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Segurança dos profissionais de saúde que atuaram na linha de frente da pandemia por covid-19 no Brasil

Safety of health professionals who worked in the front line of the COVID-19 pandemic in Brazil

Seguridad de los profesionales de la salud que actuaron en primera línea de la pandemia de COVID-19 en Brasil

Resumo

Objetivou-se avaliar a segurança dos profissionais de saúde que atuaram no combate à pandemia de covid-19 em 2020 nos serviços de saúde brasileiros. Realizou-se inquérito on line, conduzido entre junho e setembro de 2020, com profissionais de saúde de instituições públicas e privadas brasileiras, com base no questionário Health workers exposure risk assessment and management in the context of COVID-19 virus, da Organização Mundial de Saúde, sendo analisados 2.832 registros. Raça/cor e categoria profissional foram variáveis relacionadas ao aumento de casos de covid-19 dentre os profissionais. Os que se autodeclararam não brancos, técnicos e auxiliares de enfermagem tiveram chance maior de resultado positivo, indicando maior suscetibilidade à infecção relacionada ao nível socioeconômico e/ou categoria profissional e papel desempenhado no cuidado ao paciente. As variáveis estrutura das unidades de saúde, localização, teste e disponibilidade de equipamentos de proteção individual relacionaram-se ao grau de risco de contrair a doença. Ressalta-se a importância da garantia de insumos e equipamentos aos profissionais de saúde, sobretudo em um contexto pandêmico e entre aqueles com baixo nível socioeconômico que atuam na linha de frente. Riscos em situações de emergência e escassez devem ser prospectivamente monitorados, ajustando-se às iniciativas no tocante à segurança do paciente.

Palavras-chave:
segurança do paciente; trabalhadores da saúde; covid-19; pandemia

Abstract

The objective of this study was to evaluate the safety of health professionals who worked in the fight against the COVID-19 pandemic in 2020 in Brazilian health services. An online survey was conducted between June and September 2020, with health professionals from Brazilian public and private institutions, based on the Health workers exposure risk assessment and management in the context of COVID-19 virus, from the World Health Organization, and 2,832 records were analyzed. Race/color and professional category were variables related to the increase of covid-19 cases among professionals. Those who self-declared themselves non-white, technical and nursing assistants had a higher chance of positive results, indicating a higher susceptibility to infection related to socioeconomic level and/or professional category and a role played in patient care. The variables structure of the health units, location, test and availability of personal protective equipment were related to the degree of risk of contracting the disease. The importance of ensuring inputs and equipment to health professionals is highlighted, especially in a pandemic context and among those with low socioeconomic level who work on the front line. Risks in emergency and scarcity situations should be prospectively monitored, adjusting to patient safety initiatives.

Keywords:
patient safety; health workers; covid-19; pandemic

Resumen

El objetivo de este estudio fue evaluar la seguridad de los profesionales de la salud que actuaron en la lucha contra la pandemia de COVID-19 en 2020 en los servicios de salud brasileños. Entre junio y septiembre de 2020 se realizó una encuesta en línea con profesionales de la salud de instituciones públicas y privadas brasileñas, basada en la evaluación y gestión del riesgo de exposición de los trabajadores de la salud en el contexto del virus COVID-19, de la Organización Mundial de la Salud, y se analizaron 2.832 registros. Raza/color y categoría profesional fueron variables relacionadas con el aumento de casos de COVID-19 entre profesionales. Los que se autodeclararon no blancos, técnicos y auxiliares de enfermería tuvieron una mayor probabilidad de resultados positivos, lo que indica una mayor susceptibilidad a la infección relacionada con el nivel socioeconómico y/o categoría profesional y un papel desempeñado en la atención al paciente. Las variables estructura de las unidades de salud, ubicación, prueba y disponibilidad de equipo de protección personal se relacionaron con el grado de riesgo de contraer la enfermedad. Se destaca la importancia de garantizar insumos y equipos a los profesionales de la salud, especialmente en un contexto pandémico y entre aquellos con bajo nivel socioeconómico que trabajan en primera línea. Los riesgos en situaciones de emergencia y escasez deben ser monitoreados prospectivamente, ajustándose a las iniciativas de seguridad del paciente.

Palabras clave:
seguridad del paciente; trabajadores de la salud; covid-19; pandemia

Introdução

A infecção pelo SARS-CoV-2, o novo coronavírus, denominada de covid-19 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), teve os seus primeiros casos identificados em dezembro de 2019, na China, espalhando-se rapidamente para várias regiões do mundo. Em 11 de março de 2020, a OMS declarou pandemia por covid-19 (Zhu et al., 2020NA, Zhu et al. A novel coronavirus from patients with pneumonia in China, 2019. The New England Journal of Medicine, EUA, v. 382, n. 8, p. 727-733, 2020. https://doi.org/10.1056/NEJMoa2001017. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7092803/. Acesso em: 11 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Silva et al., 2020SILVA, Lara L. S. et al. Social distancing measures in the fight against COVID-19 in Brazil: description and epidemiological analysis by state. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 36, n. 9, e00185020, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311X00185020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/gR6mkQmSqBHqvZb5YMNYjxD/?format=pdf⟨=en. Acesso em: 11 jan. 2024
https://www.scielo.br/j/csp/a/gR6mkQmSqB...
), cujos números mais recentes, em setembro de 2023, alcançam a marca de 770.437.327 casos confirmados e 6.956.900 mortes, globalmente (World Health Organization, 2020aWORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). COVID-19 Dashboard. 2020a. Disponível em: https://covid19.who.int/ Acesso em: 11 set. 2023.
https://covid19.who.int...
). No Brasil, o primeiro caso confirmado ocorreu em 26 de fevereiro de 2020 na cidade de São Paulo, propagando-se, rapidamente, pelos diferentes estados e regiões do país. Na evolução da pandemia, o Brasil esteve entre os três países com maior número de casos, internações e óbitos, juntamente com Estados Unidos e Índia, e já acumula mais de 37 milhões de casos e 700 mil óbitos pela doença (World Health Organization, 2020bWORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Health workers exposure risk assessment and management in the context of COVID-19 virus: interim guidance. 2020b. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/331340. Acesso em: 8 jan. 2024.
https://apps.who.int/iris/handle/10665/3...
; Limaye et al., 2021LIMAYE, Sanket et al. Circulation and evolution of SARS-CoV-2 in India: let the data speak. Viruses, v. 13, n. 11, p. 2.238, 2021. https://doi.org/10.3390/v13112238. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8619538/pdf/viruses-13-02238.pdf. Acesso em: 10 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Brasil 2024BRASIL. Ministério da Saúde. Painel Coronavírus: COVID 19. 2024. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 17 jan. 2024.
https://covid.saude.gov.br/...
).

