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Considerações sobre as insuficiências do pensamento estabelecido em estratégia empresarial

NOTAS E COMENTÁRIOS

Considerações sobre as insuficiências do pensamento estabelecido em estratégia empresarial

Tânia Maria Limeira de Carvalho e Silva

Graduada, pós graduada (CEAG), mestre e doutoranda pela EAESP/FGV; professora universitária de marketing e estratégia corporativa, atua profissionalmente como gerente de grupo de produtos da Johnson & Johnson

O objetivo deste comentário é caracterizar as insuficiências do pensamento estabelecido em estratégia empresarial, a partir de uma análise crítica da evolução histórica dos diversos paradigmas utilizados nessa área. Pretendemos com essa exploração preliminar, sem maiores preocupações com rigor metodológico, sugerir alguns conceitos que servirão de base para a futura formulação de um enfoque alternativo em estratégia empresarial. Um esquema conceituai alternativo ao pensamento estabelecido em estratégia empresarial deve ser desenvolvido através da incorporação das contribuições dos autores da chamada nova economia: pós-keynesianos, neo-marxistas e neo-ricardianos.

Em ensaio recente, Bertero (1982) faz uma análise evolutiva da área de estratégia empresarial. Segundo o autor, a área da administração designada por estratégia empresarial teve seu início com os primeiros cursos de administração empresarial ensinados nos EUA nos princípios deste século. Estes eram cursos com abordagem generalista, prática, voltada à solução de problemas de administração geral das empresas. Desde então, a área passou por muitas mudanças, mas manteve seu caráter pragmático, posicionada como preocupação típica e distintiva da cúpula empresarial, lidando com assuntos como objetivos, mercados e produtos, planos e maneiras de implementá-los.

Para compreensão da evolução das concepções-da área estratégica, Bertero considerou a obra recente de Schendel e Hofer (1979). Fazendo um quadro evolutivo, estes autores identificam três estágios ou paradigmas.

O primeiro foi o do "paradigma pré-estratégico" utilizado desde o início deste século até a década de 60.

Este paradigma teria correspondido àquela fase do desenvolvimento empresarial em que as empresas possuíam um só produto e seu crescimento estava baseado em um único negócio, ou uma única equação produto/mercado. O paradigma estava centrado no desenvolvimento de "diretrizes" que permitissem a coordenação e a integração das várias áreas funcionais da empresa. Era uma fase pré-estratégica porque não se entrava.; no questionamento da estratégia da empresa, ou seja;:sua equação produto/mercado, seu meio ambiente e o relacionamento entre linha de negócios e a realidade exterior. O paradigma pré-estratégico ocupava-se com aspectos operacionais mais genéricos, pressupondo que a estratégia estava correta e devendo buscar caminhos para desenvolvê-la. Esse paradigma continua sendo utilizado em muitos cursos e na orientação da prática administrativa de muitas empresas.

O segundo paradigma é o da "estratégia inicial", que teve em Chandler a figura desencadeadora, com a sua obra Strategy andstructure (1962). Para Chandler a estratégia consiste na"determinação dos objetivos e das metas básicas da empresa a longo prazo, a adoção dos cursos de ação e a alocação dos recursos necessários à consecução destes objetivos". Havia, portanto, dois pontos de sustentação às posições de Chandler: a formulação e a implementação da estratégia. Segundo Bertero, a contribuição de Chandler também está ná demonstração do condicionamento que a estrutura organizacional sofre em função da estratégia adotadsa. É a escolha da estratégia que acabará por determinar o tipo de estrutura que a empresa adotará, sendo a estrutura vista como instrumental, isto é, o conjunto de processos, recursos e alocações de tarefas, a fjirn de implementar determinada estratégia. Partindo do trabalho clássico de Chandler, vários autores procuram analisar a relação estratégia-estrutura, ou a relação entre estratégia externa e potencialidades internas, como é caso de Peter Drucker, que faz a seguinte análise em seu livro Administração - tarefas, responsabilidades e pratica (1975):

"Estratégia, isto é, as respostas às questões 'o que é nosso negócio, o que será e o que deveria ser?' é o que termina as finalidades da estrutura. E por conseguinte, determina quais as atividades básicas para uma empresa ou instituição de serviços quaisquer. A,estrutura eficaz é a que torna essas atividades básicas aptas a funcionarem e desempenharem. Por sua vez, as atividades básicas são os elementos sustentadores de uma estrutura atuante." .

