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Da Rocinha ao bairro operário: processo de ocupação e formação do espaço nas três primeiras décadas do século XX

From Rocinha to Working-class Neighborhood: The Process of Occupation and Space Formation in the First Three Decades of the 20th Century

De la Rocinha al barrio obrero: proceso de ocupación y formación del espacio en las tres primeras décadas del siglo XX

RESUMO

O objetivo deste artigo consiste em investigar a formação do espaço que conhecemos hoje como a favela da Rocinha, a partir da interseção entre a História Social e a História Urbana, buscando compreender o processo através das experiências dos sujeitos que optaram por ocupá-lo, em meio às dinâmicas de transformação da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Diferentemente dos estudos que atribuíram ao loteamento da fazenda da Rocinha realizado pela Companhia Castro Guidão na década de 1920 o marco desse processo, busca-se demonstrar, por meio da análise de jornais, documentos oficiais e fotos, que a sua possibilidade de efetivação era parte da ocupação anterior de uma diversificada força de trabalho na área. Em contrapartida, ao viabilizar o acesso à moradia para tais indivíduos, o empreendimento proporcionou uma acelerada ocupação e aglomeração de habitações modestas naquele espaço. Como resultado, a localidade começou a ser conhecida como Rocinha, consolidando assim o seu processo de invenção social e histórica como um bairro operário no início da década de 1930.

Palavras-chave
Rocinha; favela; Rio de Janeiro; Gávea; bairro operário

ABSTRACT

The objective of this article is to investigate the formation of the space we know today as the Rocinha slum. Situated at the intersection of Social and Urban History, the article seeks to understand the process through the experiences of the subjects who chose to occupy it at the beginning of the twentieth century, a time when transforming dynamics characterized the city of Rio de Janeiro. Unlike studies that argue the allotment of the Rocinha farm by Companhia Castro Guidão in the 1920s was the key to this process, the article seeks to demonstrate, through the analysis of newspapers, official documents and photos, that its implementation was only possible thanks to earlier occupation by a diverse workforce. Nevertheless, by providing access to housing for such individuals, the project did accelerate occupation and enable an agglomeration of modest dwellings in that space. As a result, by the 1930s, the locality began to be known as Rocinha, thus consolidating its process of social and historical invention as a working-class neighborhood.

Keywords
Rocinha; Slum; Rio de Janeiro; Gávea; Working-Class Neighborhood

RESUMEN

El objetivo de este artículo consiste en investigar la formación del espacio que conocemos hoy como la favela de la Rocinha, a partir de la inserción entre la Historia Social y la Historia Urbana, buscando comprender el proceso a través de las experiencias de los sujetos que decidieron ocuparlos, en medio de las dinámicas de transformación de la ciudad de Río de Janeiro para inicios del siglo XX. Diferente de los estudios que atribuyeron a la subdivisión de la hacienda de la Rocinha realizado por la Compañía Castro Guidão en la década de 1920 el marco de ese proceso se busca demostrar, a través del análisis de periódicos, documentos oficiales y fotos, que su posibilidad de ejecución era parte de la ocupación anterior de una diversificada fuerza de trabajo en el área. En contraste, al viabilizar el acceso a viviendas a estos individuos, la iniciativa proporcionó una acelerada ocupación y aglomeración de habitaciones modestas en aquel espacio. Como resultado, la localidad comenzó a ser conocida como Rocinha, consolidando así su proceso de invención social e histórica como un barrio obrero a inicios del siglo XX.

Palabras Clave
Rocinha; favela; Río de Janeiro; Gávea; barrio obrero

Introdução

Reconhecido como um dos principais fotógrafos do período republicano, Augusto Malta foi contratado oficialmente em 1903 pela Diretoria Geral de Obras e Viação da Prefeitura do Distrito Federal com o objetivo de registrar o projeto urbanístico do Prefeito Pereira Passos. Permanecendo no posto por mais de trinta anos, o fotógrafo ficou conhecido por produzir imagens cotidianas do Rio de Janeiro ao longo desse período. Em 1931, um de seus registros se voltava para um local de aspecto humilde, próximo ao morro Dois Irmãos. Tratava-se da localidade conhecida à época como Rocinha, situada no Distrito da Gávea.1 1 SECÇÃO Católica: ROCINHA. Beira-Mar, Rio de Janeiro, n. 220, 25 maio 1930, p. 8.

Figura 1:
Augusto Malta, “Gávea-Rio de Janeiro”, 1931

Como é possível perceber na foto, a localidade da Rocinha, circundada por uma densa vegetação em que se destacam em primeiro plano muitas bananeiras, se caracterizava pela presença de um aglomerado de habitações modestas na parte baixa dos morros, que iam subindo em direção a sua parte mais alta. Longe tanto do fausto da região central quanto da urbanização mais recente dos subúrbios que o fotógrafo costumava registrar, a cena das casas simples na beira de uma precária rua de terra apresentava aspecto de características predominantemente rurais. Difícil assim, à primeira vista, compreender o motivo que o levou a privilegiar esse espaço em uma série fotográfica destinada a registrar a localidade associada às transformações urbanas da cidade.

Em um indício que aprofunda o problema levantado a partir do registro de Augusto Malta quanto a sua visibilidade no início da década de 1930, Inácio de Almeida, que se estabeleceu em 1933 na Rocinha, rememorou em seus manuscritos como era a localidade naquele momento (SEGALA, 1983, p. 35SEGALA, Lygia. Varal de lembranças. Rio de Janeiro: Tempo e Presença, 1983.).2 2 O manuscrito de seu Inácio de Almeida foi publicado no livro Varal de lembranças (1983) junto a outros testemunhos colhidos no início da década de 1980, como no caso de diversos relatos de memórias de antigos moradores da Rocinha. Segundo a narrativa apresentada por ele sobre as “origens” da Rocinha, o loteamento promovido pela Companhia Castro Guidão a partir da segunda metade de 1920 se constituiu em um marco da ocupação daquele espaço, no qual já havia no início da década de 1930 um “pequeno povoado”. Seu Almeida relembrava as “origens” da Rocinha como algo que ele próprio não testemunhou, porém, que parecia se constituir num evento marcante na memória daqueles que já se encontravam no local durante a década de 1930. Ao afirmar que a Rocinha era uma “promessa de infraestrutura que se projetava para algo diverso do que é atualmente”, ele afasta a realidade inicial da comunidade da imagem pejorativa constantemente associada às favelas na atualidade (MEDEIROS, 2007MEDEIROS, Bianca F. A favela que se vê e que se vende. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 22, n. 65, p. 61-72, out. 2007.). Ainda assim, reconhece naquela ocupação da qual fez parte as próprias “origens” da comunidade atual, consolidando o período que compreende meados da década de 1920 e início da década de 1930 em sua memória como o momento de fundação da própria Rocinha. Por outro lado, ao relacionar o seu surgimento com a história urbana do Rio de Janeiro, Almeida associava em seu discurso a memória individual da Rocinha permeada pela memória oficial da cidade através da atuação das autoridades públicas no mesmo período. Ao refletir sobre o desenvolvimento urbano da região, em especial sobre as dificuldades de transporte em seus primeiros tempos, ele aponta um indício da lógica que pode explicar a ocupação inicial daquele território. Ao afirmar que aquela comunidade seria, na ocasião da sua chegada, um “matagal impraticável”, ainda por cima “distante da cidade” e de difícil acesso, levantava uma dúvida em geral ignorada pelos estudiosos que se propuseram a estudá-la: afinal, como explicar o processo de ocupação do território reconhecido como Rocinha?

Trata-se de uma questão ainda pouco explorada pelos pesquisadores do campo de estudos urbanos e da história das favelas cariocas ao longo do século XX. Como notaram Paulo Knauss e Mário Brum, a “favela demorou para se afirmar como objeto de estudos historiográficos”, tomando corpo a produção nos programas de pós-graduação em História apenas na segunda metade da primeira década do século XXI (KNAUSS; BRUM, 2012, p. 124KNAUSS, Paulo; BRUM, Mario Sergio. Encontro marcado: a favela como objeto da pesquisa histórica. In: MELLO, Marco Antonio da Silva. Favelas cariocas: ontem e hoje. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.). Em meados da década de 1980, os pesquisadores do campo de história urbana e história da cidade, que inclusive se constituiu nesse período, passaram a dispensar mais atenção para as favelas tendo como foco a análise das habitações populares. Desenvolvia-se, assim, as primeiras abordagens historiográficas, ainda que as comunidades não fossem seus objetos de estudo privilegiados. Àquela altura, no entanto, esses espaços de moradia se constituíram como tema central de análise em outras áreas acadêmicas e suas problemáticas específicas, como no caso em particular da antropologia urbana e sociologia urbana (KNAUSS; BRUM, 2012KNAUSS, Paulo; BRUM, Mario Sergio. Encontro marcado: a favela como objeto da pesquisa histórica. In: MELLO, Marco Antonio da Silva. Favelas cariocas: ontem e hoje. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.). Nesse momento, a Rocinha começa a despertar o interesse de tais pesquisadores na área acadêmica.

Com efeito, é possível distinguir dois momentos importantes de reflexão na produção bibliográfica sobre a própria Rocinha: o período que vai da década de 1960 à década de 1990, momento no qual a comunidade se tornou objeto de alguns estudos pioneiros no campo das ciências sociais; e os anos 2000, quando estudiosos de outras áreas se juntaram à discussão proposta nessas primeiras investigações a partir de novas abordagens e temáticas.

