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Stents com eluição de sirolimus para tratamento de estenose em artérias coronárias de pequeno calibre: o que aprendemos?

EDITORIAL

Stents com eluição de sirolimus para tratamento de estenose em artérias coronárias de pequeno calibre: o que aprendemos?

Ricardo A. Costa, MD; Alexandra J. Lansky, MD

Cardiovascular Research Foundation and Columbia University Medical Center - Nova York, NY, USA

Correspondência Correspondência: Ricardo A. Costa 55 East 59th Street, 6th Floor New York, USA, 10022 E-mail: rcosta@crf.org

A intervenção coronariana percutânea (ICP) em vasos de pequeno calibre (definida de maneira ampla como estenose em vaso com diâmetro de referência inferior a 2,75-2,80 mm ou 3,00 mm)1,2 tem sido historicamente associada a altas taxas de reestenose (18-52%) e revascularização do vaso (até 27%)1,3-5. Antes do advento dos stents revestidos com medicamentos, havia uma forte relação entre reestenose e calibre do vaso, com uma associação inversa entre o calibre do vaso e reestenose angiográfica, atribuída à quantidade desproporcionalmente maior de hiperplasia neointimal (HNI) em relação ao calibre dos pequenos vasos1,3. Esse fenômeno parecia ser agravado em diabéticos, que muitas vezes apresentam artérias "pequenas" em virtude de doença coronariana difusa e exagerada resposta proliferativa neointimal4. Diversos estudos tentaram demonstrar a eficácia do implante de endopróteses em comparação com angioplastia transluminal coronariana (ATC) por balão em vasos de pequeno calibre, mas os resultados foram controversos. Entretanto, uma recente metanálise de 11 estudos clínicos randomizados (2.971 pacientes) comparou o uso de stents não-revestidos com ATC por balão em vasos de 2,22 a 2,60 mm, e os resultados demonstraram que o implante de endoprótese reduziu a reestenose (p = 0,003), com risco relativo de 0,77 (IC 95% 0,65, 0,92)1.

Com a introdução dos stents revestidos com sirolimus, muitos esperavam que a sua eficácia na prevenção de reestenose em lesões não-complicadas fosse estendida para subgrupos de alto risco, como vasos pequenos. Em seu artigo para os Arquivos Brasileiros de Cardiologia, Devito e cols.6 relataram os resultados obtidos com 80 pacientes incluídos em um estudo prospectivo não-randomizado que comparou o stent revestido com sirolimus (Cypher®) com um stent não-revestido (Multi-Link Pixel®) no tratamento de lesões coronarianas primárias em vasos de 2,20 a 2,75 mm de diâmetro. Todas as endopróteses foram implantadas com sucesso, e as dimensões finais da luz foram semelhantes nos dois grupos. (É importante observar que, nessa investigação, os pacientes foram incluídos consecutivamente em dois momentos distintos, e embora os dados clínicos e demográficos iniciais fossem compatíveis, os dois grupos não eram totalmente homogêneos em relação a alguns critérios importantes, como complexidade da lesão e tamanho da endoprótese). No acompanhamento, perda tardia da luz (PTL), reestenose e área de hiperplasia neointimal (HNI) foram reduzidas significativamente com o emprego de stent com sirolimus; além disso, houve redução de 3,5 vezes na revascularização da lesão-alvo (RLA) com o uso de stent com sirolimus em comparação com stent comum, diferença essa que não alcançou significância estatística.