Além de Chandler é Drucker, outros autores discutiram os mesmos problemas. Uma deles é Ansoff, com sua obra Estratégia empresarial (1977), que é um texto clássico na área de estíatégia empresarial, ainda hoje muito utilizado nos cursos de administração de empresas. Faremos aqui uma síntese dos principais conceitos com os quais Ansoff opera:

a) conceito de empresa: uma organização social com objetivos próprios e motivada econômica e monetariamente. A empresa possui objetivos econômicos e sociais;

b) objetivo econômico da empresa: otimização da taxa de retorno da capital próprio empregado na empresa, a longo prazo. O padrão de rentabilidade é a taxa de retorno sobre o investimento;

c) decisões estratégicas: aquelas relacionadas com o ajustamento entre a empresa e o seu ecossistema; especificamente com a escolha do composto de produtos e dos mercados;

d) componentes da estratégia: conjunto de produtos e mercados, vetor de crescimento, vantagem competitiva e sinergia.

Ansoff preocupou-se com a análise do processo de formulação de estratégias, identificando quatro etapas em tal processo: a) formulação de objetivos e escolha de metas; b) avaliação interna da empresa e avaliação das oportunidades externas; c) escolha entre estratégias de expansão e estratégias de diversificação; d) definição dos componentes da estratégia.

Outro autor foi Andrews, com sua obra The concept of corporate strategy (1971). Este autor integra o chamado grupo de Harvard, com os autores E. Learrié, C. Christensen e W. Guth. Segundo Bertero, os referidos autores definem estratégia como "o padrão de objetivos, propósitos ou metas e principais diretrizes e planos elaborados para o atingimento destas metas, enunciadas de maneira a definir quais os negócios atuais e futuros da empresa e que tipo de empresa existe ou virá â existir". Para estes autores, os componentes da estratégia seriam a oportunidade de mercado, recursos e competências, valores pessoais e aspirações dos responsáveis pela formulação estratégica e as obrigações reconhecidas e aceitas para com segmentos da sociedade, além dos acionistas ou proprietários. O Grupo de Harvard introduziu problema de valores e preferências individuais corno componentes da estratégia, levantando a questão da moralidade de compatibilizar valores e preferências aos indivíduos formuladores da estratégia com as responsabilidades da empresa com a sociedade.

O terceiro paradigma seria o da "administração estatrégica", que é formulado por Schendel e Hofer em sua obra Strategic managment: a new view of business policy and planning (1979). Estes autores definem administração estâtégica como"um processo que trata das tarefas empresarias da organização, do crescimento e dá renovação organizacionais, e mais especificamente do desenvolvimento e da utilização da estratégia que deverá guiar as operações da organização".

Estes autores, segundo Bertero, também entendem estratégia apartir de seus componentes: objetivos, que são entendidos como adequações entre produtos e mercados; distinção, de competências e alocação de recursos; vantagem competitiva; sinergia. O paradigma da administração estratégia fica mais claro quando são apresentadas as tarefas consideradas típicas da administração estratégica, que são: formulação de metas, análise ambiental, formulação da estratégica, sua avaliação e implementação e, ao final, o controle estratégico.

Degen (1984), em seu ensaio Planejamento e o sistema de valores da empresa, faz uma análise da evolução do planejamento estratégico no âmbito das empresas, com maior ênfase na administração estratégica. O autor afirma que a evolução do planejamento deu-se sem a preocupação de integrar as funções básicas da administração (planejar, organizar, motivar e controlar). Alguns autores, como Drucker (The practice of management, 1954), com a administração por objetivos, e Chandler (1962), com a correlação entre estratégia e estrutura, demonstraram a dependência entre as funções básicas. Somente nos anos 70 surgiram tentativas efetivas de integrar o planejamento com as outras funções. Galbraith e Nathanson (Strategy implementation - the role of structure and process, 1978) e Ansoff (Strategic management, 1979) publicaram os primeiros livros sobre o assunto, enfocando a administração estratégica e a questão da implementação da estratégica. Ansoff, em outra obra (Thestate of practice inplaning systems, 1979), procurou ordenar logicamente a evolução do planejamento até a integração das funções básicas na administração estratégica. Gluck, Kaufman e Walleck, em recente ensaio (Straíegic management for competitive advaníage (1980), introduziram o conceito de sistema de valores. Estes autores definiram administração estratégica como: "o sistema de valores, capacidade de planejamento ou responsabilidades organizacionais que acoplam o pensamento estratégico com a tomada de decisões operacionais em todos os níveis e através de todas as linhas de autoridade funcionais numa empresa".

