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Processo de integração docente assistencial: espaço e movimento possíveis na construção do saber em saúde coletiva

Resumos

O trabalho relata e discute a integração docente-assistencial como espaço privilegiado para a construção de um saber em saúde coletiva que articule o conhecimento oriundo da prática profissional com o gerado pela academia, rompendo a dicotomia saber/fazer.


The authors report and discuss the teaching-service integration as a privileged space to framing of the public health knowledge. By this construction it has been achieved a greater approach between the academic knowledge and the knowledge emerged of the practice.


Processo de integração docente assistencial: espaço e movimento possíveis na construção do saber em saúde coletiva

Emiko Yoshikawa Egry; Rosa Maria G.S. Fonseca; Hisako Shima; Maria Josefina Leuba Salum

Professores Doutores do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Membros do Grupo de Trabalho Integração Docente Assistencial EEUSP/Município de Taboão da Serra, SP. Brasil

RESUMO

O trabalho relata e discute a integração docente-assistencial como espaço privilegiado para a construção de um saber em saúde coletiva que articule o conhecimento oriundo da prática profissional com o gerado pela academia, rompendo a dicotomia saber/fazer.

ABSTRACT

The authors report and discuss the teaching-service integration as a privileged space to framing of the public health knowledge. By this construction it has been achieved a greater approach between the academic knowledge and the knowledge emerged of the practice.

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ANEXO I

ASSISTÊNCIA À SAÚDE EM TABOÃO DA SERRA (SP): PROBLEMATIZAÇÃO

1) A política de Sadde do Município de Taboão da Serra retrata a ideologia contida na atual Política Nacional de Saúde, tanto no nível do discurso quanto da prática: as Instituições de Saüde, de sarticuladas em sua organização, detêm a centralização das decisões a respeito da formulação e de senvolvimento dos seus programas e não existe a adoção de uma filosofia de atenção à sadde coletiva, ainda que venha sendo rediscutida a sua prática assistencial. Os programas desenvolvidos têm muito mais cunho de resolução pragmática das questões estreitas de doença e não do processo sadde/doença, questões essas calcadas na interpretação do fenômeno com enfoque que, no máximo, é multicausal e individual, contrapondo-se à determinação social do processo e, por conseguinte, do coletivo.

2) A existência da clara explicitação da filosofia de assistência à sadde no Município de Taboão da Serra, gera uma falsa autonomia dos dirigentes e dos praticantes das ações assistenciais na prestação dos serviços de sadde reafirmando com isso, ora posturas autoritárias frente à questão, ora "laissez-faire", centradas na maioria das vezes em decisões pessoais a críticas de interpretação da realidade de saúde.

3) A diferenciação dos recursos humanos e materiais dispostos em cada unidade básica de saúde, demonstra valores institucionais diferenciados, privilegiando algumas unidades de sadde (e não de determinadas classes sociais) em detrimento de outras. Assim é que, ao contrário do que ocorre com os Centros de Sadde Integração, não se dotam de recursos os Postos de Atendimento Sanitário (PAS) que surgem a partir de legítimas reivindicações populares, o que provoca um questionamento sobre as razões dessa diferenciação tão notória.

4) As ações de sadde das unidades são exclusivamente intramuros, não havendo, ainda, a organização sistematizada de outras, extra-muros, impedindo que as unidades assumam um caráter dinâmico de intervenção real na sadde, limitando-se à solução de queixas individuais descobertas a partir da demanda restrita aos programas oferecidos. Além disso, pelo caráter assistencialista que o desenvolvimento dos programas vem assumindo, a sadde não é encarada, na maioria das vezes, enquanto questão a ser trabalhada de forma reflexiva, o que impede a clientela de interpretar de forma real os seus agravos de saúde.

5) Os serviços de sadde consideram a comunidade como uma somatória de indivíduos, não reconhecendo que ela se organiza em uma estrutura social classista. Neste momento, o que se pode observar são apenas articulações para tentar ouvir as reivindicações da comunidade, mas não existem trabalhos efetivos envolvendo-a como um todo.

6) Não existe uma política clara de desenvolvimento de recursos humanos em saúde, portanto não existe um sistema organizado de supervisão, capacitação e reciclagem tanto dos profissionais como dos ocupacionais. As atividades que se desenvolvem nesse sentido são individualizadas e tal desenvolvimento se dá a partir de interesses pessoais. Carece-se também de um único e claro sistema de avaliação da atuação no trabalho; a avaliação que vem sendo realizada hoje, tem o sentido de promover, na maioria das vezes, cobranças de quantidade produzida ao invés de qualidade das intervenções.

7) Com raras exceções, a postura profissional em relação à clientela é bastante autoritária, de um modo impedindo o compartilhamento do saber e a conseqüente reflexão sobre as condições de saúde da clientela e, de outro, "empurrando" a adoção de valores das classes sociais dominantes e por isso mesmo, instrumentos de dominação (de higiene, de ascetismo, de conformismo) que são externos aos valores das classes sociais na qual está inserida a clientela.

