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Transplante cardíaco pediátrico em vigência de choque cardiogênico refratário: análise crítica da viabilidade, aplicabilidade e resultados

Resumos

FUNDAMENTO: Considerando crianças com miocardiopatia dilatada, na lista de espera de transplante de coração, podemos avaliar a gravidade do quadro hemodinâmico desses pacientes. Alguns apresentam choque cardiogênico e um elevado índice de mortalidade. Mesmo com suporte inotrópico e respiratório, o transplante de coração é considerado uma condição de extrema gravidade. OBJETIVO: Apresentar nossa experiência com crianças na circunstância de transplante cardíaco em vigência de choque cardiogênico refratário, procurando analisar a viabilidade, a aplicabilidade e os resultados desses transplantes. MÉTODOS: De março de 2001 a fevereiro de 2004, 22 crianças com miocardiopatia dilatada, previamente registradas na lista de transplante, apresentaram choque cardiogênico, necessitando transferência para unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica, intubação e suporte inotrópico. As idades variaram de 11 meses a 11 anos (média = 4,3 idade), com 55% do sexo masculino; 14 poderiam ser listados como prioridade clínica e os outros 8 foram excluídos da lista de espera em razão de condição clínica desfavorável. RESULTADOS: Oito transplantes de coração foram executados, 6 crianças faleceram na fila de espera (42,9%). Duas crianças faleceram (25%) após o transplante; as outras 6 receberam alta hospitalar com boas condições clínicas. As duas principais complicação são rejeição, em 4 casos, e infecção, em 5 casos. Dois apresentaram complicações neurológicas, com recuperação total em um dos casos. CONCLUSÃO: Crianças com miocardiopatia e choque cardiogênico necessitam de transplante imediato; somente 57,1% podiam ser transplantadas, com mortalidade de 25%. Daquelas que sobreviveram ao transplante, a evolução clínica foi boa, similar às crianças transplantas em cirurgias eletivas.

Transplante cardíaco; criança, choque cardiogênico


BACKGROUND: In children with dilated cardiomyopathy who are on the waiting list for heart transplantation, we evaluate the seriousness of their hemodynamic conditions. Some develop cardiogenic shock, and the mortality rate is high. Even with inotropic and respiratory support, heart transplantation is considered an extremely grave circumstance. OBJECTIVE: The objective of this study is to report on our experience with children in this condition, in an attempt to analyze the viability, applicability and results of heart transplantation in these children. METHODS: From March 2001 to February 2004, 22 children with dilated cardiomyopathy who were on the waiting list for heart transplantation developed cardiogenic shock, requiring transfer to pediatric intensive care unit (ICU), intubation and inotropic support. Their ages ranged from 11 months to 11 years (mean age: 4.3 years), 55% were males, 14 could be listed as clinical priority, and the remaining 8 were removed from the waiting list due to their unfavorable clinical conditions. RESULTS: Eight heart transplantations were performed, and 6 children died while on the waiting list (42.9%). Two children died (25%) after transplantation and the remaining 6 were discharged from hospital in good clinical condition. The two main complications were organ rejection in 4 cases and infection in 5 cases. Two patients developed neurological complications, and one of them fully recovered. CONCLUSION: Children with cardiomyopathy and cardiogenic shock require immediate heart transplantation; only 57.1% could be transplanted, with an early 25% mortality rate. Those who survived transplantation showed good clinical progress, similar to that of children transplanted on an elective basis.

Heart transplantation; child; shock, cardiogenic


ARTIGO ORIGINAL

Transplante cardíaco pediátrico em vigência de choque cardiogênico refratário: análise crítica da viabilidade, aplicabilidade e resultados

Marcelo Biscegli Jatene; Leonardo Augusto Miana; Alexander John Pessoa; Arlindo Riso; Estela Azeka; Carla Tanamati; Solange Gimenez; Antonio Augusto Lopes; Miguel Barbero Marcial; Noedir Antonio Groppo Stolf

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Marcelo Biscegli Jatene Rua João Moura, 1535 05.412-003, São Paulo, SP - Brasil E-mail: mbjatene@cardiol.br, mbjatene@uol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Considerando crianças com miocardiopatia dilatada, na lista de espera de transplante de coração, podemos avaliar a gravidade do quadro hemodinâmico desses pacientes. Alguns apresentam choque cardiogênico e um elevado índice de mortalidade. Mesmo com suporte inotrópico e respiratório, o transplante de coração é considerado uma condição de extrema gravidade.