Os profissionais de saúde que atuam na linha de frente estiveram em contato direto com pacientes suspeitos ou confirmados para covid-19 e, por isso, possuíam um alto risco de contaminação. Notícias da pandemia em vários países mostraram que nenhum deles estava preparado para oferecer a esses profissionais equipamentos de proteção individual (EPIs) e condições estruturais adequadas e suficientes para o manejo seguro dos pacientes nos serviços de saúde. Ranney et al. (2020RANNEY, Megan L.; GRIFFETH, Valerie; JAH, Ashish K. Critical supply shortages: the need for ventilators and personal protective equipment during the COVID-19 Pandemic. The New England Journal of Medicine, EUA, v. 382, n. 18, e41, 2020. https://doi.org/10.1056/NEJMp2006141. Disponivel em: Disponivel em: https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMp2006141?url_ver=Z39.88-2003𝔯_id=ori:rid:crossref.org𝔯_dat=cr_pub%20%200pubmed . Acesso em: 10 jan. 2024.
https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMp20...
) citam a situação da Itália, onde elevadas taxas de infecção e morte de profissionais de saúde pela covid-19 foram devidas, em parte, ao acesso inadequado aos EPIs. Mencionaram, também, as necessidades crescentes nos Estados Unidos de máscaras de proteção respiratória e máscaras cirúrgicas, que superaram a disponibilidade do momento.

Os profissionais da linha de frente fizeram e fazem parte de um grupo de alto risco para infecção pela covid-19, o que foi especialmente preocupante em um momento anterior à disponibilização da vacina contra o vírus SARS-CoV-2, por reduzir o quantitativo de recursos humanos e comprometer a qualidade do cuidado e a resposta dos serviços de saúde à pandemia. As atividades realizadas pelos profissionais de saúde consideradas de maior risco estiveram relacionadas a procedimentos geradores de aerossóis, como a intubação traqueal, a traqueotomia e alguns procedimentos odontológicos e de necropsia (Brasil, 2020aBRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Recomendações de proteção aos trabalhadores dos serviços de saúde no atendimento de COVID-19 e outras síndromes gripais. COE/SVS/MS. 2020a. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavirus/publicacoes-tecnicas/recomendacoes/recomendacoes-de-protecao-aos-trabalhadores-do-servico-de-saude.pdf/view. Acesso em: 1 abr. 2020.
https://www.gov.br/saude/pt-br/coronavir...
; World Health Organization, 2021aWORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). COVID-19: occupational health and safety for health workers: interim guidance, 2021a. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/339151. Acesso em: 8 jan. 2024.
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; Dzinamarira et al., 2022DZINAMARIRA, Tafadzwa et al. Risk factors for Covid-19 infection among healthcare workers: a first report from a living systematic review and meta-analysis. Safety and Health at Work, v. 13, n. 3, p. 263-268, 2022. https://doi.org/10.1016/j.jiph.2022.05.006. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9004144/. Acesso em: 11 jan. 2024.
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). Por outro lado, evidências indicam redução do risco de infecção com o uso apropriado de EPI como máscaras, luvas e gorros, adequada higiene das mãos e treinamentos em medidas de prevenção e controle de infecção (Chou et al., 2020CHOU, Roger et al. Epidemiology of and risk factors for coronavírus infection in health care workers: a living rapid review. Annals of Internal Medicine, v. 173, n. 2, p. 120-136, 2020. https://doi.org/10.7326/M20-1632. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7240841/. Acesso em: 1 abr. 2020.
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).

Segundo dados da OMS, o percentual de profissionais de saúde afetados pela covid-19 variou entre 8 e 10% (Fundação Jorge Duprat Figueiredo..., 2020FUNDAÇÃO JORGE DUPRAT FIGUEIREDO, DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO - FUNDACENTRO. Up to 10% of healthcare professionals are affected by Covid-19. 25 mar. 2020. Disponível em: https://encurtador.com.br/oGMZ5. Acesso em: 16 maio 2020.
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). Dados do Ministério da Saúde (MS) apontavam, em maio de 2020, um percentual ainda maior no Brasil, 16,8%, representando 31.790 casos confirmados entre esses profissionais, na época de realização do presente estudo (Valente, 2020VALENTE, Jonas. No Brasil, 31.790 profissionais de saúde contraíram Covid-19: técnicos e auxiliares de enfermagem são os mais afetados. Agência Brasil, Brasília, 14 maio 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-05/no-brasil-31790-profissionais-de-saude-contrairam-covid-19. Acesso em: 9 jan. 2024.
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). Um estudo italiano relatou incidência cumulativa de covid-19 de 13,8% entre profissionais de saúde, no período entre março de 2020 a janeiro de 2021 (Modenese et al., 2021MODENESE, Alberto et al. Factors associated with SARS-CoV-2 infection risk among healthcare workers of an Italian University Hospital. Healthcare, Basel, v. 9, n. 11, p. 1.495, 2021. https://doi.org/10.3390/healthcare9111495. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8622462/. Acesso em: 10 jan. 2024.
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). Estimativas conservadoras da OMS indicam que mais de 160 mil profissionais de saúde morreram por covid-19 em todo o mundo (World Health Organization, 2021bWORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). The impact of COVID-19 on health and care workers: a closer look at deaths. 2021b. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/345300. Acesso em: 8 jan. 2024.
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).

Nessa perspectiva, ancorado na abordagem e preocupação com a qualidade do cuidado, este artigo tem como objetivo avaliar a segurança dos profissionais de saúde que atuaram no combate à pandemia de covid-19 em 2020 nos serviços de saúde brasileiros. Foram considerados fatores quanto à estrutura e aos processos de trabalho, em relação aos diferentes desfechos em saúde no contexto da infecção por SARS-CoV-2.

Metodologia

Delineamento do estudo

Estudo descritivo, conduzido por meio de inquérito on line (websurvey), realizado entre junho e setembro de 2020. O questionário Health workers exposure risk assessment and management in the context of COVID-19 virus, desenvolvido pela OMS (World Health Organization, 2020bWORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Health workers exposure risk assessment and management in the context of COVID-19 virus: interim guidance. 2020b. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/331340. Acesso em: 8 jan. 2024.
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), foi traduzido e adaptado pela equipe do Centro Colaborador para Qualidade e Segurança do Paciente - Proqualis, vinculado atualmente ao Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), que é composta por profissionais com formação em nível de pós-graduação e experiência na área da qualidade do cuidado e segurança do paciente.

