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Como financiar parte de seu capital de giro a custo zero

COMENTÁRIOS

Como financiar parte de seu capital de giro a custo zero

Luiz Roberto S. CandiotaI; Eduardo Dias P. SilvaII

IM.B.A., Harvard University, professor do Departamento de Administração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, consultor de empresas

IIAluno do Curso de Graduação da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

1. Introdução

Os bancos comerciais, oficiais ou privados estão autorizados a efetuar a arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais de autarquias, programas governamentais etc.

Este trabalho restringir-se-á aos tipos de recolhimentos que possam influir, positivamente, no relacionamento cliente-banco, objetivando-se a quantificação do "valor" destas arrecadações para ambos.

Por força desta facilidade, o empresário passou a recolher, junto aos bancos, seus impostos, taxas etc, ao invés de efetuar cada recolhimento na repartição competente. Tal fato veio facilitar a empresa, já que foi colocado à sua disposição urna ampla rede de agências bancárias para recebei seus recolhimentos periódicos. Por outro lado, foi também transferido aos bancos parte importante da carga de trabalho existente nas dependências oficiais.

Para compensar esse novo ónus assumido pelos bancos comerciais, ficou estabelecido que o montante assim arrecadado não seria imediatamente remetido ao órgão específico, mas sim após certo número de dias. No caso de entidades governamentais, esta regra é a mesma para todos os bancos, com raras exceções, como o caso do ICM na Guanabara, que só pode ser pago nas agências do Banco do Estado da Guanabara.

Os bancos comerciais são estabelecimentos especializados e equipados para manipular e guardar dinheiro e valores, o que fazem com maior segurança para o cliente. Sua renda provém do uso destes recursos; dentro de determinados parâmetros, quanto maior o volume de recursos disponíveis no banco, maior se torna sua oportunidade de ganho. O resultado desta manipulação, ou seja, a tenda proveniente da aplicação dos recursos disponíveis, aparece como função do tempo de uso desses recursos, conjugado com as diferentes taxas de retorno conseguidas em cada um dos bancos. Dentro deste contexto, o "valor" destas arrecadações teve três diferentes fases no recolhimento empresa-banco.

2. Um pouco de história

A primeira destas fases caracterizou-se pela maior intensidade com que alguns dos bancos passaram a efetuar o recebimento dos impostos e taxas devidos pelos empresários. Como os recursos assim arrecadados permanecem durante certo período como encaixe livre, em poder dos bancos, gerando assim um saldo-médio de disponível aplicável que, por sua vez, gera uma certa renda, este volume assim arrecadado aumentou consideravelmente no momento em que os empresários tiveram a facilidade de efetivar estes recolhimentos por intermédio dos bancos. Poderiam então estes organismos ter um maior volume de recursos disponíveis e, conseqüentemente, maiores rendas.

Maior importância ficou atribuída a esta nova situação quando os bancos perceberam que os custos das arrecadações eram somente administrativos e muito pequenos se comparados com a estabilidade do encaixe assim detido e o possível uso deste no atendimento das necessidades de seus clientes, sempre ávidos de empréstimos a baixo custo.

Os empresários, na sua grande maioria, pareciam desconhecer àquela época o "valor" destas arrecadações como fator de barganha em seu relacionamento com os bancos, já que o volume de crédito que se lhes concedia num banco comercial, sempre aquém do que era desejado pelo empresário, estava amarrado a uma proporção, com base num determinado múltiplo de seu "saldo-médio".

Já numa segunda fase, o volume das arrecadações efetuadas pelos empresários passou a se tornar objeto de conversão em "saldo-médio", por iniciativa deles, logicamente. Contudo, não se chegou a definir corretamente o "valor" desses recolhimentos na composição do custo final, para o cliente, do crédito concedido nos bancos; isto porque os juros devidos pelo cliente poderiam ser bem menores, quando se consideram as arrecadações de impostos como fonte extra de saldo-médio. Continuou o empresário em desvantagem, não por medida estudada e praticada, mas sim porque nem os próprios bancos tinham bases suficientes para determinar, com relativa precisão, o comportamento real das arrecadações, bem como suas estruturas de custos e receitas que pudessem vir a tornar quantificáveis as possíveis e reais vantagens a serem concedidas aos empresários, quando do estabelecimento das taxas de juros em seus empréstimos.

