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Manufacturing consent

RESENHA

Manufacturing consent

Delvair de Brito Alves

Enfermeira, Prof. Adjunto da Escola de Enfermagem da UFBA e Doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia

BURAWOY, Michael. Manufacturing consent. CHICAGO: The University of Chicago Pres., 1979. 267p.

BURAWOY (1985), se destaca em criticar e aprofundar questões colocadas em Trabalho e Capital Monopolista,** apontando para a necessidade... de considerar em algum nível a participação criativa dos trabalhadores em oposição a uma concepção monopolista de gerencia... (RAMALHO, 1991, p.23). Embora lenha evitado debates com marxismos alternativos, os pontos de vista de Burawoy tem sido formados em oposição a muitas teorias dominantes neste livro de Braverman. Esses pontos de vista são tratados tanto em Manufacturing consent - que corresponde à sua tese de doutorado, publicada pela Universidade de Chicago, em 1979, como em seu famoso livro The politics of the production (BURAWOY, 1987).

Em Manufacturing consent ele privilegia a análise da produção de consentimento e propõe

... demonstrar como o consentimento è produzido no ponto de produção - independente da escola, vida familiar, meios de comunicação de massa, o estado, e assim por diante.

A defesa da sua tese permeia os cinco capítulos de Manufacturing consent, ou seja: Da Sociologia ao marxismo; Mudanças no processo de trabalho; A produção do consentimento; A autonomia relativa do processo de trabalho e os Motores da mudança.

A tese é constituída a partir das experiências do autor como operário em diferentes fábricas. Entretanto, a experiência que lhe fornece o substrato básico é aquela iniciada cm 02 de julho de 1974 em uma multinacional, a Allied Corporation, onde trabalhou como observador participante. Parte, assim, de um ... estudo de caso para ilustrar e desenvolver um arcabouço teórico para entendimento e colocação de questões sobre o processo de trabalho capitalista. (p. 15). Considera que o... estudo detalhado do processo de trabalho de uma firma particular em período extenso de tempo (...) dá oportunidade para examinar as forças que conduzem mudanças no chão de fábrica... (p.46).

A metodologia utilizada acaba privilegiando o leitor com uma verdadeira aula sobre o estudo de caso numa perspectiva qualitativa, e de como a observação participante, acordada entre pesquisador e gerência, cria espaço para obtenção de dados essenciais à análise que se propõe.

O impacto dessa obra se reflete na ampla discussão sobre a produção de consentimento e tem tomado espaço considerável na literatura sobre processo de trabalho, principalmente a partir das críticas de KNIGHTS (1990), LITTLER (1990), THOMPSON (1990), dentre outros.

No primeiro capítulo (Da sociologia ao marxismo), BURAWOY trata da morte da sociologia industrial e apresenta elementos para uma teoria do processo de trabalho capitalista. Esta análise se dá, inicialmente, a partir do exame das tendências na sociologia e seu relacionamento com mudanças no capitalismo.

Com esta análise, Burawoy pretende, mais do que rejeitar os achados da sociologia industrial, os ultrapassar e, algumas vezes, os incorporar numa perspectiva mais ampla, dentro de um arcabouço Marxista. Considera que Nós devemos evitar os vários debates entre teoria do consenso e teoria do conflito e mudar o discurso para um terreno inteiramente diferente. (p. 12). Isto significa que as posições metafísicas sobre a ênfase no conflito ou no consenso devem ser substituídas pela posição de que o processo de trabalho deve ser entendido, não apenas em termos de conflito e resistencia mas, também, em termos de geração de consentimento.

Burawoy busca ...compreender a especificidade do processo de trabalho capitalista como distinto dos processos de trabalho pré-capitalista e pós-capitalista, (p. 12). Assim, parte de alguns conceitos gerais como o de historia, modo de produção, relações de produção, processo de trabalho, relações na produção, reprodução de relações de produção, política e ideologia e tenta iluminar o processo de trabalho capitalista contrastando o capitalismo com o feudalismo na sua forma pura, abstrata. Conclui que, ao contrário do capitalismo, no modo de produção feudal, a apropriação do excedente é transparente e se dá via mecanismos extra econômicos.

CASTRO e GUIMARÃES reagem a esta conclusão de BURAWOY colocando que

... dizer que nos modos nao capitalista a exploração é transparente soa inadequado por poder sugerir, seja que inexistam aí aparatos de consentimento, seja que prevaleça entre os trabalhadores a consciência imediata dessa exploração ( CASTRO & GUIMARÃES, 1991, p.47).