OBJETIVO: Apresentar nossa experiência com crianças na circunstância de transplante cardíaco em vigência de choque cardiogênico refratário, procurando analisar a viabilidade, a aplicabilidade e os resultados desses transplantes.

MÉTODOS: De março de 2001 a fevereiro de 2004, 22 crianças com miocardiopatia dilatada, previamente registradas na lista de transplante, apresentaram choque cardiogênico, necessitando transferência para unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica, intubação e suporte inotrópico. As idades variaram de 11 meses a 11 anos (média = 4,3 idade), com 55% do sexo masculino; 14 poderiam ser listados como prioridade clínica e os outros 8 foram excluídos da lista de espera em razão de condição clínica desfavorável.

RESULTADOS: Oito transplantes de coração foram executados, 6 crianças faleceram na fila de espera (42,9%). Duas crianças faleceram (25%) após o transplante; as outras 6 receberam alta hospitalar com boas condições clínicas. As duas principais complicação são rejeição, em 4 casos, e infecção, em 5 casos. Dois apresentaram complicações neurológicas, com recuperação total em um dos casos.

CONCLUSÃO: Crianças com miocardiopatia e choque cardiogênico necessitam de transplante imediato; somente 57,1% podiam ser transplantadas, com mortalidade de 25%. Daquelas que sobreviveram ao transplante, a evolução clínica foi boa, similar às crianças transplantas em cirurgias eletivas.

Palavras-chave: Transplante cardíaco, criança, choque cardiogênico.

Introdução

Dentre os pacientes portadores de miocardiopatias de diferentes etiologias, com necessidade de tratamento mediante transplante cardíaco, os pacientes pediátricos são os que apresentam menores perspectivas de obtenção de órgãos em tempo hábil, especialmente pelo menor peso e pela menor disponibilidade de doadores compatíveis. O prognóstico de pacientes pediátricos listados para transplante cardíaco é bastante reservado e a mortalidade, em curto prazo, aguardando um órgão compatível, pode chegar a 20%, podendo atingir até 31% em crianças com idade inferior a 6 meses1-5.

Dentro da evolução de crianças portadoras de miocardiopatia, a deterioração clínica rápida, com possibilidade de evolução com descompensação hemodinâmica, podendo chegar até choque cardiogênico, é evento preocupante, com necessidade de medidas terapêuticas imediatas, como uso de agentes vasoativos, ventilação mecânica e diálise. Em algumas situações, tais medidas não são suficientes para conter o desfecho fatal eminente5,6. Quando isso ocorre, o transplante cardíaco se impõe como medida salvadora, e a procura de órgãos deve ser feita com prioridade para esse grupo de pacientes.

Outras medidas clínicas, como o uso de dispositivos para suporte circulatório, em especial a membrana para oxigenação extracorpórea, têm se mostrado eficazes nos pacientes em choque cardiogênico, servindo como ponte para o transplante cardíaco ou, mais raramente, para a recuperação da função cardíaca7-10. Outras cirurgias alternativas ao transplante cardíaco apresentam alto índice de mortalidade e de complicações, especialmente quando realizadas em caráter emergencial11.

O presente estudo tem como finalidade relatar a experiência do nosso serviço com pacientes pediátricos em choque cardiogênico e avaliar a viabilidade, a aplicabilidade e os resultados do transplante cardíaco como terapêutica nesse grupo extremamente grave.

Métodos

Foram avaliados, retrospectivamente, no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pacientes pediátricos portadores de miocardiopatias de diferentes etiologias, que apresentaram, durante sua evolução, deterioração hemodinâmica progressiva, chegando até o quadro de choque cardiogênico.

Foi considerado em choque cardiogênico todo paciente que necessitou de internação em regime de terapia intensiva, uso contínuo de dois ou mais agentes vasoativos endovenosos por período superior a 48 horas, além de intubação orotraqueal e uso de ventilação mecânica. A presença de insuficiência renal com necessidade ou não de procedimento dialítico e outros sinais de baixo débito, como arritmias ventriculares e insuficiência hepática, também foram sinais considerados, porém não presentes em todas as crianças.

Define-se como insuficiência renal a situação clínica na qual se observa redução do volume de diurese para níveis inferiores a 1 ml/kg/hora, na vigência de diuréticos de alça (furosemida) há pelo menos 12 horas, além de elevação dos níveis séricos de uréia e creatinina, respectivamente superiores a 100 mg/dl e 1,5 mg/dl.

