhecida em estudos anteriores. A introdução dessa nova classificação de IC levou a um rápido aumento no número de estudos sobre ICFEi nos anos seguintes,44. Tromp J, Khan MAF, Mentz RJ, O’Connor CM, Metra M, Dittrich HC, et al. Biomarker profiles of acute heart failure patients with a mid-range ejection fraction. JACC Heart Fail. 2017;5(7):507-17.,55. Al Saikhan L, Hughes AD, Chung WS, Alsharqi M, Nihoyannopoulos P. Left atrial function in heart failure with mid-range ejection fraction differs from that of heart failure with preserved ejection fraction: a 2D speckle-tracking echocardiographic study. Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2019;20(3):279-90. com muitos resultados conflitantes em termos de sobrevida e características clínicas de ICFEi. Embora a mortalidade e a morbidade na ICFEr tenham sido reduzidas com as melhorias nos tratamentos nos últimos 30 anos, os resultados não foram semelhantes para a ICFEp e poucos estudos foram especificamente desenhados para avaliar a mortalidade em pacientes com ICFEi.66. Hsu JJ, Ziaeian B, Fonarow GC. Heart failure with mid-range (borderline) ejection fraction: clinical implications and future directions. JACC Heart Fail. 2017;5(11):763-71.

Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, lemos com grande interesse o estudo de Petersen et al.77. Petersen LC, Danzmann LC, Bartholomay E, Bodanese LC, Donay BG, Magedanz EH, et al. Sobrevida de Pacientes com Insuficiência Cardíaca Aguda e Fração de Ejeção Intermediária em um País em Desenvolvimento – Estudo de Coorte no Sul do Brasil. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):14-23. sobre as características clínicas e a taxa de sobrevida de pacientes com IC, comparando ICFEi com fração de ejeção reduzida e preservada. O estudo de coorte acompanhou 380 pacientes adultos com IC aguda internados no pronto atendimento para cardiologia em um hospital terciário de referência no Sul do Brasil. Curiosamente, os pacientes com ICFEi apresentaram características intermediárias de idade, pressão arterial e diâmetro ventricular entre ICFEp e ICFEr. A maioria dos pacientes com ICFEi tinha hipertensão arterial e isquemia miocárdica. Embora a curva de Kaplan-Meier não tenha mostrado diferenças na taxa de sobrevida global entre os diferentes grupos de fração de ejeção, a mortalidade por causas cardiovasculares foi maior em pacientes com ICFEi do que em pacientes com ICFEp, e menor comparada a pacientes com ICFEr. O estudo teve o potencial de uma amostra de tamanho considerável e um tempo médio de acompanhamento mais longo, de aproximadamente quatro anos.

Os resultados desse estudo estão de acordo com pesquisas observacionais anteriores e registros clínicos, que mostraram que os pacientes com ICFEi geralmente apresentam um perfil clínico intermediário, entre a FEVE preservada e reduzida.88. Branca L, Sbolli M, Metra M, Fudim M. Heart failure with mid-range ejection fraction: pro and cons of the new classification of Heart Failure by European Society of Cardiology guidelines. ESC Heart Fail. 2020;7(2):381-99. No entanto, o prognóstico dos pacientes com ICFEi ainda está em discussão, principalmente considerando que a FEVE muda ao longo do tempo, levantando a questão sobre o estado transicional de ICFEi entre ICFEp e ICFEr.88. Branca L, Sbolli M, Metra M, Fudim M. Heart failure with mid-range ejection fraction: pro and cons of the new classification of Heart Failure by European Society of Cardiology guidelines. ESC Heart Fail. 2020;7(2):381-99. Uma avaliação longitudinal da FEVE usando o Swedish Heart Failure Registry mostrou que pacientes com ICFEi mudaram para ICFEp, ICFEr ou permaneceram no mesmo estágio aproximadamente nas mesmas proporções.88. Branca L, Sbolli M, Metra M, Fudim M. Heart failure with mid-range ejection fraction: pro and cons of the new classification of Heart Failure by European Society of Cardiology guidelines. ESC Heart Fail. 2020;7(2):381-99.,99. Savarese G, Vedin O, D’Amario D, Uijl A, Dahlström U, Rosano G, et al. Prevalence and prognostic implications of longitudinal ejection fraction change in heart failure. JACC Heart Fail. 2019;7(4):306-17. Além disso, estudos recentes mostraram taxas de eventos reduzidas ou semelhantes em ICFEi em comparação com ICFEr.88. Branca L, Sbolli M, Metra M, Fudim M. Heart failure with mid-range ejection fraction: pro and cons of the new classification of Heart Failure by European Society of Cardiology guidelines. ESC Heart Fail. 2020;7(2):381-99.