O autor conclui este capítulo dizendo que a essência do processo de trabalho capitalista é o simultâneo obscurecimento e garantia de mais valia. Diz que de acordo com teorias marxistas, os capitalistas garantem a mais valia através da

... fragmentação e atomização da classe trabalhadora no ponto de produção - características essenciais do obscurecimento de mais valia - porém estas teorias não explicam como mais valia é garantida. Obscurecer mais valia é uma necessidade porém condição não suficiente para garanti-la.

Burawoy discute os mecanismos através dos quais mais valia é simultaneamente obscurecida e garantida; examina as forças que conduzem às mudanças no chão de fábrica e busca entender a natureza destas mudanças ao examinar os 30 anos de making out, ou seja, 30 anos em que as atividades na fábrica são, por ele, tratadas como uma série de jogos nos quais operadores querem conseguir níveis altos de produção.

Nesta análise, não fica muito claro como se dá a combinação de força e consentimento nem porque os trabalhadores cooperam para que o lucro seja alcançado.

No segundo capítulo (Mudanças no processo de trabalho), influenciado, pesadamente, por marxistas franceses como Louis Althusser e Nicos Poulantzas, BURAWOY examina mudanças no processo de trabalho de uma fábrica num período de 30 anos.

No capítulo terceiro (A produção de consentimento) o autor tenta mostrar como a constituição do processo de trabalho como um jogo contribui para obscurecer c garantir mais valia. Toma o jogo. não apenas como instrumento de explanação, mas também como instrumento de crítica.

Segundo CLAWSON & FANTASIA (1983) citado por RAMALHO (1991. p.41), a participação dos trabalhadores no jogo do "making out" constitui a principal fraqueza neste trabalho de Burawoy. Estes críticos dizem ainda, que Burawoy

... não percebe a dimensão dialética da participação no jogo ao incorporar os trabalhadores no sistema. (...) pode-se pensar que os trabalhadores que se empenham para maximizar a produção (e, portanto, os lucros) estão também ganhando experiência e criando as condições que tornariam possível a transformação do processo de trabalho.

BURAWOY, toma ainda para análise o aparecimento do mercado de trabalho interno e consolidando um estado interno. Conclui que o mercado de trabalho interno contribui para obscurecer e garantir a mais valia de diferentes modos: internalizando os traços mais característico do mercado de trabalho interno; dissolvendo tensões entre traballiadores e gerentes e gerindo novas tensões entre trabalhadores. Em seguida examina as consequências da absorção parcial do mercado de trabalho interno pela empresa industrial através do crescimento do estado interno.

Embora, no capítulo primeiro, BURAWOY critique as teorias marxistas, por explicarem apenas como a fragmentação e a atomização da classe trabalhadora obscurecem a mais valia, e não explicarem como a mais valia é garantida, ele também não desenvolve um relato de como os processos de trabalho fragmentam, atomizam e transformam trabalhadores em indivíduos, ao invés de membros de uma classe.

No capítulo quarto, (A autonomia relativa do processo de trabalho) analisa o processo de trabalho em uma recessão e o processo de trabalho e a consciência do trabalhador, ou seja, analisa o grau pelo qual o processo de trabalho foi isolado de mudanças externas e a consciência que os trabalhadores adquiriram fora da fábrica. Tenta mostrar como mudanças no mercado, decorrentes da recessão de 1974. afetaram o processo de trabalho de formas determinadas pela organização do trabalho, pelo mercado de trabalho interno e pelo estado interno. Conclui que o processo de trabalho na firma estudada é, relativamente autônomo, (p. 156).

Explora ainda o efeito da consciência, importada de fora do local de trabalho, por diferentes grupos de trabalhadores, na tradução de relações em atividades. Conclui que variações em consciências importadas não significam diferentes relações na produção. Consciências importadas medeiam a tradução de relações na produção em atividades, porem dentro de limites estreitos; o efeito mediato de tais consciências varia de acordo com a posição no processo de trabalho, isto é, seu efeito é formado pelo próprio processo de trabalho.

No capítulo quinto (Os motores de mudanças) BURAWOY analisa lutas no chão-de-fábrica; lutas de classe e competição capitalista e a evolução do capitalismo competitivo ao monopolista.

Distingue dois tipos de lutas no chão de fábrica: lutas econômicas, cuja objeto e o esforço de barganha e lutas políticas, cujo objeto são as relações na produção. Diz que experienciou lutas econômicas e uma forma limitada de lutas políticas no chão-de-fábrica e, apenas raramente, observou lutas para atingir metas na produção, prioridade da produção e sobre decisões para participar do "making out" de outros jogos.