A adaptação consistiu na inclusão de perguntas sobre características sociodemográficas, do serviço de saúde onde o profissional trabalhava e questões relacionadas à realização de testes diagnósticos para covid-19 pelo profissional. Houve ainda a realização de um pré-teste com cinco colaboradoras do Proqualis, com formação na área da saúde, para verificação da adequação da versão eletrônica do questionário, o qual foi programado no aplicativo de gerenciamento de pesquisa Google Forms©.

População de estudo

Foram considerados profissionais da área de saúde, conforme a portaria n. 639 do MS, de 31 de março de 2020 (Brasil, 2020bBRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n. 639, de 31 de março de 2020. Dispõe sobre a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo - Profissionais de saúde”, voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). 2020b. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 76. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-639-de-31-de-marco-de-2020-250847738. Acesso em: 16 maio 2020.
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), as seguintes categorias: serviço social, biologia, biomedicina, educação física, enfermagem, farmácia, fisioterapia e terapia ocupacional, fonoaudiologia, medicina, medicina veterinária, nutrição, odontologia, psicologia e radiologia. Critérios de inclusão utilizados: adultos de 20 anos e mais, que tinham acesso à internet, seja por celular, seja por computador, que atuavam em serviços públicos e/ou privados de saúde e que aceitaram participar do estudo após a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Não houve coleta de nenhuma informação sobre identificação do respondente e nem o IP (Internet protocol). Potenciais duplicidades foram excluídas. Com base na comparação das respostas, aquelas que estavam exatamente iguais em todas as questões do instrumento de pesquisa eram consideradas duplicidade.

Uma amostra de conveniência de participantes foi recrutada em grupos da rede social de mensagens instantâneas WhatsApp© das áreas da saúde e de qualidade em saúde e segurança do paciente. Outros meios de divulgação também foram adotados, tais como: contatos com conselhos profissionais da área da saúde, mídia (rádio), assessoria de comunicação da instituição de pesquisa e contatos com ex-alunos e tutores de curso a distância na área de qualidade e segurança, conduzido em nível nacional, além do Portal Proqualis e suas redes oficiais no Facebook e Instagram.

Como referencial teórico analítico, adotou-se a sistematização proposta por Donabedian para a avaliação da qualidade do cuidado ( Donabedian, 1978 DONABEDIAN, Avedis. The quality of medical care: methods for assessing and monitoring the quality of care for research and for quality assurance programs. Science, v. 200, n. 4.344, p. 856-864, 1978. https://doi.org/10.1126/science.417400. Disponível em: https://www.science.org/doi/epdf/10.1126/science.417400. Acesso em: 11 jan. 2024.
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). As informações obtidas dos questionários foram agrupadas em variáveis com base na tríade estrutura, processo e resultado (Quadro 1). As medidas relacionadas à atuação dos profissionais (processo) e aos estabelecimentos de saúde (estrutura) compuseram os fatores contribuintes das medidas de desfecho (resultado). Privilegiaram-se, nas medidas de estrutura e processo, condições e insumos essenciais para garantir a segurança para prestação do cuidado em saúde.

Considerando a preocupação com a dimensão segurança do paciente e a centralidade do profissional, incluindo seu estado de saúde no contexto pandêmico, os resultados detiveram-se sobre os desfechos relativos aos profissionais de saúde - sua exposição ou contágio. Nesse referencial, as características sociodemográficas dos respondentes e as características gerais do estabelecimento de saúde foram avaliadas para compreender elementos contextuais dos indivíduos e dos serviços.

Quadro 1
Variáveis de estrutura, processo e resultado. Brasil, 2023.

Análise estatística

As análises descritivas foram realizadas por meio de proporções e seus respectivos intervalos de confiança de 95% para as variáveis sociodemográficas (sexo, idade, raça/cor de pele, região), categoria profissional e variáveis de estrutura e processo, segundo os desfechos selecionados: resultado do teste (positivo ou negativo); e grau de risco de contrair a doença e de se infectar (risco alto de infecção). Foi aplicado o teste qui-quadrado de homogeneidade, considerando uma significância estatística de 5% para variáveis categóricas.

Posteriormente, a análise multivariada testou a associação entre cada desfecho com as demais variáveis selecionadas, sendo construídos modelos de regressão logística, tomando-se as categorias de menor risco de cada desfecho como de referência. Das variáveis analisadas nas etapas descritivas e bivariada aproveitou-se na análise multivariada somente aquelas que apresentaram valor de p<0,20 no teste qui-quadrado de homogeneidade. No processo de modelagem, as variáveis sexo, faixa etária (20-29, 30-39, 40-49, 50-59 e ≥ 60 anos), cor de pele (branca e não branca) e categoria profissional compuseram o modelo de base (Etapa 1).

Nessa etapa, o agrupamento das categorias profissionais técnico e auxiliar de enfermagem se deu devido ao desempenho de atividades semelhantes na prestação do cuidado ao paciente. Posteriormente, inseriram-se na etapa 2 as variáveis sobre o processo de assistência; e, por último, na etapa 3, as variáveis relacionadas a estrutura. À exceção das variáveis que compõem o modelo de base (Etapa 1), preservadas até o modelo final, foram mantidas nas etapas seguintes da modelagem somente aquelas variáveis que apresentaram significância de 5%.

A significância das variáveis em cada etapa de modelagem foi mensurada pelo teste de Wald, com um nível de significância de 5%. O modelo final foi avaliado quanto à qualidade do ajuste por meio do teste de Hosmer e Lemeshow, adotando-se um nível de significância de 5%. No modelo final, para cada desfecho, apresentaram-se as razões de chance (odds ratio) ajustadas com os respectivos intervalos de 95% de confiança; as análises foram feitas com auxílio do software Statistic Package for Social Science (SPSS for Windows, versão 24.0).

Considerações éticas

A pesquisa foi submetida, em 27/05/2020, ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Politécnica Joaquim Venâncio e aprovada em 29/06/2020 pelo parecer de n. 4.121.696 (CAAE: 32538620.1.0000.5241). Sobre os riscos e benefícios do presente estudo, considerou-se que os riscos se relacionavam à sensibilidade do participante a alguma pergunta que pudesse causar constrangimento. Entretanto, por ser um questionário de autopreenchimento, esse risco é ainda menor. No TCLE enviado à pessoa convidada foi explicado que ela teria liberdade para não responder ou para interromper o preenchimento do questionário a qualquer momento. Além disso, todas as respostas foram anônimas e sem qualquer outro tipo de identificação dos participantes.

