Acessibilidade / Reportar erro

Massa óssea em crianças e adolescentes que vivem com vírus da imunodeficiência humana

Resumos

OBJETIVO: Descrever a densidade mineral óssea (DMO) e conteúdo mineral ósseo (CMO) de crianças e adolescentes que vivem com o vírus da imunodeficiência humana e comparar com os dados do National Health and Nutrition Examination Survey IV (NHANES IV). MÉTODO: Participaram do estudo48 crianças e adolescentes (sete a 17 anos de idade) com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana adquirida por transmissão vertical. A DMO e o CMO foram mensurados pela absorciometria por dupla emissão de raios-X, calculando-se escores-z com base nos dados do NHANES IV. Nos prontuários médicos foram obtidas as informações dos parâmetros clínicos e laboratoriais da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana. Foram ainda avaliada a atividade física, a ingestão de cálcio e a maturação esquelética. Utilizaram-se procedimentos da estatística descritiva e inferencial, estabelecendo níveis de significância de 5%. RESULTADOS :Os pacientes soropositivos demonstraram valores inferiores comparados aos dados do NHANES IV em todos os escores-z da massa óssea (média = -0,52 a -1,22, dp = 0,91 e 0,84, respectivamente). Com base no z-DMOsubtotal, há uma prevalência de 16,7% de crianças e adolescentes com massa óssea reduzida para a idade. Indivíduos que utilizaram inibidores de protease apresentaram um z-DMOtotal inferior, comparado ao grupo que não utilizou (-1,31 vs. -0,79; p = 0,02). Não foram encontradas diferenças na massa óssea em relação ao nível de atividade física e ingestão de cálcio. CONCLUSÕES: Na presente amostra, crianças e adolescentes que vivem com o vírus da imuno deficiência humana possuem baixa massa óssea para idade, e o uso de inibidores de protease parece estar relacionado a tais reduções.

Densidade óssea; Criança; Adolescente; Vírus da imunodeficiência humana; Síndrome da imunodeficiência adquirida; Estilo de vida


OBJECTIVE: To describe bone mineral density (BMD) and bone mineral content (BMC) in children and adolescents infected with the human immunodeficiency virus (HIV), and to compare them with data from the National Health and Nutrition Examination Survey IV (NHANES IV). METHOD: The study included 48 children and adolescents (7 to 17 years old) infected with HIV through vertical transmission. BMC and BMD were measured by dual energy absorptiometry X-ray, by calculating z-scores based on data from NHANES IV. The information on clinical and laboratory parameters of infection by HIV was obtained from medical records. Physical activity, calcium intake, and skeletal maturation were also assessed. Descriptive and inferential statistical procedures were used, with levels of significance set at 5%. RESULTS: Seropositive patients presented lower values compared to data from NHANES IV in all z-scores of bone mass (mean = -0.52 to -1.22, SD = 0.91 and 0.84, respectively). Based on the subtotal z-BMD, there was a prevalence of 16.7% of children and adolescents with low bone mass for age. Individuals using protease inhibitors presented a lower total z-BMD when compared to the group that did not use (-1.31 vs. -0.79, p = 0.02). There were no bone mass differences in relation to physical activity and calcium intake. CONCLUSIONS: In the present sample children and adolescents living with HIV have low bone mass for age, and the use of protease inhibitors appears to be related to such decreases.

Bone density; Child; Adolescent; Human immunodeficiency virus; Acquired immunodeficiency syndrome; Life style


ARTIGO ORIGINAL

Massa óssea em crianças e adolescentes que vivem com vírus da imunodeficiência humana

Luiz R. A. de LimaI; Rosane C.R. da SilvaII,* * Autor para correspondência. E-mail: rosane@cds.ufsc.br (R.C.R. da Silva). ; Isabela de C.B. GiulianoIII; Telma SakunoIV; Sérgio M. BrincasV; Aroldo P. de CarvalhoVI

IMestrado em Educação Física, Programa de Pós-graduação em Educação Física, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil. Departamento de Educação Física, Setor de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Estadual de Ponta Grossa (UFPG), Ponta Grossa, PR, Brasil

IIDoutorado em Educação Física, Programa de Pós-graduação em Educação Física, UFSC, Florianópolis, SC, Brasil

IIIDoutorado em Medicina, Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas, Centro de Ciências da Saúde, UFSC, Florianópolis, SC, Brasil

IVDoutorado em Radiologia. Hospital Infantil Joana de Gusmão, Florianópolis, SC, Brasil

VGraduação em Medicina, Residência Médica em Radiologia e Diagnóstico por Imagem. Diretor Técnico da Clínica Imagem, Florianópolis, SC, Brasil

VIMestrado e Doutorado em Pediatria. Infectologista Pediatra do Hospital Infantil Joana de Gusmão, Florianópolis, SC, Brasil. Professor-associado Doutor de Pediatria, UFSC e Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), Florianópolis, SC, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Descrever a densidade mineral óssea (DMO) e conteúdo mineral ósseo (CMO) de crianças e adolescentes que vivem com o vírus da imunodeficiência humana e comparar com os dados do National Health and Nutrition Examination Survey IV (NHANES IV).

