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Letalidade por doenças isquêmicas do coração no Estado do Rio de Janeiro no período de 1999 a 2003

CARTAS AO EDITOR

Letalidade por doenças isquêmicas do coração no Estado do Rio de Janeiro no período de 1999 a 2003

Senhor Editor,

Lemos com interesse o artigo de autoria de Oliveira e cols.1, publicado na edição de fevereiro de 2006 dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, e gostaríamos de tecer alguns comentários sobre as suposições dos autores, no que diz respeito à classificação da gravidade da cardiopatia subjacente dos pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio, implante de stent e tratamento clínico.

Por meio de uma análise abrangente dos dados do SIH/SUS, os autores classificaram a gravidade da doença de acordo com o diagnóstico dos pacientes no momento da internação: angina, infarto agudo do miocárdio (IAM) e cardiopatia isquêmica aguda ou crônica, desenvolvendo a análise com base nesses dados.

Embora, de maneira geral, nossa comunidade consi-dere que pacientes que dão entrada no hospital com diagnóstico de IAM sofram de doença mais grave do que aqueles que têm angina ou cardiopatia isquêmica crônica, temos diversas razões para questionar essa linha de pensamento. Por exemplo, na internação hospitalar, o prognóstico de pacientes com IAM por obstrução da artéria coronária descendente anterior esquerda é pior do que o de pacientes com doença da artéria coronária descendente posterior direita. Pacientes com classificação II ou III (Killip-Kimball) têm prognóstico pior do que pacientes da classe I, assim como aqueles com três vasos afetados têm resultado menos favorável do que aqueles que têm um ou dois vasos comprometidos. Além disso, é bem provável que os pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio tivessem uma forma mais grave e mais extensa da doença antes mesmo do procedimento do que aqueles submetidos ao implante de stent ou tratamento clínico. O implante de stent é mais adequado para pacientes que tenham um só vaso afetado do que para aqueles com múltiplos vasos comprometidos. Portanto, não é de causar surpresa que pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio tenham letalidade mais elevada por doença cardíaca isquêmica do que aqueles submetidos a colocação de stent.

Embora a análise dos dados apresentados não tenha levado em consideração as informações funcionais ou clínicas do estado dos pacientes contidas no banco de dados do SIH/SUS, os autores traçaram um paralelo e, implicitamente, consideraram a classificação clínica como medida da gravidade do quadro clínico, o que definitivamente não é a mesma coisa. É possível que a consideração da gravidade da doença como diagnóstico de internação tenha causado um significante viés estatístico.

Uma vez que a gravidade da doença não foi conside-rada no artigo, é impossível avaliar corretamente se os pacientes foram a óbito em razão dos riscos inerentes ao tratamento cirúrgico ou se o estado pré-operatório influenciou os resultados. Além disso, supondo que a apresentação clínica real tenha tido correlação com a classificação diagnóstica e tenha sido distribuída de maneira uniforme. A recomendação dos autores de reservar procedimentos altamente complexos para os casos mais sérios resultaria em aumento da letalidade nos grupos submetidos a cirurgia.

P. R. Benchimol-Barbosa

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, RJ

pbarbosa@cardiol.br

Philipp Von Issendorff

Universität Hamburg

Hamburgo, Alemanha

1. Oliveira GMM, Klein CH, Silva NAS, Godoy PH, Fonseca TMP. Letali-dade por doenças isquêmicas do coração no Estado do Rio de Janeiro no período de 1999 a 2003. Arq Bras Cardiol. 2006; 86: 131-7.

Resposta do Autor

Senhor Editor,

Em resposta aos comentários dos leitores sobre o artigo intitulado "Letalidade por Doenças Isquêmicas do Coração no Estado do Rio de Janeiro no período de 1999 a 2003"1, temos a declarar que: nos três primeiros parágrafos da discussão fizemos constar todas as limitações impostas ao uso do banco de dados utilizados para o estudo, reconhecendo a necessidade de informações mais específicas sobre condições clínicas dos pacientes, comorbidades e fatores de risco que permitiriam construir escores de ajuste mais precisos. Informações como número de vasos coronarianos com lesões, localizações dessas lesões ou classificação de Killip-Kimball não constam no banco de dados do Datasus; assim, nos referimos sempre às internações e não aos pacientes. Também não houve intenção ou objetivo, no trabalho, de comparar revascularização cirúrgica do miocárdio, certamente com expectativa de maior letalidade, com angioplastia coronária. Ressaltamos apenas a grande variação entre as taxas de letalidade, mas sem nenhuma surpresa entre as diferenças nas taxas de letalidade da RVM e da AC.

