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Relevância de exames de rotina em pacientes de baixo risco submetidos a cirurgias de pequeno e médio porte

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A avaliação pré-operatória tem como objetivos diminuir a morbimortalidade do paciente cirúrgico, o custo do atendimento perioperatório e a ansiedade pré-operatória. A partir da avaliação clínica deve-se definir a necessidade de exames complementares e estratégias para reduzir o risco anestésico-cirúrgico. O objetivo deste trabalho foi avaliar o benefício de exames de rotina pré-operatório de pacientes de baixo risco em cirurgias de pequeno e médio porte. MÉTODOS: Trata-se de um estudo descritivo, transversal, com 800 pacientes atendidos no consultório de avaliação pré-anestésica do Hospital Santo Antonio, Salvador, BA. Foram incluídos pacientes de 1 a 45 anos, estado físico ASA I, que seriam submetidos a cirurgias eletivas de pequeno e médio porte. Avaliaram-se alterações no hemograma, coagulograma, eletrocardiograma, RX de tórax, glicemia, função renal e dosagem de sódio e potássio e as eventuais mudanças de conduta que ocorreram decorrentes dessas alterações. RESULTADOS: Dos 800 pacientes avaliados, 97,5% fizeram hemograma, 89% coagulograma, 74,1% eletrocardiograma, 62% RX de tórax, 68% glicemia de jejum, 55,7% dosagens séricas de ureia e creatinina e 10,1% dosagens de sódio e potássio séricos. Desses 700 pacientes, 68 (9,71%) apresentaram alteração nos exames pré-operatórios de rotina e apenas 10 (14,7%) dos considerados alterados tiveram conduta pré-operatória modificada, ou seja, solicitação de novos exames, interconsulta ou adiamento do procedimento. Nenhuma das cirurgias foi suspensa. CONCLUSÃO: Observou-se que excessivos exames complementares são solicitados no pré-operatório, mesmo em pacientes jovens, de baixo risco cirúrgico, com pouca ou nenhuma interferência na conduta perioperatória. Exames aboratoriais padronizados não são bons instrumentos de screening de doenças, além de gerar gastos elevados e desnecessários.

AVALIAÇÃO, Pré-anestésica; EXAMES COMPLEMENTARES; CIRURGIA, Cuidados préoperatórios; Procedimentos Desnecessários


OBJETIVOS Y JUSTIFICATIVA: La evaluación preoperatoria tiene el objetivo de disminuir la morbimortalidad del paciente quirúrgico, el coste de la atención perioperatoria y la ansiedad preoperatoria. A partir de la evaluación clínica debemos definir la necesidad de exámenes complementarios y de estrategias para reducir el riesgo anestésico-quirúrgico. El objetivo de este trabajo fue el de evaluar el beneficio de exámenes de rutina preoperatorio de pacientes de bajo riesgo en las cirugías menores. MÉTODOS: Se trata de un estudio descriptivo, transversal con 700 pacientes atendidos en la consulta de evaluación preanestésica del Hospital Santo Antonio, Salvador, BA. Fueron incluidos pacientes de 1 a 45 años, estado físico ASA I, que serían sometidos a cirugías electivas menores. Se evaluaron las alteraciones en el hemograma, el coagulograma, el electrocardiograma, RX de tórax, glucemia, función renal y dosificación de sodio y potasio, y los eventuales cambios de conducta que se suscitaron provenientes de esas alteraciones. RESULTADOS: De los 800 pacientes evaluados un 97,5% realizaron hemograma, 89% coagulograma, 74,1% electrocardiograma, 62% RX de tórax, 68% glucemia en ayunas, 55,7% dosificaciones séricas de urea y creatinina y un 10,1% dosificaciones de sodio y potasio séricos. De esos 800 pacientes, 68 (9,71%) tuvieron alteración en los exámenes preoperatorios de rutina y solo 10 (14,7%) de los considerados alterados tuvieron una conducta preoperatoria modificada, o sea, una solicitación de nuevos exámenes, interconsulta o la postergación del procedimiento. Ninguna de las cirugías se suspendió. CONCLUSIONES: Observamos que los excesivos exámenes complementarios se solicitaban en el preoperatorio, aunque fuese en los pacientes jóvenes y de bajo riesgo quirúrgico, con poca o ninguna interferencia en el conducta perioperatoria. Los exámenes laboratoriales estándares no son buenos instrumentos de screening de enfermedades y pueden generar gastos elevados e innecesarios.