MÉTODO: Participaram do estudo48 crianças e adolescentes (sete a 17 anos de idade) com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana adquirida por transmissão vertical. A DMO e o CMO foram mensurados pela absorciometria por dupla emissão de raios-X, calculando-se escores-z com base nos dados do NHANES IV. Nos prontuários médicos foram obtidas as informações dos parâmetros clínicos e laboratoriais da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana. Foram ainda avaliada a atividade física, a ingestão de cálcio e a maturação esquelética. Utilizaram-se procedimentos da estatística descritiva e inferencial, estabelecendo níveis de significância de 5%.

RESULTADOS :Os pacientes soropositivos demonstraram valores inferiores comparados aos dados do NHANES IV em todos os escores-z da massa óssea (média = -0,52 a -1,22, dp = 0,91 e 0,84, respectivamente). Com base no z-DMOsubtotal, há uma prevalência de 16,7% de crianças e adolescentes com massa óssea reduzida para a idade. Indivíduos que utilizaram inibidores de protease apresentaram um z-DMOtotal inferior, comparado ao grupo que não utilizou (-1,31 vs. -0,79; p = 0,02). Não foram encontradas diferenças na massa óssea em relação ao nível de atividade física e ingestão de cálcio.

CONCLUSÕES: Na presente amostra, crianças e adolescentes que vivem com o vírus da imuno deficiência humana possuem baixa massa óssea para idade, e o uso de inibidores de protease parece estar relacionado a tais reduções.

Palavras-chave: Densidade óssea; Criança; Adolescente; Vírus da imunodeficiência humana; Síndrome da imunodeficiência adquirida; Estilo de vida

Introdução

Após o advento da terapia antiretroviral combinada (TARV), foi observada uma redução da morbimortalidade da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Entretanto, foram relatados efeitos colaterais da TARV como lipodistrofia, distúrbios metabólicos e alterações na massa óssea.1 Em jovens infectados pelo HIV por transmissão vertical, a prolongada exposição aos medicamentos pode potencializar estes efeitos, sendo relatadas reduções significantes na densidade (DMO) e no conteúdo mineral ósseo (CMO).2-7 Apesar das controvérsias, os fatores que contribuem para estas diminuições são o déficit na ingestão de cálcio, a TARV com inclusão de inibidores de protease (IP), os antirretrovirais específicos (estavudina-d4T, tenovovir-TDF e ritonavir-RTV), os estágios avançados da infecção e a lipodistrofia.3,5,8,9 Embora seja conhecido o potencial da atividade física regular na manutenção da saúde óssea, poucos estudos consideraram esta variável na relação com a DMO/CMO.3,6,7

O pico de acréscimo mineral ósseo ocorre preponderantemente durante a puberdade;10 assim, a preocupação com reduções da massa óssea em crianças e adolescentes vivendo com HIV amplia-se, pois estes poderiam desenvolver complicações precoces.

O objetivo deste estudo foi descrever a DMO e o CMO de crianças e adolescentes infectados pelo HIV por transmissão vertical e comparar tais valores com os de indivíduos saudáveis, considerando a idade, o sexo e a cor da pele. A DMO também foi investigada em função da ingestão de cálcio, do nível de atividade física e da inclusão de IP na TARV.

Método

Aspectos éticos

A pesquisa seguiu as diretrizes éticas apontadas na Declaração de Helsinki e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG) (nº 077/2009). Os pais ou responsáveis legais assinaram um termo de consentimento livre, esclarecido e revogável.

Sujeitos

A amostra do estudo foi composta por 48 crianças e adolescentes com infecção pelo HIV adquirido por transmissão vertical, de ambos os sexos, com idades entre 7 e 17 anos, residentes em Florianópolis, SC, Brasil. Os indivíduos foram selecionados de forma não probabilística no Serviço de Atendimento Especializado Hospital Dia - HIJG. Foram usados como critérios de inclusão: realizar tratamento no HIJG; disponibilidade de informações clínicas e laboratoriais no prontuário médico; e não apresentar outras doenças ou medicamentos que alterassem a composição corporal, tendo em vista que o estudo-base investigou as alterações de três componentes da composição corporal.