Não era, porém, nenhum acaso o fato de que os trabalhos sobre a Rocinha tivessem se iniciado a partir da década de 1960. Naquele momento a comunidade experimentava um intenso crescimento demográfico, destacando-se como uma das maiores e mais populosas favelas cariocas – em processo que seria impulsionado, a partir do final da década de 1960, pela abertura do Túnel Dois Irmãos (hoje Túnel Zuzu Angel). Foi como consequência dessa crescente visibilidade que a Rocinha começou a despertar o interesse de cientistas sociais que, naquele momento, passavam a reconhecer nela um objeto privilegiado para a reflexão sobre a realidade das favelas na cidade. A partir de fontes orais colhidas por eles próprios, apresentavam um breve histórico da comunidade no qual argumentavam que seria a partir do loteamento da companhia em meados da década de 1920 que se estabeleceram os primeiros moradores naquele espaço (MEDINA; VALLADARES, 1968MEDINA, Carlos A. de; VALLADARES, Licia do P. Favela e religião: um estudo de caso. Rio de Janeiro: CERIS, 1968.; SEGALA, 1991, p. 71SEGALA, Lygia. O riscado do balão japonês: trabalho comunitário na Rocinha (1977- 1982). Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1991.). A resposta usual para explicar o processo de ocupação da comunidade reproduzia, no entanto, a memória de alguns pioneiros como o próprio Inácio de Almeida, apontando para o papel decisivo do empreendimento. Mesmo estudos mais recentes sobre a Rocinha que buscaram pensar em uma perspectiva histórica a sua formação partiram e reiteraram essa ideia (CARVALHO FILHO, 2005CARVALHO FILHO, Silvio de A. Gingando entre as dificuldades: as condições de vida da favela da Rocinha no Rio de Janeiro (1930-1980). Revista Politeia, v. 5, n. 11, mar. 2005.; LEITÃO, 2009LEITÃO, Gêronimo. Dos barracos de madeira aos prédios de quitinetes. Niterói: Eduff, 2009.). De modo semelhante, esses estudiosos limitaram-se a retificar a memória sobre a formação da Rocinha expressa por depoimentos orais colhidos entre moradores que chegaram à localidade a partir do final da década de 1920 e início da década de 1930, que não haviam participado dos movimentos anteriores de ocupação daquele território. Ao operar com a noção de um espaço unificado e significado a priori, tais pesquisadores construíram assim a ideia de que antes do loteamento realizado pela companhia aquele era o território do vazio, adotando as periodizações consolidadas naqueles testemunhos. Ainda que não se tratasse de um vazio absoluto, já que esses estudiosos reconhecem que existiam chácaras e sítios, como a fazenda da Rocinha de propriedade da própria firma, tal visão não chega a formular uma indagação histórica sobre o processo que fez com que aquele loteamento se tornasse um negócio possível e rentável – ignorando com isso a agência e a lógica daqueles que participaram desse processo, que seria fruto de simples iniciativa comercial da companhia.

Coloca-se, desse modo, o problema de desnaturalizar o espaço em que se encontra a Rocinha, através de uma análise mais detida sobre o processo de formação histórico-social do local que leve em conta a perspectiva daqueles que optaram por ocupá-lo em meio às dinâmicas de transformação do espaço urbano do Rio de Janeiro, e particularmente da zona sul da cidade. Para tanto, é preciso recuar em relação ao marco habitualmente definido, de modo a discutir os processos de ocupação do arrabalde da Gávea (especialmente da área próxima aos morros ali existentes) desde as primeiras décadas do século XX – momento em que a área começa a se integrar lentamente ao espaço urbano do Rio de Janeiro. Mais do que historicizar a própria ideia de vazio atribuída àquele espaço no período que antecedeu ao loteamento realizado pela Companhia Castro Guidão na década de 1920, trata-se de perseguir as lógicas e as estratégias daqueles que efetivamente participaram do processo de construção do território nos seus diferentes momentos de formação.

Os territórios da Gávea

A partir do final do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro passou a ter o seu espaço cortado pelos trilhos, empreendimento viabilizado por políticas de Estado e capital estrangeiro que garantiram a infraestrutura necessária para a sua realização. A iniciativa pioneira da Botanical Garden Company, primeira empresa a obter concessão pública do serviço, deu início à expansão dos trilhos em direção ao sul da capital em 1868, com a implementação da linha de bonde movida a tração animal que ligava a rua Gonçalves Dias ao Largo do Machado, estendendo posteriormente os trilhos até Botafogo, onde chegou ainda nesse mesmo ano (ABREU, 2010ABREU, Maurício de A. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO, 2010.).

Em meio ao processo de expansão dos trilhos e crescimento urbano em direção à zona sul do Rio de Janeiro, em 1871 os diversos jornais cariocas noticiaram sem grande destaque em suas páginas que a companhia de carris inauguraria a linha de bonde que ligava a rua do Ouvidor ao ponto terminal Jardim Botânico, situado no Largo das Três Vendas (atual praça Santos Dumont).3 3 AO PÚBLICO. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, n. 129, 1º jan. 1871, p. 1. Assim como o então aristocrático bairro de Botafogo, o Largo das Três Vendas era parte da freguesia da Lagoa, área circunscrita a uma vasta extensão cujo limite compreendia desde a Praia de Botafogo até o sítio Tijuca (COSTA, 1950COSTA, Cássio. Gávea: história dos subúrbios. Rio de Janeiro: Departamento de História e Documentação Estado da Guanabara, 1950.). Iniciava-se assim, naquele ano, o transporte de passageiros por bonde para a região da Gávea, área até então pouco habitada.

Povoada ao longo da segunda metade do século XIX apenas por sítios e chácaras esparsas, situadas em especial nas margens dos rios da região e da rua Boa-Vista (atual rua Marquês de S. Vicente), a região era então predominantemente de características rurais, voltada para produção agrícola, habitada por grandes proprietários de terras e por uma força de trabalho de origem africana variada (COSTA, 2019COSTA, Mariana B. C. A Rocinha em construção: a história de uma favela na primeira metade do século XX. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2019.).

Dada a possibilidade de melhor acesso a zonas que eram ocupadas por aqueles que já não queriam ou podiam habitar as zonas centrais, através da implementação das linhas de trens às freguesias suburbanas e de bondes às freguesias urbanas da cidade, locais como a freguesia da Gávea sofreram um intenso acréscimo demográfico. Além disso, com o crescimento da população na capital e diferentes tipos de problemas urbanos vivenciados na área central da cidade, as regiões mais afastadas passaram a ser uma alternativa no período para dinamizar a ocupação do espaço citadino e ampliar os seus limites. Como resultado, a freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Gávea foi criada em 1873 como um dos desdobramentos da freguesia de São João Batista da Lagoa. Seu território limitava-se com a fronteira da própria freguesia da Lagoa e freguesia de Jacarepaguá, abrigando, portanto, os arrabaldes de Copacabana, Ipanema, Leblon, Jardim Botânico e Gávea. Apenas dois anos após a inauguração da linha de bondes que ligava o centro da cidade ao arrabalde da Gávea, era assim criada uma nova freguesia que tinha na Gávea sua sede.4 4 COLEÇÃO de Leis do Império do Brasil - 1873, v. 1, p. 212, pt I (Publicação Original). Decreto n. 2297, de 18 jun. 1873. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2297-18-junho-1873-550648-publicacaooriginal-66674-pl.html. Acesso em: 30 jan. 2024; COLEÇÃO de Leis do Império do Brasil - 1874, v. 2, p. 1.212, pt. I (Publicação Original). Decreto n. 5.809, de 3 dez. 1874, “Marca território e os limites de uma nova freguesia, criada nesta Corte, e lhe dá denominação”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-5809-3-dezembro-1874-550789-publicacaooriginal-66837-pe.html. Acesso em: 30 jan. 2024; COLEÇÃO de Leis do Império do Brasil - 1875, v. 2, p. 478, pt II (Publicação Original). Decreto n. 5.970, de 21 jul. 1875. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-5970-21-julho-1875-550073-publicacaooriginal-65696-pe.html). Acesso em: 30 jan. 2024.

A partir das possibilidades abertas pela expansão da linha de bonde e talvez ligada à sua própria criação, o perfil de parte do arrabalde da Gávea passaria por um rápido processo de mudança a partir de meados da década de 1880, quando a região começou a receber investimentos que impulsionariam de modo muito mais intenso seu crescimento e urbanização. Trata-se da instalação de indústrias voltadas para a produção têxtil, que começaria a mudar suas características rurais. Nesse processo, destacou-se a fundação da fábrica de tecelagem Carioca, instalada à rua D. Castorina em 1886. Cinco anos depois, foi também inaugurada a fábrica de Fiação e Tecidos Corcovado, fixada à rua Jardim Botânico. Em 1891, era fundada à rua Marquês de S. Vicente a fábrica de Fiação e Tecelagem São Félix (COSTA, 2019COSTA, Mariana B. C. A Rocinha em construção: a história de uma favela na primeira metade do século XX. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2019.).

Àquela altura, começaram a ser construídas ali por empresas privadas e pelas próprias companhias têxteis, que buscavam para isso financiamento do poder público, muitas moradias para assentar os trabalhadores próximas aos seus locais de trabalho – em iniciativa que veio a constituir a principal forma de moradia para os empregados dos estabelecimentos têxteis instalados na região, impulsionando assim a ocupação do espaço nos anos que seguiram a instalação das fábricas. Com a instalação dessas industriais e outros empreendimentos, parte do arrabalde da Gávea deixava de lado seu perfil predominantemente rural, assumindo naquele momento uma clara marca fabril cujos limites eram circunscritos do Jardim Botânico ao início da rua Marquês de S. Vicente, – o que não significava uma mudança radical do cenário e das práticas associadas a vida no campo (COSTA, 2019COSTA, Mariana B. C. A Rocinha em construção: a história de uma favela na primeira metade do século XX. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2019.).5 5 Este não era, porém, um caso isolado. Em processo semelhante impulsionado pelas linhas de bondes inauguradas na Zona Sul da cidade e os trens em direção aos subúrbios, bairros como Laranjeiras e Bangu por exemplo, situados naquelas zonas respectivamente, passaram a brigar industriais de diferentes ramos, resultando em uma alta concentração de trabalhadores nesses locais (PEREIRA, 2012; PIRES, 2016).