Em relação aos benefícios do presente estudo, considerou-se fundamental o aporte de conhecimentos importantes sobre a segurança dos profissionais da área de saúde para a segurança do cuidado prestado. São profissionais que atuam na linha de frente no combate à pandemia do novo coronavírus e que, potencialmente, poderão contribuir para o acompanhamento das suas condições de trabalho e da sua saúde, bem como para a identificação de áreas para uma melhoria.

Resultados

Um total de 2.947 profissionais responderam ao questionário on line e, destes, 2.933 (99,5%) aceitaram participar ao concordarem com o TCLE. Após a exclusão de 101 casos duplicados, realizou-se a análise de 2.832 registros no total.

Do total de profissionais de saúde que responderam à pesquisa, a maioria era composta por mulheres (n=2.291; 81,4%; IC-95%: 79,8-82,9). A mediana de idade foi de 39 anos (IQR: 34 a 46). A maior parte dos respondentes tinha entre 30 a 39 anos (n=1.068; 39,3%; IC95%: 37,5%-41,1%), seguida pela faixa etária entre 40 a 49 anos (n=817; 30,0%; IC95%: 28,3%-31,8%). A faixa etária com menor representatividade foi a de idosos (60 anos ou mais), que teve 7,4% (IC95%: 6,4%-8,4%) das respostas nesta pesquisa. Em relação à cor de pele, mais da metade dos indivíduos se autodeclararam como brancos (n=1.609; 57,1%; IC95%: 55,2%-55,9%), seguidos pelos pardos e pretos (totalizando 1,211; 42,9%; IC95%: 41,1%-44,8%) (Tabela 1).

Em relação às categorias profissionais, quase a metade dos respondentes eram enfermeiros (n=1.356; 48,1%; IC95%: 46,3%-50,0%), seguidos pelos técnicos de enfermagem (n=735; 26,1%; IC95%: 24,5%-27,7%). Essas foram as categorias profissionais de maior frequência e representatividade na pesquisa. Posteriormente, médicos, com 7,6% (IC95%: 6,6%-8,6%) de respostas (n=214), fisioterapeutas (n=101; 3,6%; IC95%: 3,0%-4,3%), farmacêuticos (n=94; 3,3%; IC95%: 2,7%-4,0%) e auxiliares de enfermagem (n=64; 2,3%; IC95%: 1,7%-2,8%)). Os 253 profissionais restantes pertenciam a outras categorias, tais como: psicólogos, nutricionistas, odontólogos, assistentes sociais, agentes comunitários de saúde, dentre outros (Tabela 1).

A maior parte dos profissionais relatou trabalhar em hospital geral ou especializado (n=1.667; 59,2%; IC95%: 57,4%-61,0%), seguido pela Unidade Básica de Saúde - UBS (posto de saúde/centro de saúde/clínica da família) (n=568; 20,2%; IC95%: 18,7%-21,7%). Dentre os respondentes, 165 indivíduos (5,9%; IC95%: 5,0%-6,7%) relataram trabalhar em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), que se caracterizam como unidades intermediárias entre a atenção básica e a atenção hospitalar, realizando alguns atendimentos de média complexidade. Os demais (491) relataram trabalhar em outros serviços: ambulatórios (n=181; 6,4%; IC95%: 5,5%-7,3%), unidades pré-hospitalares (n=56; 2,0%; IC95%:1,4%-2,5%), centros de diagnóstico laboratorial e por imagem (n=36; 1,3%; IC95%: 0,8%-1,10%) e outros (n=141; 5,0%; IC95%: 4,2%-5,8%), entre eles, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), clínicas, gestão em saúde, atenção domiciliar etc. (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição percentual das características sociodemográficas, categorias profissionais e tipo de serviço de saúde onde trabalha. Brasil, 2023.

A Tabela 2 apresenta a distribuição das características sociodemográficas, de estrutura e de processo segundo os desfechos de resultado do teste e percepção do grau de risco de infecção. Indivíduos que tiveram grau de risco classificado como alto tinham média de idade mais baixa (39,9 anos) do que os indivíduos com grau de risco baixo (43 anos) (p<0,001). Para cor de pele, os indivíduos autodeclarados brancos tiveram os maiores percentuais de testes com resultados negativos (p<0,001); profissionais não brancos tiveram maior proporção de resultados positivos (p<0,001). Em relação às categorias profissionais, observou-se maior proporção de resultados de testes positivos entre os enfermeiros e os técnicos de enfermagem (49,8% e 31,2%, respectivamente). Comparando-se a proporção de resultados positivos e negativos para uma mesma categoria profissional, apenas os técnicos de enfermagem e os fisioterapeutas tiveram maiores proporções de resultados positivos do que negativos (p<0,003).

O hospital foi o serviço em que houve maior proporção de resultados positivos dos testes (68,2% vs. 54,4%; p<0,001) e maior proporção de indivíduos com grau de risco alto (59,9% vs. 56,7%; p<0,001). Quadro semelhante foi observado nas UPAs. Nas UBS, houve maior percentual de resultados negativos dos testes e maior percentual de risco elevado para a covid-19. A localização do serviço da saúde na capital do estado teve maior proporção de resultados positivos para o desfecho resultado do teste (p<0,001).

Em relação a variáveis ou aspectos ‘realização de atendimento a pacientes suspeitos ou confirmados para covid-19’, ‘exposição a paciente suspeito ou confirmado’, ‘presença durante procedimento com risco de geração de aerossol’ e ‘contato direto com o ambiente em que o paciente foi atendido’, todos apresentaram maior proporção de resultados positivos dos testes e maior proporção de risco elevado de infecção (diferenças estatisticamente significativas). Para disponibilidade de EPI (‘sempre’) e para uso de máscara em pacientes suspeitos ou confirmados, a proporção de resultados positivos para covid-19 foi maior do que a de negativos, e o grau de risco de infecção baixo mais frequente do que o grau de risco alto (p<0,001). Em relação ao uso de EPI durante a prestação da assistência e/ou durante a realização de procedimentos com risco de geração de aerossol, a proporção de resultados negativos para covid-19 foi maior (p=0,01) e o grau de risco foi alto (p<0,001).

Tabela 2
Distribuição das variáveis sociodemográficas, de estrutura e processo segundo os desfechos relativos aos profissionais de saúde: resultado do teste e grau de risco de infecção. Brasil, 2023.