Variáveis do estudo, instrumentos e padronizações

Sociodemográficas e antropométricas

Em entrevista foram coletadas informações sobre idade, sexo e cor da pele das crianças e adolescentes vivendo com o HIV, além de nível econômico e escolaridade dos responsáveis. A estatura e massa corporal foram mensuradas pelos procedimentos padronizados,11 utilizando-se um estadiômetro de parede da marca Tonelli (120A; Criciúma, Brasil) com precisão de 0,1 cm e uma balança digital Tanita (BF683W, Arlington Heigths, EUA) com precisão de 0,1 kg. As medidas foram realizadas em duplicata por um mesmo avaliador, com erros técnicos de medida de 0,19 cm e 0,51 kg para estatura e massa corporal, respectivamente. O estado nutricional foi avaliado pelo escore-z, a partir dos parâmetros de estatura/idade e índice de massa corporal/idade.12

Massa óssea

Mensurada pela absorciometria por dupla emissão de raios-X (DXA) em um aparelho Hologic (Discovery WI Fan-Bean; Bedford, EUA), a atenuação dos raios-X foi computada por um software pediátrico. Esse método é seguro, pois os equipamentos emitem radiações de 4,2 a 5,2 µSv que equivalem a um dia solar. Apresenta alta validade concorrente, reprodutibilidade e precisão técnica na medida da massa óssea.13 Neste estudo, o controle interno de qualidade incluiu calibrações diárias, de acordo com fabricante. O CV da DMO total no período da pesquisa foi de 1%. Durante as avaliações, os sujeitos utilizaram vestimentas apropriadas, sem o uso de calçados, brincos e/ou anéis. A partir dos resultados da DXA, foram consideradas as variáveis de DMO e CMO totais e subtotais (exceto a cabeça). A medida subtotal é um parâmetro de boa acurácia e reprodutibilidade, pois a DMO/CMO total pode diluir as alterações na massa óssea.14 Por questões logísticas, os parâmetros específicos da coluna vertebral, da cabeça do fêmur e do rádio 33% não foram avaliados. Foram calculados escores-z a partir dos valores de LMS publicados por Kelly et al.,15 com o uso do suplemento LMS Growth para o MS Excel, desenvolvido por Pan & Cole. Os dados brasileiros na literatura não permitem a determinação do escore-z segundo a idade, o sexo e a cor da pele.16

Variáveis clínicas da infecção pelo HIV

Nos prontuários médicos foram obtidas as informações clínicas (tipo/tempo de TARV, classificação imunológica e dos sintomas clínicos) e laboratoriais (carga viral HIV RNA, linfócitos TCD4+ e TCD8+) da infecção pelo HIV. Os participantes foram classificados nas categorias de imunossupressão e de sintomas clínicos da evolução do HIV, considerando as proposições do CDC.17 A carga viral HIV RNA e linfócitos TCD4+ e TCD8+ foram determinados por método de DNA ramificado (b-DNA) e citometria de fluxo, respectivamente.

Variáveis de controle e do estilo de vida

A idade óssea foi determinada pela avaliação da radiografia mão-punho esquerdo, estimada pelo método Greulich-Pyle,18 por uma médica radiologista do HIJG com grande experiência no método.

O nível de atividade física foi mensurado de forma objetiva por meio de um sensor de movimento (pedômetro Digi-Walker SW200 - YamaxCorp, Tóquio, Japão), utilizado durante cinco dias, sendo dois deles no final de semana. O uso do pedômetro foi padronizado no lado direito da cintura acima da crista ilíaca, iniciando a utilização pela manhã, retirando-o apenas nas atividades aquáticas ou no banho. Ao final do dia, os sujeitos e/ou responsáveis anotavam o número de passos registrado. Esse método possui alta correlação com a acelerometria (r = 0,86) e moderada com a medida indireta de gasto energético (r = 0,64). Foram incluídos os indivíduos com dados referentes a, pelo menos, quatro dias. No total, cinco sujeitos não atenderam a esse critério e o valor mediano de passos, específico por sexo, foi utilizado. Na ausência de classificação do nível de atividade física para a população infectada, foi usada a proposição do ponto de corte de 13.000 e 11.000 passos/dia para meninos e meninas saudáveis, respectivamente. Para adolescentes, o ponto de corte foi 10.000 passos/dia.19 Esses valores, em média, correspondem a 60 minutos de atividade física moderada-vigorosa, o que classifica o jovem como ativo ou insuficientemente ativo.19