Em contraste com o processo de crescimento e urbanização da área próxima a linha de bondes e o complexo fabril, no início do século XX o território que compreendia a Estrada da Gávea, via que se seguia à rua Marquês de S. Vicente, continuava se destacando por suas características rurais e suas atividades econômicas e comerciais ligadas a produção agrícola. Era o caso, em especial, do sítio de propriedade de Manoel Fernandes Cortinhas, localizado na encosta das montanhas da Gávea, próximo ao Morro Dois Irmãos. Em 4 de outubro de 1905, Manoel Fernandes, morador da rua Jardim Botânico nº 17, recebeu uma multa por infração de posturas “por consentir na derrubada de matas para fabrico de carvão e lenha sem licença, no lugar denominado Rocinha” (parte da atual favela da Rocinha).

Em primeiro lugar, nota-se que o anúncio especificava que o endereço da chácara constava como Estrada da Gávea nº 1, e ainda indicava sem maiores explicações que se encontrava no lugar chamado “Rocinha”. Por mais difícil que seja estabelecer com precisão seus limites espaciais, este lugar era identificado a Estrada da Gávea, tornando-se inclusive um ponto de referência local. Provavelmente, o lugar era identificado com a denominação de Rocinha desde a última década do século XIX, como indica o fato de que em 1891 o Jornal do Comércio tenha publicado uma nota destacando que o Imposto Predial seria aplicado à “Estrada da Rocinha” a partir do ano seguinte. Contudo, consta na documentação do Imposto Predial como “Estrada da Gávea” a partir de 1892 a cobrança de tributos daquela via, indicando os mesmos proprietários e respectivos endereços publicados naquela folha no ano anterior. Através destes documentos, é possível identificar que as terras que foram herdadas pelo lavrador Jeremias José da Rosa, cujos pais eram proprietários de dois sítios na primeira metade do século XIX denominados “Rocinha” e “Nicolau”, acabaram sendo adquiridas por Manoel Cortinhas na segunda metade do século XIX, que constaria a partir de 1906 como proprietário na cobrança do Imposto Predial.6 6 Em 1905, consta no Imposto Predial o terreno à Estrada da Gávea n. 1 como propriedade dos “herdeiros de Jeremias José da Rosa”, e Manoel Cortinhas em 1906. Em 1908, Augusto Cesar da Rosa, inventariante de seu pai Jeremias, entrou com uma ação contra Cortinhas por pagamento de “emphyteutas” em atraso de foro correspondentes a três anos consecutivos pelo “sitio denominado ‘Rocinha’, à Estrada da Gávea n.º 1”. ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Imposto Predial. 10º Distrito, ano 1892; ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09. O novo proprietário disponibilizou, no entanto, as terras para serem vendidas a partir de 1907.

Em 1907, era anunciado no Jornal do Brasil a venda da chácara a “Estrada da Gávea n.1, Rocinha” cujo “motivo é o dono se retirar para Portugal”. Segundo o anúncio, tratava-se de uma terra “com todo gênero de criação, em lugar que se pode ter de tudo para mantimentos e criações”. A nota especificava ainda que “os lucros vão de 15$ a 20 $ diários”. Indicando a dificuldade de vender o terreno, cerca de oito meses depois, outra nota era divulgada no mesmo jornal: “Vendem-se as benfeitorias de uma chácara e roça, tendo um bom bananal e capinzal, e demais pertences de lavoura com dois animais e boa criação, em bom lugar; na Estrada da Gávea n.1, Rocinha”.7 7 JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, n. 12, 20 abr. 1907. No ano seguinte, o Jornal do Brasil noticiou a venda do sítio mais uma vez, destacando que as terras eram situadas

em bem localizado ponto, com os devidos pertences, hortaliças, bananal; aipim; batata doce; um bom cavalo de cela; uma mula de cangalha, tendo muita criação. Vende-se quase por metade do valor. O motivo é ter o dono de retirar-se para a Europa; na Estrada da Gávea n. 1, Vargem da Rocinha.8 8 CHACAR A. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 93, 3 abr. 1908, p. 14.

Além de produzir carvão e lenha, as notas que anunciavam a venda da chácara enfatizavam a ideia de que as terras eram próprias para cultivo de diversos produtos e criação de animais. Além disso, os anúncios destacavam os lucros obtidos com a venda de tais gêneros, sugerindo que adquirir o sítio era um negócio lucrativo.

Por mais que parte do arrabalde da Gávea vivenciasse um processo de integração ao espaço urbano do Rio de Janeiro desde o final do século XIX e início do século XX incrementado por diversos empreendimentos fabris, comerciais e imobiliários que ajudaram a adensar a população do bairro, o mesmo não ocorria com o território identificado à Estrada da Gávea. O aspecto rural da área que constituía como sua particularidade na primeira metade do século XIX, manteve essas características nos anos seguintes. A lógica de ocupação daquele espaço continuava a se definir naquele momento pela realização de diferentes atividades voltadas, principalmente, para a produção agrícola e pecuária destinada ao comércio, e a derrubada de mata e produção de lenha e carvão. O resultado desse processo era a configuração de diferentes territórios físicos e simbólicos no próprio arrabalde da Gávea. Em contraste com a ocupação fabril que deu aspecto urbano a parte do território na qual chegaram primeiro os bondes, aquele espaço mais próximo ao mar e as montanhas continuava até então às margens da cidade.

Trabalho e habitação

A incorporação de parte do arrabalde da Gávea ao espaço urbano do Rio de Janeiro e o aumento populacional vivenciado desde o final do século XIX e primeira década do século XX, já dava sinais de uma lenta transformação do tipo de ocupação que marcava o território em que se encontrava o “lugar denominado Rocinha” à Estrada da Gávea.

No ano de 1910, o “Indicador das Ruas” do Almanak Laemmert registrava pela primeira vez a Estrada da Gávea e a definição dos limites do logradouro público. Na definição ali registrada, tratava-se de uma via que começava na rua Marquês de S. Vicente e terminava na Estrada do Chuá (atual Estrada do Joá).9 9 Em 1910, a Estrada do Chuá começava onde terminava a Estrada da Gávea, não tendo indicação de onde acabava aquela via. INDICADOR DAS RUAS. Almanak Laemmert, Rio de Janeiro, 67º ano, 1910, p. 1.253. Como era de se esperar, a via era definida como um espaço essencialmente rural, indicando a existência de residências e de estabelecimentos comerciais voltados para a produção agrícola e pecuária. Na edição seguinte do mesmo almanaque apareciam como seus habitantes tanto lavradores quanto indivíduos que viviam da comercialização dos produtos por eles cultivados.10 10 FLORICULTURA, HORTICULTURA... Almanak Laemmert, Rio de Janeiro, 68º ano, 1911, p. 936; ALMANAK RENAULT. Rio de Janeiro, 8º ano, 1912, p. 491.

Àquela altura, no entanto, nem todos os moradores da região apareceriam como proprietários nos jornais cariocas como registrava o Almanak Laemmert. A produção agrícola que se desenvolvia no território demandava uma crescente força de trabalho, que também passou a se estabelecer com mais intensidade na região a partir daquele momento. Era o caso do brasileiro Tibúrcio José Soares, que, segundo um jornalista do periódico A Imprensa, preparou uma emboscada contra Prudêncio José Ribeiro em 1911, sugerindo uma pista do perfil de trabalhadores que buscavam uma forma de sobrevivência na área. Com “vinte três anos, de cor branca e solteiro”, segundo explicava um repórter, Tibúrcio Soares era um sujeito de aspecto humilde, caracterizado tanto por seus trajes simples quanto pelos pés descalços11 11 SACIANDO A VINGANÇA. A Imprensa, Rio de Janeiro, n. 1.231, 6 maio 1911, p. 2; UM CRIME NA GÁVEA. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 125, 5 maio 1911, p. 3. – que até pouco tempo era uma marca importante de distinção social na sociedade escravista (LARA, 2007LARA, Silvia H. Fragmentos setecentistas. São Paulo: Cia. das Letras, 2007.). Segundo o jornalista da folha, o lavrador “por ali vivia trabalhando em vários sítios, dormindo sempre nas casas onde obtinha emprego”. Naquele momento, ele estava empregado “no sítio do Sr. Alfredo Mendonça, situado na Estrada da Gávea, quilometro 4”. Tratava-se do herdeiro de seu pai José Corrêa de Mendonça, proprietário de um sítio no local desde o final do século XIX12 12 LISTA de qualificação de votantes do Município Neutro. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 15, 17 jan. 1877, p. 5; EQ, 7 Pretoria, ano 1909, maço 2772, n. 70, GAL A, José Correia de Mendonça. , cujas terras faziam fronteira com o próprio sítio da Rocinha.13 13 Segundo documentos da Companhia Castro Guidão, as terras de sua propriedade confrontavam “com Carlos Gondolo, dr. M. M. Perdigão, dr. Alfredo Valdetero, Pedreira DOIS IRMAOS, Alfredo do Valle Mendonça”. ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09.

Já Prudêncio José Ribeiro, a vítima da emboscada, era descrito nas páginas do Jornal do Comércio como um “pobre lavrador, quase octogenário”. Segundo a reportagem, ele era “considerado o mais antigo habitante da estrada da Gávea”, na qual residia desde o final do século XIX.14 14 No Imposto Predial de 1899, consta como proprietário de dois terrenos s/n à Estrada da Gávea o nome de Prudencio José Ribeiro. DIRETORIA DE RENDAS. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, n. 243, 1º set. 1899, p. 5. O repórter de outro periódico destacava que ele “ali viveu sempre, entregue à pequena lavoura, negociando em bananas, que cultivava para vendê-las no mercado”, ao qual chegava carregado por “seu burrinho”. O jornalista explicava ainda que sua casa era “situada no alto, no fim de uma escarpada, aberta nas montanhas da Gávea”, de difícil acesso mesmo para as autoridades policiais e para a assistência médica que tiveram que resgatá-lo.15 15 TOCAIA SINISTRA. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 125, 5 maio 1911, p. 7.