Para o desfecho resultado do teste, informado pelos profissionais de saúde, outras características que apresentaram diferenças foram: consistência na higiene das mãos e ter tido acidente com fluido biológico durante a prestação da assistência e/ou durante a realização de procedimento. Os profissionais que relataram realizar a higiene das mãos de forma consistente tiveram menor proporção de resultados positivos do que negativos para covid-19 (p<0,02), e naqueles profissionais que relataram ter sofrido um acidente com material biológico, ocorreu o inverso: maior proporção de resultados positivos do que negativos para covid-19, comparativamente aos que relataram não ter sofrido esse tipo de acidente, que tiveram maior proporção de resultados negativos do que positivos (p<0,008).

As Tabelas 3 e 4 apresentam cada etapa dos modelos de regressão logística finais para os desfechos resultado do teste (Tabela 3) e grau de risco de infecção (Tabela 4).

Analisando as estimativas para o desfecho resultado do teste (Tabela 3), observamos que, dentre os fatores relacionados ao profissional de saúde (ex: sociodemográficas e categoria profissional), somente raça/cor de pele se manteve significativa até o modelo final. Ter se autodeclarado como não branco aumentou em cerca de 1,27 vezes [IC95%: 1,02-1,69] a chance de ter um resultado positivo para covid-19 (p<0,03). Ser do sexo masculino também aumentou a chance em 1,37 [IC95%: 1,01-1,85] vezes (p<0,04), mas, no modelo final, não mostrou associação. O outro fator relacionado ao profissional de saúde que aumentou a chance de ter um resultado positivo para covid-19 no modelo final foi ser técnico ou auxiliar de enfermagem (RC=1,76; [IC95%: 1,16-2,68]; p<0,008).

Em relação às características de processo, a única que manteve significância estatística no modelo final foi a exposição a um paciente suspeito ou confirmado para covid-19. Os profissionais de saúde que relataram ter sido expostos a um paciente suspeito ou confirmado para a doença tiveram chance mais de duas vezes maior de ter um resultado positivo para covid-19 (RC=2,17; [IC95%: 1,50-3,13]) do que os que não relataram essa exposição. O uso ocasional ou raro de máscaras por pacientes suspeitos ou confirmados apresentou significância estatística e esteve associado a uma maior chance de resultado positivo para covid-19 no profissional de saúde apenas na etapa 2 do modelo. Em relação aos indicadores de estrutura, não se observou significância estatística para o desfecho resultado do teste para covid-19 para nenhuma das variáveis analisadas no modelo (localização do serviço de saúde - capital, disponibilidade de EPI e atendimento a pacientes suspeitos e confirmados para covid-19) (Tabela 3).

Tabela 3
Modelo de regressão logística para o desfecho resultado do teste de covid-19 entre profissionais de saúde. Brasil, 2023.

No modelo de regressão logística para o desfecho grau de risco de infecção (Tabela 4), dentre as variáveis sociodemográficas, as faixas etárias mais avançadas (40 a 59 anos e 60 anos ou mais) apresentaram menos chance de ter risco alto de infecção (efeito protetor) em todas as etapas do modelo e no modelo final (p<0,002 e p<0,013, respectivamente). Em relação às categorias profissionais, ser enfermeiro(a) apresentou chance 1,48 [IC95%: 1,05-2,09] maior de risco alto de infecção, mas isso foi observado somente na Etapa 1 (p<0,025).

Dentre as variáveis de processo, a única que apresentou significância estatística no modelo final do desfecho grau de risco de infecção foi o uso de máscara em pacientes suspeitos ou confirmados para a doença. Este uso esteve associado a uma razão de chance 2,18 vezes maior [IC95%: 1,31-3,63] de o profissional de saúde ter um grau de risco elevado de infecção (p<0,003). A variável exposição ao ambiente em que o paciente suspeito ou confirmado foi atendido teve significância estatística somente na Etapa 2 do modelo e esteve associada a uma chance cerca de 1,57 vezes maior [IC95%: 1,05-2,36] de ter um grau de risco elevado de infecção (p<0,03).

Em relação às variáveis de estrutura, todas tiveram significância estatística no modelo final. Ter realizado teste para covid-19 esteve associado a uma chance 1,94 vezes maior [IC95%: 1,41-2,67] de ter um grau de risco alto de infecção (p<0,001), a localização do serviço de saúde na capital esteve associada a uma menor chance de risco elevado de infecção (RC=0,69; [IC95%: 0,51-0,94]; p<0,02) e a baixa disponibilidade de EPI esteve associada a uma chance quase 13 vezes maior de ter um risco alto de infecção (RC=12,9; [IC95%: 8,09-20,62]; p<0,001) (Tabela 4).

Tabela 4
Modelo de regressão logística para o desfecho relativo aos profissionais de saúde: grau de risco de infecção. Brasil, 2023.

Discussão

O presente estudo analisou respostas de 2.832 profissionais de saúde que atuaram na linha de frente da pandemia de covid-19 no Brasil, no período de junho a setembro de 2020, sobre as características do próprio profissional (idade, sexo, cor de pele, categoria profissional), dos processos de trabalho e da estrutura dos serviços de saúde.

Quase 80% (76,5%) dos respondentes eram enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem. Sessenta por cento (59,2%) dos profissionais de saúde relataram trabalhar em hospitais, serviço com a maior proporção de resultados de testes positivos e maior proporção de indivíduos com grau de risco alto para infecção por covid-19. Esse padrão também foi observado no tipo de serviço UPA, quadro esperado, pois, nesses serviços, eram realizados procedimentos de maior complexidade, com geração de aerossol (Paris et al., 2022PARIS, Christophe et al. Risk factors for SARS-CoV-2 infection among health care workers. American Journal of Infection Control, v. 50, n. 4, p. 375-382, abr. 2022. https://doi.org/10.1016/j.ajic.2021.11.001. Disponivel em: Disponivel em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8585562/pdf/main.pdf . Acesso em: 10 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