A síntese que acabamos de fazer referente à evolução do pensamento sobre estratégia empresarial põe em evidência os conceitos teéóricos que alicerçam a base conceituai da literatura existente na área. Para ficar mais claro quais são estas concepções, procuraremos agora identificar como na literatura estabelecida são definidos os seguintes conceitos: empresa, objetivos da empresa, mercado, estratégia, macroambiente ou ambiente externo à empresa.

O ponto de partida é a constatação de que a matriz teórica, que dá base à literatura existente de estratégia empresarial e também de marketing, é a teoria econômica neoclássica.

Os pilares da teoria neoclássica são os seguintes, segundo Nina Shapiro (1979):

1. As necessidades, os desejos e as preferências de um indivíduo não são produto do sistema de relações econômicas no qual se insere, mas são o produto de sua natureza particular, de sua psicologia própria. Este é o conceito do "indivíduo abstrato".

2. O indivíduo ("abstrato") é o sujeito do ato de troca. A relação de íroca é a expressão da necessidade do indivíduo e o princípio da troca, em todas as suas formas particulares, é a satisfação dessa necessidade. Desta forma, o social é reduzido ao indivíduo, ou melhor, o indivíduo é o social.

3. A troca, vista como a relação entre o indivíduo e os objetos por ele desejados, é uma relação de escassez. Assim, a troca é resultado da alocação de fatores escassos entre desejos humanos alternativos.

4. O preço de uma mercadoria é determinado pela relação (equilíbrio) entre demanda e oferta. O preço de uma mercadoria é a expressão imediata do seu grau de escassez.

5. Teoria da demanda: é expressão direta da lei da utilidade marginal decrescente. A demanda é determinada pelas necessidades dos indivíduos.

6. Os recursos são escassos. Os fatores de produção são fixos.

7. A firma é uma unidade técnica de produção que transforma recursos escassos em mercadorias. A firma produz para o mercado.

A partir destas concepções, os autores existentes definem empresa e sua função como:

"Organização orientada para a maximização da eficiência, alcançando seus objetivos por meio da produção e venda de bens e/ou serviços" (Ansoff, 1965).

"A empresa procura otimizar a eficiência do seu processo de conversão de recursos" (Ansoff, 1965).

"A pedra fundamental da moderna sociedade industrial é um grande número de organizações cuja principal função é o fornecimento de bens e/ou serviços a seu ambiente" (Ansoff, 1983).

"A empresa considerada como organização econômica preocupa-se com a conversão dos insumos obtidos do mercado de oferta em produtos devolvidos ao mercado de demanda" (Yoshihara, 1976).

"A empresa é um tipo de empreendimento social através do qual se reúnem recursos variados para atingir determinados objetivos" (Chiavenato, 1984).

Quanto aos objetivos da empresa, a literatura estabelecida assim os define:

"As empresas constituem exemplos típicos de organizações lucrativas. Qualquer definição de empresa deve considerar necessariamente o objetivo de lucro. As empresas são orientadas para o lucro: embora o propósito final das empresas seja produzir bens ou serviços, seu propósito imediato é o lucro, isto é, retorno financeiro que excede o custo" (Chiavenato, 1984).

"Toda organização tem objetivos estilísticos, assim como objetivos de desempenho... Geralmente, presume-se que"maximização de lucro" se constitui na formulação mais geral que se pode fazer dos objetivos de desempenho de uma empresa" (Ackoff, 1976).

Em decorrência das concepções neoclássicas de que a "demanda é determinada pelas necessidades dos indivíduos" e que "a firma produz para o mercado", as entidades "consumidor" e "mercado" passam a ser os imperativos da finalidade básica da empresa, isto é, a razão de ser da empresa é a "satisfação das necessidades do consumidor". A empresa "deve ajustar-se ao mercado" como condição para sua "sobrevivência". Os objetivos da empresa passam a ser "criar um consumidor", "alcançar determinada participação de mercado", etc. O consumo é considerado um fator "exógeno" , fora do controle da empresa, como uma variável dada, sobre a qual a empresa exerce pouca ou nenhuma influência.