No Brasil não há bases de dados que permitam obter informações clínicas sobre todos os procedimentos realizados de revascularização miocárdica, sobretudo cirúrgica. Em relação à angioplastia coronária, existe o banco de dados da Central Nacional de Investigações Cardiovasculares (Cenic), que é alimentado pela contribuição voluntária dos sócios autorizados para a realização dos procedimentos percutâneos, sem discriminar intervenções pagas pelo SUS ou por seguros de saúde, ou por particulares. Porém, os dados da Cenic são incompletos porque registram 25.505 AC no Brasil, em 2003, quando só o Datasus relata que foram pagas pelo SUS 30.666 AC no mesmo ano.

Embora os dados das AIH não venham a abranger informações clínicas, existem, contudo, dados suficientes que podem ser utilizados para estudos sobre letalidade em procedimentos, sendo altamente confiáveis. Ninguém deixa de registrar no banco de dados das AIH esses procedimentos, ou os realiza com outro código. A letalidade é outro dado confiável, pois ninguém relata morte de quem não morreu.

O estudo não teve a intenção e nem poderia avaliar de forma direta a gravidade das condições clínicas nas internações. O que fizemos foi, na ausência de ensaios clínicos brasileiros, procurar analisar os dados existentes, compreendê-los e interpretá-los para considerar qual seria a melhor conduta em nosso meio. Esse tipo de análise ou interpretação de dados existentes é bastante usado em teoria social (sociologia) e em história. Procuram-se interpretar os estudos contextualizando-os e temporizando-os, ao mesmo tempo que se busca trazer para discussão o problema das "compreensões tácitas" ou tidas como verdadeiras (no caso, o propalado benefício de uma tecnologia médica), utilizando, portanto, princípios da etnometodologia.

Ainda que não tenhamos os tão solicitados dados clínicos sobre os pacientes, o fato é que a letalidade está alta, sobretudo nas revascularizações cirúrgicas, e isso é incontestável, a não ser que estejam registrando nas AIH óbitos que não ocorreram, o que acreditamos ser difícil. Nessas condições, se resolvermos pressupor que a letalidade foi alta, pois grande parte das internações constava de pacientes graves, seja porque havia uma fila de espera grande e a função ventricular foi deteriorando seja porque havia muitas comorbidades concomitantes com disfunção ventricular grave, várias lesões coronarianas, e se levarmos em consideração o conceito de "performance mínima", isto é, se a tecnologia for aplicada com resultados piores do que o mínimo definido, ela não será capaz de beneficiar os pacientes; seria melhor, então, considerando os resultados apresentados no estudo, que os procedimentos não fossem aplicados a essas internações.

Em relação às recomendações dos procedimentos de alta complexidade para os casos mais graves, as indicações cirúrgicas estão plenamente estabelecidas para os casos de "alto risco", conforme discutido no corpo do artigo, e se realizadas com uma "performance mínima"; contudo, caso o procedimento seja realizado com a performance demonstrada no estudo, até os casos de alto risco não serão beneficiados.

Gláucia Maria Moraes de Oliveira

Nelson Albuquerque de Souza e Silva

Paulo Henrique Godoy

Faculdade de Medicina da Universidade

Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, RJ

glaucia@mls.com.br

Carlos Henrique Klein

Escola Nacional de Saúde Pública – Fiocruz

Rio de Janeiro, RJ

Tânia Maria Peixoto Fonseca

Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, RJ

1. Oliveira GMM, Klein CH, Silva NAS, Godoy PH, Fonseca TMP. Letalidade por doenças isquêmicas do coração no Estado do Rio de Janeiro no período de 1999 a 2003. Arq Bras Cardiol. 2006; 86: 131-7.

2. Barbosa PRB, Issendorff PV. Letalidade por doenças isquêmicas do coração no estado do Rio de Janeiro no período de 1999 a 2003. Arq Bras Cardiol. 2006; 86: 472.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2006
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