AVALIACIÓN, Preanestésica; EXÁMENES COMPLEMENTARES; CIRUGÍA, Evaluación Preoperatoria; Procedimientos innecessarios


BACKGROUND AND OBJECTIVES: Preoperative tests aim to reduce morbidity and mortality of surgical patients, cost of perioperative care, and preoperative anxiety. Clinical evaluation allows defining the need for additional tests and strategies to reduce the surgical-anesthetic risk. The aim of this study was to evaluate the benefit of routine preoperative testing of low-risk patients undergoing minor and medium surgical procedures. METHODS: A descriptive cross-sectional study of 800 patients seen at the preanesthetic assessment department of Hospital Santo Antonio, Salvador, BA. Patients with physical status ASA I, aged 1-45 years and scheduled to undergo elective minor and medium surgeries were include in the study. We evaluated changes in blood count, coagulation profile, electrocardiogram, chest X-ray, blood sugar, kidney function, sodium and potassium levels, and eventual change in clinical approach occurring due to these changes. RESULTS: Of 800 patients evaluated, a blood count was performed in 97.5%, coagulation in 89%t, electrocardiogram in 74.1%, chest X-ray in 62%, fasting glucose in 68%, serum urea and creatinine in 55.7%, and plasma levels of sodium and potassium in 10.1%. Of these 700 patients, 68 (9.71%) showed changes in preoperative routine tests and only 10 (14.7%) of the patients with abnormal tests had a preoperative modified approach (i.e., new tests ordered, referral to a specialist or surgery postponement). No surgery was suspended. CONCLUSION: We found that preoperative additional tests are excessively ordered, even for young patients with low surgical risk, with little or no interference in perioperative management. Laboratory tests, besides generating high and unnecessary costs, are not good standardized screening instruments for diseases.

Diagnostic Tests, Routine; Unnecessary Procedures; Preoperative Care


ARTIGO CIENTÍFICO

Relevância de exames de rotina em pacientes de baixo risco submetidos a cirurgias de pequeno e médio porte

Danielle de Sousa SoaresI; Roberta Ribeiro Marques BrandãoII; Mirla Rossana Nogueira MourãoII; Vera Lucia Fernandes de AzevedoII; Alexandre Vieira FigueiredoII; Eliomar Santana TrindadeII

IDoutorado, Anestesiologia, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil; CET-SBA (Centro de Ensino e Treinamento em Anestesiologia das Obras Sociais Irmã Dulce), Hospital Santo Antonio, Salvador, BA, Brasil

IIAnestesiologista, Hospital Santo Antonio, Salvador, BA, Brasil

Correspondência Correspondência para: Alexandre Vieira Figueiredo E-mail: azevedovlf@gmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A avaliação pré-operatória tem como objetivos diminuir a morbimortalidade do paciente cirúrgico, o custo do atendimento perioperatório e a ansiedade pré-operatória. A partir da avaliação clínica deve-se definir a necessidade de exames complementares e estratégias para reduzir o risco anestésico-cirúrgico. O objetivo deste trabalho foi avaliar o benefício de exames de rotina pré-operatório de pacientes de baixo risco em cirurgias de pequeno e médio porte.

MÉTODOS: Trata-se de um estudo descritivo, transversal, com 800 pacientes atendidos no consultório de avaliação pré-anestésica do Hospital Santo Antonio, Salvador, BA. Foram incluídos pacientes de 1 a 45 anos, estado físico ASA I, que seriam submetidos a cirurgias eletivas de pequeno e médio porte. Avaliaram-se alterações no hemograma, coagulograma, eletrocardiograma, RX de tórax, glicemia, função renal e dosagem de sódio e potássio e as eventuais mudanças de conduta que ocorreram decorrentes dessas alterações.