O contato prolongado com pacientes infectados, a necessidade do uso massivo de EPI no ambiente de trabalho, a fadiga e o estresse crônicos, entre outros fatores, expuseram os profissionais de saúde a maiores riscos de adoecimento físico e mental durante a pandemia por covid-19 (World Health Organization, 2021a; Dzinamarira et al., 2022DZINAMARIRA, Tafadzwa et al. Risk factors for Covid-19 infection among healthcare workers: a first report from a living systematic review and meta-analysis. Safety and Health at Work, v. 13, n. 3, p. 263-268, 2022. https://doi.org/10.1016/j.jiph.2022.05.006. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9004144/. Acesso em: 11 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
). Em relação ao risco de infecção desses profissionais pelo SARS-CoV-2, o tema foi estudado por diferentes autores, com abordagens diversas (Chou et al., 2020CHOU, Roger et al. Epidemiology of and risk factors for coronavírus infection in health care workers: a living rapid review. Annals of Internal Medicine, v. 173, n. 2, p. 120-136, 2020. https://doi.org/10.7326/M20-1632. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7240841/. Acesso em: 1 abr. 2020.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Tavares et al., 2021TAVARES, Ana S. R. et al. Assessment and impact of the risk of exposure of portuguese biomedical scientists in the context of COVID-19. International Journal of Environmental Research and Public Health , v. 18, n. 13, p. 7.097, 2021. https://doi.org/10.3390/ijerph18137097. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8296870/. Acesso em: 11 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Poletti et al., 2021POLETTI, Piero et al. Seroprevalence of and risk factors associated with SARS-CoV-2 infection in health care workers during the early COVID-19 pandemic in Italy. JAMA Netw Open, v. 4, n. 7, e2115699, 2021. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.15699. Disponivel em: Disponivel em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8261609 /. Acesso em: 10 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Plebani et al., 2020PLEBANI, Mario et al. SARS-CoV-2 serosurvey in health care workers of the Veneto Region. Clinical Chemistry and Laboratory Medicine, v. 58, n. 12, p. 2.107-2.111, 2020. https://doi.org/10.1515/cclm-2020-1236. Disponivel em: Disponivel em: https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/cclm-2020-1236/html . Acesso em: 10 jan. 2024.
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).

Estiveram associados ao resultado positivo do teste para covid-19 ter se autodeclarado não branco e ser técnico ou auxiliar de enfermagem, sugerindo um componente socioeconômico associado à raça/cor de pele e à posição de trabalho, na maior susceptibilidade à doença. Estudo de Horta et al. (2021)HORTA, Bernardo L. et al. Prevalence of antibodies against SARS-Cov-2 according to socioeconomic and ethnic level in a Brazilian national survey. Revista Panamericana de Salud Pública, v. 44, 2020. https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.135. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7595003/pdf/rpsp-44-e135.pdf. Acesso em: 11 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
sobre a prevalência de anticorpos contra o SARS-CoV-2 no Brasil, identificou que a soroprevalência permaneceu significativamente mais elevada entre os indígenas, pardos, negros e entre os mais pobres. Outro estudo conduzido em hospitais na Irlanda demonstrou que a soroprevalência do SARS-CoV-2 também esteve associada à raça afrodescendente, a baixos níveis de escolaridade e à categoria profissional de enfermeiros (Allen et al., 2022ALLEN, Niamh et al. Prevalence of antibodies to SARS-CoV-2 following natural infection and vaccination in Irish hospital healthcare workers: changing epidemiology as the pandemic progresses. Frontiers in Medicine, v. 8, 2022. https://doi.org/10.3389/fmed.2021.758118. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmed.2021.758118/full. Acesso em: 9 jan. 2024.
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).

Além disso, o corpo de enfermagem é a categoria profissional que mais frequentemente está exposta à doença, devido às funções que desempenha nos serviços e ao maior contato com os pacientes. Na Itália, Poletti et al. (2021POLETTI, Piero et al. Seroprevalence of and risk factors associated with SARS-CoV-2 infection in health care workers during the early COVID-19 pandemic in Italy. JAMA Netw Open, v. 4, n. 7, e2115699, 2021. https://doi.org/10.1001/jamanetworkopen.2021.15699. Disponivel em: Disponivel em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8261609 /. Acesso em: 10 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
) identificaram que os assistentes de saúde (health assistants) e os enfermeiros tinham maior probabilidade (odds ratio) de infecção por covid-19 do que os médicos. Os autores sugerem que infecções repetidas e o contato prolongado com pacientes infectados representavam um fator de risco significativo associado à positividade para SARS-CoV-2 entre os profissionais de saúde. Outro estudo italiano também encontrou maior soroprevalência para covid-19 nos health assistants (Plebani et al., 2020PLEBANI, Mario et al. SARS-CoV-2 serosurvey in health care workers of the Veneto Region. Clinical Chemistry and Laboratory Medicine, v. 58, n. 12, p. 2.107-2.111, 2020. https://doi.org/10.1515/cclm-2020-1236. Disponivel em: Disponivel em: https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/cclm-2020-1236/html . Acesso em: 10 jan. 2024.
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). Um outro estudo verificou que o risco de contrair covid-19 foi cerca de três vezes maior entre enfermeiros e duas vezes maior entre os médicos, comparativamente a indivíduos que não são profissionais de saúde (Modenese et al., 2021MODENESE, Alberto et al. Factors associated with SARS-CoV-2 infection risk among healthcare workers of an Italian University Hospital. Healthcare, Basel, v. 9, n. 11, p. 1.495, 2021. https://doi.org/10.3390/healthcare9111495. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8622462/. Acesso em: 10 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
). Paris et al., (2022PARIS, Christophe et al. Risk factors for SARS-CoV-2 infection among health care workers. American Journal of Infection Control, v. 50, n. 4, p. 375-382, abr. 2022. https://doi.org/10.1016/j.ajic.2021.11.001. Disponivel em: Disponivel em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8585562/pdf/main.pdf . Acesso em: 10 jan. 2024.
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) observaram associação entre um risco maior de soropositividade pelo SARS-CoV-2 e duas atividades dos auxiliares de enfermagem no hospital estudado, o banho e a troca de roupas, e a mobilização dos pacientes na cama. Os autores ressaltam que as máscaras cirúrgicas usadas rotineiramente durante essas atividades podem não ser apropriadas para evitar a infecção pela doença.