Neste capítulo, o autor argui ainda que mudanças no processo de trabalho da Geer e da Allied, nos 30 anos estudados, são produto de uma combinação de lutas de classe e competição capitalista. Tenta mostrar que este fato, reduz o nível de militância entre os membros do sindicato.

Prosseguindo em sua análise, BURAWOY considera que os motores do desenvolvimento do capitalismo são lutas e competição. Parte da teoria de Marx (do desenvolvimento do capitalismo), para analisara passagem do capitalismo competitivo ao monopolista. Embora concorde com Marx, por este antecipar o fim do capitalismo competitivo, discorda dele por prever o fim do capitalismo e o aparecimento do socialismo. Isto porque, para BURAWOY, o capitalismo competitivo não gerava o socialismo, mas uma nova forma de capitalismo, o monopolista, no qual os padrões de lutas e de competição mudaram. Para ele, o processo de trabalho em ambos é diferente. Se no primeiro, o espaço para produção de consentimento é inexistente ou quase inexistente, no segundo, este espaço começa a tomar forma. Concluindo esta análise, Burawoy continua afirmando que o

Consentimento é produzido e reproduzido no chão-de-fábrica e não é dependente da legitimidade existente na cabeça das pessoas, nas escolas e na formação do caráter na família. Mesmo em situações marginais, onde consciências importadas formam comportamento, seu impacto específico é determinado pelas posições dos trabalhadores no processo de produção. (p.201).

Embora admita que reprodução de consentimento depende de certas características humanas adquiridas fora do trabalho tais como capacidades para comunicar e para participar de jogos que compensam a perda de controle sobre o processo de trabalho, ao concluir este capítulo minimiza a importância destes elementos ao dizer que

O estado, a escola, a família, a cultura e a personalidade são importantes, porém sua importância pode ser considerada apenas para tomar o processo de trabalho transformado como ponto de partida. ( p.202).

No apêndice, o autor sugere que

... a organização do trabalho deve variar com o contexto social, político e econômico mas que o comportamento dos trabalhadores está de acordo como a organização do processo de trabalho e amplamente independente de qualquer consciência pré capitalista que eles trazem consigo. (p.214).

Finalmente consideramos importante registrar que CLAWSON & FANTASIA (1983). citado por RAMALHO (1991, p.40-41), ao comentarem o livro Manufacturing consent dizem que na análise de BURAWOY,

... todos os processos sociais beneficiam a classe capitalista. A luta de classe não forma e nunca ameaça o sistema e o que aparece no livro é uma versão de teoria da elite, na qual todos os eventos reforçam o convite do capital.

* Trabalho e Capital Monopolista é o livro de Harry Braverman, publicado em 1974, quando Burawoy, professor da Universidade da Califórnia, Berkeley, estava trabalhando na Allied.

  • 1. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX Tradução de Nathanael C. Caixeiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 379p.
  • 2. BURAWOY, Michael. The politics of production: factory regimes under capitalism and socialism. 2.ed. New York: British Library, 1987. 277p.
  • 3. CLAWSON, D. & FANTASIA, R. Beyond Burawoy: The dialeties of conllict and consent on the shop floor: theory and society, v. 12, n. 3. 1983. citado por RAMALHO, José Ricardo, Controle, conflito e consentimento na teoria do processo de trabalho: um balanço do debate. BIB Rio de Janeiro, n. 32, p. 31-48, 1991.
  • 4. CASTRO, Nadya Araujo e GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Além de Braverman, depois de Burawoy: vertentes analíticas na sociologia do trabalho. Revista Brasileira de Ciência Sociais, n.17, a. 6, p. 44-52, out. 1991.
  • 5. KNIGHTS, David. Subjectivity, power and the labour process. In: KNIGHTS, David & WILLMOTT. Hugh (orgs). Labour process theory London: Macmillan, 1990.
  • 6. LITTLER, Craig. R. The Labour process debates: a theoretical reviews 1974-1988. In: KNIGHTS, David & WILLMOTT, Hugh (orgs.) Labour process theory London: Macmillan. 1990.
  • 7. RAMALHO, José Ricardo. Contrôle, conllito e consentimento na teoria do processo de trabalho: um balanço do debate. BIB Rio de Janeiro, n. 32, p. 31-48,1991.
  • 8. THOMPSON, Paul. Crawling from the wreckage: the labour process and the politics of production. In: KNIGHTS, David & WILLMOTT, Hugh (orgs). Labour process theory London: Macmillan, 1990.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1993
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