O consumo de cálcio foi avaliado por meio de um questionário de frequência alimentar, versão simplificada,20 que apresenta validade moderada na estimativa de cálcio (r = 0,70), ajustado pela variabilidade intra e interpessoal.20 O questionário foi aplicado aos sujeitos ou aos responsáveis (em menores de 13 anos), na forma de entrevista, por uma acadêmica de nutrição. A padronização do tamanho das porções foi estabelecida de acordo com a sugestão de Pinheiro et al.21 Para determinar o valor nutricional dos alimentos, utilizou-se da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos e da USDA National Nutrient Database for Standard Reference.22,23

O diâmetro ósseo foi utilizado no controle de diferenças na DMO relacionadas ao tamanho corporal e do osso. Foi sugerido que a DXA possui inabilidade em detectar as bordas ósseas em sujeitos em crescimento.24 Dessa forma, a mensuração do diâmetro do fêmur seguiu padronizações,11 e foi obtida por um, com precisão de 0,01 mm. O erro técnico de medida encontrado foi 0,55mm.

Análise estatística

Foi atestada a distribuição gaussiana pelo teste Shapiro-Wilk, além da análise da representação gráfica. Dados assimétricos foram normalizados por meio de log10. Foram utilizados procedimentos de estatística descritiva na apresentação dos dados (medidas de tendência central, dispersão, frequências relativas e absolutas). Na estatística inferencial, foram realizados testes t-Student, Qui-quadrado e análise de covariância (ANCOVA), ajustando por idade óssea, massa corporal, diâmetro do fêmur, atividade física, ingestão de cálcio, tempo de TARV e uso de IP na TARV. Foi utilizado o pacote estatístico SPSS e estabelecido nível de significância em 5% (α < 0,05 ou IC 95%).

Resultados

A maioria das crianças e adolescentes vivendo com HIV estava sob tutela da família biológica (64,6%), 20,8% estavam com família adotiva e uma pequena parcela (14,6%), sob tutela do estado. Os responsáveis possuíam grau de ensino até o nível fundamental incompleto em 22,9% dos casos, e apenas 6,3% relataram ensino superior completo. O rendimento mensal per capita de até dois salários mínimos foi relatado por 47,9% dos responsáveis, enquanto 37,5% relataram renda acima de dois salários mínimos.

A Tabela 1 apresenta informações demográficas e de estilo de vida. No grupo estudado há uma distribuição similar entre sexo e cor da pele. A diferença média negativa entre idade óssea e cronológica sugere atraso na maturação esquelética, sem diferença estatística entre os sexos. Cinco adolescentes apresentaram atraso na maturação esquelética, utilizando o ponto de corte de < -2 desvios-padrão específicos para sexo e idade.18 Também foram encontradas médias negativas do escore-z da estatura para idade e do IMC para idade, sem diferença estatística entre os sexos.

Sobre o estilo de vida, níveis inadequados de atividade física foram observados em 68,8% (n = 33), segundo critério da pedometria. Na ingestão de cálcio, 29 (60,4%) dos jovens vivendo com o HIV possuíam valores inadequados, quando comparados aos da Dietary Reference Intakes - DRIs.25

Em geral, evidencia-se o bom estado imunológico e virológico dos sujeitos que vivem com o HIV (Tabela 2) pela ausência de imunossupressão ou imunossupressão moderada (≈ 75% do grupo) e pela carga viral HIV RNA indetectável (58,3%; n = 28). Mais da metade dos indivíduos com até 13 anos de idade (58,4%) encontrava-se em estágios iniciais da doença (N - assintomático e A - sintomas leves), e 54,2% dos adolescentes (> 13 anos) apresentaram condições que definem AIDS. Em geral, a TARV seguiu a terapia tríplice, e cerca de 10% estavam utilizando algum medicamento compatível com resistência viral.

Para as medidas da massa óssea (Tabela 3) foram observados valores superiores nos adolescentes quando comparados às crianças (ajustados pelo sexo e IMC, p < 0,001), e no sexo masculino quando comparados ao feminino (ajustados pela idade e escore-z do IMC, p < 0,05), que refletem processos de acréscimo mineral ósseo e dimorfismo sexual, respectivamente. Foram encontrados valores inferiores de escore-z da DMOtotal para idade (z-DMOtotal) e escore-z da DMOsubtotal para idade (z-DMOsubtotal) no sexo feminino, quando comparado ao masculino (p < 0,05); diferença que não permaneceu significante quando analisado o escore-z DMOsubtotal para estatura (z-DMOsubtotal/estatura). Os escores-z da CMO e DMO revelaram, em geral, valores negativos em todos os parâmetros analisados.