Os seguintes textos revelam esta abordagem:

"Só existe uma definição válida para a finalidade de uma empresa: criar um consumidor. É ele que determina o que a empresa é. É somente o consumidor, e a sua disposição de pagar por uma mercadoria ou por um serviço, que transforma recursos econômicos em riquezas, coisas em bens de consumo" (Drucker, 1975).

"Mudanças radicais num negócio podem ser sugeridas por uma compreensão de por que, onde e quando as pessoas consomem e o que consomem" (Ackoff, 1976).

"A função essencial de marketing é a de interpretar o ambiente externo, de modo a facilitar a alocação dos recursos escassos da empresa" (Boyd Jr. e Massey, 1978).

"O conceito de marketing é uma orientação para o cliente, tendo como retaguarda o marketing integrado e por objetivo produzir satisfação ao cliente como a chave para o atendimento das metas organizacionais" (Kotler, 1965).

"As empresas mais bem sucedidas são sempre aquelas que conseguem ajustar a sua oferta a uma demanda ao menos potencialmente existente. (.. .)Por mais poderosa que seja uma empresa em termos da disponibilidade de recursos, influência e imagem, ela sozinha não cria hábitos de consumo a partir da estaca zero. O que o consumidor não deseja, ele rejeita" (Richers, 1982).

Com relação à noção de macroambiente ou ambiente externo à empresa, a literatura existente, principalmente os livros marketing ou administração mercadológica, e também os de estratégia empresarial, enfatizam a necessidade de a empresa "interpretar o ambiente externo", "adaptar-se ao ambiente", "conheceras variáveis exógenas", "avaliar as ameaças e as oportunidades existentes no ambiente externo". O macroambiente é, em geral, entendido como "as forças e instituições relevantes que afetam as transações entre a empresa e seus mercados, incluindo quatro principais componentes - economia, tecnologia pública e cultura "(Kotler, 1965). A estrategia ou planejamento estratégico assume a função de instrumento para "neutralizar as ameaças" e "aproveitar as oportunidades". Os seguintes textos revelam estas concepções:

"(...) o funcionamento da empresa tem um caráter relativista e circunstancial, dependendo das variáveis e forças que predominam naquele contexto, a que chamaremos de ambiente. O ambiente varia constantemente, oferecendo oportunidades, facilidades e vantagens, que a empresa precisa aproveitar, impondo dificuldades, ameaças e coações, que a empresa precisa evitar ou neutralizar, e oferecendo contingências, que a empresa não pode prever, mas que deve atender" (Chiavenato, 1984).

"A administração precisa prever mudanças na estrutura de mercado, resultantes de mudanças na economia; de mudanças na moda e no gosto; e de manobras da concorrência. E a concorrência deve ser sempre definida conforme o conceito do cliente, de qual produto ou serviço ele compra e, portanto, precisa incluir tanto a concorrência direta como a indireta" (Drucker, 1975).

"Ameaça ambiental é um desafio apresentado por uma tendência desfavorável ou por um distúrbio específico no ambiente e que, na ausência de uma ação intencional de marketing, conduzirá à estagnação ou à morte de uma empresa, produto ou marca" (Kotler, 1965).

Sem objetivar esgotar totalmente todas as abordagens existentes, a revisão teórica que acaba de ser feita procurou salientar as principais concepções sobre as quais se baseia a literatura existente sobre estratégia empresarial.

Cabe agora introduzir concepções alternativas, baseadas em outra matriz teórica, sobre as questões até aqui enfocadas. A necessidade de se construir uma visão alternativa do que seja empresa e estratégia empresarial surge da percepção de que a teoria estabelecida apresenta uma análise estática e a histórica dos fenômenos econômicos, não incorporando os fatores endógenos da dinâmica da economia capitalista. A incapacidade de a teoria microeletrônica ou teoria neoclássica da firma descrever, explicar e prever os fenômenos sócio-econômicos e políticos que interferem no processo de gestão empresarial é percebida pelos próprios teóricos da área. Ansoff, por exemplo, afirma:

"(...) a atual literatura sobre planejamento estratégico oferece pouco esclarecimento sobre como enfrentar certas surpresas, como a recente crise do petróleo. Nesse sentido, os desafios, as ameaças e as oportunidades que as empresas têm enfrentado estão mudando e desenvolvendo-se num ritmo mais veloz do que a compreensão do problema. E tudo indica que as coisas continuarão assim" (Ansoff, Declerck, Hayes, 1976).