Em relação ao uso de EPI durante a prestação da assistência e/ou durante a realização de procedimentos com risco de geração de aerossol, a proporção de resultados negativos para covid-19 foi maior do que a de positivos, sugerindo que o autorrelatado uso efetivo de EPI causou um impacto maior no resultado do teste do que a disponibilidade em si do equipamento, ainda que ambos estejam relacionados e sejam fundamentais para a prevenção da contaminação. Embora tenha havido relatos de falta de EPI nos meses iniciais da pandemia, na população de estudo esse problema não apresentou grande magnitude; além disso, o uso contínuo e adequado desses equipamentos pareceu o elemento mais sensível na prevenção do contágio. Recente metanálise que avaliou os fatores de risco para covid-19 em profissionais de saúde evidenciou que aqueles que relataram o uso de EPI tiveram chance 29% menor de testar positivo para a doença (Dzinamarira et al., 2022DZINAMARIRA, Tafadzwa et al. Risk factors for Covid-19 infection among healthcare workers: a first report from a living systematic review and meta-analysis. Safety and Health at Work, v. 13, n. 3, p. 263-268, 2022. https://doi.org/10.1016/j.jiph.2022.05.006. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9004144/. Acesso em: 11 jan. 2024.
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). A proteção dos profissionais de saúde da infecção pelo SARS-CoV-2 inclui o fornecimento contínuo de equipamentos adequados aos procedimentos realizados, o seu uso apropriado, garantido por meio de treinamentos regulares e monitoramento da forma correta de uso (World Health Organization, 2021aWORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). COVID-19: occupational health and safety for health workers: interim guidance, 2021a. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/339151. Acesso em: 8 jan. 2024.
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). Esses achados ajudam a dimensionar como os processos e iniciativas dirigidas à segurança do cuidado, incluindo os dois pilares de sustentação - paciente e profissional -, podem estar em risco em situação de urgência, por falta de insumos e desordem organizacional, por contexto de emergências sanitárias desse porte, como o auge da pandemia de covid-19.

Sobre os fatores relacionados a estrutura e processo, neste estudo, a exposição a um paciente suspeito ou confirmado para covid-19 foi o único que apresentou significância para o desfecho resultado positivo do teste. Esse achado também foi demonstrado no estudo conduzido em hospitais irlandeses, que verificaram associação estatística entre a soroprevalência do SARS-CoV-2 e o contato diário com pacientes positivos para covid-19, bem como o contato diário com pacientes suspeitos ou confirmados para a doença (Plebani et al., 2020PLEBANI, Mario et al. SARS-CoV-2 serosurvey in health care workers of the Veneto Region. Clinical Chemistry and Laboratory Medicine, v. 58, n. 12, p. 2.107-2.111, 2020. https://doi.org/10.1515/cclm-2020-1236. Disponivel em: Disponivel em: https://www.degruyter.com/document/doi/10.1515/cclm-2020-1236/html . Acesso em: 10 jan. 2024.
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).

Já para o desfecho grau de risco de infecção, do profissional de saúde, as faixas etárias mais avançadas tiveram menor chance de um grau de risco elevado, provavelmente pela maior exposição dos indivíduos mais jovens a determinadas funções, pela recomendação de afastamento dos profissionais de saúde que se enquadrem nos grupos de risco, entre eles idosos e portadores de comorbidades (Brasil, 2020bBRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n. 639, de 31 de março de 2020. Dispõe sobre a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo - Profissionais de saúde”, voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). 2020b. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 76. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-639-de-31-de-marco-de-2020-250847738. Acesso em: 16 maio 2020.
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). O único elemento relacionado ao processo que teve significância foi o uso de máscara em pacientes suspeitos ou confirmados para a doença.

Em relação aos fatores de estrutura, todos tiveram significância estatística no modelo final. A localização do serviço de saúde na capital esteve associada a uma menor chance de risco elevado de infecção. Por outro lado, ter realizado teste para covid-19 esteve associado a uma chance maior de haver um grau de risco alto de infecção, indicando que o teste foi solicitado adequadamente, numa provável situação de exposição real. A baixa disponibilidade de EPI esteve associada a uma chance quase 13 vezes maior de ter um grau de risco alto de infecção. O resultado sobre a disponibilidade de EPI é relevante por dois fatores: a importância deste aspecto de estrutura, ou seja, a presença desses equipamentos nos serviços de saúde para o uso dos profissionais; e outra possibilidade seria esta variável expressar-se como indicativa do uso de EPI propriamente dito, tendo em vista que ambos estiveram relacionados, provocando possivelmente algum grau de colinearidade no modelo do desfecho grau de risco de infecção, aumentando a magnitude do efeito.

Limitações e potencialidades do estudo

A necessidade de obter rapidamente informações sobre a segurança dos profissionais de saúde, como elemento central para a garantia da segurança do cuidado prestado, no auge do atendimento à pandemia por covid-19, impossibilitou a adoção de um processo formal de adaptação transcultural do instrumento da OMS, o que foi realizado e publicado em 2021 por outro grupo de pesquisa, em período posterior à coleta de dados deste estudo (Dutra et al., 2021DUTRA, Herica S. et al. Avaliação do risco de exposição profissional ao Covid-19: adaptação transcultural. Texto & Contexto: Enfermagem, Florianópolis, v. 30, e20210097, 2021. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2021-0097. Disponivel em: Disponivel em: https://www.scielo.br/j/tce/a/SGZPDnqMKZCmXfDbBpRHZCx/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 10 jan. 2024.
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). Outra limitação diz respeito ao desenho do estudo, de natureza exploratória e transversal, com base em amostra de conveniência e participação voluntária, que impede a análise de relações de causalidade, mas permite a observação dos fenômenos e a formulação de hipóteses. Em especial, a estratégia de divulgação incluiu ex-alunos, tutores de curso a distância e interessados na área de qualidade e segurança do paciente, entre outros. Isto pode ter influenciado os resultados obtidos ao compor uma amostra de profissionais que atuavam em serviços de saúde com melhores condições estruturais. No entanto, foi possível obter de forma mais ágil um conjunto mínimo de informações sobre comportamentos e problemas de saúde dos profissionais de saúde durante a pandemia de covid-19, mediante o uso e a aplicação da estratégia do websurvey (De Boni, 2020BONI, Raquel B. Websurveys in the times of Covid-19. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 7, e00155820, 2020. https://doi.org/10.1590/0102-311X00155820. Disponivel em: Disponivel em: https://www.scielo.br/j/csp/a/G8kJtRzvd5gJVrHtdxchpKh/?lang=en . Acesso em: 10 jan. 2023.
https://www.scielo.br/j/csp/a/G8kJtRzvd5...
).

Ressalta-se ainda, como contribuição do presente estudo, não haver na literatura científica, entre os estudos produzidos durante o auge da pandemia de covid-19, abordagens conduzidas com profissionais de saúde com experiência ou interesse na questão da qualidade do cuidado e da segurança do paciente. A temática da qualidade do cuidado e da segurança do paciente ganhou relevância no início dos anos 2000, com a publicação do relatório To Err is Human, do Instituto de Medicina dos Estados Unidos (Kohn et al., 2000KOHN, Linda T. et al. To err is human. Washington, DC: National Academy Press, 2000.). Desde então, diversos estudos e iniciativas nesta área vêm crescendo nas últimas décadas, incluindo a criação, pela OMS, da Aliança Global pela Segurança do Paciente. No Brasil, a publicação, em 2013, da portaria n. 529 regulamentou e instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), do MS (Brasil, 2013BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n. 529, de 1º de abril de 2013. Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). 2013. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0529_01_04_2013.html. Acesso em: 7 dez. 2023.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
).