8) As ações de saúde desenvolvidas são repetitivas (reiterativas) e até mecânicas, revelando por si só uma consciência ingênua na tomada da realidade; não há, portanto, reflexões críticas a respeito de todas as condutas e conduções, realizadas unilateralmente.

9) Os programas revelam a reiteração da opressão da classe dominada, primeiro, pelo cumprimento ingênuo e reflexivo deles e, segundo, por conter medidas paliativas de clara manutenção da diferenciação social, haja visto a distribuição de alimentos, por exemplo, o Programa de Suplementação Alimentar (PSA).

10) Há por parte dos profissionais de saúde e também dos ocupacionais a percepção de "universalidade" da comunidade ou falsa igualdade dentro da pobreza, não existindo a visualização da estrutura de ciasse (dos assistenciais e da clientela), de sua inserção no sistema produtivo, suas contradições e antagonismos.

11) Mais do que transparente a hegemonia do trabalho médico, absoluta nas unidades básicas, é a hegemonia do saber baseado nas acepções técnico-positivistas e no domínio ou detenção delas. A enfermagem, como corpo de conhecimentos e habilidades específicas que visa a transformação da saúde, sequer é mencionada claramente no Modelo Assistencial; além disso, sua prática nada revela de transformadora.

12) Inexiste, nas unidades de saúde, uma filosofia de assistência de enfermagem, e até mesmo de "modelos assistenciais" e a categoria desenvolve o seu trabalho na esteira das decisões do profissional médico. A assistência de enfermagem prestada, em sua maioria, forma um conjunto desarticulado de ações que não chegam a propósito algum pela falta de horizontes explícitos a serem alcançados. Além disso, as ações ou procedimentos desenvolvidos carecem de revisão de sua qualidade técnica. O papel do profissional enfermeiro é descrito de forma tênue e sua prática revela posturas muito mais de administração burocrática de recursos humanos e materiais do que a administração de assistência à saúde e de assistência de enfermagem. Ainda, acresce-se o fato de os enfermeiros estarem assumindo a responsabilidade total na capacitação e reciclagem de pessoal auxiliar, cujo trabalho é raramente compartilhado de forma sistematizada com outros profissionais, com um sério agravante: a categoria é numericamente insignificante em comparação com outros profissionais; às suas ações assistenciais não é dado espaço e crédito, nem institucional e nem da própria categoria, tornando-se, então pouco expressiva a sua capacidade assistencial e sua contribuição na transformação efetiva da saúde da clientela. Esta situação trarrformar-se-á, à medida em que se imponha o cunho assistencial direto por parte dos enfermeiros, cuja avaliação não deve ser tomada apenas por medidas quantitativas de "quantos clientes pôde se livrar hoje" com a chamada resolutividade. Esta resolutividade, vem permeando a falsa concepção de que se consegue encerrar a questão da determinação social do processo saúde-doença em simples poder unilateral rígido e seguro de prática assistencial médico-terapêutica. Ela não se encerra, também como falsamente se coloca, na simplificação do que é complexo por não entender a estrutura desta complexidade e nem tampouco na redução do humano ao biológico; na interpretação de saúde como a falta de doença aparente ou diagnosticável; e na individualização do fenômeno que contraria a interpretação coletiva do mesmo.

13) Por fim, como causa e consequência das situações descritas, os programas (teóricos e práticos) estão à margem das reais necessidades de saúde da clientela que as unidades básicas pretendem atender, necessidades estas, que não devem ser interpretadas corro estáticas, porém dinâmicas, compreendidas na historicidade de seu movimento.

Fonte: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Projeto de Integração Docente-Assistencial da Escola de Enfermagem da USP (PIDA): Proposta de trabalho em Taboão da Serra. São Paulo, 1987/1988 (rnimeografado).

ANEXO II

ASSISTÊNCIA À SAÚDE EM TABOÃO DA SERRA (SP): PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO

1) Conceptualização a cerca de temáticas chaves que explicitem a filosofia para o trabalho coletivo na área de saúde. Refere-se à proposição do marco conceituai contendo a clara tradução do significado de temas como: processo saúde-doença, saúde coletiva, assistência à saúde coletiva, enfermagem, educação, sociedade, homem e trabalho.

2) Instrumentação da equipe de saúde, alunos e docentes quanto à interpretação de fenômenos ligados à saúde dentro da ótica de determinação social do processo saúde e doença.

3) Aproximação gradativa e sistematizadora, fundamentada cientificamente, das duas realidades neste momento dicotomizadas: a real situação de saúde das comunidades e a assistência à saúde oferecida pelo sistema, por meio de diagnóstico que permita conhecer a saúde de diferentes classes sociais, seus estratos e frações.

4) Reorientação gradativa dos programas locais de saúde à luz do diagnóstico mencionado anteriormente.

5) Estabelecimento de processo que garanta a avaliação dos programas de saúde e ao mesmo tempo assegure aderência às necessidades de saúde da população.