Considerando z-CMOsubtotal, quatro sujeitos (sexo masculino) apresentaram escores inferiores a < -2 DP, indicando baixo conteúdo mineral ósseo para a idade. Na análise pelo z-DMOsubtotal, a prevalência aumentou para oito casos (16,7%). Estes escores-z foram calculados com base em valores específicos para idade, sexo e cor da pele.15

Não houve diferença nas proporções de sujeitos com z-DMOsubtotal abaixo de < -2 DP entre os sexos ou idades. Apesar dos escores-z entre < -2 e < -1 DP não definirem massa óssea reduzida para idade, 27 crianças e adolescentes (56,2%) apresentaram valores baixos de z-CMOsubtotal, enquanto valores reduzidos de z-DMOsubtotal foram observados em 21 sujeitos (43,7%).

Foi observado z-DMOtotal inferior no grupo que utilizava IP na TARV independentemente da massa corporal, diâmetro do fêmur, idade óssea, atividade física, ingestão de cálcio e tempo de TARV (Tabela 4).

Não foram observadas diferenças significantes no z-DMOtotal de crianças e adolescentes infectados pelo HIV, quando comparados pelo nível de atividade física ou pela ingestão diária de cálcio (p > 0,05). Também não foram encontradas diferenças significantes no z-DMOtotal entre os estágios N e A versus B e C, estágios 1 e 2 versus 3, carga viral indetectável versus carga viral > 50 cópias/mL, ausência/imunossupressão moderada versus imunossupressão severa (p > 0,05). Todas estas análises foram ajustadas pela massa corporal, diâmetro do fêmur, idade óssea, atividade física, ingestão diária de cálcio e tempo de TARV e uso de IP na TARV.

Discussão

O principal achado do presente estudo foi o reduzido escore-z da massa óssea em crianças e adolescentes vivendo com o HIV comparado aos indivíduos saudáveis do NHANES IV. A prevalência de baixa DMOsubtotal para idade foi estimada em 43,7%, considerando escores-z menores que -1 DP.

Esses dados são inéditos na literatura nacional e reproduzem achados de pesquisas de outros países utilizando valores absolutos.2,4 escore-z3,5,7 ou medida de ultrassom quantitativo6. Contudo, os resultados encontrados discordam de dois estudos: o primeiro encontrou baixa massa óssea apenas pela avaliação da tomografia computadorizada, inferindo a inabilidade da DXA em avaliar massa óssea em sujeitos com ossos pequenos.24 Por essa razão, na presente pesquisa foi utilizado o diâmetro do fêmur para ajustar os valores pelo tamanho do osso. O segundo estudo não encontrou reduções na massa óssea em um pequeno número de crianças que não fazem uso de tratamento antirretroviral e com infecção por via horizontal,26 provavelmente, pelo estado de saúde, crescimento e maturação pouco afetados pelo menor tempo de exposição ao HIV, além da ausência da terapia antirretroviral, que promoveria uma maior integridade óssea.

A infecção pelo HIV e a resposta do hospedeiro estão envolvidos nas alterações da massa óssea. No modelo animal, a remodelação óssea foi induzida pela alta atividade do C-telopeptídeo terminal de colágeno e pelo aumento do número de osteoclastos, dada a alta atividade do ligante do receptor ativador de NFkB.27 Análises in vitro demonstraram que proteínas específicas do HIV interferem na diferenciação das células-tronco mesenquimais em osteoblastos, além de reduzirem a secreção de moléculas regulatórias e atividade de fatores de transcrição dos osteoblastos.28 Além disso, a infecção pelo HIV reduz a produção de IGF-1.6,7 O HIV aumenta a produção de interleucina-6, e pelo fator autócrino/parácrino estimula a formação e atividade de osteoclastos, reduzindo a massa óssea.6,7

Quase metade das crianças e adolescentes da amostra apresentou massa óssea < -1 DP quando comparados aos dados do NHANES IV. Entretanto, esta prevalência deve ser observada com certa cautela. Kocks et al.29 demonstraram que várias bases de dados utilizadas para a criação dos escores-z podem ser altamente correlacionadas, porém os valores podem diferir significativamente, variando na proporção de sujeitos com baixa massa óssea para a idade (15,4 a 27,9%).29 Os dados do NHANES IV,15 por serem advindos de uma amostra representativa de jovens saudáveis e apresentados por idade, sexo e cor da pele, permitiram o cálculo de escores-z específicos. Esta estratégia possibilitou a análise mais discriminada da saúde óssea das crianças e adolescentes vivendo com HIV.