"(...) a teoria microeletrônica da empresa não é suficientemente rica para explicar processos estratégicos. Portanto, desde os primeiros dias de. planejamento e análise de estratégias, temos oferecido aos administradores um rio, sem um corpo teórico que assegure que a ponte foi bem projetada e continuará de pé" (Ansoff, 1965).

Haselhoff, em seu ensaio Novo paradigma para o estudo das metas organizacionais (1976), objetivando ampliar as perspectivas teóricas e conceituais do planejamento estratégico, também tentou contribuir com uma nova abordagem para estas questões:

"(...) ao tratar de problemas dentro das empresas, descobri a insuficiência de muitas teorias existentes. Ao usá-las, não podia fugir de certa visão míope sobre a qual se apoiava a realidade organizacional. Pouco a pouco, fui-me convencendo de que era mais necessária certo movimento de ruptura. Pareceu-me que a principal preocupação dessa ruptura conceituai deveria ser a teoria da formulação das metas organizacionais."

Uma concepção alternativa para a estratégia empresarial tem como ponto de partida o conceito de empresa. Entendemos que a definição de empresa como"empreendimento" ou "organização social" que "transforma recursos escassos" em "produtos para atender necessidades dos consumidores e da sociedade" explica parcialmente a realidade e não consegue apreender a essêcia dos fenômenos da dinâmica da economia capitalista. Assim, passamos a definir a empresa como o iocus de acumulação de capital, ou seja, é uma unidade de auto-expansão de valor via produção. O conceito de produção é considerado como o processo de reprodução e expansão do capital, como formulado pela teoria econômica clássica. Esta concepção difere essencialmente da teoria neoclássica da firma.

Shapiro, em seu ensaio The neoclassical theory of thefirm (1979), afirma que a empresa não se ajusta a condições dadas de demanda e produção, mas se esforça por um contínuo aumento na sua taxa de expansão. Em vez de se ajustar, tenta transpor todas as barreiras que se contrapõem à sua expansão.

Portanto, desta concepção deriva o objetivo intrínseco de uma empresa, a acumulação e expansão de capital. Como uma unidade de expansão de valor, a empresa tenta continuamente aumentar sua margem de lucro bruto, que é sua maior fonte dos fundos requeridos para expansão. A satisfação das necessidades do consumidor é concebida como um objetivo intermediário da empresa e não como um fim em si mesmo. Assim, as decisões estratégicas de produto e mercado e as políticas de investimentos têm como parâmetro a sua capacidade de geração de capital excedente.

A demanda é conceituada como o produto das necessidades de expansão do capital das empresas e não das necessidades dos consumidores. Segundo Shapiro (1979), a empresa tenta superar o limite imposto sobre sua expansão pela taxa de crescimento da demanda através de uma "batalha competitiva" com outras empresas, isto é, através da apropriação de parcelas de mercado das outras empresas. As ações competitivas, empreendidas nesta direção, podem ser a redução de preços, diferenciação de produtos, propaganda, novos produtos etc.

Guimarães (1981) também considera como ponto de partida o fato de que a empresa deve crescer. E a questão central é como a empresa "se esforça continuamente para encontrar escoadouros para sua produção potencial, de modo a assegurar a realização do potencial de crescimento definido pelo montante de fundos de que dispõe para investir".

Assim, no nosso entender, a demanda é condicionada pelo montante global de investimentos que as empresas aplicam em um dado período de tempo. Para tanto, partimos da concepção kaleckiana de que são o investimento (a acumulação de capital) e o consumo dos capitalistas as variáveis fundamentais para explicar o nível global da renda, isto é, o volume de lucros, o montante de salários e o nível global da produção.

A partir da formulação de que a empresa é um locus de acumulação de capital e que seu objetivo intrínseco é a busca da expansão, podemos definir estratégia empresarial como a lógica das decisões de investimento da empresa, ou ainda, os critérios de alocação de investimentos objetivando a acumulação e expansão de capital.