O desempenho do stent com sirolimus em "vasos pequenos" foi avaliado em vários estudos clínicos randomizados e registros (tab. 1). A PTL, um substituto da hiperplasia neointimal, foi reduzida de forma significativa com o uso de stent com sirolimus em vasos pequenos comparado com o stent comum, ficando em 98,7%, 78,8%, 81%, 88,2% e 82,2% nos estudos RAVEL, SIRIUS, E-SIRIUS, C-SIRIUS e SES-SMART, respectivamente2,5,7-10. No estudo de Devito, a PTL foi reduzida em 77,5%, p < 0,0016. No SIRIUS-2.25, a PTL intra-stent foi ligeiramente mais elevada (0,36 mm) do que nos outros estudos (0,01-0,21 mm) (tab. 1). As porcentagens de diabéticos (40%) e lesões complexas (B2/C) desse estudo eram maiores11. Os pacientes diabéticos tem demonstrado apresentar maior PTL do que os não-diabéticos12,13. Na análise de Devito, que também tinha 40% de diabéticos porém lesões menos complexas, a PTL foi de 0,25 mm6. De modo geral, as PTL foram comparáveis às das lesões em vasos de maior diâmetro tratados com stents revestidos com sirolimus7-9,14 e consideravelmente menores do que as dos stents comuns (0,80-1,05 mm)2,5,7,10, confirmando a regularidade e eficácia dos stents com sirolimus na prevenção de HNI, apesar das diferenças relativas à porcentagem de pacientes diabéticos, ao calibre do vaso e às características da lesão.

A clássica relação inversa entre calibre do vaso e reestenose não foi observada com o uso de stents com sirolimus no estudo RAVEL (0% de reestenose em todos os diâmetros de vaso)7. Entretanto, em uma subanálise do estudo SIRIUS (em que as lesões eram mais extensas e mais complexas), as lesões foram divididas em tercis de acordo com o calibre do vaso, e a porcentagem de reestenose intra-stent foi de 5%, 2,5% e 1,9% com o uso de stent com sirolimus em vasos pequenos (2,32 mm), médios (2,78 mm) e grandes (3,31 mm). Da mesma forma, a porcentagem de reestenose no segmento do vaso-alvo foi maior em vasos pequenos (17,6%), em comparação com vasos médios (6,6%) e grandes (1,9%)9. Conseqüentemente, as reduções de risco de reestenose no segmento do vaso-alvo com o uso de stent com sirolimus caíram para 93,7%, 81,7% e 58,8% em vasos grandes, médios e pequenos, respectivamente. As taxas de reestenose do SIRIUS-2.25 foram comparáveis às do tercil de "vasos pequenos" do SIRIUS e associadas com comprimento da endoprótese, diabetes e número de próteses implantadas11. No artigo de Devito, houve 0% de reestenose intra-stent e apenas 4% de reestenose no segmento do vaso-alvo com stents com sirolimus, comparado com 33,3% de reestenose intra-stent e 36,7% de reestenose no segmento do vaso-alvo com o emprego de stent comum (p < 0,001)6. Resultados semelhantes foram encontrados nos estudos RAVEL, E-SIRIUS, C-SIRIUS e SVELTE5,7,10,15. No RESEARCH, o calibre do vaso era consideravelmente menor do que nos outros estudos (tab. 1), e os casos de reestenose (apenas intra-stent) ocorreram principalmente após o tratamento de lesões ostiais14. É importante ressaltar que, na subanálise de diabéticos do SES-SMART, o stent com sirolimus foi associado com redução significativa de PTL e reestenose, em comparação com o stent comum; entretanto, quando apenas os pacientes insulino-dependentes foram levados em consideração (35%), a taxa de reestenose com o uso de stent com sirolimus subiu para 40%12. Esses dados levam às seguintes considerações em relação ao uso de stent com sirolimus em vasos pequenos: 1) as taxas de reestenose nos vasos pequenos são mais elevadas do que nos vasos de maior calibre; 2) a reestenose parece aumentar de acordo com a gravidade da lesão e área coberta pela endoprótese; 3) pacientes diabéticos apresentam taxas mais altas de reestenose. Talvez isso se deva não apenas à resposta vascular hiperproliferativa e agressiva observada com freqüência, mas também ao implante sub-otimo do stent (cobertura incompleta da lesão e expansão insuficiente do stent), uma vez que os diabéticos muitas vezes apresentam lesões longas e difusas (como foi mencionado anteriormente); e 4) a taxa mais elevada de reestenose "no segmento do vaso-alvo" (comparado com reestenose "intra-stent") encontrada na maioria dos estudos (tab. 1) pode ser conseqüência de cobertura incompleta da lesão e/ou segmento lesado durante a realização de intervenção coronariana percutânea. Esses problemas foram identificados por alguns autores8,16. Para a obtenção de melhores resultados com vasos pequenos é essencial o aprimoramento das técnicas de aplicação dos "stents com eluição de medicamento" – reduzindo ao mínimo o trauma da área lesada com o emprego de balões curtos de pré-dilatação, cobrindo toda a lesão/segmento lesado, usando balões curtos para a pós-dilatação (posicionados no interior da área coberta para evitar lesão além das bordas dos stents) e efetuando uma aposição completa, no caso de múltiplas próteses, evitando falhas.