Os prós e contras de uma classificação baseada na FEVE para pacientes com ICFEi foram discutidos recentemente.88. Branca L, Sbolli M, Metra M, Fudim M. Heart failure with mid-range ejection fraction: pro and cons of the new classification of Heart Failure by European Society of Cardiology guidelines. ESC Heart Fail. 2020;7(2):381-99. O uso de outros parâmetros ecocardiográficos, incluindo uma avaliação detalhada das funções sistólica e diastólica, pode ajudar a definir melhor o fenótipo e o prognóstico dos pacientes com ICFEi. Em um modelo experimental de longo prazo, usando uma combinação de parâmetros estruturais cardíacos e ecocardiográficos sistólicos e diastólicos do VE, foi possível diagnosticar de forma não invasiva a IC em ratos após um infarto.1010. Martinez PF, Okoshi K, Zornoff LA, Oliveira SA Jr, Campos DH, Lima AR, et al. Echocardiographic detection of congestive heart failure in postinfarction rats. J Appl Physiol. 2011;111(2):543-51. Inclusão de variáveis adicionais, como outros parâmetros de imagem e biomarcadores, etiologia da IC, idade e comorbidades para caracterizar pacientes com IC devem melhorar a compreensão na área de indefinição da ICFEi.1111. Lam CS, Solomon SD. Fussing over the middle child: heart failure with mid-range ejection fraction. Circulation. 2017;135(14):1279-80.

Agradecimento

Agradecemos à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS/MEC), Brasil; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processos 310876/2018-4, 153424/2018-4 e 482556/2013-7; Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul.

Referências

  • 1
    Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF, Coats AJS, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure of the European Society of Cardiology (ESC)Developed with the special contribution of the Heart Failure Association (HFA) of the ESC. Eur Heart J. 2016;37(27):2129-200.
  • 2
    Virani SS, Alonso A, Benjamin EJ, Bittencourt MS, Callaway CW, Carson AP, et al. Heart disease and stroke statistics-2020 update: a report from the American Heart Association. Circulation. 2020;141(9):e139-e596.
  • 3
    Fernandes ADF, Fernandes GC, Mazza MR, Knijnik LM, Fernandes GS, Vilela AT, et al. A 10-year trend analysis of heart failure in the less developed Brazil. Arq Bras Cardiol. 2020;114(2):222-31.
  • 4
    Tromp J, Khan MAF, Mentz RJ, O’Connor CM, Metra M, Dittrich HC, et al. Biomarker profiles of acute heart failure patients with a mid-range ejection fraction. JACC Heart Fail. 2017;5(7):507-17.
  • 5
    Al Saikhan L, Hughes AD, Chung WS, Alsharqi M, Nihoyannopoulos P. Left atrial function in heart failure with mid-range ejection fraction differs from that of heart failure with preserved ejection fraction: a 2D speckle-tracking echocardiographic study. Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2019;20(3):279-90.
  • 6
    Hsu JJ, Ziaeian B, Fonarow GC. Heart failure with mid-range (borderline) ejection fraction: clinical implications and future directions. JACC Heart Fail. 2017;5(11):763-71.
  • 7
    Petersen LC, Danzmann LC, Bartholomay E, Bodanese LC, Donay BG, Magedanz EH, et al. Sobrevida de Pacientes com Insuficiência Cardíaca Aguda e Fração de Ejeção Intermediária em um País em Desenvolvimento – Estudo de Coorte no Sul do Brasil. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):14-23.
  • 8
    Branca L, Sbolli M, Metra M, Fudim M. Heart failure with mid-range ejection fraction: pro and cons of the new classification of Heart Failure by European Society of Cardiology guidelines. ESC Heart Fail. 2020;7(2):381-99.
  • 9
    Savarese G, Vedin O, D’Amario D, Uijl A, Dahlström U, Rosano G, et al. Prevalence and prognostic implications of longitudinal ejection fraction change in heart failure. JACC Heart Fail. 2019;7(4):306-17.
  • 10
    Martinez PF, Okoshi K, Zornoff LA, Oliveira SA Jr, Campos DH, Lima AR, et al. Echocardiographic detection of congestive heart failure in postinfarction rats. J Appl Physiol. 2011;111(2):543-51.
  • 11
    Lam CS, Solomon SD. Fussing over the middle child: heart failure with mid-range ejection fraction. Circulation. 2017;135(14):1279-80.
  • Minieditorial referente ao artigo: Sobrevida de Pacientes com Insuficiência Cardíaca Aguda e Fração de Ejeção Intermediária em um País em Desenvolvimento – Estudo de Coorte no Sul do Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan 2021
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br