Para compreender as estratégias empresariais praticadas, devemos procurar conhecer os padrões de competição das empresas em um setor industrial no contexto de uma economia aberta. Isto é, conhecer os diferentes padrões de crescimento associados às distintas estruturas de mercado, de modo a apreender os elementos históricos condicionantes do processo de crescimento das empresas e as conseqüentes modificações dos mercados. A dinâmica de competição entre empresas em um dado setor industrial exerce significativa influência nas decisões estratégicas. Porque esta dinâmica tem suas leis próprias, dependendo da estrutura de mercado (competitivo, oligopólio ou monopólio). Neste sentido, as varáveis do "ambiente externo" da empresa não podem ser vistas como exógenas e, portanto, totalmente imprevisíveis e incontroláveis, mas sim como o produto do conjunto das decisões estratégicas e das conseqüentes alocações de investimento de cada uma das empresas que competem entre si em um dado setor industrial. E também como inerentes à dinâmica da economia capitalista, onde a acumulação de capital é o motor propulsor da lógica das decisões estratégicas, em que a empresa precisa expandir e acumular para não perder posição competitiva e não ter reduzida a sua capacidade de geração de lucros e acumulação de capital ao longo do tempo.

Dentro deste enfoque analítico, Guimarães (1981) considera que, para a empresa alcançar uma maior taxa de crescimento, ela pode escolher entre três objetivos estratégicos:

1. acelerar a taxa de crescimento da demanda do seu mercado corrente;

2. aumentar sua participação em seu mercado corrente, absorvendo parte da demanda suprida por seus competidores;

3. modificar sua linha de produtos e mover-se para além de seu mercado corrente.

A escolha de um ou mais destes três objetivos estratégicos indica a direção que será dada ao crescimento da empresa e que conduzirá a um conjunto de decisões de investimento. As alternativas de investimento são múltiplas, como por exemplo: expansão da capacidade produtiva na frente da demanda; inovação tecnológica e diferenciação de produto, através de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de produtos; esforços de vendas, propaganda e promoção; aquisição de empresas concorrentes (integração horizontal); produção de suas matérias-primas e insumos (integração vertical); entrada em novos ramos de negócios (diversificação de atividades).

A questão da estratégia empresarial não pode ser entendida deslocada do contexto da dinâmica de acumulação e competição da empresa capitalista, nem tampouco da dinâmica global. Dentro deste enfoque, a entidade "consumidor" perde relevância na compreensão dos determinantes das estratégias empresariais, sendo substituída pela lógica intrínseca da acumulação de capital.

As decisões estratégicas são aqui identificadas como as decisões de investimento das empresas decorrentes da sua lógica de acumulação e expansão. Daí decorre a concepção de demanda ou mercado como o resultado das necessidades de expansão do capital das empresas e não das "necessidades e desejos dos consumidores". Através das suas decisões de investimento, as empresas podem condicionar a demanda, promovendo o consumo de determinados tipos de produtos, moldando as mudanças dos hábitos de consumo, direcionando a preferência do consumidor. E, conseqüentemente, gerando a expansão dos mercados em que atuam.

Em síntese, as alternativas ao pensamento estabelecido em estratégia empresarial devem ser procuradas através da incorporação das contribuições dos autores da chamada nova economia: pós-keynesianos, neomarxistas e neo-ricardianos.

Atualmente, tem-se assistido ao renascimento da perspectiva analítica da Escola de Economia e Política Clássica, desde a publicação do trabalho de Piero Sraffa A produção de mercadorias por meio de mercadorias, apresentando solução para a questão da"medida de valor invariável", que desde Ricardo, há cerca de 150 anos, havia ficado sem resposta.

Os inúmeros trabalhos produzidos por estas correntes teóricas nos últimos 25 anos têm sido totalmente ignorados pelo pensamento estabelecido em estratégia empresarial, apesar de conterem alternativas para a superação das insuficiências anteriormente analisadas.

Daí, para o estabelecimento de um novo paradigma nesta área, surge a necessidade de os teóricos de estratégia empresarial aprofundarem seus estudos sobre os autores que alicerçam a nova economia, incluindo, num contexto amplo, os nomes: M. Kalecky, J.Steindl, P.S. Labini, P. Sraffa, J.S. Bain, J. Robinson, J.A. Clifton, N. Shapiro, K. Barr, E.J. Neil, N.P. Ong, W. Semmler, A.S. Erchner, C. Napoleoni, O.P. Levine, P. Sweezy, P. Baran, M.C. Tavares, E. Guimarães.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1986
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