RESULTADOS: Dos 800 pacientes avaliados, 97,5% fizeram hemograma, 89% coagulograma, 74,1% eletrocardiograma, 62% RX de tórax, 68% glicemia de jejum, 55,7% dosagens séricas de ureia e creatinina e 10,1% dosagens de sódio e potássio séricos. Desses 700 pacientes, 68 (9,71%) apresentaram alteração nos exames pré-operatórios de rotina e apenas 10 (14,7%) dos considerados alterados tiveram conduta pré-operatória modificada, ou seja, solicitação de novos exames, interconsulta ou adiamento do procedimento. Nenhuma das cirurgias foi suspensa.

CONCLUSÃO: Observou-se que excessivos exames complementares são solicitados no pré-operatório, mesmo em pacientes jovens, de baixo risco cirúrgico, com pouca ou nenhuma interferência na conduta perioperatória. Exames aboratoriais padronizados não são bons instrumentos de screening de doenças, além de gerar gastos elevados e desnecessários.

Unitermos: AVALIAÇÃO, Pré-anestésica; EXAMES COMPLEMENTARES; CIRURGIA, Cuidados préoperatórios; Procedimentos Desnecessários.

Introdução

A avaliação pré-operatória tem como principal objetivo a redução da morbidade associada ao ato anestésico-cirúrgico e deve ser feita, preferencialmente, pelo anestesiologista 1. Esse, ao assumir responsabilidades pelos exames préoperatórios, pode obter um perfil clínico mais apropriado e consequentemente reduzir cancelamentos de cirurgias por causa de uma avaliação laboratorial inadequada 2-3. Outro aspecto a considerar é a diminuição dos custos hospitalares quando os exames são feitos de forma criteriosa. Durante a avaliação pré-anestésica, os exames subsidiários, na maioria dos pacientes admitidos para cirurgias eletivas, têm sido solicitados de modo rotineiro 4 com a finalidade de identificar ou diagnosticar doenças e disfunções que possam comprometer o perioperatório, fazer a avaliação funcional de doenças já diagnosticadas e em tratamento e, ainda, auxiliar na formulação de planos específicos ou alternativos para o cuidado anestésico 5. Exames de rotina são definidos como exames solicitados compulsoriamente para todos os pacientes indiferentemente dos achados obtidos por meio da avaliação clínica 4,6. Nessa lista, encontram-se exames bioquímicos séricos e urinários, hemograma e coagulograma, eletrocardiograma e exames radiográficos, entre outros 4. Todavia, os dados da literatura indicam que esses exames não são custo-efetivos e, tampouco, relacionam-se às eventuais complicações perioperatórias 4. Os estudos feitos apontam ausência de benefício dos testes de laboratório quando usados como único meio de avaliação pré-anestésica 6. A anamnese e o exame físico são considerados os métodos mais eficientes de se diagnosticar uma doença 6,7. Existe também a possibilidade de exames não embasados em dados da história clínica conduzirem a aumento dos riscos para o paciente, principalmente quando resultados falso-positivos motivam novas investigações, por vezes invasivas, e levam ao adiamento desnecessário de cirurgia, prolongando o período de internação hospitalar e submetendo o paciente a riscos de infecções hospitalares. Estima-se que dos US$ 30 bilhões gastos nos EUA com exames laboratoriais pelo menos 10% sejam destinados a exames pré-operatórios. Quando são levados em consideração o histórico e o exame físico como determinantes dos exames pré-operatórios, cerca de 60% a 70% dos testes laboratoriais feitos seriam dispensáveis 5. Vogt e Henson efetuaram uma revisão retrospectiva de prontuários e estimaram uma economia hospitalar de aproximadamente US$ 80.000 anuais apenas com a eliminação de exames préoperatórios não indicados nos 5.100 pacientes estudados 2. A feitura de exames pode ser benéfica para pacientes que necessitarão de cuidados pós-operatórios em unidade de terapia intensiva, assim como fornecer valores basais para posteriores comparações 8. Entretanto, considerando a ausência de benefícios e os altos custos, os exames de rotina são dispensáveis, especialmente nas instituições onde o procedimento cirúrgico deve absorver os custos dos exames laboratoriais 8. Pzankie e col. comprovaram que mesmo em idosos testes laboratoriais de rotina não eram melhores preditores de morbidade perioperatória do que a classificação do estado físico da ASA ou do risco cirúrgico (de acordo com os critérios de risco cardíaco do AHA ACC) 8. Segundo Garcia Miguel e col. 9, educação e treinamento dos médicos deveriam ser mais cientificamente embasados e enfatizar a relevância da eficácia e o custo-benefício nas decisões clínicas. Os aspectos financeiros e benefícios de testes direcionados, em oposição aos screening pré-operatórios extensos, têm sido minuciosamente revisados na literatura 8. As tendências atuais apontam para a feitura de exames pré-operatórios fundamentados em avaliação clínica e exame físicos detalhados que, sem dúvida, são as bases da avaliação pré-anestésica 4.