A terceira fase, a atual, objetivo do nosso trabalho, procura mostrar o "valor" real das arrecadações nos seus principais tipos de recolhimento para o fortalecimento da relação empresário banco.

Inicialmente, nesta fase, devemos considerar o seguinte:

a) a necessidade do Mercado Nacional quanto ao financiamento dos recolhimentos de impostos efetuados pelas empresas;

b) que o governo, em retribuição ao serviço prestado pela rede de agências dos bancos comerciais, exige o recolhimento, ao órgão governamental, alguns dias após o pagamento da empresa ao banco;

c) que os diversos impostos têm regras e características bem específicas quanto:

- às datas de recolhimento da empresa ao banco;

- às datas de transferência aos órgãos governamentais, e

- aos custos de operação interna do banco para processar tal recolhimento;

d) que os recursos após o recolhimento ao banco pela empresa e até a transferência ao órgão governamental podem render cerca de 1,35% por mês, caso sejam aplicados em LTN ;

e) que os recursos necessários ao financiamento real do recolhimento devido pela empresa, isto é, desde a data estabelecida pelos órgãos governamentais até o pagamento da empresa ao banco, deverão ser recrutados de empréstimos feitos aos atuais clientes do banco, custando em média 1,83% ao mês;

f) que é possível cobrar das empresas pelo "saldo devedor" registrado, desde a data em que a empresa deve recolher seu imposto ao banco até a data do real pagamento (levando portanto seu saldo devedor a zero) da empresa ao banco, um máximo de 1,4% ao mês, mais 0,2% de IOF (que só será devido se houver saldo devedor no último dia do mês), já que esta taxa de juros é limitada pelo Banco Central, considerando-se que os prazos de recolhimentos de impostos não ultrapassem mais de 60 dias, e

g) que é necessário que as rendas auferidas pelo banco, com juros sobre o saldo devedor mais alguma renda obtida com o recolhimento feito pelo cliente até o pagamento do banco ao governo, sejam suficientes para cobrir os custos diretos da operação (custos administrativos e financeiros) e fornecer uma renda extra capaz de remunerar o capital do risco sempre associado a estas operações; neste caso estimamos um valor aproximado de 0,15% sobre o montante de cruzeiros envolvidos.

3. As características das espécies de recolhimentos

Após essas considerações iniciais, passamos ao estudo detalhado das características específicas dos principais recolhimentos de impostos, dentro do âmbito relativamente restrito deste trabalho.

3.1 INPS

a) a empresa tem até o último dia do mês A para fazer o pagamento devido ao governo;

b) o banco deverá transferir ao órgão governamental 50% no dia 28 do mês B e no dia 2 do mês C do que houver "recebido" das empresas no período compreendido entre 21 do mês A e 20 do mês B, e

c) o custo administrativo de receber o imposto é inferior a Cr$ 0,50 por recolhimento.

3.2 FUNRURAL

a) a empresa tem até o último dia do mês A para fazer o pagamento' devido ao governo;

b) o banco deverá recolher ao órgão governamental, no último dia do mês B, o que houver "recebido" das empresas no período compreendido entre 21 do mês A e 20 do mês B, e

c) o custo administrativo de receber o imposto é inferior a Cr$ 0,50 por recolhimento.

3.3 FGTS

a) a empresa tem até o último dia do mês A para fazer o pagamento devido ao governo;

b) o banco deverá recolher ao governo: 25% no dia 3 do mês C 25% no dia 11 do mês C 25% no dia 19 do mês C 25% no dia 27 do mês C do que houver "recebido" das empresas, no período compreendido entre 16 do mês A a 15 do mês B, e

c) o custo administrativo de receber o imposto é de 2,0% sobre o valor recebido das empresas.

3.4 PIS

a) a empresa tem até o dia 10, ou até o dia 20" do mês A, conforme sua data-base de recolhimento, para fazer o pagamento devido ao governo;

b) o banco deverá recolher ao governo, no dia 10 do mês B, o que houver "recebido" das empresas no período compreendido entre 1 do mês A e 30 do mês A, e

c) o custo administrativo de receber o imposto ê inferior â Cr$ 0,50 por recolhimento.