A segurança do paciente, compreendida como uma das dimensões da qualidade do cuidado, deve propiciar um conjunto de ações que visem melhorar a organização e a efetividade dos processos realizados na assistência ao paciente, sobretudo no tocante à sua segurança. Nessa perspectiva, a própria segurança do profissional na linha de frente, condição sine qua non, foi amplamente ameaçada, com consequências pessoais, organizacionais e para a qualidade do cuidado prestado, gerando a necessidade de adaptações e promovendo mecanismos de resiliência entre esses profissionais (Glette et al., 2023GLETTE, Malin K. et al. Resilience perspective on healthcare professionals’ adaptations to changes and challenges resulting from the COVID-19 pandemic: a meta-synthesis. BMJ Open, v. 13, n. 9, e071828, 2023. http://dx.doi.org/10.1136/ bmjopen-2023-071828. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10514639/. Acesso em: 11 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Narwal e Jain, 2021NARWAL, Sharda; JAIN, Susmit. Building resiliente health systems: patient safety during COVID-19 and lessons for the future. Journal of Health Management, v. 23, n. 1, p. 166-181, 2021. https://doi.org/10.1177/0972063421994935. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0972063421994935. Acesso em: 10 jan. 2024.
https://journals.sagepub.com/doi/full/10...
; Stayt et al., 2022STAYT, Louise C. et al. ‘Doing the best we can’: registered nurses’ experiences and perceptions of patient safety in intensive care during COVID-19. Journal of Advanced Nursing, v. 78, n. 10, p. 3.371-3.384, 2022. https://doi.org/10.1111/jan.15419. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9538018/. Acesso em: 11 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
; Membrillo-Pillpe et al., 2023MEMBRILLO-PILLPE, Nataly J. et al. Association between the nursing practice environment and safety perception with patient safety culture during COVID-19. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 20, p. 5.909, 2023. https://doi.org/10.3390/ijerph20105909. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10218141/. Acesso em: 10 jan. 2024.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
). Portanto, como a maior parte da rede de contatos dos pesquisadores deste estudo está relacionada à temática da qualidade e segurança, o perfil dos respondentes retrata uma população específica que já possuía algum conhecimento e sensibilização da importância da adequação de processos, condições de trabalho e meios de prevenção voltados ao cuidado seguro.

Outro aspecto que acreditamos ser uma importante contribuição, em relação a outros estudos publicados e realizados no mesmo período, é o referencial teórico proposto por Donabedian, a tríade de estrutura, processo e resultado (Donabedian, 1978 DONABEDIAN, Avedis. The quality of medical care: methods for assessing and monitoring the quality of care for research and for quality assurance programs. Science, v. 200, n. 4.344, p. 856-864, 1978. https://doi.org/10.1126/science.417400. Disponível em: https://www.science.org/doi/epdf/10.1126/science.417400. Acesso em: 11 jan. 2024.
https://www.science.org/doi/epdf/10.1126...
), tendo em vista o domínio proposto para o nosso estudo, situado dentro da temática da qualidade do cuidado e segurança do paciente (Narwal e Jain, 2021NARWAL, Sharda; JAIN, Susmit. Building resiliente health systems: patient safety during COVID-19 and lessons for the future. Journal of Health Management, v. 23, n. 1, p. 166-181, 2021. https://doi.org/10.1177/0972063421994935. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0972063421994935. Acesso em: 10 jan. 2024.
https://journals.sagepub.com/doi/full/10...
; De Bienassis et al., 2023BIENASSIS, Katherine et al. Advancing patient safety governance in the COVID-19 response. OECD Health Working Papers, n. 150, 2023. https://dx.doi.org/10.1787/9b4a9484-en. Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/9b4a9484-en.f?expires=1704890889&id=id&accname=ocid54025470&checksum=A06AE3AE01E3262B19056AA5E03B674B. Acesso em: 9 jan. 2024.
https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/...
). Ademais, os resultados colaboram com o registro de problemas e riscos ao cuidado seguro, segundo a percepção dos agentes que fazem funcionar as organizações de saúde. No contexto nacional, são escassos os estudos ancorados no arcabouço da qualidade do cuidado, nas ameaças para a segurança dos pacientes e, sobretudo, que vislumbrem retrocessos de iniciativas fomentadas pelas políticas nacionais voltadas ao cuidado seguro implementadas desde 2013.

Considerações finais

Este estudo identificou que o aumento da chance de um resultado positivo para covid-19, entre os profissionais de saúde, teve associação com características desses profissionais, como a sua raça/cor de pele e a sua categoria profissional, que têm relação com o nível socioeconômico e seu papel no cuidado ao paciente - intenso contato. Os que se autodeclararam não brancos e os técnicos e auxiliares de enfermagem tiveram chance maior de ter um teste positivo. Essas características mostraram-se mais importantes nos modelos multivariados do que fatores relacionados a estrutura e processo. Neste aspecto, apenas a exposição a um paciente suspeito ou confirmado para covid-19 também apresentou associação.

Em relação ao grau de risco de contrair a doença, os resultados apontaram para a maior importância das variáveis de estrutura das unidades de saúde, como a localização do serviço, ter realizado o teste e a disponibilidade de EPI. Contudo, a disponibilidade desse equipamento, embora necessária, não prescinde do uso adequado pelos profissionais e pacientes, o que sobressai como um aspecto central a ser garantido.

Sobretudo no contexto inicial da pandemia, marcado pela escassez de insumos básicos, explosão de casos e da demanda aos serviços de saúde, os achados apresentados aportam elementos que podem auxiliar o redesenho de planos de melhoria dos serviços de saúde. Além disso, sugere se pensar prospectivamente ações sobre os riscos à segurança dos profissionais e dos pacientes que garantam qualidade na prestação do cuidado em saúde em momentos de emergência de problemas de saúde desconhecidos e urgência de implementação de iniciativas efetivas.

Referências

  • Financiamento

    Apoio financeiro do Programa Fiocruz de Fomento à Inovação, o Inova Fiocruz. Bolsa de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), recebido pela autora APBP.
  • Aspectos éticos

    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Politécnica Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz, em 29/06/2020, conforme parecer n. 4.121.696 e CAAE: 32538620.1.0000.5241.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2023
  • Aceito
    08 Dez 2023
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