Este trabalho teve como objetivo avaliar o benefício de exames pré-operatórios de rotina feitos na avaliação préanestésica de pacientes de baixo risco que seriam submetidos a cirurgias eletivas de pequeno e médio porte.

Método

Trata-se de um estudo clínico, descritivo transversal, prospectivo, em inquérito, feito no consultório de avaliação préanestésica do Hospital Santo Antônio, Salvador, BA.

Foram incluídos neste estudo 800 pacientes de ambos os sexos, com idade entre um e 45 anos, classificados como estado físico ASA I, submetidos a cirurgias eletivas de pequeno e médio porte (Tabela 1) no centro cirúrgico do Hospital Santo Antônio.

Esses pacientes foram atendidos no consultório de avaliação pré-anestésica, entre março e dezembro de 2009, quando foi preenchida uma ficha com os dados de exames laboratoriais, anormalidades nesses exames e alterações de conduta. Como alteração de conduta, entende-se solicitação de novos exames, pedidos de interconsultas e/ou suspensão do procedimento cirúrgico. Os exames complementares préoperatórios foram solicitados previamente pelo cirurgião de acordo com a sua rotina, sem interferência do anestesiologista. Os resultados foram avaliados por meio de estatística descritiva.

Resultados

Dos 800 pacientes estudados, 453 (56,62%) eram do sexo feminino e 347 (43,4%) do sexo masculino. Foram feitos 3.646 exames pré-operatórios, entre hemograma, coagulograma, glicemia de jejum, ureia, creatinina, sódio, potássio, eletrocardiograma e radiografia de tórax. Desses 3.646 exames, apenas 82 (2,25%) apresentaram alguma alteração no resultado, sendo que apenas 14 (0,38%) foram motivo de alteração de conduta.

Tabela 2

Figura 1


Discussão

O American College of Physicians recomenda que os exames laboratoriais sejam solicitados com critérios restritivos e seletivos sempre com o apoio de justificativas clínicas. A descoberta de alterações nos exames em pacientes clinicamente saudáveis geralmente não influencia no tratamento 6 e, comumente, não altera o planejamento e as condutas durante o período perioperatório 1,4,6. Além disso, existem poucas evidências de que anormalidades eventualmente encontradas nos testes feitos compulsoriamente estejam associadas com o aumento da morbidade cirúrgica. Evidências sugerem que 60-70% dos testes pré-operatórios seriam dispensáveis se uma criteriosa avaliação clínica fosse feita 5-14. Entretanto, esses exames pré-operatórios de rotina contribuem para a elevação dos custos hospitalares e não conferem qualquer proteção no âmbito legal da medicina, configurando-se, nesse sentido, em eventual risco extra para a equipe médica quando exames desnecessários resultam em solicitação de outros procedimentos diagnósticos que podem acarretar aos pacientes riscos e complicações 4,10. Em contrapartida, em mais da metade dos casos, os médicos parecem ignorar resultados laboratoriais anormais, o que pode ser mais grave em termos de responsabilidade legal do que deixar de solicitar o teste 6. Os fatores que motivam essa feitura indiscriminada de testes pré-operatórios não são devidamente conhecidos. Algumas das hipóteses são: insegurança durante a avaliação clínica, descrédito dos próprios médicos em seus trabalhos e na literatura, confiança no fato de que o número maior de exames significa mais segurança, crença de que terão proteção legal e receio de que esses pacientes tenham suas anestesias adiadas por falta de exames pré-operatórios 4.