6) Desencadeamento consciente de processo que garanta a participação da população em todos os momentos de forma a construir em conjunto a história da transformação da saúde.

7) Coordenação e articulação inter e intra institucional que viabilize a consecução dos projetos e programas assegurando a cadência de seu desenvolvimento.

8) Desenvolvimento da capacidade assistencial do enfermeiro pela implantação de programas assistenciais em nível de indivíduos, famílias, grupos e coletividade, embasados em referencial teórico e critérios de complexidade das necessidades assistenciais formuladas em conjunto (prestador de assistência e clientela).

9) Atuação multiprofissional nas ações de saúde e divisão técnica do trabalho tendo em vista a capacitação técnico-científica e política do profissional e ocupacional, bem como a qualidade mínima (perfil) requerida para a atuação, construída em conjunto e reorientada no sentido de transformação contínua.

10) Produção de conhecimentos científicos embasados em pesquisas operacionais e a divulgação destes conhecimentos assegurando sistema de troca, atualização e re-situação teórico-prática.

11) Definição de uma política de desenvolvimento de recursos humanos e estabelecimento de programas compatíveis, contemplando a formulação de:

• perfil existente e esperado dos profissionais e ocupacionais;

• sistema de seleção baseado no perfil;

• sistematização da avaliação e supervisão de pessoal;

• desenvolvimento de sistema de educação continuada, abrangendo a Pós-Graduação sensu lato e sensu strictu

12) Continuidade do desenvolvimento de programas de ensino de enfermagem em nível de gra duação voltadas para a saúde coletiva, visualizando as dimensões estrutural, particular e singular: avaliação sistematizada destes programas e redirecioname nto à luz das transformações oriundas da prática.

13)Reorientação do currículo vigente de enfermagem em nível de graduação na Escola de Enfermagem da USP subsidiadas pela transformação do perfil do profissional enfermeiro decorrentes de sua prática reflexiva e criadora.

14) Busca de estratégias para a transformação do currículo mínimo de enfermagem em nível nacional aproximando cada vez mais o perfil desse profissional, emanado da prática aderente, às reais necessidades de saúde da população.

15) Estabelecimento de estrutura organizacional que garanta a coordenação, articulação e sistema de informação.

16) Proposição de ações de saúde extra muros ampliando a clientela no sentido de abarcar toda a população do Município de forma diferenciada de acordo com as prioridades visualizadas quando da interpretação dessas necessidades.

Fonte: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Projeto de Integração Docente-Assistencial da Escola de Enfermagem da USP (PIDA): Proposta de trabalho em Taboão da Serra. São Paulo, 1987/1988 (mimeografado).

  • 1 ALMEIDA, M.C.P. de, ROCHA, J.S.Y. O saber de enfermagem e sua dimensão prática. São Paulo: Cortez, 1986.
  • 2 BREILH, J., GRANDA, E. Saúde na sociedade: guia pedagógico sobre um novo enfoque do método epidemiológico. São Paulo: Instituto de Saúde/ABRASCO, 1986.
  • 3 EGRY, E.Y., BERTOLOZZI, M.R., SHIMA, H. Integração docente-assistencial: a transformação da qualidade do ensino e da assistência em saúde coletiva através da condução praxiológica. Rev. Esc. Enf. USP. v.25, n. 2, p.169-176, ago., 1991.
  • 4 FONSECA, R.M.G.S. da. Mulher, reprodução biológica e classe social: a compreensão do nexo coesivo através do estudo dialético do perfil reprodutivo biológico de mulheres atendidas nas Unidades Básicas de Saúde. São Paulo, 1990. (Tese-Doutorado) Escola de Enfermagem Universidade de São Paulo.
  • 5 FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO.- FUNDAP. Diagnóstico das condições de saúde da região de Itapecerica da Serra. São Paulo, 1985. (mimeografado).
  • 6 HAHN, F., KOSING, A. A filisofia marxista-lenista: curso básico, Lisboa: Avante, 1983.
  • 7 HENRIQUES, S.B. A ciência e a filosofia. Ci. e Cult. São Paulo, v.33, n. 2, p.198-212, fev. 1981.
  • 8 QUEIROZ, V.M., EGRY, E.Y. Bases metodológicas para a assistência de enfermagem fundamentada no materialismo histórico e dialético, Rev. Bras. Enf., v.41, n. 1, p.26-33, 1988.
  • 9
    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Escola de Enfermagem. Projeto de integração docente assistencial Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - Município de Taboão da Serra: Documento de Proposta Conjunta de Trabalho. São Paulo, 1988. (mimeografado).
  • 10
    UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Escola de Enfermagem. Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva. Integração docente-assistencial como referencial teórico-métodológico para o ensino e a pesquisa da assistência de enfermagem em Saúde Coletiva. (Relatório Preliminar de Pesquisa). São Paulo, 1989/90.
  • 11 VASQUEZ, A.S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1992
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