Estudos anteriores realizados com a utilização de ultra-som intracoronariano (USIC) demonstraram que o diâmetro luminal final em vasos com menos de 2,75 mm prevê a necessidade de revascularização17. Resultados semelhantes foram encontrados com o uso de stents com sirolimus. No subestudo de USIC do SIRIUS, constatou-se que uma área luminal mínima final intra-stent superior a 4,5 mm2 em vasos com menos de 2,8 mm de diâmetro (por ACQ) representava um limiar que previa uma luz "adequada" pelo USIC no acompanhamento (>4,0 mm2). O valor preditivo positivo das dimensões do stent pelo USIC foi de 90%18. Além disso, Takebayashi e cols. relataram uma série de pacientes com falência no vaso-alvo após implante de stent com sirolimus, a maioria (especialmente reestenose intra-stent) associada com subexpansão do stent19. Isso era esperado, pois, uma vez que um medicamento que se mostrou eficaz (nesse caso, o sirolimus) inibiu a maior parte da hiperplasia neointimal (tab. 1), a principal causa de reestenose intra-stent passou a ser a subexpansão da endoprótese. Por fim, uma porcentagem maior de área da placa e uma área maior de borda do stent/área luminal mínima de referência foi associada com estenose da borda no grupo de stent com sirolimus do estudo SIRIUS20. Essas evidências indicam que a eficácia do stent com sirolimus depende da capacidade da prótese de impedir a formação de HNI e de uma técnica de aplicação perfeita. No contexto dos vasos de pequeno calibre, a realização de ICP guiada por USIC para a colocação de stents com sirolimus deve ser levada em consideração e até mesmo recomendada, pois apresenta algumas vantagens: 1) permite a avaliação precisa do diâmetro do vaso e da extensão da lesão antes do procedimento, o que ajuda os operadores a selecionarem a técnica e o dispositivo apropriados para a cobertura total da lesão e o emprego de um stent de tamanho adequado; 2) ajuda a identificar uma expansão inadequada do stent, permitindo que o operador dilate posteriormente a endoprótese para obter a expansão ideal.

Finalmente, o implante de stents com sirolimus em vasos pequenos tem sido associado com altas taxas de sucesso (> 95%) e segurança (comparáveis à de vasos maiores tratados com esses stents), refletindo-se na baixa incidência de trombose intra-stent e eventos clínicos adversos maiores no acompanhamento de médio e longo prazo (tab. 1)2,5,6,8,10,11,14,15. Além disso, o stent com sirolimus levou a uma redução relativa de 70% a 81% da RLA comparado com o stent comum em estudos clínicos randomizados de "pequenos vasos"2,5,10. Um fato importante é que as taxas de RLA e eventos clínicos adversos maiores (tab. 1) foram extraordinariamente baixas em todos os estudos (< 10%), sobretudo levando-se em consideração as lesões de alto risco e as populações de alto risco tratadas. Esses resultados confirmam o enorme impacto e os benefícios gerais do stent com sirolimus em comparação com stent comum e os importantes controles com ICP em vasos pequenos. No entanto, apesar do enorme avanço alcançado nessa área, o vaso de pequeno calibre ainda está associado com a ocorrência de reestenose após o implante de stent com sirolimus8. Portanto, ainda são necessários esforços no sentido de melhorar os resultados, como aprimoramento da técnica de aplicação dos stents e desenvolvimento de novas tecnologias específicas para vasos pequenos.

REFERÊNCIAS

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Recebido em 22/02/06

Aceito em 22/02/06

  • Correspondência:

    Ricardo A. Costa
    55 East 59th Street, 6th Floor
    New York, USA, 10022
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006
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