Quando se consideram exames que são independentes uns dos outros, quanto mais solicitados maior a possibilidade de obtenção de um resultado anormal em paciente saudável 4,13. Sendo um resultado de exame pré-operatório normal ou evidenciando alguma anormalidade que não responda a nenhuma questão clínica específica, praticamente nenhuma conduta será tomada, o que fará dele um exame sem qualquer utilidade ou benefício. Atualmente praticamente todos os fármacos e todas as técnicas anestésicas podem ser manuseados com segurança para o sistema cardiovascular e renal 4. Portanto, se os exames pré-operatórios são solicitados com a finalidade de contraindicar fármacos e técnicas anestésicas prejudiciais a esses órgãos, perdeu-se o significado dessa solicitação 4. A literatura aponta que a possibilidade de encontrarmos valores anormais de hematócrito e hemoglobina durante a avaliação pré-operatória é muito variável e não há dados concretos que confirmem a hipótese de que esses valores anormais aumentem a morbidade desses doentes 4. Da mesma maneira, a função renal quantificada pela ureia e creatinina séricas durante a avaliação pré-anestésica evidencia valores muito diversos, sem motivar mudanças no planejamento anestésico e no período perioperatório 1,4,6,12.

Recente diretriz do American College of Cardiology/American Heart Association aconselha que eletrocardiograma (ECG) pré-operatório de rotina em pacientes assintomáticos que irão se submeter a operação de baixo risco não é útil e em alguns casos pode ser até prejudicial 1,14. Recentemente, Correl e col. 15 publicaram um artigo investigando o valor do ECG pré-operatório, encontrando que ECG anormal não adiciona benefício em predizer complicações cardiovasculares pós-operatórias comparado com as principais características da história médica. A prática do pedido indiscriminado de exames é um problema que afeta mais de 30 milhões de procedimentos com um custo direto que é conservadoradamente estimado acima de US$ 18 milhões 14.

De acordo com uma revisão sistemática feita por Joo e col. 16, o número de alterações observadas na radiografia de tórax aumentava com a idade e com os fatores de risco e a maioria dessas alterações não promoveu mudanças no período perioperatório nem afetou a evolução pós-operatória 5.

No Hospital Santo Antônio (OSID), a maioria das clínicas cirúrgicas adota como rotina a feitura de hematócrito, hemoglobina, coagulograma, eletrocardiograma, radiografia de tórax, glicemia, ureia/creatinina, sódio/potássio durante a avaliação pré-operatória da maioria dos pacientes, independentemente da classificação do estado físico.

Neste estudo, em 800 pacientes admitidos no consultório de anestesia foram solicitados pelo médico assistente 3.646 exames, dos quais 82 se encontravam alterados (2,25%), havendo mudança de conduta em apenas 14 (0,38%). Observamos que o hematócrito/hemoglobina foi feito em 97,62% dos pacientes, havendo apenas alteração em 1,66% e respectiva mudança de conduta em 0,13% dos casos. O coagulograma foi solicitado em 88,62% dos pacientes, com 1,55% de resultados alterados e em 1,13% mudadas as condutas. Em relação ao eletrocardiograma, foi solicitado em 583 pacientes, dos quais 6,86% estavam alterados, com mudança de conduta em apenas 0,51% dos casos. As radiografias de tórax foram solicitadas em 496 pacientes, com 1,21% alterado, e não houve mudança de conduta em nenhum paciente. Do total de 548 glicemias, apenas 1,82% estava alterada e houve mudança de conduta em 0,36%. Dos 441 exames de ureia e creatinina, não havia nenhum alterado e, portanto, nenhuma conduta alterada. Dos 88 exames de sódio e potássio, apenas 2,25% estavam alterados, com mudança de conduta em 0,38%.