No período de março de 2001 a fevereiro de 2004, 22 crianças preencheram os critérios de choque cardiogênico, com idade variando entre 11 meses e 11 anos (média=4,3 anos), sendo 12 (55%) do sexo masculino. Dentre as 22 crianças, 16 (73%) eram portadoras de miocardiopatia dilatada idiopática e seis (27%) apresentavam diagnóstico de miocardiopatia relacionada a cardiopatia congênita, sendo três pós-correção cirúrgica da cardiopatia e três sem operações prévias. Os diferentes diagnósticos das cardiopatias congênitas, bem como a presença de procedimentos cirúrgicos prévios estão expostos na tabela 1.

O ecocardiograma transtorácico revelou função ventricular esquerda deprimida em grau importante, com delta D variando entre 6% e 18% (média=10,2%). Insuficiência renal dialítica foi detectada e tratada por diálise peritoneal em nove (41%) pacientes.

Dos 22 pacientes, seis já haviam sido submetidos a operações prévias. Todos os procedimentos cirúrgicos realizados previamente estão expostos na tabela 2.

A listagem como prioridade para transplante cardíaco só foi possível em 14 pacientes (63,6%). Das outras oito crianças, seis possuíam contra-indicações ao procedimento e, em duas o óbito ocorreu antes que houvesse tempo para a listagem, menos de 24 horas após a instalação do quadro de choque cardiogênico.

Com relação às contra-indicações ao transplante cardíaco, quatro foram de ordem clínica e duas contra-indicações de caráter social. Os diferentes diagnósticos, idade e motivos da contra-indicação ao transplante cardíaco estão expostos na tabela 3.

Das oito crianças não-listadas para transplante cardíaco, sete (87,5%) faleceram em até sete dias após a decisão de não submetê-las ao transplante cardíaco. Uma criança portadora de síndrome genética a esclarecer retornou ao serviço de origem e não se obtiveram informações posteriores a respeito da evolução clínica.

No último caso da casuística, em razão da deterioração clínica e hemodinâmica evidente, utilizou-se, como ponte para transplante cardíaco, a assistência circulatória mecânica com suporte tipo ECMO (extracorporeal membrane oxigenator), utilizando-se de circuito com bomba centrífuga, oxigenador de membrana convencional para circulação extracorpórea (OXIM – Edwards), além de tubos, conectores e trocador de calor, para complementar o circuito.

A canulação foi realizada em sala operatória, no centro cirúrgico, por toracotomia mediana e canulação do átrio direito e aorta, exteriorizando-se as cânulas por contra-abertura à incisão cirúrgica. Não se disponibilizava, no momento da indicação do implante da assistência, de cânulas apropriadas para implante do dispositivo sem abertura do tórax, por via femural ou cervical. Tratava-se de paciente do sexo feminino com nove anos de idade e miocardiopatia dilatada idiopática com delta D de 6% e choque refratário ao uso de dobutamina, dopamina e noradrenalina em doses otimizadas. Após ser colocada em prioridade para transplante cardíaco, apresentou parada cardíaca, revertida em cinco minutos. Foi então indicada a utilização da membrana para oxigenação extracorpórea, e para que se pudesse avaliar a gravidade do quadro, entre a preparação do material e o início do procedimento, o que durou em torno de duas horas, a paciente apresentou nova parada cardíaca. Após o implante do dispositivo de assistência circulatória mecânica, a paciente cursou com estabilização do quadro, o que possibilitou aguardar a procura de órgão compatível.

A técnica cirúrgica empregada foi o transplante cardíaco ortotópico bicaval em todos os casos, com proteção miocárdica do coração doador através da solução de Roe. Em todos os casos a captação do coração foi a distância, sempre dentro do Estado de São Paulo. A imunossupressão pós-operatória nas crianças submetidas a transplante cardíaco foi realizada com esquema duplo (azatioprina+ciclosporina), com corticóide nas primeiras 48 horas e soro antitimocitário na primeira semana. O controle da rejeição foi feito por medidas clínicas e exames não-invasivos (ecocardiograma e cintilografia com Gálio), ficando a biópsia endomiocárdica reservada para casos de rejeição de difícil controle ou em casos de dúvida diagnóstica12,13.

