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Currículo mínimo para a formação do enfermeiro: na ordem do dia

Currículo mínimo para a formação do enfermeiro: na ordem do dia

INTRODUÇÃO

Maria Auxiliadora Córdova Christófaro

Coordenadora da Comissão de Educação da ABEn-Nacional (Gestão 89/92).

Em setembro próximo passado, a Associação Brasileira de Enfermagem protocolou junto ao Ministério da Educação a "Proposta de Novo Currículo Mínimo para o Curso Superior de Enfermagem". Mais uma vez, no Brasil, a enfermagem se articula, para repensar a formação do enfermeiro e conclui pela reorientação da formação deste profissional.

Após um longo processo onde foram realizados seminários (institucionais, regionais, estaduais e nacionais), oficinas de trabalhom comitês sobre o assunto em Congressos Brasileiros de Enfermagem, a proposta de currículo mínimo, para o curso de graduação em enfermagem, "deu-se por concluída". A afirmativa é esta mesmo: a proposta "deu-se por concluída", por que â cada momento, em cada retomada do processo de análise e avaliação (que se intensificou a partir de 1986) a impressão era sempre que estava "começando tudo". Compreensível, porém um processo ardiloso e difícil. Não fosse o propósito e a determinação da Comissão de Educação na ABEn (gestão 86-89) e da Comissão de Especialistas em Enfermagem (Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação) coordenadas, respectivamente, pelas Professoras/Enfermeiras Abigail Moura Rodrigues e Vilma de Carvalho, o trabalho produzido, em todo o País, não chegaria a termo. Para alguns este "termo", expresso na "Proposta" que se protocolou no Ministério da Educação, pode "não ser um bom termo", para outros pode ser "o mesmo termo que se tem hoje" e, para Dutros mais pode ser, realmente, "outro termo". Todas estas avaliações são pertinentes quando se refere à proposta de mínimos de conteúdos e duração de um curso, isto é, um currículo mínimo. Ao ter, em mãos, a proposta formulada coletiva e nacionalmente, sobre ela incidirá o Toco de cada um (enfermeiro, serviços, escola, entidade, Estado) e, em cada caso, pode acontecer que não se reconheça cada parte/projeto, "singular". Currículo é síntese de múltiplas determinações e o currículo mínimo é o extrato estrutural que é possível fazer desta síntese, não mais do que isto.

O que se percebe (e se percebeu durante todo o processo, já referido) é que a enfermagem brasileira deposita no currículo mínimo expectativas de solução de problemas para além do que pode (e deve ser) um currículo mínimo.

Diferentemente, o Currículo Pleno - formulado e implementado a partir e dentro da realidade, natureza e "vocação" de cada Curso/Escola - é o que poderá expressar a intenção e a aderência de cada curso com a realidade e seu potencial de troca e reconhecimento tecnológico, científico, político e social, nesta realidade.

CURRÍCULO MÍNIMO: PORQUE E PARA QUE

No Brasil, a Escola e o Serviço que presta, têm sua estrutura, organização e atividade-fim normatizadas para o "território nacional". Esta prática, apesar de historicamente criticada, se mantém com base em justificativas múltiplas (algumas gerais e mais complexas, outras bem cartoriais). Uma destas justificativas compromete de certa forma a Escola e aqueles que "fazem escola". É aquela que, resgatada em vários momentos, considera que tendo o País dimensões continentais e, diferenças marcantes a Escola necessita de normas únicas e estruturais para que se mantenha um padrão mínimo de igualdade/qualidade para todos e em todas as regiões do País. É flagrante a fragilidade de tal justificativa, tanto frente à complexidade da Escola, na conformação da sociedade (e vice-versa), como no potencial de uma "norma" para homogeneizar ou tornar "mais iguais" situações díspares e de determinações múltiplas, como é o caso da Educação e das diferenças de escolas, cursos e universidade do País. Normas, de e sobre a educação e o ensino, dispondo sobre o número de horas-aula, turnos, currículos mínimos, critérios (cartoriais) de ingresso e conclusão, tornam-se, muitas vezes, substitutivas, de políticas de educação, de políticas institucionais e de formação.

Este desvio constrói o caminho onde políticas (gerais e específicas) transformam-se em ideário abstrato. O direito à escola/ensino em todos os níveis e de caráter público, gratuito e acessível a todos; a qualificação de recursos humanos para o setor de educação; a remuneração adequada; a garantia de recursos financeiros, materiais e de equipamento (para o ensino, a pesquisa, bibliotecas, laboratórios etc.) ficam submergidos à priorização linear e formal da norma, em sí. Neste sentido, um aspecto deve ser ressaltado em relação à proposta de currículo mínimo para a formação do enfermeiro, já em tramitação: é uma norma que disporá sobre a estrutura da formação em termos de conteúdos e duração mínima e, portanto, não tem, em si mesma, o poder de anular ou igualar processos e situações de natureza diferente.

O que se questiona não é a existência da norma, e sim, ser a norma, ou ter na norma, uma substituta de políticas, princípios e diretrizes mais amplos, por exemplo: das políticas de educação a nível de País e da política de formação a nível de Escola.