O incidente em questão nos ajuda a localizar socialmente os dois trabalhadores. Segundo um jornalista, o conflito em que eles se envolveram, que ocorreu em uma zona “habitualmente sossegada”, chegou ao conhecimento do delegado do 21º Distrito quando Manoel Lopes Dias, dono de um armazém no local e morador na casinha n. 23 da mesma estrada, levou o caso às autoridades policiais. Após alguns dias de investigação Tibúrcio José Soares foi preso. Interrogado, declarou que “tinha tido anteriormente uma questão com Prudêncio” porque este lhe “dificultava a vida, dizendo que não lhe dessem trabalho”. Por esse motivo, ele “guardava rancor contra Prudêncio”.16 16 NA ESTRADA da Gávea é encontrado um septuagenário em estado grave. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 3.579, 6 maio 1911, p. 3. Evidenciava-se, assim, a disputa que se desenvolveu a partir da sua necessidade de buscar meios de sobrevivência. Além disso, a questão que Tibúrcio mantinha com Prudêncio, relacionada à dificuldade que ele enfrentava para obter uma colocação, se desdobrava na própria possibilidade de conseguir uma forma de moradia, como indica o fato de que ele “vivia trabalhando em vários sítios, dormindo sempre nas casas onde obtinha emprego”. Por outro lado, o caso indica que a demanda de trabalho na região por si só não se constituía na garantia de uma colocação para aqueles que se dispusessem a se estabelecer na área, já que antigos moradores como Prudêncio poderiam influenciar na possibilidade daqueles trabalhadores conseguirem um emprego. Ainda assim, Tibúrcio permaneceu na localidade, como é possível notar através de uma notícia no ano seguinte em que o lavrador se envolveu num conflito com Nestor Tavares de Oliveira, “devido a ter o primeiro dito umas cousas à esposa do segundo” – o que indicava que para trabalhadores rurais como ele, as opções de moradia e trabalho eram bastante limitadas, fazendo assim com que insistisse em permanecer ali.17 17 O ETERNO pomo da discórdia. A Época, Rio de Janeiro, n. 76, 14 out. 1912, p. 6.

Por mais que o caso de Tibúrcio sugerisse que aquele território começava a ser buscado como alternativa de trabalho e moradia para diversos indivíduos, ele mostrava também que a produção agrícola estava em plena atividade nas primeiras décadas do século XX, atraindo trabalhadores que se voltavam para a realização de atividades do ramo. Este é um indício de que a possibilidade de associar trabalho e moradia, se constituía em um importante atrativo para os trabalhadores com poucos recursos que se estabeleciam na área e, por outro lado, mostra como os salários oferecidos eram bastante precários, sendo insuficientes para suprir as necessidades básicas desses sujeitos, que buscavam na região condições mínimas de sobrevivência.

Contudo, o desenvolvimento de parte da Gávea, com a chegada de linhas de bonde e de novas indústrias, parecia também transformar aos poucos o tipo de ocupação que marcava o território onde estava localizada a chácara da Rocinha à Estrada da Gávea nº 359 (antigo nº 1)18 18 Em 1910 as autoridades municipais determinaram a mudança da numeração de diversas ruas na cidade, dentre elas, a própria Estrada da Gávea. O terreno à Estrada da Gávea nº 1 mudou para o nº 359, que também consta no Imposto Predial como nº “antigo” 1 e nº “moderno” 359. O PAIZ. Rio de Janeiro, n. 9.447, 17 ago. 1910, p. 2; ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Imposto Predial. 10º Distrito, 1913. . Como sintoma dessa mudança, em 1915 a propriedade era adquirida por uma empresa chamada Companhia Castro Guidão, comprada do engenheiro Luiz Cantanhede que, por sua vez, em 1912 adquiriu às terras de Manoel Cortinhas.19 19 ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09.

Embora de início não alterasse o perfil rural da região, tal aquisição fez com que ela fosse alvo de uma nova onda de investimentos, como mostrava em 1918 um anúncio publicado no jornal O Fluminense:

Chacareiros, ajudantes e trabalhadores da Roça

Precisa-se na fazenda da Rocinha, Estrada da Gávea 359 na Capital Federal, com o Sr. Augusto na dita fazenda. Serviço garantido para muito tempo, diária, desde 3$000 até 3$500, de acordo com o serviço, pagamento em cada 15 dias; e abonas semanal se for preciso.20 20 O FLUMINENSE. Rio de Janeiro, n. 10.491, 25 jan. 1918, p. 4.

Ao anunciar a contratação de diferentes trabalhadores rurais, enfatizando que eles teriam “serviço garantido por muito tempo”, a nota mostrava que a fazenda da Rocinha estava em plena atividade. Em janeiro e maio do mesmo ano eram publicados outros dois anúncios no Jornal do Brasil que ofereciam trabalho no mesmo lugar. Enquanto o primeiro especificava que “PRECISA- SE de trabalhadores para derrubada de mato e plantações na Estrada da Gávea n. 359, ‘Rocinha’ tratar com o Sr. Augusto”, o segundo destacava que “PRECISA-SE de bons carvoeiros para queimar carvão”.21 21 JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, n. 10, 10 jan. 1918, p. 2; n. 133, 15 maio 1918, p. 3. Como sugerem os anúncios, embora a produção de carvão já fosse desenvolvida com fins comerciais na localidade nos anos anteriores, durante as duas primeiras décadas do século XX ela se tornou uma das principais atividades da região, intensificando também a demanda de mão de obra.

Este crescente interesse de tais proprietários de terras durante as primeiras décadas do século XX estava associada a instalação de industriais têxteis no final do século XIX em parte do arrabalde. É o que sugere, em 1918, uma notícia sobre o atropelamento de um homem “na altura do Morro do Chuá” por um caminhão da fábrica Carioca que vinha carregado de troncos de árvores. Junto a essa notícia, a nota destacava ainda que estava sendo, “criminosamente, devastada a floresta da restinga da Tijuca, cortando árvores a torto e a direito, para fornecer lenha à Companhia de Fiação e Tecidos Carioca”.22 22 UM AUTO caminhão mata um homem na Gávea. Lanterna, Rio de Janeiro, n. 336, 18 jan. 1918, p. 2.

Mas não eram apenas trabalhadores rurais que se encontravam instalados na Estrada da Gávea e proximidades durante as duas primeiras décadas do século XX. Passando da lavoura de bananas à produção de carvão e lenha, as mudanças do perfil daquele território atraiam novos trabalhadores que passaram a se estabelecer ali durante o período. Já àquela altura as possibilidades abertas pelo desenvolvimento recente da Gávea atraiam para a área alguns trabalhadores de perfil bem diverso. Era o caso de Angelo Giannini, que em uma reportagem publicada em 1936 pelo jornal O Imparcial, declarou ter trabalhado na conservação da Estrada da Gávea por 42 anos.23 23 AUTOMOBILISMO. O Imparcial, Rio de Janeiro, n. 288, 3 maio 1936, p. 12. Portanto, durante as duas primeiras décadas do século XX, o operário italiano Angelo Giannini, era funcionário no ramo de construção civil da prefeitura, residindo em uma casa localizada num “bom terreno, 64 de frente, 60 de fundos, na estrada da Gávea, canto avenida Niemeyer. Planta e informações, na mesma estrada, 8A, com o sr. Pedro Giannini”, segundo um anúncio que vendia as terras de sua família na década de 1920.24 24 CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro, n. 8.316, 9 dez. 1921, p. 10.

Nota-se ainda a atenção que as autoridades públicas passavam a dispensar ao território onde estava situada a Estrada da Gávea naquele momento, através da realização de obras que visavam melhorar o acesso a área.25 25 TRISTE desenlace de uma questão de família. O Paiz, Rio de Janeiro, n. 2.11.257, 3 ago. 1915, p. 3 e n. 11.264, 10 ago. 1915, p. 4. Uma pista para compreendermos esse processo nos é fornecida, em 1914, por um leitor do Jornal do Brasil chamado Honório de Figueiredo.26 26 PRÓ GÁVEA. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 24, 24 jan. 1914, p. 6. Ainda que o seu testemunho indique os limites desses investimentos públicos ao apontar a péssima iluminação da via, ele não deixava de reconhecer que havia um tráfego “constante de carros, cavaleiros e automóveis” na estrada, onde os “turistas” buscavam “no lindo arrabalde e na encantadora praia que a Gávea se orgulha de possuir” uma forma de lazer. É possível observar como o interesse público na região se ligava ao lento processo de valorização da área ligado ao turismo, que se desenvolvia na zona sul carioca naquele momento (O’DONNELL, 2013O’DONNELL, Julia. A invenção de Copacabana. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.). Ao mesmo tempo, os melhoramentos realizados pelas autoridades públicas viabilizavam maior afluxo para a região, atraindo assim diferentes sujeitos por motivos bastante distintos. Era o caso, em 1915, da esposa do Dr. Pires Brandão Filho, residente à rua Correia Dutra no Catete, que em companhia de sua amiga Malvina Tajan Willencamps, alugou um automóvel, “tendo parado na estrada da Gávea, afim de fazer um ‘lunch’”.27 27 TRISTE desenlace de uma questão de família. O Paiz, Rio de Janeiro, n. 11.260, 6 ago. 1915, p. 4. Em 1919, o chefe de polícia da capital federal, Aureliano Leal, alugou uma casa na “estrada da Gávea para repouso temporário” de sua família.28 28 O BANQUETE oferecido ao dr. Aurelio Leal. A Época, Rio de Janeiro, n. 2.545, 6 jul. 1919, p. 8. Ao mesmo tempo em que a Estrada da Gávea começava a abrigar novos empreendimentos voltados para o comércio e lazer que ajudavam a mudar o perfil de sua ocupação, o interesse do poder público em viabilizar o acesso ao valorizado “Rio atlântico” garantia novos investimentos para a região (O’DONNELL, 2013O’DONNELL, Julia. A invenção de Copacabana. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.).

