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Apresentação

Apresentação

Este número da Varia Historia é dedicado aos pesquisadores da históriada história, um ramo da história intelectual ou da história das ciências ou dos saberes, que pode abordar a trajetória do conhecimento histórico de múltiplas formas: analisando a obra de um historiador específico ou comparando historiadores de diferentes épocas ou escolas, reconstruindo criticamente o pensamento histórico de filósofos, sociólogos, teólogos, antropólogos, comparando as análises históricas diferenciadas de experiências vividas, produzindo reflexões sobre temas teóricos (temporalidade, escrita da história, memória, conceitos), fazendo a história das técnicas utilizadas e das alianças feitas com outras disciplinas pelos historiadores. Outros nomes também designam esta área de pesquisa: "historiografia", "meta-história", "teoria e metodologia da história", "história da historiografia".

Toda pesquisa histórica só ganha o seu sentido quando historicizada pela história da história, i.é., quando posta em seu horizonte temporal. A história da história mostra aos historiadores do presente que a sua atividade já era praticada no passado de formas diferentes e explica porque ela foi feita antes assim e porque é feita, hoje, assim, denunciando os que pensam que a forma atual é a única e a mais verdadeira. É perigoso que o presente se iluda com o seu pensamento sobre a história como o mais perfeito, porque se conhecimento histórico se tornar incontestável é a vida que se conserva, congelada.

O número se abre com um artigo do mais importante praticante da história da história, o professor francês François Hartog, que "presenteou" a revista do departamento de história da UFMG com o artigo Temporalité et Patrimoine. O artigo discute a redefinição da "memória" e do "patrimônio" dentro do novo "regime de historicidade", que o Ocidente vive após a Queda do Muro de Berlim (1989). O problema abordado: um novo regime de historicidade, centrado sobre o presente, estaria se formulando? Para o autor, ocorreu um crescimento rápido da categoria do presente e se impôs a evidência de um presente onipresente, que ele nomeia "presentismo", onde se vive entre a amnésia e a vontade de nada esquecer, que transformou o conceito de "patrimônio histórico".

O segundo artigo é da professora de teoria da história, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Norma Côrtes: Descaminhos do Método: Notas Sobre História e Tradição em Hans-Georg Gadamer. A partir de Verdade e Método, este artigo analisa a historicidade da atitude epistêmica e do método científico, explorando alguns aspectos envolvidos no "estatuto prudencial" do conhecimento histórico tal como estabeleceu Gadamer em sua obra.

O terceiro artigo, Espaços de sociabilidade na América Portuguesa e historiografia brasileira contemporânea, do historiador e ex-professor da UFMG, Caio Boschi, apresenta uma visão panorâmica da produção acadêmico-científica realizada nas últimas duas décadas sobre os "espaços de sociabilidade na América Portuguesa". O autor compara obras dedicadas ao tema e faz também referência às lacunas historiográficas que reclamam estudos.

O quarto artigo foi enviado pelo Prof. Valdei Lopes de Araújo, do departamento de história da Universidade Federal de Ouro Preto. O seu artigo, Para além da auto-consciência moderna: a historiografia de Hans Ulrich Gumbrecht, acompanha o desenvolvimento da teoria da modernidade de Gumbrecht e as conseqüências dessa teoria para a escrita da história e para a auto-consciência disciplinar. O autor propõe uma releitura da história da história através dos dois tipos de culturas propostas por Gumbrecht, ou seja, "culturas de sentido" e "culturas de presença", argumentando que mesmo que a historiografia moderna possa ser caracterizada como predominantemente ancorada na produção de sentido, aspectos centrais de sua história só podem ser explicados através de elementos típicos da produção de presença.

No quinto artigo, Vida Privada e Interdisciplinaridades: Dois exemplos em Contrastes da intimidade contemporânea, o historiador Marcos Silva, professor da Universidade de São Paulo, discute dois ensaios de cientistas sociais sobre a vida privada brasileira no século XX. Ele analisa as suas concepções de tempo histórico e de interdisciplinaridade, apontando as conquistas e os limites do diálogo entre Ciências Sociais e Conhecimento Histórico.