3.5 ICM

a) a empresa tem de pagar, mensalmente, sempre no mesmo dia, definido conforme seu código de atividade, o montante devido ao governo;

b) o banco deverá recolher ao governo no dia (x+7 ) o que houver "recebido" das empresas no dia x, ou seja, há o defasamento de uma semana, devendo recolher (por exemplo) na segunda-feira da semana II o que houver recebido na segunda-feira da semana I, e

c) o custo administrativo de receber o imposto é inferior a Cr$ 0,50.

3.6 IPI e IR

a) a data do recolhimento varia de empresa para empresa para o pagamento devido ao governo, seja no caso do pagamento de duodécimos, seja no caso de notificações, em outra, quanto ao IR, e

b) o banco deverá recolher ao governo no dia 15 do mês A, o que houver "recebido" das empresas no período de 1 do mês A a 10 do mesmo mês; no dia 25 do mês A, o que houver "recebido" entre 11 e 20 do mês A; no dia 5 do mês B, o que houver "recebido" entre o dia 21 e 30 do mês A.

4. A rentabilidade das arrecadações

A seguir mostramos o cálculo da rentabilidade das arrecadações, tendo em primeiro lugar a explanação de um modelo teórico, no qual foi baseado o desenvolvimento das espécies de arrecadações a serem aqui consideradas.

4.1 MODELO TEÓRICO

V V' V V" O D N B M

D = data em que a empresa deve pagar ao governo; e data em que se inicia o saldo devedor igual a (V)

V = valor em Cr$ do recolhimento devido pela empresa V e V" = valor em Cr$ do pagamento pela empresa.

N = uma das datas de pagamento da empresa ao banco, no caso do cliente pagar antes que o banco recolha ao governo

M = outra data possível de pagamento da empresa ao banco, no caso de pagar depois que o banco recolhe ao governo

B = data em que o banco deve recolher ao governo

C = custo administrativo de processamento em Cr$

4.1.1 Calculo da rentabilidade

- para o caso em que a empresa paga ao banco antes do recolhimento do banco ao governo:

Obs.: a) Break-even point do número de dias necessários para que J = O, sendo C = O

b) Juros mínimos necessários (% por mês)

- para o caso em que a empresa paga ao banco após o recolhimento do banco ao governo

Obs.: a) Break-even point do número de dias necessários para que J = O, sendo C = O

b) Juros mínimos necessários (% por mês)

Como exemplo ilustrativo, podemos apresentar em detalhes o sistema de cálculo para o INPS.

a) Supondo que a empresa não pague até o último dia do mês A, pode então o banco efetuar o pagamento, ficando o cliente com saldo devedor. (Por exigência legal, há incidência do IOF, imposto sobre operações financeiras, sobre o saldo devedor apresentado no último dia útil de cada mês; não é considerado neste trabalho dado já ser um fato consumado.)

b) Se a empresa vier a saldar seu débito entre o dia 1 do mês B e 28 do mesmo mês, os juros a serem cobrados, sobre o saldo devedor, serão nulos (ver no número 1, a seguir).

c) Considerando ainda que:

- o calendário do INPS para os bancos comerciais, para a transferência ao governo, compreende o que foi arrecadado no período de 21 do mês A a 20 do mês B;

- o maior volume de recebimentos acontece no último dia de cada mês, já que o calendário do INPS para os seus contribuintes fixa, como prazo final de recolhimento, este dia, e que o "custo de oportunidade" dos recursos a serem recolhidos conduz os contribuintes a agirem desta forma;

- do volume total (V) recebido no período estipulado pelo INPS PAIA os bancos, estes devem transferir ao governo 50% no dia 28/B e os outros 50% restantes em 2/C;

V 50%(V) 50%(V) 21/A 30/A 20/B 28/B 2/C

- caso a empresa não possa pagar até a data-limite, pode o banco "efetuar" tal pagamento, ficando a empresa com saldo devedor em uma conta garantida;

- finalmente, dado este fato (último item), a empresa poderá vir saldar seu débito em 3 diferentes épocas:

1) Antes do dia 28 do mês B, período esse no qual não há desencaixe nem custos consideráveis e existindo somente o fator "capital do risco", quanto ao valor da conta garantida, o cálculo abaixo vem mostrar a partir de que dia deveriam ser cobrados juros, partindo do modelo teórico apresentado:

fazendo J = O, temos que n < 29,7 dias.