Ainda assim, não era apenas a Estrada da Gávea que passou a receber investimentos municipais naquele momento. A avenida Niemeyer, que liga a praia do Leblon à Estrada da Gávea, também passou a interessar os turistas e os jornalistas cariocas. Em 1920, os drs. Alfredo Niemeyer, o diretor de Obras e Viação, representantes dos jornais e o Prefeito Carlos Sampaio visitaram as obras que estavam em andamento na avenida Vieira Souto no Leblon e avenida Niemeyer na Gávea. O caso sugere que esses melhoramentos acompanhavam as transformações da Zona Sul da cidade, cujo ramo da construção civil se fortaleceu durante o período. Dessa forma, a atividade turística na região começou a chamar a atenção das autoridades que passaram a investir em obras de maior amplitude nas estradas, facilitando o acesso a elas e atraindo para o seu entorno novos tipos de trabalhadores. Tais iniciativas forneciam ainda alternativas de trabalho para aqueles que já estavam instalados no local. Era o caso, por exemplo, de Americo Giannini, residente à Estrada da Gávea nº 8ª (mesmo endereço de Angelo Giannini e Pedro Giannini), que atuava como operário nas obras da Prefeitura Municipal na avenida Niemeyer naquele mesmo ano.29 29 NA ASSISTÊNCIA. O Paiz, Rio de Janeiro, n. 13.049, 2 jul. 1920, p. 7. Diversos trabalhadores como ele, passaram a exercer atividades de construção civil que vinham se desenvolvendo na zona sul carioca.

Os trabalhadores voltados para a lavoura e para construção civil constituíam assim parte da ocupação naquele espaço já no início da década de 1920.30 30 Ver Costa (2019) para análise dos censos demográficos do período. Junto com eles, no entanto, a área próxima à Estrada da Gávea passou a ser ocupada também por outros trabalhadores que se aproveitaram das possibilidades de acesso a moradia decorrente do processo de urbanização da região. Era o caso de Porfirio Manoel Antonio “que residia em um pequeno barracão na estrada da Gávea”, em 1921. O indivíduo era descrito por um articulista como um “trabalhador braçal” de 29 anos e “cor parda”, tendo este sido agredido com uma foice na cabeça por um vizinho que se indignou por ele abandonar “a amante e três filhos de sua união ilícita, sob o absurdo pretexto de não poder sustentá-los”, reforçando assim a ideia de que se tratava de um trabalhador com poucos recursos financeiros. Já o humilde empregado da saúde pública Francisco Palmeira que confessou o crime, contava 34 anos, era brasileiro e residia “numa casinha daquela estrada”. Com ocupações variadas, esses diferentes trabalhadores tinham em comum seu modesto espaço de residência, viabilizado pelas mudanças atravessadas durante o período. Mesmo residindo em casas modestas e precárias, eles conseguiam naquele espaço uma efetiva possibilidade de conseguir moradia.

Se no começo do século XX a lógica de ocupação daquele espaço se constituía principalmente através da realização de atividades voltadas para o campo, no início da década de 1920 a Estrada da Gávea e adjacências já eram assim habitadas por trabalhadores que desempenhavam diferentes atividades. Desse modo, a possibilidade de se estabelecer na área começava a atrair trabalhadores da cidade que viam uma oportunidade na demanda crescente por mão de obra junto à possibilidade de obter moradia e outras condições básicas de sobrevivência. Nos primeiros anos da década de 1920, o território onde estava localizado o “lugar denominado Rocinha” já era ocupado por sujeitos que se aproveitavam da melhoria do acesso e da estrutura da região para construir sua própria alternativa de moradia.

Os negócios da habitação

No dia 10 de outubro de 1922, o indivíduo que consultasse o Correio da Manhã se depararia com um anúncio que divulgava uma nova oportunidade de adquirir lotes de uma propriedade no Distrito da Gávea.31 31 CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro, n. 8.619, 10 out. 1922, p. 11; n. 8.713, 14 jan. 1923, p. 10; JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, n. 17, 19 jan. 1924, p. 19; TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, n. 30, 5 fev. 1925, p. 24; TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, n. 136, 7 jun. 1925, p. 30; TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, n. 244, 11 out. 1925, p. 25. Tratava-se da fazenda da Rocinha, que passou a ser loteada pela Castro Guidão & Companhia durante a década de 1920. A empresa dispunha do “domínio EXCLUSIVO E ILIMITADO” de uma vasta porção de terras a “Estrada da Gávea ns. 359 (antigo 1) e 340 (antigo 2F)”, em terreno que media “554.500 metros quadrados de superfície, sendo atravessado pela dita Estrada”.32 32 A empresa adquiriu o domínio útil dos terrenos de Luiz Cantanhede de Carvalho Almeida em 1915. Já a sua aquisição do domínio direto ocorreu poucos anos depois obtido de quatro antigos moradores, estabelecidos na localidade desde meados do século XIX. ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09.

A companhia era resultado da parceria dos irmãos portugueses Adriano de Castro Guidão e Visconde de Castro Guidão. Naturais do Seixo do Ervedal – uma vila situada no distrito de Coimbra, em Portugal – eles chegaram à capital federal em meados do século XIX, iniciando os seus negócios comerciais em 1876. Algumas décadas depois a coroa portuguesa concedeu à família a Comenda Real Ordem de Nossa Senhora da Conceição da Villa Viçosa e o título vitalício de Viscondes, em reconhecimento à atuação de ambos como negociantes no Império do Brasil. Nesse período os irmãos fundaram a Companhia Castro Guidão, que em pouco tempo se tornou uma empresa reconhecida e prestigiada na cidade.33 33 NOTAS sociais. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 258, 28 out. 1925, p. 10; COM um tiro no peito! A Noite, Rio de Janeiro, n. 4.334, 20 dez. 1923, p. 1.

A Companhia Castro Guidão encontrava-se em plena atividade nos primeiros anos da década de 1910, como podemos notar através de seus anúncios publicados no Almanak Laemmert.34 34 AGENTES bancários. Almanak Laemmert, Rio de Janeiro, 68º ano, 1911, p. 816. Com um capital proveniente de início do setor agrícola e do comércio de exportação, potencializado por empréstimos de bancos e pelo expressivo aumento do mercado de consumo experimentado no período (FAUSTO, 1976, p.14FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920). Rio de Janeiro: Difel, 1976.), a firma atuava em ramos bastante diversificados, com investimento no mercado imobiliário, no setor industrial (em especial na indústria de tecidos) e no campo cinematográfico, no qual aparecia como proprietária do Cinema Avenida.35 35 COM um tiro no peito! A Noite, Rio de Janeiro, n. 4.334, 20 dez. 1923, p. 1. Enquanto a empresa prosperava através da expansão de suas atividades ao longo da primeira década do século XX, os capitalistas Adriano e Visconde de Castro Guidão participavam ativamente da vida social e política do Distrito Federal como membros de diversas associações, o que lhes rendeu à época visibilidade e prestígio – exercendo, por exemplo, altos cargos na diretoria da Real Benemérita Caixa de Socorros D. Pedro V e na Irmandade Nossa Senhora do Outeiro da Glória.36 36 A IMPERIAL Irmandade N. S. da Glória elegeu nova administração. A Noite, Rio de Janeiro, n. 3.111, 8 ago. 1920, p. 2; n. 3.960, 9 dez. 1922, p. 6.

Em 1923, Adriano de Castro Guidão veio a falecer, deixando viúva Joana de Mesquita de Castro Guidão, com quem teve quatro filhos. Ao divulgar a notícia na ocasião, o jornal A Noite publicou uma matéria em homenagem ao empresário na qual trazia um breve histórico de sua trajetória no Brasil, reforçando a imagem de prestigio do capitalista. O redator da notícia especificava que seu falecimento teria sido fruto de “sérios desgostos causados por lutas de natureza exclusivamente comercial”, que fizeram com que o comerciante se encontrasse com “serias preocupações”.37 37 COM um tiro no peito! A Noite, Rio de Janeiro, n. 4.334, 20 dez. 1923, p. 1. Evidenciava-se, assim, a difícil situação em que se encontrava naquele ano a companhia. Sintomaticamente, em março do ano seguinte Alfredo Rabello Nunes foi nomeado como comissário da concordata preventiva da firma, iniciando uma série de negociações com os credores e devedores da empresa.38 38 GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 62, 12 mar. 1924, p. 5; GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 80, 3 abr. 1924, p. 5; GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 164, 8 jul. 1924, p. 7; GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 285, 30 nov. 1927, p. 6; GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 286, 1º dez. 1927, p. 6. A situação parece ter se agravado, em 1925, com o falecimento do Visconde de Castro Guidão39 39 JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, n. 262, 25 nov. 1925, p. 21. . Não por acaso, pouco tempo depois a companhia encontrava-se em liquidação, como é possível perceber através de uma nota pulicada na Gazeta de Notícias em 1926.40 40 GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 237, 1º out. 1926, p. 7.

Em seus anos finais, no entanto, os donos da companhia tentaram amenizar as dificuldades comerciais que enfrentavam através da venda de alguns ativos. Foi nesse contexto que lotearam, ainda na primeira metade da década de 1920, a propriedade que a companhia possuía na Estrada da Gávea.

Se, para a os donos da empresa, o loteamento da fazenda da Rocinha se converteu numa oportunidade de negócios diante de tal situação adversa, cabe perguntar, em outro sentido, sobre o público para o qual se planejava a venda. É possível seguir uma pista através de uma nota que anunciava a venda dos terrenos em 1924 no Jornal do Brasil:

TERRENOS A PRESTAÇÕES

Na estrada da Gávea, 20 minutos a pé do ponto dos bondes, ou 5 minutos de carro. Lotes de 10 metros de frente desde 30$ mensais. Para ver e escolher com o Sr. Alfredo Rabello. Estrada da Gávea n. 359; para tratar com o Sr. Nenó Jermann, Avenida Mem de Sá n. 301.41 41 TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 17, 19 jan. 1924, p. 19.