O sexto artigo vem também do departamento de história da UFOP e foi enviado pelo professor Sérgio da Mata. O artigo, Heinrich Rickert e a fundamentação (axio)lógica do conhecimento histórico, apresenta Heinrich Rickert como uma das figuras de maior prestígio da filosofia neokantiana na passagem dos séculos XIX-XX, embora a sua grande contribuição no sentido de dar uma fundamentação lógica às Kulturwissenschaften em geral, e à ciência histórica em particular, tenha caído no esquecimento. Nos últimos tempos, com o anúncio do "fim" da epistemologia e o aparente triunfo do solipsismo pós-moderno, o autor considera oportuno retornar a Rickert e restabelecer um diálogo com a sua obra.

O sétimo artigo, do historiador e professor da Universidade de Passo Fundo-RS, Astor Diehl, Teoria Historiográfica: Diálogo entre Tradição e Inovação, discute algumas perspectivas de estudos nos campos das teorias da história, tomando como eixo o diálogo entre a tradição historiográfica e o conjunto de inovações verificadas nos estudos históricos atuais. A estrutura do texto tem dois aspectos: o primeiro, envolve a possibilidade da inserção dos desejos e subjetividades na dimensão teórica e historiográfica; o segundo, discute os sentidos dessa inovação, entendida a partir da noção de "cultura historiográfica" e da plausibilidade do conhecimento histórico.

No oitavo artigo, Perguntar-se pela escrita da história, Luis Costa Lima, que já muito escreveu sobre as complexas relações entre a história e a literatura, sustenta que não se alcança o específico da escrita da história senão por comparação com o discurso que, desde os gregos, lhe é próximo: o discurso literário. Assim não se pode compreender a narrativa de Heródoto e Tucídides sem a proximidade da épica homérica e, contudo, elas pertencem a campos discursivos diversos porque são diversos seus eixos de orientação. Tal compreensão era e é dificultada pela carência teórica que os cerca. A concepção moderna de história mantém a insuficiência epistemológica constatada nos antigos. O artigo quer mostrar, que, ao não ser acompanhada de uma indagação epistemológica suficiente, a antiga distinção entre res facta e res ficta não permite o entendimento suficiente de suas proximidades e diferenças. História e literatura são discursos que não se confundem, mas não porque um fale a verdade e o outro seja fantasioso. Ambos os campos são prejudicados pela carência de construção teórica que, no Ocidente, acompanha as suas práticas.

Finalmente, encerrando esta seqüência de estudos de história da história, vem o artigo do professor da Unicamp, Edgar de Decca, As Metáforas da identidade em Raízes do Brasil: Decifra-me ou te devoro. O artigo analisa o uso das metáforas no livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, com o objetivo de tomá-las não somente como artifício literário, mas como projeções históricas de longo alcance na formação da identidade nacional. As metáforas nessa obra devem ser vistas como chaves de entendimento de uma teoria da história do Brasil, que Sérgio Buarque de Holanda procurou construir para dar conta do processo histórico da formação da sociedade brasileira. A partir do título do livro, compreendese as projeções de longo alcance dessas metáforas. Quando o autor fala de "raízes", de "aventura", de "desterro", de "semeadura", de "limites", de "fronteiras" e de "cordialidade", ele nos faz compreender o sentido de nossa história e de nossas desventuras.

Nós, que organizamos este número, agradecemos efusivamente a todos os articulistas por sua preciosa colaboração. A Varia Historia, mais uma vez, e orgulhosamente, oferece à comunidade de historiadores brasileiros uma importante contribuição.

Belo Horizonte, 2006

JOSÉ CARLOS REIS

(organizador)

Dep. História/UFMG

jkrs@uol.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jan 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2006
Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais Av. Antônio Carlos, 6627 , Pampulha, Cidade Universitária, Caixa Postal 253 - CEP 31270-901, Tel./Fax: (55 31) 3409-5045, Belo Horizonte - MG, Brasil - Belo Horizonte - MG - Brazil
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