Todo trabalho que se desenvolveu, ao longo dos últimos 5 anos, de análise e avaliação dos atuais diplomas legais que estruturam a formação do enfermeiro fez emergir alguns pontos como restritivos a autonomia e "vontade política" das Escolas/Cursos de Enfermagem. São eles:

- a fragmentação do eixo da formação, dada pela caracterização do título de enfermeiro (tronco profissional - item "b" do Art lº da Resolução CFE nº 4/72) como acesso às habilitações;

-o privilegiamento do modelo hospitalar, individual, médico-tecnicista de assistência, expresso pela secundanzação da saúde coletiva, epidemiológica e ciências humanas (contempladas como "noções de psicologia e sociologia"por exemplo);

- a caracterização difusa do profissional enfermeiro (pode ser enfermeiro, ou enfermeiro habilitado e. . . ã nível de graduação; ou, ainda, licenciado). Todas estas "opções" na dependência do interesse do aluno e da Escola podendo, inclusive, não acontecer a conjugação de interesses tanto um como outro saírem lesados;

- a denominação composta do que é o curso: "curso de enfermagem e obstetrícia", levando a uma idéia que o curso forma enfermeiro e "outro" profissional;

-o tempo de duração para a formação do enfermeiro como habilitação geral com 2500 horas integralizáveis, no mínimo em 3 anos (Art. 8º, item "a" da resolução citada).

Além destes pontos, referidos diretamente ao Parecer 163/72 e Resolução 04/72 do CFE, outros foram analisados e discutidos no processo de construção da "nova" proposta. Variáveis e fatores gerais sobre a situação de saúde: o perfil sanitario-epidemiológico da população; a organização dos serviços de saúde e do processo de trabalho em enfermagem; a necessidade de desenvolvimento e consolidação do conhecimento e de tecnologias na área de enfermagem; a posição estratégica do enfemeiro tanto para a pós-graduação na área de enfermagem (são clientes em potencial), como para a formação de nível médio (são os professores "naturais"); articulação entre ensino/serviço mereceram aprofundadas análises cujos resultados subsidiaram as propostas aprovadas e/ou recomendadas pelas várias plenárias que se sucederam ao longo do processo.

Seguramente, em todos os momentos em que se discutiu a estrutura formal da formação do enfemeiro, foram firmados propósitos na direção da "melhor formação" e do "desenvolvimento técnico, científico e político", da enfermagem brasileira.

As avaliações sobre o significado e os impactos das reformulações anteriores e da atual, na formação do enfermeiro e no desenvolvimento da Enfermagem, passam obrigatoriamente, pela compreensão, de que "melhor" e "desenvolvimento" são relativos: melhor em relação a quê ? melhor para quem ? desenvolvimento técnico, científico e "político" para responder, na prática, a que tipo de problema e/ou necessidade de saúde? desenvolvimento de que modelo assistencial e de que prática de enfermagem ? Neste sentido a presente proposta de currículo mínimo tem como embassamento, que:

- a formação do enfermeiro deve ser única (sem precoces e falsas "especialidades" ao nível da graduação);

-o conteúdo das ciências biológicas e humanas deve ser contemplado, enquanto conhecimento a ser apreendido como fundamental do fazer/pensar do enfermeiro e não como saber catalogado, intransitivo;

- a duração mínima do curso deve ser ampliada, em horas e anos/semestres letivos (no mínimo para 4 e no máximo para 5 anos);

- na formulação dos currículos plenos, o currículo mínimo é uma referência e nãô uma "camisa de força" e, neste sentido, é no currículo pleno que cada escola/curso expressa: a sua "vocação" a sua "política" institucional de transmissão, criação e consolidação de novos conhecimentos e metodologias; suas estratégias de articulação com os serviços de saúde e seu potencial de intervenção na problemática de saúde que ela (Escola) analisa como prioritária considerando o quadro sanitario-epidemiológico da população, o modelo de assistência/atenção à saúde que pretende ter construído no País e, a prática de enfermagem que pretende privilegiar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

(não conclusão)

Não é com o que se propõe como currículo mínimo que se espera possa ocorrer a reorientação da prática de enfermagem, no sentido de compreendê-la como parte de um processo coletivo e interdependente de trabalho e, essencial ao processo de atenção à saúde. Reconhece-se, porém, que do processo de avaliação e crítica do atual currículo mínimo, corno foi feito, firmaram-se princípios e parâmetros que poderão, muito mais do que a norma "stricto sensu", serem orientadores de reformulações importantes, entre eles:

- reinterar que o processo de trabalho da enfermagem inclue atividades de natureza propedêutica e terapêutica (específicas e complementares), administrativas e educativas, tanto a nível dos serviços de saúde, como a nível dos vários grupos de risco da comunidade";

- que a enfermagem se constitui de várias categorias profissionais e, no campo de trabalho, os vários níveis de complexidade das necessidades e demandas de atenção à saúde e a organização do processo de trabalho de atenção à saúde/enfermagem contemplam a especificificidade e inserção de cada uma dessas categorias;

- que o processo de fo rmação guarda estreita relação: com o processo de prestação de serviços de saúde em todos os níveis, com a criação e produção de tecnologias e, com a investigação;

- que o "locus" privilegiado de inserção do enfermeiro, no sistema de saúde, é tanto o setor com internação (Hospital ), como o setor sem internação (Serviços Básicos de Saúde e Ambulatório) e, portanto, é necessário que se compreenda as significativas diferenças da articulação dos componentes do processo de trabalho, em cada um de sses setores de forma a consolidar uma prática contextualizada e consernente ao proce sso de atenção à saúde que se pretende: universal , integral, resolutivo e ... uma realidade.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM. Proposta de Novo Currículo Mínimo para o Curso Superior de Enfermagem: a formação do enfermeiro IN:Relatório de Atividades Gestão 1989/1992/ANEXO 2, setembro de 1990 à agosto de 1991, p. 84. mimeo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Set 1991
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