Segundo o Practice Advisory for Preanesthesia Evaluation - ASA Task Force, os resultados de ECG de rotina foram documentados como anormais em 7-42,7% dos casos e levaram a mudanças de conduta clínica em 9,1% dos casos avaliados como anormais. Em relação às radiografias de rotina, foram documentadas como anormais em 2,5-60,1% dos casos e levaram a mudanças no manejo clínico em 0-51% dos casos. Achados de hemoglobina de rotina anormais representam 0,5-43,8% dos casos e levaram a mudanças no tratamento em 0-28,6%. O hematócrito de rotina estava anormal em 0,2-38,9% dos casos e levou a mudanças no manejo clínico em 0-100% dos casos. Testes de coagulação de rotina que documentaram anormalidades no TS, TP, TTPa ou contagem de plaquetas representaram 0,8-22% dos casos e levaram a mudanças no manejo clínico em 1,1-4% dos casos considerados anormais. Dosagens de potássio pré-operatório de rotina tiveram 1,5-12,8% de resultados anormais 9.

Em dosagens de glicose pré-operatória de rotina em pacientes não diabéticos ou pacientes sem metabolismo de glicose alterados, os níveis de glicose anormais foram encontrados em 5,4-13,8% dos casos. A força tarefa da ASA (ASA Task Force) concorda com que testes pré-operatórios não deveriam ser requisitados rotineiramente. Em casos pré-operatórios devem ser pedidos ou feitos de maneira seletiva, com o propósito de guiar ou otimizar o manejo perioperatório. As indicações para tais exames devem ser documentadas e baseadas nas informações obtidas nos resultados e no grau de complexidade do procedimento cirúrgico planejado 9. Exames desnecessários podem causar até prejuízo para pacientes por causa a um "supertratamento" de um resultado falso-positivo ou limítrofe, além de aumentar custos sem reduzir complicações perioperatórias 12,13. Reduzir o número de exames laboratoriais resulta em diminuição dos custos operacionais, tempo de consulta médica e estresse associado a resultados falso-positivos 12.

Vários estudos têm tentado definir os custos dos testes não indicados antes de cirurgias eletivas. Os desenhos de estudo preliminares têm incluído comparação de testes solicitados pelos cirurgiões com aqueles solicitados pelo anestesiologista. Em Fleicher 17, Starsnic e col. 18, da Universidade Thomas Jefferson, Philadelphia, Pensilvânia, compararam o grupo com testes solicitados pelo cirurgião e complementados pelo anestesiologista e vice-versa considerados necessários durante dois períodos consecutivos de tempo em 1992. Esses pesquisadores demonstraram um custo médio de economia de US$ 20,89 por paciente quando o anestesiologista foi o primeiro médico determinante dos testes. Entretanto, não houve cancelamentos ou alterações registradas no manejo intraoperatório atribuível aos testes inadequados 17.

De acordo com os estudos recentes, a prática de médicos anestesiologistas de avaliar pacientes e indicar testes mostrou a potencial redução de custos de testes pré-operatórios em bilhões de dólares sem afetar negativamente cuidados aos pacientes 17-19.

Portanto, concluímos que os exames pré-operatórios não devem ser solicitados de rotina e indiscriminadamente, e sim de acordo com o propósito de guiar e otimizar o cuidado perioperatório com base na história clínica, no exame físico e no porte do procedimento cirúrgico. Assim, a requisição seletiva desses testes é uma conduta mais racional.

Submetido em 27 de fevereiro de 2012.

Aprovado para publicação em 12 de abril de 2012.

Recebido do Hospital Santo Antonio, Salvador, BA, Brasil.

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  • Correspondência para:

    Alexandre Vieira Figueiredo
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      27 Fev 2012
    • Aceito
      12 Abr 2012
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