Para os leitores da folha, a pequena nota já dava sinais dos indivíduos que poderiam se interessar pelo negócio. Ao destacar que os lotes custavam 30$ mensais, enfatizando ainda a possibilidade da venda a prestações, a empresa explicitava a facilidade do seu pagamento por meio de parcelas módicas. O anúncio destacava ainda que a localidade desfrutava de acesso ao transporte pelos bondes, embora tivesse que andar a pé chegando ao ponto em 20 minutos ou 5 minutos de carro, o que poderia interessar possíveis compradores que tivessem que se deslocar para trabalhar. O empreendimento era, portanto, voltado para trabalhadores de baixa renda, tanto os que já habitavam a região, como aqueles que por motivos diversos se deslocavam de outras direções da cidade.

No ano seguinte, a empresa anunciou nos mesmos jornais o loteamento da fazenda da Rocinha com poucas variações em suas notas, embora estivessem nas folhas com maior frequência ao longo do ano.42 42 TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 30, 5 fev. 1925, p. 24; TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, n. 136, 7 jun. 1925, p. 30; TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, n. 244, 11 out. 1925, p. 25. Vale destacar que nessas outras publicações havia a especificação da possibilidade de pagamento a prestações com parcelas de até dez anos, o que poderia se converter em mais um atrativo particularmente importante para os indivíduos com poucos recursos financeiros. Os anúncios enfatizavam também que o terreno era próximo à rua Marquês de S. Vicente, o que pode ser um indício da dificuldade dos possíveis compradores de situar o empreendimento na cartografia do lugar, ou até mesmo poderia se converter em mais uma estratégia de venda da companhia ao situar espacialmente os terrenos próximos a área onde o acesso ao comércio e transporte era mais viável.

Ainda que os anúncios publicados nos jornais cariocas ressaltassem as supostas vantagens de adquirir um lote na localidade, em um documento datado de 1936, quando se encontrava em franca falência, a empresa expôs alguns aspectos silenciados na sua propaganda:

Há mais de dez anos, os Suptes. intentaram a loteação (sic) desse imóvel, para alienação dos lotes, a longo prazo, em prestações mensais que àquela época não podiam ser elevadas, mas sim, acessíveis à bolsa de pessoas de poucos recursos que se quisessem sujeitar aos precalços (sic) da distância sem condução (bonde ou ônibus) fácil e barata, e da falta de luz, água e esgotos.43 43 ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09.

Ao associar as facilidades de pagamento dos terrenos aos precários serviços oferecidos pelo poder público na região, o documento da companhia deixava claro que o empreendimento era direcionado aos trabalhadores de baixa renda da cidade, cujos indícios já apareciam nos próprios anúncios publicados nos jornais mais populares da cidade.

A própria possibilidade de a companhia empreender o loteamento talvez estivesse relacionada ao fato de que se tratava exatamente de uma área pouco povoada e com serviços públicos bastante precários. É o que sugere o caso de Firmino Calixto da Rosa que, em 1929, solicitou uma licença para a Prefeitura com intuito de realizar uma construção no lote 109 da Estrada da Gávea.44 44 ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Licença de Obras, Estrada da Gávea, ano 1929, caixa 111, doc. 20. Manifestando parecer favorável à solicitação, o agente da prefeitura especificou que “como se trata de zona muita afastada dos centros populares, julgo [que], por equidade, a licença poderia ser concedida”. Naquele momento a área era ainda distante dos centros urbanos e os serviços públicos quase inexistentes, resultando numa certa permissividade por parte das autoridades públicas por se tratar de moradia para uma população de baixa renda, o que teria inclusive levado a Companhia Castro Guidão direcionar a venda dos lotes para os trabalhadores da cidade.

O desenvolvimento recente dos meios de acesso ao local associado ao preço mais acessível dos terrenos e certa permissividade do poder público em relação às construções, explica assim porque diversas pessoas de poucos recursos se dispuseram a enfrentar tais condições adversas, e, em contrapartida, adquirir o terreno loteado pela empresa. Ao viabilizar o acesso a propriedade da terra na localidade para tais indivíduos, o empreendimento da companhia se amparava assim nas demandas de trabalhadores como o brasileiro “de cor preta” Lourenço de Mello, que trabalhava como encerador e residia “no lugar denominado Rocinha, distrito da Gávea”, em 1931.45 45 ATIROU-SE do bonde ao solo. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, n. 28, 24 ago. 1931, p. 4; OS FATOS policiais de domingo. A Batalha, Rio de Janeiro, n. 504, 25 ago. 1931, p. 6. Era o caso também de Antônio da Silva Sargo que morava na rua Emma em 1928, tendo sofrido uma ação judicial de despejo movida pela Cia. Saneamento do Rio de Janeiro, proprietária de uma vila operária ali localizada, passando assim a residir no começo da década de 1930 na Rocinha.46 46 ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Licença de Obras, Estrada da Gávea, ano 1935, caixa 71, doc. 10; ARQUIVO NACIONAL. Antonio da Silva Sargo, ano 1928, maço 84, n. 1.832, Gal, A, 6N- 4º pretoria (Gávea). Podemos destacar ainda o caso da operária da fábrica Carioca, Anna Vieira, brasileira de 40 anos de idade, cuja residência estava situada em 1931 à rua Um “no lugar denominado Rocinha”. Ela era uma das muitas trabalhadoras das fábricas instaladas nos bairros vizinhos que podiam se aproveitar do aumento da oferta de moradia barata na área após o loteamento da fazenda da Rocinha.47 47 A NOITE. Rio de Janeiro, n. 6.944, 27 mar. 1931, p. 10.

Mesmo naquele momento, no entanto, a Castro Guidão & Companhia estava longe de estar sozinha nesse processo de incremento da ocupação daquele território. Se a área por ela loteada era mais ampla que as demais, no início da década de 1930 outras iniciativas empresariais e privadas tentavam também se aproveitar da demanda por moradias para trabalhadores na região, o que mostrava tratar-se de um empreendimento lucrativo. Era o caso de Carlos Gondolo, proprietário dos terrenos fronteiriços aos domínios da fazenda da Rocinha,48 48 ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09. onde existia “na encruzilhada da ladeira Laboriau com a estrada da Gávea” o lugar denominado “Villa Gondolo”. Em 1931, o operário Alvaro de Aguiar e sua esposa Maria Grilo de Aguiar residiam “num barracão da avenida Labouriau, na estrada da Gávea”, no próprio lugar denominado “Villa Gondolo”.49 49 O APARECIMENTO de um cadáver na Estrada da Gávea. A Batalha, Rio de Janeiro, n. 500, 20 ago. 1931, p. 5; O DIA policial. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 11.251, 20 ago. 1931, p. 5. Como indica o Recenseamento Predial de 1933, que contava 13 “casebres” no logradouro identificado como “Caminho do Labouriaux” (atualmente parte da favela da Rocinha), tratava-se de uma pequena aglomeração de moradias precárias.50 50 DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA. Desenvolvimento Predial no Distrito Federal em 1933. Distrito Federal, publicado em 1935. A empresa construtora Companhia Cristo Redentor também se interessou pelos empreendimentos imobiliários na área, adquirindo no início da década de 1930 os “barracões a estrada da Gávea” ns. 3, 5, 7.51 51 OS QUE adquiriram imóveis. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 10.769, 4 fev. 1930, p. 11. Em 1931 a firma já constava no Imposto Predial como proprietária dos terrenos na área plana próxima aos morros ali existentes (hoje bairro Barcelos situado na favela da Rocinha).52 52 ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Imposto Predial. 10º Distrito, ano 1930 e 1931. Tais empreendimentos passaram assim a explorar o interesse dos trabalhadores por habitação na área.

De fato, outros espaços de moradia semelhantes incrustrados nos morros de diferentes bairros da cidade, que já estavam consolidados como favelas na cartografia do Rio de Janeiro, também experimentavam processos de especulação imobiliária do solo urbano naquele momento (VALLADARES, 2005VALLADARES, Lícia. A invenção da favela. Rio de Janeiro: FGV, 2005.; SILVA, 2005SILVA, Maria L. P. da. Favelas cariocas (1930-1964). Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.; GONÇALVES, 2013GONÇALVES, Rafael Soares. Favelas do Rio de Janeiro: história e direito. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2013.). Entretanto, como resultado desse processo, a fazenda da Rocinha loteada pela Companhia Castro Guidão no mesmo período se afirmava como um conjunto de habitações específico na área, que se constituía em um território reconhecido no espaço citadino a partir de um sentido bastante distinto. Era o que mostrava, em 1931, uma matéria publicada na “Secção Católica” do jornal Beira Mar:

Esta nova localidade, formada nos últimos anos e situada à beira da Estrada da Gávea, onde vive uma população pacifica, ordeira e trabalhadora, superior a cinco mil almas, deseja ardentemente uma igreja. Felizmente, a Sociedade Comercial Húngaro-Brasileira, à cuja frente está o ilustre engenheiro Jerro Germann, compreendendo bem a importância dum templo de Deus, está disposta a oferecer um terreno para este fim.

Para o mesmo objetivo formou-se a seguinte comissão:

Alfredo Rabello, Domingos José Ribeiro, Antonio Pires de Oliveira Giannini e outros.53 53 SECÇÃO Católica: ROCINHA. Beira-Mar, Rio de Janeiro, n. 220, 25 maio 1930, p. 8.

Com o objetivo de divulgar as imagens e símbolos de distinção da “aristocracia atlântica”, a coluna do periódico trazia as notícias dos acontecimentos sociais realizados na própria igreja, como as ações de caridade promovidas por diversas associações formadas por moradores de Copacabana, Leme e Ipanema (O’DONNELL, 2013O’DONNELL, Julia. A invenção de Copacabana. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.). Ao divulgar tais ações benevolentes, os redatores do jornal reconheciam a formação recente da localidade da Rocinha. Ao destacar que já residiam ali “cinco mil almas”, o articulista testemunhava o resultado do processo recente de expansão de moradias na localidade, que havia aumentado muito sua população – alcançando uma proporção que começava a chamar a atenção dos contemporâneos. Era assim por essa grande concentração de trabalhadores que a Rocinha passava a merecer a atenção de sujeitos como o engenheiro Jerro Germann, que via naquela aglomeração ainda com pouca estrutura um caminho para difundir sua fé católica.