No presente estudo, a média de z-DMOtotal foi significativamente inferior no grupo que utiliza IP na TARV quando comparado ao grupo sem IP, independentemente da massa corporal, diâmetro do fêmur, idade óssea, nível de atividade física, ingestão de cálcio e tempo de TARV (Tabela 4). O efeito deletério dos IP na massa óssea foi demonstrado pela alteração da expressão gênica, que induz a uma atividade inflamatória local, e a consequente redução da atividade dos osteoblastos expostos ao ritonavir.30 A exposição ao lopinavir (LPV/r) produz redução na expressão gênica e na atividade da enzima fosfatase alcalina dos osteoblastos, além da diminuição do depósito de cálcio e aumento na atividade de osteclastos.31 Neste estudo, 25/26 sujeitos do grupo que incluía IP na TARV recebiam dose baixa de ritonavir em adição ao lopinavir. Este IP específico não demonstra reduções significantes no CMO em um estudo,9 porém, os resultados do mesmo evidenciaram reduções no CMO da coluna lombar naqueles que recebiam dose plena de ritonavir. Além disso, os pacientes que recebiam IP na presente amostra também utilizam d4T e TDF (3/26 e 5/26, respectivamente), indicados como moduladores de reduções na massa óssea.8,9 Esses antirretrovirais estavam presentes somente na TARV com inclusão de IP; portanto, pode-se supor que as reduções encontradas no grupo que utiliza IP na TARV podem ter sido influenciadas pelos três antirretrovirais de forma associada (LPV/r, d4T e TDF).

Não foram encontradas diferenças significantes na massa óssea dos sujeitos que atendiam ou não às recomendações de atividade física, quando controlada pelas demais covariáveis. A relação positiva entre atividade física e massa óssea em sujeitos saudáveis é evidenciada pelo engajamento em atividades de intensidade vigorosa, ou ainda, com elevada carga gravitacional ou muscular, promovendo estímulo osteogênico.32 Nesse contexto, algumas possíveis limitações que podem justificar os achados: sítios específicos na massa óssea não foram avaliados, a atividade física mensurada representou apenas o período da coleta de dados, o ponto de corte da pedometria é inespecífico ao grupo HIV e o tamanho do grupo analisado pode ter reduzido o poder das análises estatísticas.

Atender ou não às recomendações de ingestão diária de cálcio não demonstrou influência significante na massa óssea. O'Brien et al.5 encontraram reduções na massa óssea em um grupo de meninas vivendo com o HIV, que foram atribuídas à ingestão insuficiente de cálcio (20-50% abaixo das recomendações) e a um processo multifatorial. A ingestão de cálcio usualmente é determinada pela utilização de registro alimentar de 24 horas. No presente estudo, esta variável foi estimada por meio de um questionário de frequência alimentar semiquantitativo que, apesar da validade moderada (r = 0,70),20 pode ter subestimado os valores.

Não foram encontradas diferenças na massa óssea em função da evolução dos sintomas clínicos da infecção pelo HIV, confirmando alguns achados na literatura.4,5 No entanto, outros estudos3,6 observaram que sujeitos em estágios avançados apresentam reduções na DMO e prejuízos na qualidade e metabolismo ósseos. No presente estudo, houve a necessidade de dividir o grupo em faixas etárias distintas (crianças [< 13 anos] e adolescentes [> 13 anos])17 para atender ao sistema de classificação da infecção adotados pelo CDC. Não houve diferença na massa óssea em relação à imunossupressão, confirmando os achados de Mora et al.4 O estado da carga viral HIV RNA (indetectável versus > 50 cópias/mL) também não influenciou a DMO. Rápidas alterações imunológicas e virológicas podem ocorrer pelo sucesso ou falha nas intervenções farmacológicas, enquanto as alterações na massa óssea são mais lentas e necessitam cerca de seis meses para serem detectadas,14 e isso pode, em parte justificar os achados.