Resultados

Foram transplantadas oito crianças (57,1%), sendo 50% do sexo feminino, e a idade de ambos os sexos variou entre 1 e 11 anos (média = 5 anos). O peso médio dos receptores foi de 13,4 kg (7 a 22 kg), e o peso médio dos doadores foi de 38,4 kg. Dos pacientes transplantados, quatro deles (50%) haviam sido acometidos por pelo menos um episódio de parada cardíaca. O tipo sangüíneo mais comum foi também o O+ (62%); o delta D dos pacientes transplantados era em média de 9% (6% a 12%). O tempo de espera até a obtenção de um órgão compatível variou entre três e 33 dias (média = 14,1 dias). A criança objeto de instalação de dispositivo de assistência circulatória mecânica, como ponte para transplante cardíaco, foi submetida ao transplante três dias após sua listagem como prioridade.

A mortalidade na fila de espera foi de 42,9% (seis pacientes), em média 25 dias após a listagem como prioridade. Dos pacientes que faleceram aguardando por um órgão, cinco eram portadores de miocardiopatia dilatada idiopática e o delta D desses pacientes variava entre 6% e 16% (M = 10,5%). O tipo sangüíneo mais comum neste subgrupo de pacientes foi o O+ (66%). A idade variou entre 11 meses e 3,5 anos (média = 18 meses).

Todos os pacientes portadores de miocardiopatia dilatada idiopática submetidos a transplante cardíaco sobreviveram ao procedimento e, apesar da evolução trabalhosa inicial, apresentaram recuperação das funções renal e cardíaca, obtendo alta da terapia intensiva em média no 27º dia do pós-operatório (11 a 45º pós-operatório).

A mortalidade hospitalar foi de 25%, observada nos dois pacientes com diagnóstico de cardiopatia congênita após o transplante cardíaco. Um deles apresentou, como complicação, parada cardíaca durante a indução anestésica e foi a óbito no 20º dia do pós-operatório. O outro apresentou rejeição ao enxerto e óbito no 40º dia do pós-operatório.

A complicação imediata mais comum foi a infecção, em cinco casos; rejeição aguda foi observada em quatro pacientes; e complicações neurológicas foram observadas em dois pacientes. Um deles apresentou convulsão no 13º dia do pós-operatório, com recuperação completa das funções neurológicas, sem seqüelas; o outro foi vítima de acidente vascular encefálico e ficou com seqüela motora à esquerda, em fase de recuperação progressiva.

Nova intervenção cirúrgica foi necessária em três pacientes, e em dois deles foi necessária drenagem pericárdica eletiva por derrame importante, e no outro foi necessária a ligadura cirúrgica do ducto torácico por quilotórax de difícil tratamento.

O seguimento pós-operatório foi feito num período que compreendeu entre um e 32 meses (18,6 meses), e foi observada mortalidade tardia em um paciente, um ano após o transplante cardíaco, durante internação para tratamento de episódio de rejeição. As demais crianças seguem em evolução ambulatorial, com tratamento de imunossupressão já referido, encontrando-se assintomáticas do ponto de vista cardiovascular, com evolução clínica semelhante às crianças transplantadas em condições eletivas.

Discussão

Dentre as preocupações dos grupos que realizam transplante cardíaco, especialmente na população pediátrica, a possibilidade de obtenção de um órgão em curto intervalo de tempo, em crianças portadoras de choque cardiogênico, vem a ser um dos aspectos mais relevantes. Em países desenvolvidos, com programas de transplantes consolidados, o tempo médio de espera por um coração, para um paciente listado com status 1 (UNOS), é de 53 dias14.

Além de aspectos relacionados à estrutura de captação de cada região do país, que acabam sendo muito diferentes, outro fato a se considerar é a dificuldade em obter doadores com peso compatível com os receptores, que por serem da população pediátrica têm pesos geralmente inferiores a 30 kg.

Em nossa casuística, o peso médio das crianças transplantadas foi cerca de 30% do peso dos doadores, o que reflete o problema e a dificuldade em se conseguir doadores mais compatíveis. Um aspecto que minimiza esse fator é o fato de que a maioria das crianças transplantadas era portadora de miocardiopatia dilatada idiopática, com isso as crianças apresentavam grande aumento da área cardíaca, compatibilizando o receptor com o tamanho do coração implantado.