A mesma matéria nos dá a ver, entretanto, uma incipiente organização dos moradores da Rocinha para reivindicar certas melhorias, como o acesso ao bonde e até mesmo a igreja, formando uma comissão de trabalhadores que residiam na localidade, como é possível notar na própria reportagem. Era o caso de Antonio Giannini, parente dos operários Angelo e Americo Giannini, indicando assim que poucos anos depois de sua família vender o terreno onde morara à Estrada da Gávea no início da década de 1920, eles já haviam adquirido um lote da companhia e se encontravam estabelecidos na Rocinha. Formava a comissão ainda o lavrador Alfredo Rabello que, desde o início do século XX, residia na Estrada da Gávea, em frente ao número 359 (morro) – endereço das terras loteadas da fazenda da Rocinha.54 54 ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Licença de Obras, Estrada da Gávea, ano 1929, caixa 51; DIRETORIA Geral de Obras e Viação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 150, 23 jun. 1929, p. 16.

A partir dos interesses desses próprios indivíduos, e não dos empresários da companhia, que aquela comunidade ganhava forma, congregando trabalhadores oriundos de vários pontos da região e até mesmo da cidade. É o que mostrava a reclamação de um morador da Rocinha, auto- intitulado “Um leitor alarmado”, que numa carta endereçada a uma folha vespertina carioca em 1932 reclamava da atuação das autoridades públicas em relação à questão sanitária na localidade.

Acossado pela mosquitada, resolvi, embora com sacrifício, aproximar-se dos ricos e procurei uma casinha na Gávea. Instalei-me na Rocinha, bairro operário servido pela estrada da Gávea, a que se tem acesso pela rua Marquês de S. Vicente. Aqui, pensei, neste aprazível arrabalde, a cavaleiro da Avenida Niemeyer, da reta da Gávea, do Golf Club, etc., decerto não terão deixado reaparecer mosquito. Além disso, arraial de cerca de quinhentas casinhas, com três a quatro mil pessoas, de gente pobre, sem abastecimento d’água e sem esgoto, decerto a fiscalização impedirá os mata-mosquitos de relaxarem o serviço. Imagine a minha decepção: vai para muitos meses a Saúde Pública não se perde por aqueles lados, em que há mais mosquitos do que terra.55 55 CARTAS à direção. O Jornal, Rio de Janeiro, n. 4.232, 19 ago. 1932, p. 4.

Ao explicitar a própria lógica que levou aquele indivíduo a se deslocar da Boca do Mato e Engenho de Dentro, descritos como lugares de “gente pobre”, em direção à zona sul carioca que ele identificou como lugar “dos ricos”, a carta explicitava outro elemento que nos ajuda a entender o rápido crescimento da localidade. Buscando um lugar que recebesse a atenção sistemática da prefeitura em relação ao tema da saúde pública, o sujeito calculou que se estabelecendo na Gávea, bairro próximo à região que se valorizava rapidamente, a atuação das autoridades seria mais enérgica e eficaz. Por isso, era patente a sua decepção ao presenciar o cotidiano da Rocinha quando ele próprio se estabeleceu ali. Experimentando a vida na localidade, era assim na reivindicação de direitos básicos para os seus habitantes que se expressava sua queixa. Não parece um acaso, por isso, que na mesma carta já reconhecesse a Rocinha como verdadeiro “bairro operário”.

Ao longo dos mesmos anos em que a Gávea e seu entorno se transformavam em locais habitados e frequentados ainda de maneira pouco efetiva pela população abastada da capital federal (COSTA, 2019COSTA, Mariana B. C. A Rocinha em construção: a história de uma favela na primeira metade do século XX. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2019.), as margens dos morros da região eram assim ocupadas por trabalhadores de baixa renda que transformavam a localidade em uma nova opção de moradia. Embora não se tratasse de dados referentes somente à Rocinha naquele momento, o recenseamento Predial de 1933, que contava 345 “casebres” na Estrada da Gávea, indica assim que já havia se formado naquela área um aglomerado de habitações modestas bastante significativo.56 56 DEPARTAMENTO de Estatística e Publicidade. Estatística Predial do Distrito Federal de 1933. Rio de Janeiro: Departamento de Estatística e Publicidade, 1935.

O resultado desse processo foi testemunhado, naquele mesmo ano, pelo fotógrafo Luciano Ferrez:

Figura 2:
Luciano Ferrez, “Vistas do Rio de Janeiro”, 1933

No primeiro plano, a imagem ressalta a beleza natural das praias e morros da região, claramente destacadas pelas lentes do fotógrafo. Ao fundo da imagem, no entanto, em contraste com a densa mata ao redor e a ocupação pouco efetiva próxima a Igreja São Conrado, podemos avistar um núcleo já significativo de pequenas casas a se imiscuir nessa imagem de beleza que o autor da imagem pretendia registrar. Longe de ser novidade, ela era fruto de um processo que, ao longo de décadas, havia transformado aquele espaço em uma alternativa de moradia para tais sujeitos. Distante da imagem de vazio projetada pelos moradores que só chegaram ali no final da década de 1920 e durante a década de 1930, percebe-se assim que a própria possibilidade de efetivação do loteamento pioneiro da Companhia Castro Guidão era parte da ocupação anterior por diferentes trabalhadores na região – em processo que, mesmo incrementado pelas oportunidades propiciadas pelos empreendimentos imobiliários ali desenvolvidos, era alimentado desde o início pela agência e protagonismo desses próprios trabalhadores, cuja experiência acabou esquecida por muitos estudiosos da posteridade.

Conclusão

Cabe, por fim, refletir sobre questões e caminhos de análise suscitados a partir do caso aqui estudado, que abordou o processo histórico e social de ocupação e afirmação da Rocinha no espaço urbano do Rio de Janeiro durante o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX.

Por um lado, é possível apontar para a possibilidade de se repensar a produção dos bairros considerados informais, cujo processo é destrinchado através do estudo de caso da Rocinha, a partir de uma perspectiva fluída e dinâmica das fronteiras entre o informal e o formal, modo pelo qual busca-se compreender as particularidades e complexidades desses processos em contextos históricos e espaciais distintos.

Por outro lado, nota-se que os pesquisadores do campo de estudos urbanos e da cidade do Rio de Janeiro se mostraram em geral pouco atentos a agência dos trabalhadores e a sua atuação nos processos de ocupação dos espaços citadinos. Já os historiadores do campo de história social atribuíram em geral pouca importância a reflexão dos espaços de moradia que se consolidaram como as favelas cariocas para a experiência dos trabalhadores que neles residiam. É possível apontar, em sentido inverso, para a relevância de se pensar os processos específicos de ocupação dos espaços urbanos articulados aos processos de desenvolvimento e expansão citadinos mais amplos. E, desse modo, desnaturalizar concepções consolidadas a priori – tanto no que se refere aqueles espaços que se afirmaram como as favelas cariocas como aqueles que se notabilizaram em certos contextos como bairros operários ou bairros fabris. Para tanto, é possível apontar um caminho de investigação a partir de fontes bastante diversas, como os depoimentos orais, – utilizados por estudiosos em seus trabalhos pioneiros e inovadores entre as décadas de 1960 e 1990 –, assim como registros civis e iconográficos, analisados em meio à interseção entre as preocupações da história urbana e da história social.

Além disso, o esforço de investigar as lógicas sociais e históricas de formação do território que conhecemos hoje como a favela da Rocinha a partir das perspectivas, interesses e estratégias daqueles que efetivamente se estabeleceram naquele espaço, nos permitiu repensar a própria periodização habitualmente definida para a história da localidade. Em caminho diverso de outros estudiosos, a periodização adotada neste trabalho não se definiu a partir da década de 1920, quando o loteamento da fazenda Rocinha foi realizado pela Companhia Castro Guidão. Ao recuar o período de análise para o início do século XX, compreendi o processo de ocupação do espaço que se afirmou como o bairro operário da Rocinha nos primeiros anos da década de 1930, como parte do desenvolvimento urbano da cidade e da ocupação anterior dos trabalhadores na região. O processo de formação histórico-social do território em seus primeiros tempos, que se consolidou como a favela da Rocinha décadas depois, era, portanto, resultado de encontros e experiências compartilhadas por tais indivíduos ao longo desse período – constituindo assim uma dinâmica multifacetada e diversa desse processo.