Esse número de dias é superior aos constantes da primeira época (de 1/B a 28/B), significando então não haver juros a serem cobrados à empresa nesse período.

2) Após o dia 28 do mês B e antes do dia 2 do mês C, os juros seriam:

- se pagar em 29/B

J < O, ou seja, não há juros devidos pela empresa, conforme mostra também o item 1.

- se pagar em 30/B: 0,1435%

01/C: 0,1965% (ou 31' dia de saldo devedor)

0/2C: 0,2495%

Nesse período de 28/B a 2/C, o banco já tem um desencaixe de 50% sobre (V) , efetivado em 28/B. 3) Após o dia 02/C, ou 32º dia de saldo devedor na conta garantida; nesse período então, há 100% sobre (V) como desencaixe para o banco; os juros seriam:

- se pagar nos dias seguintes, teremos:

Continuando, mostramos a rentabilidade de outras arrecadações, a serem aqui consideradas:

4.1.1.1 FUNRURAL

a) Se a empresa não pagar até o último dia do mês A, pode então o banco "efetuar" o pagamento, ficando ela com saldo devedor;

b) se a empresa vier a saldar seu débito antes do 27* dia de saldo devedor, os juros serão nulos, e

c) se vier a saldar nos dias seguintes teremos:

4.1.1.2 FGTS

a) Se a empresa não pagar até o último dia do mês A, pode então o banco "efetuar" o pagamento, ficando ela com saldo devedor;

b) se a empresa vier a saldar seu débito três dias após o início do saldo devedor, os juros serão nulos;

c) se vier a saldar nos dias seguintes, teremos:

d) acima de 33 dias, os juros a serem cobrados sobre o saldo devedor seriam superiores a 1,4% ao mês, o que é superior ao limite fixado pelo Banco Central.

4.1.1.3 PIS

1-a) Se a empresa não pagar até o dia 10 do mês A, pode então o banco "efetuar" o pagamento, ficando ela com saldo devedor;

1-b) se a empresa vier a saldar seu débito antes do 27º dia de saldo devedor, os juros serão nulos, e

1-c) se vier a saldar nos dias seguintes, teremos:

2-a) Se a empresa não pagar até o dia 20 do mês A, pode então o banco "efetuar" o pagamento, ficando ela com saldo devedor, e

2-b) se a empresa vier a saldar seu débito antes do 17º dia de saldo devedor, os juros serão nulos:

4.1.1.4 ICM

a) Se a empresa não pagar no dia especificado, conforme seu código de atividade, pode então o banco "efetuar" o pagamento, ficando ela com saldo devedor;

b) se a empresa vier a saldar seu débito antes do 4º dia de saldo devedor, os juros serão nulos, e

c) se vier a saldar nos dias seguintes, teremos:

4.1.1.5 IR e IPI

a) Se a empresa não pagar no dia especificado, pode o banco "efetuar" o pagamento, ficando ela com saldo devedor;

b) se a empresa vier a saldar seu débito antes do 12' dia de saldo devedor, os juros serão nulos, e c) como não é possível definir-se a data do início do saldo devedor, pois essa data varia de cliente para cliente e, também, a data da cobertura do saldo devedor pelo cliente, temos as seguintes tabelas (tabelas 1, 2 e 3) relacionando essas duas variáveis.

5. Conclusão

Pensamos ser possível, portanto, a valorização real pelas empresas dos diversos recolhimentos de impostos, com a finalidade de lhes proporcionar uma fonte de recursos para capital de giro a baixos custos, dentro de um ponto de equilíbrio no relacionamento empresa-banco no que se refere às oportunidades de ganhos mútuos, proporcionados pelas defasagens entre o momento de recolhimento do imposto ao banco "e o momento da transferência destes recursos ao governo.

Tabela 1

Tabela 2

Tabela 3

  • 1
    Juros devidos no 32º dia de saldo devedor
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1973
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