O presente estudo possui outras limitações que devem ser consideradas ao interpretar os dados: o delineamento transversal não permite inferir causa-efeito, os sujeitos avaliados representaram, em média, indivíduos com boas condições clínicas e características demográficas que restringem, em parte, a validade externa dos achados. Porém, a diminuição da massa óssea permanece evidente e os achados são bastante preocupantes, uma vez que valores reduzidos tendem a continuar reduzidos com o passar da idade; além disso, na infância e na adolescência ocorre o maior acréscimo mineral ósseo,10 e interrupções desse processo podem determinar riscos aumentados de osteopenia e osteoporose precoce. Na infecção pelo HIV ainda pode ocorrer uso prolongado da TARV, potencializando a redução da massa óssea.

Este estudo reforça a baixa massa óssea para a idade em crianças e adolescentes que vivem com o HIV, independentemente do parâmetro ósseo utilizado, quando comparadas aos dados do NHANES IV. O uso de IP na TARV está relacionado a reduções na massa óssea, sejam quais forem os fatores de confusão. Não foram encontradas diferenças na massa óssea em relação ao nível de atividade física e ingestão diária de cálcio; entretanto, observou-se no grupo um pequeno percentual de sujeitos que atendem a ambas as recomendações. São necessárias intervenções interdisciplinares que promovam a atividade física e adequada ingestão de nutrientes, no sentido de minimizar o impacto do HIV e da TARV, contribuindo, assim, para a saúde óssea.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

Os autores agradecem Andréia R. de S. Cardoso, Elaine Hillesheim e Luciana G. A. Cabral pela colaboração na coleta de dados; à Clínica Imagem; ao Hospital Dia/HIJG; e aos participantes da pesquisa. Luiz R. A. de Lima agradece à Capes pela bolsa de estudos.