A escassez de doadores, em especial em idade pediátrica, reflete uma preocupação mundial quanto a minimizar a mortalidade na fila para o transplante. Nesse aspecto, existem incrementos progressivos no uso e na divulgação de dispositivos para suporte circulatório como ponte para transplante cardíaco1-3,6,7,10,15.

Ainda em fase inicial de utilização, em nossa experiência com esse grupo de receptores, utilizamos a membrana para oxigenação extracorpórea em apenas uma criança, com resultado extremamente recompensador, com boa recuperação e evolução após o transplante cardíaco, além de curto tempo de espera (três dias). Apesar de ser apenas um caso, acreditamos que haja potencial maior de aplicabilidade da membrana para oxigenação extracorpórea ou algum outro dispositivo na população pediátrica, procurando reduzir a lacuna existente entre a oferta de órgãos e a demanda crescente de receptores para transplante cardíaco.

A alta incidência de pacientes que não puderam ser listados para transplante cardíaco em nossa casuística (oito pacientes – 36%) em razão de contra-indicações evidencia duas coisas. Em primeiro lugar, o atraso na transferência desses casos para o centro de transplante, agravando ainda mais o quadro e prescindindo de dias preciosos para a sobrevida do paciente. Estudos prévios atestam que pacientes em status 1 (UNOS)14, ou seja, fazendo uso de dois agentes vasoativos em dose máxima, devem ser rapidamente referidos para centros de transplante pediátrico. Isso diminuiria a incidência de infecção nesses pacientes e a presença de disfunção de múltiplos órgãos no momento da transferência, aumentando a chance de um transplante cardíacos bem-sucedido1,2. Em segundo lugar, outra evidência que apontamos é o alto índice de contra-indicações sociais em nosso meio. Mesmo contando com equipe multiprofissional capacitada, em alguns casos a precariedade social e de estrutura familiar limitam o procedimento.

Em nossa casuística, observamos um prognóstico mais reservado para os pacientes de cardiopatia congênita listados como prioridade, assim como demonstra grande parte da literatura16, apesar de alguns estudos não mostrarem diferença significativa com relação aos pacientes miocardiopatia dilatada idiopática e cardiopatia congênita1.

Cada dia mais a membrana para oxigenação extracorpórea vem ganhando espaço na terapêutica desse grupo específico de pacientes, com resultados animadores que chegam a baixar a mortalidade hospitalar para até 11%2,9,10,17,18. Além disso, os resultados em longo prazo também suportam o uso desse tipo de dispositivo17,19,20.

O ventrículo artificial implantável21 e o balão intra-aórtico8 também mostram resultados satisfatórios; porém, apesar de seu uso clínico na população adulta, seu uso em crianças é dificultado pela falta de disponibilidade em nosso país dos dispositivos apropriados para o tamanho e o peso desses pacientes.

O transplante cardíaco oferece inúmeros obstáculos a serem vencidos. Tratando-se de transplantes em crianças listadas em prioridade, os desafios são imensos. Um paciente em estado de choque cardiogênico em ambiente de terapia intensiva pediátrica tem uma sobrevida reservada, caso a história natural da doença se sobreponha aos esforços terapêuticos disponíveis na atualidade. O uso de dispositivos de assistência circulatória, aliado ao emprego de agentes vasoativos de maneira otimizada, mostrou-se útil na ponte do paciente ao transplante.

Aspecto importante que devemos salientar é a necessidade de se manter o empenho em relação ao esclarecimento da população ante a doação de órgãos. Essa deve ser encarada como parte fundamental do processo para que os pacientes pediátricos sejam atendidos em tempo hábil. Não obstante, aspectos sociais imponham barreiras importantíssimas que devemos enfrentar, a fim de erradicarmos contra-indicações dessa natureza.

Acreditamos que o campo de pesquisa no manejo de pacientes pediátricos que necessitam de transplante cardíaco, em estado de choque cardiogênico, tem amplo espaço para novos estudos, com especial atenção aos dispositivos de assistência circulatória como pontes para o tratamento definitivo.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 28/06/07; revisado recebido em 25/09/07; aceito em 17/10/07.

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  • Correspondência:
    Marcelo Biscegli Jatene
    Rua João Moura, 1535
    05.412-003, São Paulo, SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Maio 2008
    • Data do Fascículo
      Maio 2008

    Histórico

    • Aceito
      17 Out 2007
    • Revisado
      25 Set 2007
    • Recebido
      28 Jun 2007
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