  • 1
    SECÇÃO Católica: ROCINHA. Beira-Mar, Rio de Janeiro, n. 220, 25 maio 1930, p. 8.
  • 2
    O manuscrito de seu Inácio de Almeida foi publicado no livro Varal de lembranças (1983) junto a outros testemunhos colhidos no início da década de 1980, como no caso de diversos relatos de memórias de antigos moradores da Rocinha.
  • 3
    AO PÚBLICO. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, n. 129, 1º jan. 1871, p. 1.
  • 4
    COLEÇÃO de Leis do Império do Brasil - 1873, v. 1, p. 212, pt I (Publicação Original). Decreto n. 2297, de 18 jun. 1873. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2297-18-junho-1873-550648-publicacaooriginal-66674-pl.html. Acesso em: 30 jan. 2024; COLEÇÃO de Leis do Império do Brasil - 1874, v. 2, p. 1.212, pt. I (Publicação Original). Decreto n. 5.809, de 3 dez. 1874, “Marca território e os limites de uma nova freguesia, criada nesta Corte, e lhe dá denominação”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-5809-3-dezembro-1874-550789-publicacaooriginal-66837-pe.html. Acesso em: 30 jan. 2024; COLEÇÃO de Leis do Império do Brasil - 1875, v. 2, p. 478, pt II (Publicação Original). Decreto n. 5.970, de 21 jul. 1875. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-5970-21-julho-1875-550073-publicacaooriginal-65696-pe.html). Acesso em: 30 jan. 2024.
  • 5
    Este não era, porém, um caso isolado. Em processo semelhante impulsionado pelas linhas de bondes inauguradas na Zona Sul da cidade e os trens em direção aos subúrbios, bairros como Laranjeiras e Bangu por exemplo, situados naquelas zonas respectivamente, passaram a brigar industriais de diferentes ramos, resultando em uma alta concentração de trabalhadores nesses locais (PEREIRA, 2012PEREIRA, Leonardo A. de M. The Flower of the Union: Leisure, Race, and Social Identity in Bangu, Rio de Janeiro (1904-1933). Journal of Social History, v. 46, n. 1, p. 154-169, 2012.; PIRES, 2016PIRES, Isabelle Cristina da Silva. Gênero e trabalho em fábricas de tecidos: o caso da Companhia de Fiação e Tecidos Aliança. Cantareira, Niterói, n. 24, p. 112-126, 2016.).
  • 6
    Em 1905, consta no Imposto Predial o terreno à Estrada da Gávea n. 1 como propriedade dos “herdeiros de Jeremias José da Rosa”, e Manoel Cortinhas em 1906. Em 1908, Augusto Cesar da Rosa, inventariante de seu pai Jeremias, entrou com uma ação contra Cortinhas por pagamento de “emphyteutas” em atraso de foro correspondentes a três anos consecutivos pelo “sitio denominado ‘Rocinha’, à Estrada da Gávea n.º 1”. ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Imposto Predial. 10º Distrito, ano 1892; ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09.
  • 7
    JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, n. 12, 20 abr. 1907.
  • 8
    CHACAR A. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 93, 3 abr. 1908, p. 14.
  • 9
    Em 1910, a Estrada do Chuá começava onde terminava a Estrada da Gávea, não tendo indicação de onde acabava aquela via. INDICADOR DAS RUAS. Almanak Laemmert, Rio de Janeiro, 67º ano, 1910, p. 1.253.
  • 10
    FLORICULTURA, HORTICULTURA... Almanak Laemmert, Rio de Janeiro, 68º ano, 1911, p. 936; ALMANAK RENAULT. Rio de Janeiro, 8º ano, 1912, p. 491.
  • 11
    SACIANDO A VINGANÇA. A Imprensa, Rio de Janeiro, n. 1.231, 6 maio 1911, p. 2; UM CRIME NA GÁVEA. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 125, 5 maio 1911, p. 3.
  • 12
    LISTA de qualificação de votantes do Município Neutro. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 15, 17 jan. 1877, p. 5; EQ, 7 Pretoria, ano 1909, maço 2772, n. 70, GAL A, José Correia de Mendonça.
  • 13
    Segundo documentos da Companhia Castro Guidão, as terras de sua propriedade confrontavam “com Carlos Gondolo, dr. M. M. Perdigão, dr. Alfredo Valdetero, Pedreira DOIS IRMAOS, Alfredo do Valle Mendonça”. ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09.
  • 14
    No Imposto Predial de 1899, consta como proprietário de dois terrenos s/n à Estrada da Gávea o nome de Prudencio José Ribeiro. DIRETORIA DE RENDAS. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, n. 243, 1º set. 1899, p. 5.
  • 15
    TOCAIA SINISTRA. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 125, 5 maio 1911, p. 7.
  • 16
    NA ESTRADA da Gávea é encontrado um septuagenário em estado grave. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 3.579, 6 maio 1911, p. 3.
  • 17
    O ETERNO pomo da discórdia. A Época, Rio de Janeiro, n. 76, 14 out. 1912, p. 6.
  • 18
    Em 1910 as autoridades municipais determinaram a mudança da numeração de diversas ruas na cidade, dentre elas, a própria Estrada da Gávea. O terreno à Estrada da Gávea nº 1 mudou para o nº 359, que também consta no Imposto Predial como nº “antigo” 1 e nº “moderno” 359. O PAIZ. Rio de Janeiro, n. 9.447, 17 ago. 1910, p. 2; ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Imposto Predial. 10º Distrito, 1913.
  • 19
    ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09.
  • 20
    O FLUMINENSE. Rio de Janeiro, n. 10.491, 25 jan. 1918, p. 4.
  • 21
    JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, n. 10, 10 jan. 1918, p. 2; n. 133, 15 maio 1918, p. 3.
  • 22
    UM AUTO caminhão mata um homem na Gávea. Lanterna, Rio de Janeiro, n. 336, 18 jan. 1918, p. 2.
  • 23
    AUTOMOBILISMO. O Imparcial, Rio de Janeiro, n. 288, 3 maio 1936, p. 12.
  • 24
    CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro, n. 8.316, 9 dez. 1921, p. 10.
  • 25
    TRISTE desenlace de uma questão de família. O Paiz, Rio de Janeiro, n. 2.11.257, 3 ago. 1915, p. 3 e n. 11.264, 10 ago. 1915, p. 4.
  • 26
    PRÓ GÁVEA. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 24, 24 jan. 1914, p. 6.
  • 27
    TRISTE desenlace de uma questão de família. O Paiz, Rio de Janeiro, n. 11.260, 6 ago. 1915, p. 4.
  • 28
    O BANQUETE oferecido ao dr. Aurelio Leal. A Época, Rio de Janeiro, n. 2.545, 6 jul. 1919, p. 8.
  • 29
    NA ASSISTÊNCIA. O Paiz, Rio de Janeiro, n. 13.049, 2 jul. 1920, p. 7.
  • 30
    Ver Costa (2019)COSTA, Mariana B. C. A Rocinha em construção: a história de uma favela na primeira metade do século XX. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2019. para análise dos censos demográficos do período.
  • 31
    CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro, n. 8.619, 10 out. 1922, p. 11; n. 8.713, 14 jan. 1923, p. 10; JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, n. 17, 19 jan. 1924, p. 19; TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, n. 30, 5 fev. 1925, p. 24; TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, n. 136, 7 jun. 1925, p. 30; TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, n. 244, 11 out. 1925, p. 25.
  • 32
    A empresa adquiriu o domínio útil dos terrenos de Luiz Cantanhede de Carvalho Almeida em 1915. Já a sua aquisição do domínio direto ocorreu poucos anos depois obtido de quatro antigos moradores, estabelecidos na localidade desde meados do século XIX. ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09.
  • 33
    NOTAS sociais. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 258, 28 out. 1925, p. 10; COM um tiro no peito! A Noite, Rio de Janeiro, n. 4.334, 20 dez. 1923, p. 1.
  • 34
    AGENTES bancários. Almanak Laemmert, Rio de Janeiro, 68º ano, 1911, p. 816.
  • 35
    COM um tiro no peito! A Noite, Rio de Janeiro, n. 4.334, 20 dez. 1923, p. 1.
  • 36
    A IMPERIAL Irmandade N. S. da Glória elegeu nova administração. A Noite, Rio de Janeiro, n. 3.111, 8 ago. 1920, p. 2; n. 3.960, 9 dez. 1922, p. 6.
  • 37
    COM um tiro no peito! A Noite, Rio de Janeiro, n. 4.334, 20 dez. 1923, p. 1.
  • 38
    GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 62, 12 mar. 1924, p. 5; GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 80, 3 abr. 1924, p. 5; GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 164, 8 jul. 1924, p. 7; GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 285, 30 nov. 1927, p. 6; GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 286, 1º dez. 1927, p. 6.
  • 39
    JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, n. 262, 25 nov. 1925, p. 21.
  • 40
    GAZETA Jurídica. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, n. 237, 1º out. 1926, p. 7.
  • 41
    TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 17, 19 jan. 1924, p. 19.
  • 42
    TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 30, 5 fev. 1925, p. 24; TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, n. 136, 7 jun. 1925, p. 30; TERRENOS a prestações. Jornal do Brasil, n. 244, 11 out. 1925, p. 25.
  • 43
    ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09.
  • 44
    ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Licença de Obras, Estrada da Gávea, ano 1929, caixa 111, doc. 20.
  • 45
    ATIROU-SE do bonde ao solo. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, n. 28, 24 ago. 1931, p. 4; OS FATOS policiais de domingo. A Batalha, Rio de Janeiro, n. 504, 25 ago. 1931, p. 6.
  • 46
    ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Licença de Obras, Estrada da Gávea, ano 1935, caixa 71, doc. 10; ARQUIVO NACIONAL. Antonio da Silva Sargo, ano 1928, maço 84, n. 1.832, Gal, A, 6N- 4º pretoria (Gávea).
  • 47
    A NOITE. Rio de Janeiro, n. 6.944, 27 mar. 1931, p. 10.
  • 48
    ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Aforamentos, Estrada da Gávea, G 09.
  • 49
    O APARECIMENTO de um cadáver na Estrada da Gávea. A Batalha, Rio de Janeiro, n. 500, 20 ago. 1931, p. 5; O DIA policial. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 11.251, 20 ago. 1931, p. 5.
  • 50
    DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA. Desenvolvimento Predial no Distrito Federal em 1933. Distrito Federal, publicado em 1935.
  • 51
    OS QUE adquiriram imóveis. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 10.769, 4 fev. 1930, p. 11.
  • 52
    ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Imposto Predial. 10º Distrito, ano 1930 e 1931.
  • 53
    SECÇÃO Católica: ROCINHA. Beira-Mar, Rio de Janeiro, n. 220, 25 maio 1930, p. 8.
  • 54
    ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Licença de Obras, Estrada da Gávea, ano 1929, caixa 51; DIRETORIA Geral de Obras e Viação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, n. 150, 23 jun. 1929, p. 16.
  • 55
    CARTAS à direção. O Jornal, Rio de Janeiro, n. 4.232, 19 ago. 1932, p. 4.
  • 56
    DEPARTAMENTO de Estatística e Publicidade. Estatística Predial do Distrito Federal de 1933. Rio de Janeiro: Departamento de Estatística e Publicidade, 1935.

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Editores responsáveis: Paulo Fontes e Luiza Larangeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2022
  • Aceito
    06 Abr 2023
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