Recebido em 5 de março de 2012; aceito em 8 de agosto de 2012

  • 1. McComsey GA, Leonard E. Metabolic complications of HIV therapy in children. AIDS. 2004;18:1753-68.
  • 2. Jacobson DL, Lindsey JC, Gordon CM, Moye J, Hardin DS, Mulligan K, et al. Total body and spinal bone mineral density across Tanner stage in perinatally HIV-infected and uninfected children and youth in PACTG 1045. AIDS. 2010;24:687-96.
  • 3. Jacobson DL, Spiegelman D, Duggan C, Weinberg GA, Bechard L, Furuta L, et al. Predictors of bone mineral density in human immunodeficiency virus-infected children. J Pediatr Gastroente-rol Nutr. 2005;41:339-46.
  • 4. Mora S, Zamproni I, Beccio S, Bianchi R, Giacomet V, Viganò A. Longitudinal changes of bone mineral density and metabolism in antiretroviral-treated human immunodeficiency virus-infected children. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89:24-8.
  • 5. O'Brien KO, Razavi M, Henderson RA, Caballero B, Ellis KJ. Bone mineral content in girls perinatally infected with HIV. Am J Clin Nutr. 2001;73:821-6.
  • 6. Stagi S, Bindi G, Galluzzi F, Galli L, Salti R, de Martino M. Changed bone status in human immunodeficiency virus type 1 (HIV-1) perinatally infected children is related to low serum free IGF-I. Clin Endocrinol (Oxf). 2004;61:692-9.
  • 7. Zamboni G, Antoniazzi F, Bertoldo F, Lauriola S, Antozzi L, Tatò L. Altered bone metabolism in children infected with human immunodeficiency virus. Acta Paediatr. 2003;92:12-6.
  • 8. Gafni RI, Hazra R, Reynolds JC, Maldarelli F, Tullio AN, DeCarlo E, et al. Tenofovir disoproxil fumarate and an optimized background regimen of antiretroviral agents as salvage therapy: impact on bone mineral density in HIV-infected children. Pediatrics. 2006;118:e711-8.
  • 9. Zuccotti G, Viganò A, Gabiano C, Giacomet V, Mignone F, Stucchi S, et al. Antiretroviral therapy and bone mineral measurements in HIV-infected youths. Bone. 2010;46:1633-8.
  • 10. Gafni RI, Baron J. Childhood bone mass acquisition and peak bone mass may not be important determinants of bone mass in late adulthood. Pediatrics. 2007;119:S131-6.
  • 11. Lohman TG, Roche AF, Martorell R, eds. Anthropometric standardization reference manual. Abridged edition. Champaign, IL: Human Kinetics Books; 1991.
  • 12. de Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007;85:660-7.
  • 13. Leonard CM, Roza MA, Barr RD, Webber CE. Reproducibility of DXA measurements of bone mineral density and body composition in children. Pediatr Radiol. 2009;39:148-54.
  • 14. Gordon CM, Bachrach LK, Carpenter TO, Crabtree N, El-Hajj Fuleihan G, Kutilek S, et al. Dual energy X-ray absorptiometry interpretation and reporting in children and adolescents: the 2007 ISCD Pediatric Official Positions. J Clin Densitom. 2008;11:43-58.
  • 15. Kelly TL, Wilson KE, Heymsfield SB. Dual energy X-ray absorptiometry body composition reference values from NHANES. PLoS One. 2009;4:e7038.
  • 16. Silva CC, Goldberg TB, Teixeira AS, Dalmas JC. Mineralizaçăo óssea em adolescentes do sexo masculino: anos críticos para a aquisiçăo da massa óssea. J Pediatr (Rio J). 2004;80:461-7.
  • 17. Schneider E, Whitmore S, Glynn KM, Dominguez K, Mitsch A, McKenna MT, et al. Revised surveillance case definitions for HIV infection among adults, adolescents, and children aged < 18 months and for HIV infection and AIDS among children aged 18 months to < 13 years United States, 2008. MMWR Recomm Rep. 2008;57:1-12.
  • 18. Greulich WW, Pyle SI. Radiographic atlas of skeletal development of the hand and wrist. 2nd ed. Stanford, CA: Stanford University Press; 1959. p. 255.
  • 19. Tudor-Locke C, Craig CL, Beets MW, Belton S, Cardon GM, Duncan S, et al. How many steps/day are enough? for children and adolescents. Int J Behav Nutr Phys Act. 2011;8:78.
  • 20. Slater B, Philippi ST, Fisberg RM, Latorre MR. Validation of a semi-quantitative adolescent food frequency questionnaire applied at a public school in Săo Paulo, Brazil. Eur J Clin Nutr. 2003;57:629-35.
  • 21. Pinheiro AB, Lacerda EM, Benzecry EH, Gomes MC, Costa VM. Tabela para avaliaçăo de consumo alimentar em medidas caseiras. Rio de Janeiro: Atheneu; 2005.
  • 22
    Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (NEPA). Tabela brasileira de composição de alimentos / NEPA-UNICAMP – Versão II. Campinas: NEPA-UNICAMP; 2006. p.. 105.
  • 23. U.S. Department of Agriculture Agricultural Research Service. USDA National Nutrient Database for Standard Reference, Release 14: Nutrient Data Laboratory Home Page; 2010 [acessado em 12 Dez 2010]. Disponível em: http://www.ars.usda.gov/ba/bhnrc/ndl
  • 24. Pitukcheewanont P, Safani D, Church J, Gilsanz V. Bone measures in HIV-1 infected children and adolescents: disparity between quantitative computed tomography and dual-energy X-ray absorptiometry measurements. Osteoporos Int. 2005;16:1393-6.
  • 25. Institute of Medicine. Dietary reference intakes for calcium and vitamin D. Washington, DC: The National Academies Press; 2011.
  • 26. Mora S, Zamproni I, Giacomet V, Cafarelli L, Figini C, Viganň A. Analysis of bone mineral content in horizontally HIV-infected children naďve to antiretroviral treatment. Calcif Tissue Int. 2005;76:336-40.
  • 27. Vikulina T, Fan X, Yamaguchi M, Roser-Page S, Zayzafoon M, Guidot DM, et al. Alterations in the immuno-skeletal interface drive bone destruction in HIV-1 transgenic rats. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010;107:13848-53.
  • 28. Cotter EJ, Malizia AP, Chew N, Powderly WG, Doran PP. HIV proteins regulate bone marker secretion and transcription factor activity in cultured human osteoblasts with consequent potential implications for osteoblast function and development. AIDS Res Hum Retroviruses. 2007;23:1521-30.
  • 29. Kocks J, Ward K, Mughal Z, Moncayo R, Adams J, Högler W. Z-score comparability of bone mineral density reference databases for children. J Clin Endocrinol Metab. 2010;95:4652-9.
  • 30. Malizia AP, Vioreanu MH, Doran PP, Powderly WG. HIV1 protease inhibitors selectively induce inflammatory chemokine expression in primary human osteoblasts. Antiviral Res. 2007;74:72-6.
  • 31. Jain RG, Lenhard JM. Select HIV protease inhibitors alter bone and fat metabolism ex vivo. J Biol Chem. 2002;277:19247-50.
  • 32. Greene DA, Naughton GA. Adaptive skeletal responses to mechanical loading during adolescence. Sports Med. 2006;36:723-32.
  • *
    Autor para correspondência.
    E-mail:
    rosane@cds.ufsc.br (R.C.R. da Silva).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      05 Mar 2012
    • Aceito
      08 Ago 2012
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br